quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Opinião do dia: Karl Marx

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagem emprestada.
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Karl Marx, ‘O 18 Brumário de Luís Bonaparte’, p. 7, Nova Cultural, São Paulo, 1988.

Merval Pereira: À deriva

- O Globo

Foi-se o tempo em que Lula dava uma ordem e todos no PT o seguiam religiosamente. Bastou que recomendasse que o governo se apresse para retomar o crescimento econômico para que o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, declarasse que o governo “não tem coelho na cartola”, e que a recuperação da economia será gradual.

O mesmo Wagner que outro dia disse em alto e bom som que o PT “se lambuzou” no governo, em referência aos escândalos de corrupção. Há claramente uma ala petista que está tentando abrir espaço para uma espécie de autocrítica, em busca do eleitorado de classe média que foge do PT como o diabo foge da cruz, em confronto com outra, liderada por Lula, que quer uma guinada à esquerda, uma Carta aos Brasileiros às avessas, para garantir o apoio das chamadas “bases sociais”.

Lula ontem, na reunião que teve com a presidente Dilma e alguns ministros — o da Fazenda, Nelson Barbosa, foi barrado pelo próprio Lula —, insistiu em mais crédito, menos juros e mais capacidade de empréstimos para os estados. Quer dizer, mais do mesmo, que nos levou aonde estamos.

São duas posturas distintas: a dos que têm que tocar o que ainda resta do governo e a dos que estão de fora querendo recuperar a imagem do PT no ano eleitoral. Não são propriamente dissidentes, apenas companheiros com estratégias diferentes diante da crise que os apanhou a todos de calças curtas.

Lula ainda pediu que PT e governo não lavem roupa suja publicamente, mas a cada pronunciamento da direção nacional do PT contra o ajuste fiscal e a favor de medidas populistas para uma recuperação da economia — até o uso das reservas cambiais está entre as propostas — fica claro que o coração do PT balança entre apoiar Dilma ou vê-la pelas costas.

Ao mesmo tempo, como dizia Leonel Brizola, vários fatos insinuam que a presidente Dilma está “costeando o alambrado”, isto é, preparando-se para se livrar do PT assim que possível. A sugestão do ex-ministro Cid Gomes, atualmente filiado ao PDT, para que Dilma deixe o PT não parece fora de contexto.

Dificilmente as coisas acontecerão de maneira linear mas, à medida que a crise avança, é possível que aconteçam sem que ninguém possa controla-las. O país está à deriva, cada um tentando salvar a sua pele, principalmente Lula, que depende da recuperação de sua popularidade para escapar do cerco da Operação Lava-Jato.

E a popularidade dificilmente voltará com a economia em frangalhos. Talvez se livrar de Dilma seja mais barato para o lulismo, que voltaria para a oposição tentando convencer os incautos de que tudo será diferente com Lula novamente no poder em 2018.

Mas Jaques Wagner parece ter também planos de concorrer à Presidência da República, e o modelo que está tentando usar é o de um líder de esquerda moderado, que sabe onde o partido errou e quer fazer a releitura política para começar de novo.

Para isso tem que estar ao lado de Dilma, tentando superar a crise que estrangula o governo. Nesse ponto, a percepção de Lula está mais apurada, embora as consequências sejam catastróficas. O governo Dilma não tem mais tempo para fazer as maldades todas que têm que ser feitas, e chegar em 2018 em condições competitivas para disputar a Presidência da República.

O fato é que, se tivéssemos aqui o sistema de recall que existe em alguns estados dos Estados Unidos, ou a convocatória, referendo chavista que tirará Maduro do governo nos próximos meses, Dilma já estaria fora do governo com uma derrota esmagadora.

A solução de Lula é irresponsável, mas para os interesses imediatistas, que sempre foram sua prioridade, serviriam para desafogar o governo. A maioria defensiva que Lula sempre advogou para proteger-se de comissões parlamentares — e, no limite, do impeachment — está se esvaindo no governo Dilma, e ele próprio admite que, se não for reorganizada até março, o impeachment torna-se uma saída viável para a oposição.

José Dirceu, na cadeia, já está lendo o livro de Fernando Henrique Cardoso alegando que o PSDB pode voltar ao poder “e é preciso saber o que eles pensam”. Como se não soubesse. Todos os sinais desencontrados entre o PT e o governo são reflexos da crise que não tem data para acabar, aumentando a possibilidade de esse governo acabar antes do tempo.

José Roberto de Toledo: Resiliência atômica

- O Estado de S. Paulo

Se alguma bomba H não explodir antes, o prognóstico para o Brasil em 2016 é de mais sangria da economia pela política. Como um vampiro suga suas vítimas, o sistema partidário e eleitoral abriu as veias do País para drenar até a última gota. Apocalipse à parte, não há perspectiva de que se lhe desgrude os caninos. Ao menos não antes de março, numa previsão otimista.

Agora é o recesso, depois é o carnaval. Daí irão e virão recursos e embargos ao Supremo Tribunal Federal sobre o rito do impeachment de Dilma Rousseff. Prazos, instâncias, quóruns, tudo será motivo para questionamentos e pedidos de esclarecimento. Julho é mês de recesso. Agosto tem Olimpíada. Em setembro e outubro haverá eleição - fora os 14 feriados e pontos facultativos já oficializados para Brasília. Fim de 2016.

