Todo fôlego para negar 'pedaladas'
Vinicius Sassine – O Globo
• Tropa de choque foi mobilizada para produzir defesa de mais de mil páginas que será entregue hoje ao TCU
BRASÍLIA - Depois de mobilizar uma tropa de choque para elaborar sua defesa, o governo vai protocolar hoje no Tribunal de Contas da União (TCU) um documento sem a assinatura da presidente Dilma Rousseff e com cerca de 1 mil páginas, incluídos os mais de 900 anexos, em que nega ter recorrido à prática de "pedaladas fiscais" para melhorar artificialmente as contas públicas em 2014.
O TCU tinha cobrado respostas de Dilma para 13 indícios de irregularidades nas contas de 2014. No documento, uma das principais alegações apresentadas pelo governo é que o Tesouro ficou com saldo positivo na operação feita com a Caixa Econômica Federal para pagar os benefícios sociais em 2014. O crédito favorável à União chegou a R$ 1,58 bilhão em 2014, segundo tabela reproduzida na defesa.
A resposta que será protocolada no fim do dia pela Advocacia-Geral da União (AGU) reagrupou as 13 perguntas do TCU em oito pontos, entre eles as "pedaladas fiscais". O julgamento das contas de Dilma ganhou um contorno inédito diante do risco de a presidente ter as contas rejeitadas em plenário no TCU, o que levaria a um julgamento político das contas no Congresso num momento de crise.
Pelo relatório em debate no TCU, no ano passado o governo federal recorreu a uma manobra conhecida como "pedalada fiscal": o Tesouro diminuiu o fluxo de repasses de verbas a bancos oficiais, que se viram obrigados a arcar com o pagamento de benefícios sociais como o seguro-desemprego e o Bolsa Família. No caso da Caixa Econômica, a instituição teve que honrar pagamentos do Bolsa Família, sem que houvesse repasses do Tesouro para fazer o pagamento.
Infração à Lei de Responsabilidade
Segundo o tribunal, a manobra para melhorar artificialmente as contas públicas envolveu recursos da ordem de R$ 40 bilhões entre 2009 e 2014 - R$ 7 bilhões somente no ano passado. Por ter se configurado como uma operação de crédito financeiro, conforme o TCU, as "pedaladas fiscais" infringiram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Na linha de frente da tropa de choque do governo estão o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Os presidentes do Banco Central e dos bancos oficiais - Caixa, Banco do Brasil e BNDES - também foram mobilizados pela presidente. Cabe ao TCU julgar um parecer sobre as contas, com indicativo de rejeição ou de aprovação com ressalvas, para decisão final do Congresso. Uma conta presidencial não é reprovada pelo TCU desde 1937.
O documento que será protocolado hoje reproduz informação sobre os saldos da União nas operações com a Caixa - que é a instituição responsável pelo pagamento de benefícios sociais. Apesar de terem ocorrido represamentos de repasses, que levaram a débitos esporádicos do Tesouro com o banco, o governo sustenta que o saldo médio do ano ficou positivo entre 1994 e 2014, conforme a tabela apresentada na resposta.
No ano passado, esse saldo ficou positivo em R$ 1,58 bilhão. Em 2013, em R$ 1,75 bilhão. E em 1994, o ano mais distante usado na defesa, o governo teve superávit de R$ 163,7 milhões.
Para tentar provar que não houve prejuízos com as "pedaladas", a defesa de Dilma afirma ainda que a Caixa sempre pagou juros à União, ano a ano, por conta dos créditos na conta. Em 2014, essa remuneração foi de R$ 141,6 milhões.
A defesa é assinada pelo advogado-geral da União, e não pela presidente, embora o TCU tenha cobrado as respostas de Dilma. No dia da sessão que deu o prazo de 30 dias à presidente para se explicar, o ministro relator das contas no TCU, Augusto Nardes, afirmou que o documento deveria ser assinado pela presidente. Dilma decidiu ontem que não assinaria, segundo fontes do governo. O entendimento prevalecente é que o questionamento é ao governo e não à pessoa da presidente.
Dilma se reuniu durante quase três horas ontem, no Palácio da Alvorada, com Adams, Barbosa e Aloizio Mercadante, da Casa Civil. Na segunda-feira, ela comandou uma reunião ainda mais ampla, incluindo os presidentes de Banco Central, Caixa, Banco do Brasil e BNDES.
Notas técnicas e tabelas
O documento principal da resposta tem 113 páginas, que se juntam às cerca de 900 páginas de anexos. O governo anexou à defesa notas técnicas de ministérios, jurisprudências e tabelas sobre as "pedaladas" e sobre os outros indícios de irregularidades apontados pelo TCU. A tônica da defesa é dizer que o próprio tribunal já considerou regulares práticas que agora condena em relação a 2014.
O governo pinça, inclusive, posições do relator Nardes nesse sentido. Sobre as "pedaladas" especificamente, a defesa cita a análise de um recurso em que se diz não ser "razoável classificar como operações de crédito meros atrasos de curtíssimo prazo no repasse de recursos do Tesouro". O julgamento das "pedaladas" ocorreu em abril, num processo à parte. Em junho, na análise das contas da presidente, a manobra voltou a ser considerada irregular.
O plano de Adams é deixar para o fim do dia a apresentação da defesa no TCU, que deverá ser entregue a Nardes. Por causa das tensões entre governo e relator, que já afirmou que votará pela rejeição das contas, os dois lados vêm evitando um confronto aberto. Adams não quer ser acusado de dar publicidade ao documento final antes de o ministro do TCU tomar conhecimento. Nardes, por sua vez, tem se mantido em silêncio diante de críticas internas no tribunal sobre sua atuação. Ele quer evitar a acusação de ter antecipado seu voto antes de analisar a defesa de Dilma.
A outros ministros do TCU, o relator vem afirmando que a defesa de Dilma será encaminhada com urgência à análise da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) do tribunal, que assessora o relator em relação às contas da presidente. A análise e a elaboração do voto de Nardes devem consumir pelo menos 15 dias. Assim, o julgamento em plenário deve ocorrer em agosto.
O governo já deu início a uma ofensiva no Congresso em defesa das contas de 2014. Na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Adams e Barbosa apresentaram os principais pontos das explicações de Dilma. Eles também se reuniram com as bancadas de PT e PCdoB na Câmara para detalhar a linha da defesa.