Incapaz de "desencarnar", como prometera, o "Pelé no banco" do PT fará viagens em consonância com Dilma e ainda dará orientações políticas
Julia Dualibi
Em janeiro de 2011, o governo de Dilma Rousseff mal havia começado, e o recém empossado ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, fez uma análise sobre a eleição de 2014: "Temos um curinga. Estou dizendo para a oposição: "Calma, não se agitem demais. Temos uma carga pesada. Não brinca muito que a gente traz. É como ter o Pelé no banco de reservas"".
Como um dos principais aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Carvalho detinha credenciais para traçar prognósticos sobre o petista. A frase foi vista como um recado não só pela oposição, mas pelo PT: Lula pode voltar.
No começo deste ano, as declarações de Carvalho começaram a ganhar eco entre os petistas, alimentadas por movimentações de Lula que, depois das férias de final de ano na casa de um empresário em Angra dos Reis, mergulhou em compromissos políticos, alguns deles com forte conotação eleitoral.
Antes de viajar, chamara ministros petistas de Dilma Rousseff para conversar no Instituto Lula. A Alexandre Padilha (Saúde) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais) deu orientações sobre o governo. Na segunda semana de janeiro, foi à Prefeitura participar de reunião de Fernando Haddad com secretários, na qual falou quais deveriam ser as prioridades da gestão municipal.
Na semana passada, ocupou o noticiário em encontro que promoveu com intelectuais sul-americanos. Aliados também anunciaram as viagens que fará pelo País, o que criou uma conexão imediata com as Caravanas da Cidadania, promovidas por ele nos anos 90 antes como forma de preparar terreno para a eleição - Lula quer fortalecer o PT no Nordeste, onde o partido perdeu importantes capitais em 2012 para o PSB do governador Eduardo Campos (PE), virtual adversário de Dilma na eleição de 2014.
O petista foi ainda até o Rio visitar obras e se encontrar com o prefeito Eduardo Paes, mostrando, mais uma vez, relação de proximidade com o PMDB do governador Sérgio Cabral, numa contraposição ao grupo do atual vice de Dilma, Michel Temer.
A agenda pública e a movimentação nos bastidores alimentaram a tese ventilada por Carva¬lho. Diferentemente do que anunciara ao deixar a Presidência, Lula não "desencarnara" do cargo. Recuperado do câncer na laringe e insatisfeito com os rumos da gestão Dilma, prepararia a volta ao Planalto. A campanha seria ainda resposta a denúncias de envolvimento no mensalão.
Mas, apesar da movimentação do petista, o PT e o próprio Lula ainda trabalham com o "plano A", que é a reeleição de Dilma.
"Lula sempre foi um andarilho, fez sua vida na estrada. Esteve uma época sem sair porque estava doente. Não vai deixar de andar, de dar a posição dele sobre os assuntos. Ele é uma referência no País", declarou o sena¬dor Jorge Viana (PT-AC). "É o jeito dele de fazer política, ele não quer ser candidato", disse o ex-deputado Sigmaringa Seixas.
"A minha vocação é outra. Quero falar com as pessoas", co¬mentou o ex-presidente com um parlamentar numa comparação entre o que gosta de fazer - leia-se, política - e as palestras, pelas quais, estima-se, ele recebe pelo menos R$ 100 mil.
Isso, no entanto, não significa que o plano B, o de colocar o "Pelé" em campo, esteja descarta¬do. O cenário de Lula candidato em 2014 é admitido pelos aliados do petista, mas somente em caso de forte crise econômica que devaste a popularidade de Dilma.
"Ele só será candidato se hou¬ver um cataclisma econômico. Senão, não será em 2014, não será em 2018", afirmou um amigo de Lula. "Não há movimentos in¬ternos dissidentes ou divergências quanto à reeleição dela. Não vejo um elemento de cisão. Tudo indica que caminha para a reeleição. Até este momento é a 1ª estratégia", avalia o cientista político Francisco Fonseca (FGV-SP).
A tese da volta do ex-presidente é também alimentada pelas "viúvas de Lula", petistas que, sem acesso a Dilma, perderam influência no Planalto, onde a petista costuma manter as portas fechadas para parlamentares.
Críticas. Mais do que uma eventual candidatura à Presidência, o que está por trás das movimentações de Lula é a insatisfação com os rumos do governo Dilma. Para ele, Dilma precisa aprimorar a gestão em 2013 para ter uma vitrine na campanha de 2014.
O petista acha que o governo sofre de um certo imobilismo e de falta de comunicação com se¬tores da sociedade, entre os quais o empresariado. Mostrou-se preocupado com a execução lenta de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), principal marca da atual gestão.
Chegou a expor essas questões em uma conversa com a presidente em Paris, em dezembro do ano passado. Dilma entendeu o recado e, em janeiro, alterou a agenda e passou a receber mais empresários, potenciais doadores de campanha em 2014.
Na sexta-feira passada, ambos voltaram a se encontrar em São Paulo. Lula queria tratar com a presidente das viagens que fará pelo País, de maneira que a agenda seja cumprida em consonância com Dilma. No encontro, também estava o ministro Guido Mantega (Fazenda), para falar sobre o panorama econômico.
Horas após a conversa com Lula, Dilma fez a lição de casa. Num evento na capital paulista, fez um discurso enfático de defesa da sua gestão. Citou programas sociais e enalteceu a política econômica.
"Há uma fidelidade entre criador e criatura", disse Viana. "Pelo que conheço, jamais será candidato. Ele e Dilma são parceiros. Se for candidato, será depois da Dilma", afirmou o deputado Vicentinho.
Numa ação coordenada, Lula entrará na articulação política do governo, área mal avaliada pelos partidos da base e na qual Dilma é considerada amadora. "Ele vai empurrar o governo. Vai para cima dos ministros do PT", conta um petista. Lula trabalha para evitar a fragmentação da base, o que preocupa mais o PT hoje do que um eventual fortalecimento da oposição. Em 2013, Lula pretende ficar na beira do campo, dando orientações ao time e ameaçando a oposição com sua entrada na partida. Mas, ainda "encarnado", definirá o jogo apenas 2014.
Fonte: O Estado de S. Paulo