Sobra uma janela estreita, entre abril e junho, para um lado sobrepujar o outro - ou fecharem um acordo entre si. Mesmo sendo incerto fazer projeções para daqui a quatro meses, é provável que os arsenais de antis e prós continuem se equivalendo. Nesse cenário, não há vencedores. Segue o bombardeio intermitente, com vítimas aqui e acolá, a provocar tanta fumaça que turva toda previsão econômica e futiliza quaisquer planos de investimento.

Mesmo que um grupo prepondere, será um sanguessuga por outro. Sem uma disrupção no sistema político é cada vez mais improvável que o Brasil supere o “stop and go” econômico - com paradas progressivamente mais longas em relação aos períodos de avanço.

Na política brasileira atual, manda quem doa, obedece quem recebe. O dinheiro é o principal vetor de qualquer eleição, rivalizando em influência apenas com a inércia eleitoral (já estar no poder ou ser herdeiro de quem lá está).

Raros candidatos se elegem graças à militância espontânea. Na Câmara dos Deputados, os paradigmas da exceção são a família Bolsonaro e Jean Willys - dois extremos da trena ideológica. Recebem muitos votos por poucos reais, relativamente aos colegas. Seus cabos eleitorais podem ser gratuitos, mas não são desinteressados. Willys e Bolsonaros têm agendas que vão ao encontro estrito do que pretendem seus eleitores. É do jogo.

Mais congressistas representassem lobbies explícitos, mais transparente seria a disputa. Mas a maioria é uma mão-de-voto maleável e dependente dos recursos que a elegem - sejam o dinheiro, a inércia ou a combinação dos dois.

Quem não é sócio do clube do poder tem que pagar uma joia para entrar. Sua eleição tende a custar bem mais caro do que a dos incumbentes e parentes. Mas mesmo quem já é associado tem que arcar com seus estipêndios. Se não existe nem almoço grátis, quanto menos eleição. Daí ganharem força dentro dos partidos aqueles capazes de alavancar doações eleitorais não apenas para si, mas também para os colegas. E não é pelo seu charme.

Doações começam com cargos. Podem ser diretorias de estatais, cadeiras de ministro, presidências ou lideranças partidárias. Qualquer posição que permita criar dificuldades, oferecer facilidades ou ambos. Nesse sistema, o indivíduo só é poderoso quando vira uma organização. Representando múltiplos interesses, adquire resiliência no poder. Vale para partidos e políticos.

Tornam-se duros na queda os que não se lambuzam sozinhos. Ficam de pé aqueles que são generosos ao distribuir fatias de poder e zelosos ao guardar os registros da distribuição. Os resilientes montaram redes de financiamento baseadas em empresas e pessoas físicas cujos negócios dependem do governo. Dão, recebem, distribuem - há décadas. Quanto maior, mais resiliente é a rede. Se uma parte é lavada a jato, outras ocupam seu espaço.

O sistema tem tanta resiliência que, como as baratas, talvez escapasse até de uma hecatombe nuclear. Melhor não testar.

Luiz Carlos Azedo: Operação abafa na Lava-Jato

• O efeito das delações premiadas nas investigações da Lava-Jato só existe porque o dispositivo rompe a lógica do chamado “dilema dos prisioneiros”

- Correio Braziliense

Desde o início da Operação Lava-Jato, o Palácio do Planalto sustenta o discurso de que é preciso salvar da insolvência as empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobras, até para obter o ressarcimento do dinheiro desviado dos cofres públicos. Argumenta que a economia não pode ser prejudicada, é preciso salvar o emprego e a engenharia nacional estaria em risco de sobrevivência.

O mesmo discurso foi entoado pelos advogados das empresas, cujos executivos e alguns proprietários estavam diretamente envolvidos no escândalo, a ponto de alguns serem presos. Ao apagar das luzes de 2015, no vácuo do recesso do Congresso e do Judiciário, e em meio ao clima de Jingle Bells – “Bate o sino, pequenino, sino de Belém...” – que caracteriza as viradas do ano-novo, o governo fez dois movimentos para salvar as empresas envolvidas no escândalo da Petrobras.

O primeiro é um verdadeiro presente de Mamãe Noel, que está dando a maior confusão. A MP 703, de 18 de dezembro, alterou as regras dos acordos de leniência. As punições foram abrandadas e o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União (TCU) acabaram escanteados das negociações dos acordos, que somente apreciarão como fatos consumados. O segundo foi a tunga de R$ 133 milhões no orçamento da Polícia Federal, limitando ainda mais sua capacidade operacional nas investigações.

As duas medidas causaram forte reação das duas corporações envolvidas nas investigações, os procuradores federais e os delegados federais, respectivamente. Mas é o Tribunal de Contas de União (TCU), o órgão externo de controle das finanças públicas, que está estrilando mais por não participar das negociações dos acordos. O envolvimento do TCU, porém, politiza o assunto, porque remete à rejeição das contas de Dilma Rousseff de 2014 e à discussão sobre o impeachment.

Mas é evidente que a mudança da legislação terá impacto na Operação Lava-Jato. Foi feita para acelerar acordos de leniência que estavam sendo negociados discretamente pela Controladoria-Geral da União com seis das 26 empresas envolvidas no escândalo da Petrobras. A primeira é a UTC Engenharia, cujo proprietário, Ricardo Pessoa, liderou o cartel de empreiteiras do esquema de propina, aderiu à delação premiada e hoje goza do regime de prisão domiciliar.

Engevix, Galvão Engenharia, OAS, Andrade Gutierrez e Toyo Setal são as demais empresas da lista. Os acordos implicam no ressarcimento dos prejuízos comprovados, mas as mudanças nas regras do jogo são vistas pelos investigadores da Lava-Jato como uma espécie de pacto entre o governo e os empreiteiros, uma vez que a MP já em vigor permite que as empresas continuem a prestar serviços ao governo.

