quarta-feira, 15 de junho de 2022

Vera Magalhães: Temporada de caça ao Judiciário

O Globo

Jair Bolsonaro inaugurou uma temporada de caça ao Judiciário que, se não for estancada agora e rechaçada sem espaço para tergiversação pelos democratas, é a antessala da agitação que ele prepara para logo após o primeiro turno das eleições, visando a melá-las.

O presidente está na fase 2 de seu projeto. Depois de semear, com relativo sucesso, a desconfiança quanto à confiabilidade das urnas eletrônicas e da apuração dos votos, ele partiu para a fulanização, na tentativa de pregar um alvo na testa dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF).

As aleivosias levantadas por ele contra os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, de forma sistemática e cada vez mais mentirosa, são a deixa para que tresloucados como o ex-senador Magno Malta também passem a fustigá-los com mentiras em eventos públicos, como aconteceu no último fim de semana.

Não é de hoje que essa estratégia passou a ser usada pelo presidente, mas ele havia sido obrigado a se moderar depois das falas golpistas do 7 de Setembro, e agora, depois da graça concedida ao deputado Daniel Silveira, parou de fingir qualquer moderação.

Bolsonaro mentiu que Moraes concordara em arquivar o inquérito das fake news. Mesmo desmentido pelo ex-presidente Michel Temer, insistiu na mentira. Associou de forma irresponsável a decisão do STF de anular as condenações do ex-presidente Lula a um impedimento para que Edson Fachin presida o TSE. É o tipo de pregação que ecoa no submundo das redes bolsonaristas e poderá virar combustível para novos protestos antidemocráticos contra o Judiciário, às vésperas da eleição.

Elio Gaspari: Demos o golpe, e agora?

O Globo

A demagogia do século XXI tem tintas milicianas

Num exercício de quiromancia política, pode-se dizer que são mínimas as chances de um golpe nos dias seguintes a uma possível vitória de Lula nas próximas eleições. Mesmo assim, essa afirmação é temerária quando o presidente da República sopra ventos golpistas, e o ministro da Defesa, ex-comandante do Exército, repreende o Tribunal Superior Eleitoral.

Admita-se, portanto, que existem pessoas preferindo um golpe. Para quê?

Em 1968, quando o general Costa e Silva baixou o Ato Institucional nº 5, o Brasil vivia um raro processo de radicalização. Grupos armados de esquerda praticavam atos terroristas. Pelo menos 11 bancos foram assaltados. Em junho, seis meses antes da edição do AI-5, um hospital militar foi atacado, e uma bomba explodiu diante do Quartel-General do Exército em São Paulo, matando um soldado. Em julho, terroristas executaram um major alemão supondo que ele era um oficial boliviano. Em outubro, foi assassinado um capitão americano que vivia em São Paulo.

Noutra ponta, com o terrorismo da direita, militares lotados no Centro de Informações do Exército punham bombas em teatros e livrarias vazias. Espancavam-se atores, e um maluco que se dizia ligado a um general praticou pelo menos 14 atentados em São Paulo. Quatro pessoas foram sequestradas no Rio e levadas clandestinamente para quartéis.

Esse clima não existe hoje. Também não existem os sinais de recuperação da economia, prenunciando o que viria a ser o Milagre Brasileiro.

Bernardo Mello Franco: Foiçada na Funai

O Globo

Funai é alvo de militarização e desmonte no governo Bolsonaro

Em setembro de 2019, Bruno Pereira articulou uma grande operação para reprimir o garimpo ilegal no Vale do Javari. A força-tarefa destruiu cerca de 60 balsas que operavam em território indígena. Dias depois, o indigenista foi punido pelo serviço exemplar: perdeu o cargo de coordenador de Índios Isolados da Funai.

O desaparecimento de Bruno e do jornalista Dom Phillips jogou luz sobre o desmonte da autarquia. Desde a posse de Jair Bolsonaro, a Funai foi capturada pela causa anti-indigenista. Passou a atuar contra os povos que deveria proteger.

Um dossiê divulgado nesta semana descreve o desmanche em detalhes. O documento pinta um quadro de asfixia orçamentária, leniência com o crime e perseguição a servidores de carreira.

No dia em que vestiu a faixa, Bolsonaro transferiu a Funai para o Ministério dos Direitos Humanos, entregue à pastora Damares Alves. A mudança foi revertida pelo Congresso, embora o então ministro da Justiça, Sergio Moro, tenha manifestado desinteresse em reaver o órgão.

Vera Rosa: O desafio de Simone Tebet

O Estado de S. Paulo

A terceira via não pode ficar apenas no discurso do ‘nem-nem’ nessa campanha

Quibes, esfihas e outros quitutes árabes ornamentavam a comprida mesa de 12 lugares, na casa de Campo Grande, quando Simone entrou na sala. “Você vai ser candidata a deputada federal”, disse-lhe o pai. “Não vou, não”, reagiu a filha, então professora universitária. “Quero ser deputada estadual.”

O ano era 2002 e, à época, Ramez Tebet desfrutava de prestígio no MDB. Era presidente do Senado, havia comandado a CPI do Judiciário, que resultou na cassação de Luiz Estevão, e o Conselho de Ética nas investigações sobre a quebra de sigilo do painel de votação.

