sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Vera Magalhães - O desastre de antecipar 2026

O Globo

Jornalistas e auxiliares de Lula erram ao iniciar bolsa de apostas que prejudica a largada do governo e mantém acirramento na sociedade

Lula ainda não completou uma semana de mandato, mas as bolsas de apostas para a sucessão presidencial de 2026 estão a todo vapor.

O erro é comum à imprensa e aos integrantes do próprio governo, e, além de ser o caminho certo para fofocas e conchavos que podem inviabilizar a largada da gestão, invariavelmente produzirá análises equivocadas.

Quem escreve coleciona uma série desses equívocos, frutos da tentação de passar a esquadrinhar a eleição seguinte tão logo é anunciado o resultado da última.

Depois de eleger João Doria prefeito de São Paulo em 2016 e na sequência governador do estado, Geraldo Alckmin foi apontado por todos, inclusive por mim, como nome forte para 2018. Teve menos de 5% dos votos válidos.

O próprio Doria, eleito duas vezes em dois anos, responsável por viabilizar a primeira vacina anti-Covid em 2021, era nome dado como certo na cédula de 2022, mas chegou avariado à campanha e bateu em retirada.

Voltando ainda mais no tempo e evocando o passado petista, em 2003, quando Lula subiu a rampa do Planalto, imediatamente se deflagrou uma disputa pelo posto de seu sucessor, entre José Dirceu, então instalado na Casa Civil, e Antonio Palocci, responsável pela Fazenda. Mudança de script: os dois se inviabilizaram por escândalos distintos e não chegaram vivos a 2010; sobrou para Dilma Rousseff, que no bolão dos cotados de sete anos antes não teria sequer um voto.

José de Souza Martins* - Mudança de presidente

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Durante todo o mandato, ele se esforçou na performance teatral de militar durão, irremovível. Sai reduzido a um melancólico estereótipo

Ganhou algum destaque, no vazio pós-eleitoral do noticiário, o início da mudança dos objetos pessoais do casal presidencial para um condomínio em Brasília. Um jornal chegou a publicar fotos de alguns dos objetos, entre os 7,5 mil que o presidente da República recebeu de presente durante o mandato.

No geral, expressam a mentalidade de seus adeptos e a representação imaginária que dele têm os que o admiram. É a imagem de um herói, embora nada conste sobre heroísmo em sua biografia.

Uma pintura retrata um Bolsonaro misto de Dom Pedro na proclamação da Independência e de marechal Deodoro na proclamação da República. Um outro quadro, inteiramente feito com cápsulas de balas de revólver, anuncia uma “Aliança pelo Brasil”. Outro, ainda, é o retrato de Bolsonaro cercado de animais de patas dianteiras juntas, em posição de oração, olhando para os céus. Um Noé de direita cercado de bichos crentes.

Fez sucesso uma escultura de madeira, de título “Harley mito”, uma moto em tamanho natural. Objeto de difícil acomodação num palácio, de espaços amplos porém de uso restrito, específicos para as obras de identificação solene da monumentalidade do recinto do poder. A peça era exibida diante da tribuna presidencial em cerimônias oficiais.

César Felício - Quem deve sair primeiro do governo Lula

Valor Econômico

Situação dos ministros do União Brasil é vulnerável

Na bolsa de apostas de qual será a primeira demissão no Ministério de Lula, a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, está disparada em primeiro lugar. Ela chamou atenção esta semana por sua imagem sorridente ao lado de milicianos, mas este não é seu único ponto vulnerável.

O episódio da foto da ministra com o “Jura”, revelado pela “Folha de S.Paulo” e por “O Globo” caminhava para a inconsequência, a tomar por base os comentários sobre a imagem feitos ontem pelo senador Jaques Wagner e o ministro Paulo Teixeira, no estilo “quem nunca?”. Mas aí apareceu, no fim da tarde, outra foto com outro miliciano, o “Marcinho Bombeiro”, que não é um miliciano qualquer: foi vereador em Belford Roxo, o reduto político da ministra, e teve dois parentes empregados na prefeitura. No começo da noite, mais uma: “O Globo” divulgou a foto da ministra ao lado de “Fabinho Varandão”, durante a campanha. O miliciano número 3 festejou nas redes sociais a chegada da deputada na Esplanada. Trata-se portanto de uma crise em curso.

Armando Castelar Pinheiro* - Rumos da política econômica

Valor Econômico

A maioria do que se propôs até agora vai no sentido de reduzir o crescimento e aumentar a inflação

A forte polarização nas últimas eleições ajudou a dar ainda menos espaço que o normal para que os candidatos apresentassem e discutissem suas propostas de política econômica. Passados dois meses desde a vitória do já agora presidente Lula, porém, ainda pouco se sabe sobre que rumo o novo governo pretende dar à política econômica. Diria que, das declarações e discursos feitos nesse período, se depreendem dois possíveis determinantes desse rumo.