“Omertà”
A salvação das empresas, porém, seria uma espécie de moeda de troca para evitar novas delações premiadas. Segundo procuradores e delegados, o silêncio dos empresários protegeria os agentes políticos envolvidos no escândalo. Diga-se de passagem, os mesmos que podem garantir a aprovação das mudanças contidas na MP na Câmara e no Senado.

Como se sabe entre os advogados que atuam na Lava-Jato, o entendimento geral é de que as delações premiadas somente estão ocorrendo em razão da prisão preventiva dos acusados: diretores e gerentes da Petrobras, empreiteiros e executivos de empresas, lobistas e doleiros. A manutenção dessas prisões pelo Supremo Tribunal Federal, que tem rejeitado quase todos os pedidos de habeas corpus, fez com que as delações funcionassem como uma espécie de efeito dominó.

Entretanto, o impacto das investigações nas empresas, que quase entraram em colapso, também foi determinante para que as delações ocorressem. No caso dos proprietários que aderiram à delação premiada, esse era o caminho para obter os acordos de leniência para salvar as empresas. Agora, com as novas regras, não é mais. Uma coisa independerá da outra. Os investigadores temem que as empresas pactuem uma linha de defesa comum e novamente recorram ao pacto de silêncio, uma espécie de “omertà” mafiosa.

O efeito das delações premiadas nas investigações da Lava-Jato só existe porque o dispositivo rompe a lógica do chamado “dilema dos prisioneiros”, um problema da teoria dos jogos muito estudado pelos criminalistas. Funciona assim: A e B, são presos pela polícia, que tem provas insuficientes para condená-los, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: confessar e testemunhar contra o outro. Se um deles permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro decide sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro.

Com a delação premiada, é mais difícil manter esse tipo de pacto de silêncio. É o que aconteceu na Operação Lava-Jato.

Rogério Gentile: O pote de mel do PT

- Folha de S. Paulo

Uma velha sentença, injusta com tantos que certamente levam a vida honestamente, mesmo em Brasília, dá conta de que há apenas dois tipos de políticos no país: o que rouba para fazer política e o que faz política para roubar.

Sempre que tentam justificar os injustificáveis escândalos do mensalão e da Lava Jato, petistas se colocam, subliminarmente, na primeira categoria, alegando que, no sistema político em vigor no Brasil, não há como se eleger sem gastar muito dinheiro nas campanhas.

Nesse sentido, como afirmou o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, à Folha, o grande erro do PT foi não ter feito a reforma política no primeiro ano do governo Lula.

Segundo seu raciocínio, se tivesse lá atrás acabado com o financiamento privado das campanhas, se houvesse mudado "os métodos do exercício da política", não teria sido necessário se "lambuzar".

Em outras palavras, o partido, ou melhor, integrantes do partido não teriam favorecido empresas a fim de obter dinheiro para as suas campanhas eleitorais.

Há três falácias nessa formulação. Primeiro, não é verdade que financiamento privado significa obrigatoriamente superfaturamento de obras e outras falcatruas do gênero.

Tampouco é plausível imaginar que, num cenário de financiamento público das candidaturas, empresas deixarão, num incrível passe de mágica, de contribuir, ainda que às escondidas, ainda que com métodos originais, com os políticos que se dispuserem a lhe prestar certos favores inconfessáveis.

Mas o pior engodo é propalar que os petistas que se lambuzaram no pote de mel o fizeram, coitadinhos, apenas porque precisavam de dinheiro para se eleger e, assim, ajudar o sofrido povo brasileiro.

As várias acusações de benefícios pessoais, que incluem aumento de patrimônio e pagamentos por consultorias, indicam que eles gostam mesmo é de um bom melado.

Angela Alonso: Paralelos históricos - ou Dilma e Isabel

• Momento atual guarda semelhanças com fim do Império

- Valor Econômico

O diagnóstico de que o país vive uma grave crise política está disseminado. Na esteira dele costuma vir caudatária a frase magna do ex-presidente Lula: "Como nunca antes nesse país." A conjuntura atual, diz-se, é sem precedentes porque embola várias crises numa só: da economia, dos partidos, das instituições políticas, de governo, de legitimidade. Embora o momento tenha óbvias peculiaridades, um olho na história descortina parentesco com outras quadras críticas.

O recuo imediato que se tem feito é ao processo de impeachment do ex-presidente Collor e, um pouco mais para trás, às circunstâncias que desembocaram no suicídio de Vargas. Nos dois casos, a tópica da corrupção e a proximidade do mandatário com corruptos e corruptores assoma como o estopim da crise. Há, contudo, características da situação corrente que a aproximam mais de outra, longínqua, a de fins do Império e inícios da República.

Um ponto de contato é o gênero do governante. Dilma é a primeira presidente da República, mas a princesa Isabel foi, por três vezes, a regente do Império. Na última delas, assinou - com muito atraso - o decreto final de abolição da escravidão, pelo qual é lembrada. Contudo, durante suas regências, Isabel foi vezes sem conta rebaixada, até pelo pai, por ser uma mulher. Dela se disse que seria incapaz do governo sem a mão forte de um ministro ou do marido. Há mais de um século entre a condição feminina nos tempos do Império e agora, mas várias das críticas endereçadas a Dilma, como antes a Isabel, tem relação direta com a questão gênero. O que num mandatário varão se veria como determinação, vê-se nela como teimosia. O pulso firme no comando, sempre positivado na chefia masculina, é lido como centralismo descomunal. E os predicados físicos de sua pessoa, se gorda, se magra, se penteada ou descabelada, ou de sua indumentária, se elegante ou desalinhada, nem seriam assunto se fosse homem. Longe de mim dizer que a crise tenha o gênero por causa, mas não é componente irrelevante dela o fato de termos uma presidente, como nos Estados Unidos não é irrelevante que Obama seja negro.