Intrigado, o pai de Simone quis saber os motivos da decisão que desafiava a lógica política num momento em que ele era poderoso cabo eleitoral. “Mas por que você não quer ser candidata a deputada federal?”, perguntou Tebet.

Fábio Alves: Copom refém da incerteza

O Estado de S. Paulo

Em cenário tão nebuloso, o Copom deveria deixar em aberto decisão sobre juros em agosto

Uma alta de 0,50 ponto porcentual da taxa Selic, para 13,25%, já é amplamente esperada para a decisão do Copom hoje, mas a grande expectativa é saber como o Banco Central vai tratar o projeto que reduz impostos sobre combustíveis e outros serviços essenciais.

Para analistas, essa avaliação no comunicado do Copom seria a principal sinalização sobre os próximos passos da política monetária, em particular se o ciclo de alta de juros poderá prosseguir em agosto. Isso porque há o temor em relação tanto à piora fiscal quanto ao efeito adverso sobre a inflação no médio prazo do que está em discussão. 

Foi mal recebida pelo mercado a proposta do governo, via PEC, para ressarcir os Estados que decidirem zerar o ICMS sobre diesel e gás de cozinha, que resultaria numa despesa ao redor de R$ 25 bilhões fora do teto de gastos.

Vinicius Torres Freire: Baixa da gasolina, baixaria Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Desconto de combustível ocorre durante maior aumento da miséria em uma década

Talvez eu possa passear de carro com gasolina mais barata em julho, digamos. Nas madrugadas, a temperatura mínima tem andado por volta de 7º aqui na cidade de São Paulo. Em julho, não deve ser muito diferente. Do carro, vou passar mais rapidamente pelos montes de pessoas largadas pelas calçadas geladas e molhadas de chuvisco. Algumas talvez já mortas.

Jair Bolsonaro chutou que o litro de gasolina vai ficar R$ 2 mais barato quando for aprovado o pacote de redução de impostos que ele e os chefes do poderoso centrão inventaram para ganhar uns pontos nas pesquisas. O litro do diesel baixaria R$ 1.

Segundo o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), relator de parte desses projetos de lei, a baixa da gasolina seria de R$ 1,65 por litro; o litro do diesel baixaria R$ 0,76.

É tudo uma baixaria, mesmo.

Bruno Boghossian: Contando centavos

Folha de S. Paulo

Pressão contínua sobre Petrobras mostra que governo não quer desperdiçar centavos até a eleição

O governo mostrou que tem um cobertor curto para lidar com os apertos eleitorais de Jair Bolsonaro. Nos últimos dias, o presidente e seus auxiliares lançaram cobranças sobre a cúpula da Petrobras para adiar um novo aumento da gasolina e do diesel. O plano era segurar esse reajuste e esperar a aprovação no Congresso de mudanças nos impostos estaduais sobre os combustíveis.

A pressão sobre a estatal não é nenhuma novidade, mas as movimentações sugerem que Bolsonaro opera no limite dos prejuízos políticos que pode suportar nesse tema.

O governo trata a limitação da cobrança de ICMS e outras medidas para os combustíveis como torpedos sobre os preços, capazes de reduzir o litro da gasolina em até R$ 1,65. Bolsonaro pareceu ainda mais confiante durante uma entrevista: fez uma conta de padeiro e disse que o valor cobrado poderia cair até R$ 2.

Hélio Schwartsman: Adoravelmente progressivo

Folha de S. Paulo

Título universitário confere a seu detentor um significativo aumento de renda

No Brasil, certas discussões são eternas. Estão nesse rol a liberação do aborto, a legalização das drogas e a cobrança de mensalidades em universidades públicas. Defendo todas as três, mas não creio que as verei em vida. São assuntos que se tornaram tão ideologizados que o debate fica travado. Às vezes, nessas situações, reapresentar a ideia sob uma nova roupagem pode derrubar as resistências. Dizem que a essência da diplomacia é encontrar novos "frames" (enquadramentos) para problemas velhos. Acho que há um mecanismo desses para a questão das universidades.

A meu ver a cobrança seria justa, porque o título universitário costuma conferir a seu detentor um significativo aumento de renda. Médicos e engenheiros ganham entre 15 e 20 vezes mais do que a mediana salarial do país. E isso ao longo de toda a vida laboral. Usar dinheiro dos impostos para financiar a formação desses profissionais configura um indefensável subsídio dos mais pobres para os mais ricos.

Mariliz Pereira Jorge: O Brasil é uma selva

Folha de S. Paulo

Uma selva habitada por homens desinteressados pelo paradeiro de Dom e Bruno

A imagem mais clichê que se tem do Brasil no exterior não é exagerada. O Brasil é uma selva. Mas em vez de onças, anacondas e jacarés, o animal que coloca em risco a vida das pessoas é o político brasileiro. A letargia do governo em mobilizar esforços para procurar o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips é sintoma da selvageria em que vivemos.