Primeiro, o novo governo pretende que o setor público venha a gastar muito mais. Isso explica a prioridade dada à emenda constitucional 32/2022, a PEC da Transição ou da Gastança, como uns e outros a batizaram, que aumenta significativamente o espaço orçamentário para acomodar despesas do governo federal. Aparentemente também se pretende gastar mais por meio das empresas estatais, que passariam a investir mais e a financiar diferentes planos de governo. E fazer com que os bancos públicos expandam e barateiem seus créditos, alavancando mais gastos.

Hélio Schwartsman - O cálculo democrático

Folha de S. Paulo

Para a democracia funcionar, os resultados que ela produz não podem ser irreversíveis

Bolsonaro deve ser punido por crimes que tenha cometido durante a Presidência? Eu penso que sim, mas a discussão é menos simples do que parece.

A democracia, considerada em seus elementos mais essenciais, funciona porque previne a violência política. O jogo deve ser armado de tal forma que valha mais a pena para os derrotados em um pleito entregar o poder pacificamente do que resistir à força. Não é preciso ser um Von Neumann para concluir que o risco de prisão desbalanceia essa conta, tornando mais atrativa a hipótese de aferrar-se ao poder por todos os meios. Ademais, se testemunharmos muitos ex-presidentes passando longas temporadas na cadeia, criamos um desincentivo para que pessoas, eventualmente capazes e bem-intencionadas, concorram ao cargo.

Ruy Castro - Assim se passaram quatro anos

Folha de S. Paulo

Um dia, alguém nos perguntará como aturamos viver sob Bolsonaro por tanto tempo

Há dias, numa roda de amigos que falavam dos 21 anos da ditadura (1964-1985) e de como os militares tinham vergonha de sair à rua fardados, o filho adolescente de um de nós perguntou: "Se eles eram tão impopulares, por que vocês deixaram que ficassem tanto tempo no poder?".

Boa pergunta e difícil de responder. Alguém explicou que os militares não estavam sozinhos, que contavam com civis dispostos a alterar e corromper as instituições para lhes dar respaldo jurídico. Que, em certo momento, rapazes e moças, com coragem e ingenuidade suicidas, pegaram em armas para tentar derrubá-los, mas foram esmagados à custa de prisão, tortura e mortes; e que, em outro, fomos às ruas aos milhões exigindo eleições diretas —em vão. Derrotados, conformamo-nos em esperar que os milicos se cansassem e nos devolvessem o país.

Bruno Boghossian - O pêndulo da frente ampla

Folha de S. Paulo

Após desautorizar ministro, presidente deixa claro que será o árbitro final das pautas e concessões do governo

O então presidente do PSDB, Geraldo Alckmin, apoiou a reforma da Previdência de 2019. O petista Fernando Haddad foi contra. A senadora Simone Tebet (MDB) disse que o aperto nas aposentadorias era uma prioridade para o país. O chefe do PDT, Carlos Lupi, chamou de traidores e ameaçou expulsar da sigla os deputados que aprovaram a medida.

Os quatro estarão na mesma sala nesta sexta (6), na primeira reunião ministerial de Lula. O compromisso já estava previsto, mas passou a ser vendido como um encontro para "afinar o discurso" depois que o governo precisou negar uma "antirreforma da Previdência" anunciada por Lupi, ministro da área.

A reunião se tornou um dos principais fatos políticos da primeira semana de Lula e seus ministros. Um dos objetivos do encontro é determinar que qualquer proposta do novo governo só vai adiante se tiver aval do presidente. A ideia é delimitar o campo de ação da equipe e calibrar o pêndulo da frente ampla que se instalou no primeiro escalão.

Luiz Carlos Azedo - Simone Tebet no governo Lula esvazia a “terceira via”

Correio Braziliense

Propostas que rompem a linha de convergência da coalizão e as declarações desastradas sobre pautas específicas dos novos ministros de Lula são fatores de acirramento de desconfianças em relação ao governo

Qual o significado principal da presença da ex-senadora Simone Tebet no governo Lula? Numa visão economicista, diríamos que servirá de contraponto liberal à política do ministro da Fazenda, Fenando Haddad, supostamente estatizante e sem compromisso com a responsabilidade fiscal, como apontam a maioria dos oposicionistas que criticam o governo Lula por sua política econômica, desde antes mesmo de sua posse. Errado: a presença de Simone Tebet exerce um papel simbólico e político que transcende suas responsabilidades no Ministério do Planejamento e Orçamento: reforça o caráter de centro-esquerda da coalizão democrática de governo. Não é pouca coisa.