Outra característica desta conjuntura que lembra os fins do Império é o fato da discussão de uma agenda redistributiva ter sido solapada por outra que privilegia a corrupção. Durante os governos Lula e no primeiro de Dilma, mesmo a oposição de corte mais liberal se rendeu à agenda social, em loas a programas como o Bolsa Família, que ninguém ousou criticar. Somou-se uma reestruturação da pirâmide social brasileira, que não se deveu só a políticas petistas, mas seu peso tampouco se pode negar. O debate público teve este foco durante as eleições, mas, logo desviou-se para a tópica da corrupção. Os "malfeitos", como os chama a presidente, merecem investigação, combate, punição, mas é preciso atentar para o fato de que sua tematização exclusiva roubou a cena da agenda redistributiva e de seus próximos passos, como o acesso à educação de qualidade. Nisto também o contexto atual ressoa os tempos da princesa. Logo após o decreto de fim da escravidão, o movimento abolicionista reivindicou os outros esteios de sua agenda, educação, salário mínimo e concessão de pequena propriedade para ex-escravos. Mas essa agenda foi solapada por denúncias de corrupção - uns negócios mal parados com os irmãos Loyos, uma versão oitocentista de negócios como os investigados pela Lava-Jato. Como Dilma, Isabel não foi acusada de se locupletar pessoalmente, mas pesou sobre a princesa, como pesa sobre a presidente, a pecha de incompetência para gerir o próprio governo, por ignorância do que deviam acompanhar com olho de lince. Como hoje, várias das acusações tinham fundamento, mas por todas as luzes nelas ajudou os inimigos da agenda redistributiva à empurrá-la para as sombras. E, como no ano final do Império, quando outro assunto assoma na arena pública é sempre a imperiosa economia.

Terceira semelhança com esses tempos longínquos diz respeito à impopularidade do governante. Ao contrário do que se propala, a princesa Isabel foi festejada por pouco tempo e não por todo mundo. Quando abraçou, atrasada, a abolição que lhe batia às portas, em fins de 1887, ganhou apoio dos seus até então críticos, os abolicionistas, mas perdeu o de seus até então apoiadores, os escravistas. A princesa acumulava ainda antipatias entre os secularistas, por seu catolicismo extremado, e entre os nacionalistas, que antipatizavam com seu marido francês. E, claro, por ser uma senhora, o que levou alguns a tentarem pulá-la e passar o trono a seu sobrinho varão.

Os dias que correm ressoam também a conjuntura subsequente à queda do trono. Assim como Dilma, Prudente de Moraes, o primeiro presidente civil da República, enfrentou perrengue dos grandes. Com oposição de todo lado, mal governava e chegou a se refugiar numa licença de saúde. Nunca o saberemos, pois eram inexistentes as pesquisas de opinião, mas terá sido talvez o mais impopular de todos os presidentes brasileiros. Oposição, jornalistas e até seu próprio partido viviam a reduzi-lo a pó de traque. A grita incentivou uns a ensaiarem derrubá-lo por vias institucionais. E, outros a prescindir delas e tentar direto o assassinato. O tiro saiu pela culatra, ou melhor, matou o homem errado - um heroico ministro. A violência gerou o oposto do pretendido pelos críticos do governo: em vez de cair, o presidente se fortaleceu. Setores mais moderados se acercaram de Prudente e lhe deram apoio mínimo para que retomasse as rédeas do governo. Presidente fraco, mas presidente assim mesmo, que transferiu a faixa sem quebra das regras institucionais. Assim se garantiu a consolidação da república civil - contra a volta dos militares, que então, como agora, alguns demandavam.

Oxalá o desfecho do enredo contemporâneo fique mais para o de Prudente, que concluiu seu mandato, que para o de Isabel, que perdeu seu trono.
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Angela Alonso é professora livre-docente do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap)

Míriam Leitão: Palpite infeliz

- O Globo

A presidente Dilma continua se submetendo à tutela do ex-presidente Lula. No ano passado, ela ensaiou resistir à fritura do ex-ministro Joaquim Levy, mas depois acabou aceitando o que Lula dizia sobre ele ter esgotado o seu prazo de validade. Ontem, o ex-presidente voltou a Brasília para dar novas orientações a Dilma sobre como conduzir a economia. Não é necessário: ela sabe errar por ela mesma.

Oque Lula poderia dizer a Dilma que ela já não tenha tentado? Vai fazer um novo PAC para estimular a economia e fazer uma nova etapa do Minha Casa, Minha Vida. Tudo o que ela já fez no passado usando recursos de outros entes estatais, como o FGTS, por exemplo. É o que ela está preparando para anunciar e assim dizer que seu governo não está parado. O problema é que o Tesouro fechou no negativo nos últimos dois anos, sendo 2015 um enorme rombo e não sabe ainda como se poderá chegar ao equilíbrio em 2016. O Orçamento está em aberto, e a proposta foi enviada com déficit. Em uma economia que tem esse desequilíbrio é difícil saber como estimular o crescimento através de investimento público.