Jair Bolsonaro nem tentou fingir alguma preocupação quando questionado sobre o caso. Classificou como "aventura não recomendada" o trabalho dos profissionais. Minimizou a violência à qual a região está exposta, afirmando que os dois podem ter sido vítimas de uma "maldade". Desde quando dois possíveis assassinatos podem ser chamados de "maldade"? No Brasil de Bolsonaro.

Fernando Exman: Um governo em busca da marca própria

Valor Econômico

Aliados do presidente Bolsonaro criticam rumos da campanha

Em uma tarde de domingo sem emoções no noticiário político, o telefone celular vibra com a notificação de mais uma mensagem do presidente Jair Bolsonaro (PL) à sua lista de transmissão. “Governo aprimora o Bolsa Família, beneficiando de forma mais justa a mais brasileiros!”, diz o título da nota disparada para 1,3 milhão de destinatários.

Horas depois, já na segunda-feira de manhã, outra postagem surge no perfil do presidente nas redes sociais. “A transposição [do rio São Francisco] era para ter concluído em 2010, no final do governo Lula. Passou para 2012 com a Dilma, para 2014 e não concluíram nada. Nós pegamos partes de obra lá completamente destruídas. Tiveram que ser refeitas novamente”, afirma o presidente na entrevista replicada. “Teve barragem que estava sendo construída desde 1952, nem eu era nascido ainda, e nós concluímos. Como é a barragem de Oiticica. Então, hoje a água está chegando no Nordeste de fato.”

Lu Aiko Otta: Por sua conta e risco

Valor Econômico

Com menos emprego, MEIs já somam 70% das empresas no país

Há algo errado num país em que 70% das empresas não são empresas, mas pessoas. É o que acontece no Brasil às vésperas de mais uma eleição.

Dados divulgados este mês pelo Ministério da Economia mostram que existem 19,4 milhões de empresas ativas no Brasil. Dessas, 13,5 milhões são individuais.

Aí estão os trabalhadores “pejotizados”. Mas a parcela majoritária são microempreendedores individuais (MEIs). Esses chegam a 11,1 milhões.

O professor Sergio Firpo, do Insper, enxerga alguns movimentos por trás desse grande número de MEIs no país.

Uma explicação está na reforma trabalhista de 2017. A partir dela, as empresas ganharam mais segurança jurídica para contratar serviços terceirizados. Isso explica em parte o crescimento na abertura de novas empresas individuais. A pandemia acelerou esse processo, especialmente na área digital.

Há também uma explicação tributária. Trabalhadores individuais podem, por opção, constituir empresa para pagar menos tributos. Ou pessoas podem ter sido pressionadas a se tornar “pejota” para seu empregador virar um contratante e pagar menos encargos e impostos.

Outra causa para o aumento do número de MEIs é o “desemprego brutal”, aponta Firpo. Demitidas e sem conseguir nova colocação, pessoas vão para a informalidade ou criam uma empresa individual para ter, ao menos, alguma proteção previdenciária.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Bolsonaro faz mais investidas contra urnas eletrônicas

Valor Econômico

O ponto é que só Bolsonaro julga que falta transparência a um processo eleitoral limpo e rápido, elogiado em todo o mundo

Jair Bolsonaro nunca teve problemas com as urnas, só depois de obter o maior trunfo de sua carreira política e chegar à Presidência da República. A atual aversão motivada, que inspira uma campanha com potenciais consequências perturbadoras, é tanto maior quanto mais o presidente suspeita que as pesquisas eleitorais possam estar falando a verdade e ele será derrotado em outubro. O presidente de antemão não aceita o veredito das urnas, que não julga confiáveis, e quer permanecer no poder. Em um regime democrático, isso não é possível.

O temor de ter de abandonar o Palácio do Planalto, e depois se envolver em um turbilhão judicial que pode lhe ser desfavorável, alimenta a imaginação paranóica do presidente. Com o Executivo na mão e o Legislativo na retaguarda, há uma instituição que pode frustrar seus desejos: o Judiciário. Bolsonaro afirma que o anterior, o atual e o futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral - Luís Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes - estão empenhados em eleger seu adversário, Luiz Inácio Lula da Silva. Fachin por um motivo especial: seria “marxista-leninista”.

Mas a trajetória de Bolsonaro em direção a causar um grande tumulto nas eleições nada tem de subjetivo. Ele dá sempre novos passos nessa direção. O ministro Barroso convidou as Forças Armadas a fazerem parte do Comitê de Transparência das Eleições, que logo foi utilizada pelo comando militar para enviar uma saraivada de 88 questões sobre tudo que poderia dar errado nas urnas eletrônicas - mas nunca deu -, várias delas na linha das suspeitas do presidente, como a da existência da “sala secreta” em que Bolsonaro acha que as eleições são de fato decididas. Em reunião com empresários, em 13 de maio, Bolsonaro disse que os militares apontaram “mais de 600 vulnerabilidades” nos aparelhos de votação. Já havia também ameaçado virar a mesa se não fosse possível auditá-los.

Poesia | João Cabral de Melo Neto: Morte e Vida Severina

 

Música | Ozi dos Palmares: Dos Engenhos de Minha Terra (Ascenso Ferreira)