É óbvio que a política econômica do novo governo, que está em disputa, terá um papel decisivo para o posicionamento da elite econômica e da classe média que não apoiou Bolsonaro nem Lula no primeiro turno, preferindo Simone Tebet ou Ciro Gomes (PDT). É óbvio que as propostas que rompem a linha de convergência da coalizão e as declarações desastradas sobre pautas específicas dos novos ministros de Lula são um fator de acirramento de desconfianças em relação ao novo governo, que acaba associado ao fracasso da “nova matriz econômica” que levou à derrocada econômica o governo Dilma Rousseff. Mas a questão de fundo, mesmo para esses setores, é política: Simone no governo significa o esvaziamento da chamada “terceira via”, ou seja, da possibilidade de romper a polarização Lula versus Bolsonaro por meio de uma terceira alternativa de poder desde já.

Eliane Cantanhêde - Carne aos leões

O Estado de S. Paulo

A cada ‘forasteiro’, há um petista ou afim como contraponto. Isso causa ruído e agita a oposição

O presidente Lula reúne seu Ministério hoje, depois de uma primeira semana de emoção, simbologia, muitos anúncios de despesas, nenhum de receitas, “algumas divergências” entre ministros, como admitiu Simone Tebet, do Planejamento, e solavancos e um sobe e desce da Bolsa e do dólar.

Tebet (MDB) é liberal e Fernando Haddad (PT), da Fazenda, nem tanto. José Múcio (exPFL), da Defesa, tem fala mansa e Flávio Dino (PSB, ex-PCdoB), da Justiça, fala duro. Carlos Fávaro (PSD), da Agricultura, tem de pacificar o agronegócio, já Paulo Teixeira (PT), do Desenvolvimento Agrário, e Marina Silva (Rede, ex-PT), do Meio Ambiente, precisam pôr as “boiadas” de volta no curral.

Vejam que, nesta “frente ampla”, em que há um “forasteiro” de MDB, PSD, União Brasil, há um petista ou aliado de primeira hora como contraponto, lembrando a verdadeira origem e a alma do terceiro governo Lula. E o presidente vai deixar claro, hoje, que quem manda é ele.

Fernando Gabeira - Democracia sempre, com toda a precaução

O Estado de S. Paulo

Frase de Lula na posse implica um trabalho permanente de vigilância e diálogo para que não haja retrocessos

A última frase do discurso de Lula da Silva na posse de domingo fala em democracia sempre. Expressa um alívio, porque escapamos de destinos indesejáveis como o da Hungria ou mesmo, na outra ponta do espectro, o da Nicarágua.

A “democracia sempre” revela que a sociedade resistiu às ameaças de Jair Bolsonaro, mas implica também um trabalho permanente de vigilância e diálogo para que realmente não haja retrocessos.

Uma das variáveis interessantes no futuro próximo é desenhar o destino desse movimento que apoiou Bolsonaro e, parcialmente, resistiu na porta dos quartéis até o dia da posse de Lula.

Há quem pense que esses eleitores voltam ao leito original da direita clássica. Discordo. Eles são produto de uma nova época e se organizam de outra maneira, através de instrumentos que não existiam no passado.

Flávio Tavares* - O que nos espera?

O Estado de S. Paulo.

Sobre Haddad e suas ações recai o peso total de um governo que nos libertou de um pesadelo, mas que ainda engatinha

A primeira semana de 2023 se encerra como se o ano recém despertasse tal qual um tresnoitado que tenha caído da cama na madrugada, acreditando já haver Sol. Hoje é Dia de Reis no calendário cristão, mas já não recordamos a data.

Na voraz sociedade de consumo, vivemos sempre no amanhã. No Brasil, o novo governo federal desponta como se estivesse emaranhado nos 37 ministérios criados por Lula da Silva para administrar o País. Faltam até prédios na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para lá instalar o primeiro escalão do novo governo.

Aumentar o número de ministérios pode não obedecer, no entanto, a uma forma de melhor governar, mas, sim, a uma tentativa de obter (no conhecido “jeitinho” brasileiro) maioria no Congresso.

Pergunto: trata-se do ressurgimento (ou continuidade) da velha politicalha dominante na partidocracia brasileira?

Para disfarçar, dão a isso a denominação pomposa de “presidencialismo de coalizão”, mesmo que entre em atrito ou colisão com a forma democrática de governar para a totalidade dos cidadãos e não apenas como “moeda de troca” entre os políticos.

Elena Landau* - Quem não se comunica ...