Até agora, tudo o que o Partido dos Trabalhadores sugeriu já foi tentado no primeiro mandato e terminou mal. Foi transferida uma montanha de dinheiro para que a indústria automobilística vendesse mais. Ela se manteve por um tempo e agora está afundando. Ontem, anunciou queda de 26,5% nas vendas em 2015. As famílias foram incentivadas a se endividar para comprar carros e eletrodomésticos. O nível de inadimplência aumentou. O estímulo ao crescimento e ao consumo feito de forma artificial sempre dará em novas quedas nas vendas e endividamento excessivo das famílias. Apenas posterga a crise e a um custo muito alto.

O que a presidente Dilma deveria fazer é encontrar formas para derrubar a altíssima taxa de inflação que está batendo principalmente nos mais pobres, reduzindo a renda disponível das famílias, tirando o horizonte de planejamento das empresas. Ela deve terminar o ano em 10,8%, com a taxa de dezembro ficando em 1,1%, segundo a previsão do professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. Uma taxa deste tamanho é uma barbaridade. Em um governo sério, que tivesse dimensão do dano que a inflação alta já produziu ao Brasil, a reunião de presidente, ex-presidente, ministros, deveria ser feita para saber como reduzir essa taxa. Mas ela nunca incomodou a presidente Dilma. Seu governo sempre aceitou que a inflação ficasse um pouco mais alta até que estourou o teta da meta.

Nos primeiros meses do ano, a inflação vai ceder um pouco no acumulado de 12 meses. No primeiro trimestre do ano passado o índice ficou entre 1,2% a 1,3% ao mês e, por isso, a base de comparação é muito alta. Continuará alta este ano, será um pouco mais baixa e isso pode trazer o índice em 12 meses para abaixo de 10%. Isso não pode ser comemorado, mas o governo dirá que a inflação era apenas conjuntural e que já está sendo resolvida.

A base de qualquer política econômica decente é manter a inflação baixa porque só isso torna sustentável qualquer outra proposta de estímulo econômico. O erro do governo é que ele faz uma inversão da ordem dos fatores. Quer estimular a economia, convencido que isso é que trará a inflação para baixo.

O ex-presidente Lula fez campanha para tirar Levy e entre as propostas de nomes para o lugar estava o do ministro Nelson Barbosa, que ele considera próximo do ideário do PT. Agora defende “outra política econômica”. O problema é que nem ele nem o partido sabem muito bem o que propor como remédio diante do quadro ao qual a política petista, leia-se nova matriz macroeconômica, levou o país.

Neste claudicante segundo mandato, foram várias as vezes em que a presidente Dilma ouviu os conselhos e reprimendas do ex-presidente Lula, mas até agora não encontraram o tom. Estão de volta à preparação de mais um anúncio de mudanças. Querem agradar os petistas com algumas medidas e, por outro, lado não assustar os investidores; estimular a economia com recursos públicos e garantir que o ajuste fiscal será feito. De novo não terão sucesso porque a fórmula não existe. Quando der errado, bastará a Lula dizer que Dilma não fez o que ele propôs.

Vinicius Torres Freire: Folia de reis

- Folha de S. Paulo

Ontem foi Dia de Reis. Em vez de levar presentes, alguns reis do capital foram a Brasília pedir dinheiro para suas empresas arrebentadas. Teve-se notícia do que o rei do PT, Lula, disse na primeira sessão de tutela de Dilma Rousseff neste ano: quer medidas "concretas" de estímulo econômico.

Nada de novo sob a poeira e o sol do Planalto.

A fila de empresas pedintes vai aumentar. Assim como a de Estados e prefeituras quebrados. Minas Gerais não tem dinheiro para pagar o salário de servidores. Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Paraná estão na pindaíba.

Siderúrgicas e montadoras querem dinheiro. A venda de veículos caiu 26,5% em 2015. A associação dos vendedores estima que caia outros 6% neste 2016, o quarto ano seguido de ruína. Ao anunciar as más novas, vazou também que o governo prepara um pacotinho de ajuda.

Pacotinho, diminutivo, pois o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) diz que não haverá "pacotes", medidas "bombásticas" ou "grandes notícias". Não vai sair "coelho da cartola", afirmou, com aquelas vogais graves e extensas como o mar que quebra na praia da tranquilidade de Caymmi ("é boniiito, é boniiiito...").

O coelhinho da Páscoa ou do Carnaval das montadoras, por exemplo, não teria subsídios. Isto é, o governo não doaria dinheiro dos impostos para fábricas e compradores de carros. Mas sempre é possível disfarçar subsídios por meio de crédito facilitado.

O governo vai facilitar empréstimos? Não faz sentido, pois o Banco Central arrocha o crédito faz anos, com a intenção declarada e frustrada de conter a inflação. Dado que não faz sentido, é possível que Dilma Rousseff adote a ideia.

O pacotinho pode ser algo mais incrementado. Insinua-se que haveria uma espécie de taxa ou seguro para financiar a compra de carro novo, colocando os muito velhos no rolo.

No que diz respeito à "retomada do crescimento", tanto faz. Até remendo setorial com privilégios está difícil de fazer. As siderúrgicas, por exemplo, estão na lama porque a construção civil entrou em colapso, assim como a venda de bens duráveis, como carros, entre os motivos imediatos.

A construção civil afunda porque os governos não têm dinheiro para obras, porque as maiores empreiteiras foram enfim pegas na roubança, por causa da ruína na Petrobras. Afunda porque não há crédito ou coragem de tomar dinheiro emprestado para comprar casa, também porque os juros estão altos. O mercado imobiliário afunda. O preço do metro quadrado dos imóveis em São Paulo caiu 8% em 2015, em termos reais, segundo o índice Fipe-ZAP.

Enfim, o colapso da construção é um aspecto do colapso do investimento das empresas em capital (máquinas, equipamentos, instalações produtivas), que cai desde 2013. O governo federal cortou 40% do valor do investimento "em obras" em 2015, pois de 2012 a 2014 administrou o dinheiro público de modo irresponsável, incompetente e fraudulento.

A venda de veículos afunda porque houve uma bolha inflada pelo governo, porque se antecipou muito consumo, porque os juros estão altos, porque as empresas não investem, porque a renda do trabalho parou de subir, porque as pessoas estão com medo do futuro depois da passagem do furacão Dilma.

Celso Ming: O lobby contra-ataca

- O Estado de S. Paulo

O presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), Alarico Assumpção, anunciou nesta quarta-feira a montagem de um mecanismo destinado a produzir a renovação da frota de veículos, incluídos aí caminhões e motos.

O proprietário de um carro de mais de 15 anos de rodagem será autorizado a trocar seu veículo por um bônus equivalente a seu valor de mercado, desde que o veículo velho seja encaminhado para sucateamento. Esse bônus serviria para dar entrada num veículo mais novo. A diferença seria financiada por um fundo, cuja natureza ainda precisa de explicação.

Assumpção revelou que 19 entidades do setor, incluídos os sindicatos, estão negociando as bases da novidade com o governo. É um projeto que já tem nome e sobrenome: Programa Sustentabilidade Veicular.

O presidente da Fenabrave espera abrir caminho para vender meio milhão de automóveis novos, sendo 30 mil caminhões, apenas em 2016, e, assim, desencalhar o mercado. De quebra, o País lucraria com a retirada de circulação de tantas Brasílias amarelas e de Kombis molambentas que a gente vê tossindo gás carbônico pelas ruas.

O esquema criaria certa procura por carros com menos tempo de circulação. Quem, por exemplo, repassasse para o proprietário do carro destinado à sucata outro veículo com seus 10 anos de uso acabaria em condições de comprar um de 5 e o deste, um seminovo. Como essa cadeia chegaria ao meio milhão de zerinhos apenas em 2016 é um mistério.

Como pano de fundo para o anúncio desse plano, Assumpção apresentou números deprimentes: queda de 26,5% nas vendas internas de veículos novos em 2015, a maior em 28 anos (veja o gráfico acima), redução de 627 unidades na rede de concessionárias, demissão de 32 mil funcionários e estoques de 50 dias, pelo volume de vendas de dezembro.

Esse tombo das vendas, de resto já esperado, não foi provocado apenas pela recessão. É consequência da criação de um mercado artificial nos três anos anteriores. O governo Dilma reduziu os impostos e empurrou o consumidor às compras com créditos favorecidos, prestações a perder de vista e mercado aquecido por meio do represamento das tarifas dos combustíveis. Endividado e ameaçado de desemprego, esse consumidor enfrenta agora redução da renda pela inflação.

A proposta da renovação de frota parece esdrúxula. Um carro com o mínimo de 15 anos de uso já tem valor aviltado no mercado. Mais aviltado ficaria se deixasse de ser negociado livremente e tivesse de ser submetido a critérios subjetivos de precificação. De qualquer maneira, a parcela correspondente ao financiamento do carro mais novo tende a ser alta em relação ao preço total. O governo não quer injetar dinheiro nem reduzir impostos na parada, no que obra com sabedoria. Os bancos não se sentem atraídos ao atendimento dessa faixa de consumo. Por isso, seria necessário induzi-los a isso.

Forçar a compra de um item importante do patrimônio familiar, sem contrapartida no aumento real da renda, implica expansão do endividamento.

Na prática, esse projeto estreitaria ainda mais o mercado para outros setores da indústria e do comércio, como já está acontecendo, pelo que se viu a partir do fraco movimento das vendas neste fim de ano. Ou seja, se o consumidor for convencido a comprometer um pedaço importante do seu orçamento com nova compra de veículo e arcar, também, com seguro e IPVA mais altos, faltarão recursos para outras necessidades.

E, então, seria preciso prover pacotes em cadeia para recuperar as vendas de setores que enfrentam dificuldades não inferiores às que paralisam o de veículos, como acontece com a construção civil, a indústria de aparelhos eletrodomésticos, de móveis, confecções, viagens aéreas, setor de saúde, educação e tantos mais.

Como o segmento de veículos com alta rodagem é mais atendido pelas “bocas”, seria preciso montar esquema para evitar que os veículos destinados ao sucateamento não fossem empurrados de volta à circulação.

E, outra vez, seria o governo dando prioridade ao consumo imediato e não à criação de condições para a recuperação da economia. Seria, enfim, o repeteco do que já deu errado e o atendimento do lobby das montadoras, sempre em conluio com os sindicatos.

Ribamar Oliveira: "Pedaladas" podem virar crédito

• Governo diz que medidas não terão impacto fiscal

- Valor Econômico

O governo pretende adotar medidas de estímulo à economia aproveitando a montanha de recursos que foi transferida aos bancos públicos e ao FGTS por conta do pagamento das chamadas "pedaladas" fiscais, informaram fontes do governo.