O Estado de S. Paulo

Primeira semana do novo governo faz lembrar Chacrinha e Stanislaw Ponte Preta

Lembrei de Abelardo Barbosa e Sergio Porto nesta primeira semana de governo. Chacrinha usava muito o bordão “eu vim para confundir, e não para explicar”. Foi exatamente o que se passou nas idas e vindas sobre o Marco do Saneamento. Uma enorme confusão sobre o papel da Agência Nacional de Águas (ANA), que deixou no ar a possibilidade de retrocesso numa das mais importantes reformas regulatórias dos últimos anos. O novo marco gerou um aumento significativo do investimento privado e impôs metas de universalização, dando esperanças de acesso a água e esgoto à população de baixa renda abandonada na lama por anos de atuação estatal.

Stanislaw Ponte Preta criou a expressão Febeapá (“Festival de Besteiras que Assolam o País”). A semana foi pródiga. Na sua posse, Lupi bradou: “A Previdência não é deficitária”. É terraplanismo puro em governo que promete respeitar a ciência. Sua “antirreforma” foi mais um anúncio a ser desmentido em menos de 24 horas.

Bernardo Mello Franco – Uma encrenca no Turismo

O Globo

Na campanha, Lula atacou Jair Bolsonaro por discursos e homenagens a milicianos. Eleito, entregou o Ministério do Turismo a uma deputada que mantém laços políticos com a mesma turma.

A nomeação de Daniela Carneiro, que se apresentava até outro dia como Daniela do Waguinho, criou desgaste desnecessário para o novo governo. Além de expor a contradição entre discurso e prática, o caso escancara a falta de critério nas últimas escolhas para a Esplanada.

A ministra foi indicada pelo União Brasil, resultado da fusão do PSL com o DEM. Ao celebrar o acordo, Lula fez mesuras ao “companheiro” Luciano Bivar, que alugou seu antigo partido para o capitão em 2018. Todos os presidentes são obrigados a engolir sapos, mas é preciso algum cuidado para evitar a indigestão. Neste caso, uma consulta ao Google poderia ter poupado o petista do desconforto.

Flávia Oliveira - Diversidade é atitude

O Globo

Nem todas são chefes de família impossibilitadas de assumir posições fora das cidades de origem

No domingo em que a vitória da democracia se consumou, corações e mentes, Brasil afora, se emocionaram com o par de cenas de reconhecimento da existência de indivíduos e grupos sociais habitualmente desapercebidos — no sentido de desassistidos mesmo. Como o antecessor voou para os EUA, Luiz Inácio Lula da Silva subiu a rampa do Palácio do Planalto acompanhado de oito representantes do povo, entre os quais o cacique Raoni, Francisco, o menino negro campeão de natação, e Aline Sousa. A essa mulher negra, mãe de sete filhos, terceira geração de catadoras de material reciclável, coube pôr a faixa presidencial em quem saiu vencedor das urnas em outubro. Foi a imagem marcante da transição de poder.

Pedro Doria - AGU começou mal combate à desinformação

O Globo

Não pode, numa democracia, o governo definir o que é uma ‘política pública corretamente executada’

O governo Lula quer bater de frente com a máquina de desinformação que ameaça faz já pelo menos cinco anos a democracia brasileira. Ponto para ele. Mas começou mal — de forma atabalhoada, desastrada e, ora, no mínimo desinformada. É que a Advocacia-Geral da União tomou para si o trabalho de definir desinformação. As aspas são oficiais:

 “Mentira voluntária, dolosa, com o objetivo claro de prejudicar a correta execução das políticas públicas com prejuízo à sociedade e com o objetivo de promover ataques deliberados aos membros dos Poderes com mentiras que efetivamente embaracem o exercício de suas funções públicas.”

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Combate a fake news deve ser feito com cautela

O Globo

Ainda que bem-intencionada, ação da AGU precisa ser revertida para evitar abusos e censura

Ao erodir barreiras contra a propagação de fake news, a revolução digital apresentou um enorme desafio para sociedades democráticas. Discussões sobre liberdade de expressão e necessidade de proteger o Estado Democrático de Direito, que estavam adormecidas, voltaram com força. Nessa tendência, que é global, o Brasil teve papel de destaque. Após uma disputa acirrada, o resultado das eleições interrompeu um projeto de viés autoritário alavancado por fake news.

Nesta primeira semana do novo governo, não faltaram declarações e a criação de órgãos contra a propagação de desinformação tendo a defesa da democracia como mote. Mesmo que tudo seja feito de boa-fé, é preciso que a sociedade analise com objetividade e precaução essas iniciativas para que se evite a criação de estruturas que possam ser utilizadas para o cometimento de abusos e censuras, neste ou em qualquer futuro governo.

Poesia | Para além da curva da estrada - Fernando Pessoa

 

Música | Casuarina - Lapinha ( Baden Powell e Paulo Cesar Pinheiro)