Foram R$ 55,8 bilhões pagos pelo Tesouro Nacional no fim do ano passado ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ao Banco do Brasil, à Caixa Econômica Federal e ao FGTS. O valor equivale a quase 1% do Produto Interno Bruto (PIB) previsto para este ano.

As medidas ainda não foram detalhadas, mas o principal alvo será o estímulo ao setor habitacional, principalmente por meio de linhas de crédito abastecidas com os R$ 22 bilhões recebidos pelo FGTS. Essas linhas já são, atualmente, concedidas com juros mais baixos a camadas menos favorecidas da população. O governo poderá criar também linhas de crédito para setores específicos da economia.

O programa está sendo montado, segundo as fontes, com base no pressuposto de que não haverá impacto fiscal, ou seja, de que não haverá custo adicional para o Tesouro, que possa comprometer a meta de superávit primário de 0,5% do PIB, prevista para este ano. A intenção do governo é adotar medidas preservando o equilíbrio macroeconômico e fiscal. "O impacto fiscal já ocorreu", explicou uma autoridade, em referência ao pagamento das "pedaladas" pelo Tesouro.

No fim do ano passado, cumprindo determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo pagou R$ 55,8 bilhões pelas "pedaladas", o que elevou o déficit primário de dezembro e de todo o ano de 2015. Os recursos saíram do Tesouro e foram para os bancos públicos e para o FGTS. A aplicação desses recursos pelas instituições financeiras e pelo Fundo de Garantia não será uma despesa da União e, por isso, não será computada no resultado primário. Esses recursos sequer transitam pelo Orçamento.

Ao fazer os pagamentos, o Tesouro Nacional injetou recursos na economia que tiveram que ser recolhidos pelo Banco Central, por meio de operações compromissadas. Mas eles aumentaram a liquidez dos bancos públicos e do FGTS. Agora, o governo estuda medidas para utilizar essa liquidez.

A medida considerada mais fácil de ser implementada é o uso dos recursos do FGTS em financiamentos habitacionais e em projetos de saneamento básico. Isto porque já existem linhas de crédito com essas finalidades. Um grande volume de recursos do Fundo já será utilizado neste ano para sustentar operações do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.

Os R$ 22 bilhões pagos pelo Tesouro são uma disponibilidade do FGTS e não um dinheiro a ser depositado na conta de cada trabalhador que participa do Fundo de Garantia. Portanto, eles podem ser usados sem afetar os depósitos individuais.

Para que não tenha impacto fiscal, as novas linhas de crédito não poderão ser concedidas com taxas de juros subsidiadas. Se houver subsídio, o Tesouro terá uma despesa adicional com a equalização das taxas de juros e esse custo impactará o Orçamento.

A pergunta que precisa ser respondida é se, na situação recessiva em que o país se encontra, haverá demanda para a liquidez adicional dos bancos públicos - principalmente o BNDES e o Banco do Brasil-- sem que haja subsídios. Informações que chegam da área econômica dão conta de que o sistema financeiro como um todo está líquido, o que explica, em parte, o aumento das operações compromissadas feitas pelo BC. A liquidez dos bancos indica justamente a escassez de demanda por crédito.

As medidas de estímulo à economia em estudo pelo governo estão limitadas, portanto, pelo delicado quadro das contas públicas. A presidente Dilma não quer, segundo uma autoridade, tomar qualquer decisão que comprometa o equilíbrio fiscal e piore as expectativas do mercado. Por isso, essa fonte afirmou que o programa em estudo não guarda semelhança com aquele que foi executado pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de 2009, no enfrentamento da crise financeira internacional. Naquela época, o governo reduziu o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de carros e desonerou outros tributos.

Agora, informam os técnicos oficiais, não há espaço fiscal para uma política dessa natureza. A estratégia do governo é tomar iniciativas que possam "evitar o agravamento da crise", sintetizou uma fonte. O governo acredita que antes da retomada do crescimento econômico é necessário evitar um aprofundamento da recessão, que traria mais desemprego. Assim, a ideia é adotar "medidas tópicas" que não impliquem despesa adicional para o Tesouro, mas que garantam um pequeno alívio aos setores mais afetados da economia.

Entre esses setores, o mais citado é o da construção civil, que poderá ser ajudado de duas formas, de acordo com os mesmos informantes: com mais crédito habitacional e com o pagamento das obras que já foram executadas. No ano passado, o governo atrasou o pagamento das empresas de construção civil, inclusive daquelas que executam obras do Minha Casa, Minha Vida. O governo acha que se esses pagamentos não forem regularizados, muitas dessas empresas irão quebrar e aumentar ainda mais o desemprego no setor.

Como a preocupação é com o desemprego, o governo acredita que deve atuar para amenizar os problemas enfrentados atualmente pelas micro e pequenas empresas, que são aquelas que mais contratam mão de obra. Nos últimos dias do ano passado, os líderes governistas tentaram de todas as formas aprovar o projeto que amplia o Simples Nacional no Senado, mas não conseguiram. Há também, no projeto, a previsão de um Refis para essas empresas neste ano, ou seja, um programa de parcelamento de débitos tributários em condições vantajosas. Eles pretendem aprová-lo assim que retornarem do recesso.

Se as medidas não terão impacto fiscal, como argumenta o governo, elas certamente criarão dificuldades adicionais para o Banco Central no controle da inflação, pois mais crédito significará estímulo à demanda da economia.

Carlos Alberto Sardenberg: Não é por vontade

• Chineses não estão parando porque querem. É porque não conseguem mais crescer antes de eliminar as distorções

- O Globo

A China é a grande preocupação na economia mundial. O país vem desacelerando forte desde 2012, quando a expansão de seu Produto Interno Bruto caiu de uma média superior a 9% ao ano para a casa dos 7%. Do ano passado em diante, o governo está tentando salvar uns 6%, mas fica cada vez mais difícil.

Questão: terá o Partido Comunista tomado a decisão de não crescer mais? E por que faria isso?

Não faz sentido. Nenhum governo, nenhuma sociedade, democrática ou autoritária, gosta de recessão. No capitalismo, que já é o regime dominante na China, todos querem o crescimento mais acelerado possível, já que é mais fácil ter empregos e ganhar dinheiro nesse ambiente.

Só a pobre esquerda brasileira acha que os neoliberais e os barões do capitalismo preferem a recessão para faturar mais. Se fosse assim, os bancos e as empresas capitalistas seriam um poço de pobreza.

Se é tão óbvio assim, por que estamos falando disso? Porque parece não ser óbvio por aqui. No PT e satélites, nas centrais sindicais, nos movimentos sociais e em boa parte da academia, aconteceu o seguinte: a presidente Dilma, pressionada pelo “sistema”, abandonou a política de crescimento e passou para a recessiva. Agora, vai voltar ao caminho do crescimento.

Pois deveriam explicar aos chineses como se faz isso: basta ter vontade de crescer e, pronto, faça-se o PIB.

Os chineses não estão parando porque querem. É porque não conseguem mais crescer antes de eliminar as distorções geradas pela expansão acelerada das últimas décadas. Quais distorções? Reparem nesta: o governo chinês prometeu conceder uma espécie de cidadania urbana provisória para nada menos que cem milhões de trabalhadores neste ano. Parece estranho, e é mesmo.

Na China, você não pode morar onde quiser. Quer dizer, poder, pode, mas se o trabalhador se instalar em uma cidade sem autorização do governo — sem registro na prefeitura — não terá direito aos serviços públicos geralmente subsidiados. Fica mais ou menos clandestino. Mora em algum lugar, pagando aluguel caro, e trabalha numa fábrica, por exemplo, mas ganhando menos.

Há nada menos que 255 milhões de trabalhadores nessas condições — são pessoas que migraram do campo para as cidades, em busca de oportunidades.

O objetivo dessa restrição histórica — o registro de residência — é social (controlar as migrações), econômico (controlar a distribuição de mão de obra) e político (controlar a vida das pessoas).

Não funcionou — ou não funciona mais. O pessoal do Partido Comunista, certamente, esperava que, sem registro, os trabalhadores ficariam no campo. A realidade do mercado capitalista instalado no país desde o final dos anos 80 determinou o contrário: os camponeses migraram para onde estava o emprego.

Resultado: um poderoso exército de mão de obra barata, que serviu para a expansão inicial; mas, hoje, são 255 milhões na terceira classe de uma sociedade que ganhou renda.

O PIB chinês cresceu mais de dez vezes desde a derrubada do maoísmo e a introdução da economia de mercado. Formou-se uma classe média e uma classe trabalhadora de primeira, além de uma geração de empreendedores e empresários. Toda essa gente quer mais. Mais salários — que já estão subindo —, mais habitação, cidades melhores, saúde, educação, previdência. E mais liberdade.

Nesse ambiente, a existência de 255 milhões de clandestinos gera enorme pressão social e política. Daí a decisão do governo de conceder a esses trabalhadores o acesso ao registro residencial. No estilo chinês, paulatinamente, começando com apenas 100 milhões.

Ora, isso vai ficar caro para o governo — que terá de fornecer serviços subsidiados para mais gente — e para as empresas, que pagarão salários mais altos e mais benefícios a trabalhadores legalizados.

Com custos mais altos para resolver essa e outras (muitas) distorções, a economia chinesa terá menos investimentos e, pois, menos crescimento. Não por vontade, mas por necessidade.

Aqui no Brasil, a situação é muito diferente. Não estamos crescendo menos, estamos em recessão. Essa recessão, porém, não era inevitável no primeiro momento. Decorre de sucessivos equívocos da política econômica dilmista, baseada na crença de que para crescer basta querer. Basta o governo querer gastar, conceder crédito e endividar-se — e tudo se resolve.

Isso gerou um baita rombo nas contas públicas, além de inflação. Aí, sim, a recessão tornou-se inevitável. Não foi consequência da política de ajuste fiscal, mas da falta de ajuste prévio. O problema agora é como administrar a saída da recessão, o que exige restabelecer o equilíbrio das contas públicas.

Vontade de crescer, todo mundo tem. Como fazê-lo? — eis o que distingue as sociedades mais ou menos sábias.

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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Eugênio Bucci*: Surrupios na luta de classes

- O Estado de S. Paulo

“O ladrão que furta para
comer não vai nem leva ao
Inferno: os que não só vão, mas
levam, são outros ladrões,
de maior calibre e de mais alta
esfera. (...) Em vez de os reis
levarem consigo os ladrões ao
Paraíso, os ladrões são os que
levam consigo os reis ao inferno”
Padre Antônio Vieira

O padre Antônio Vieira proferiu o seu Sermão do Bom Ladrão no ano de 1655, na Igreja da Misericórdia de Lisboa, diante de uma assembleia de nobres – entre eles o próprio dom João IV. A partir da passagem do Evangelho de Lucas em que Jesus Cristo promete a salvação ao ladrão que se arrepende (Lc. 23,42s), o jesuíta dedica-se a nomear não os ladrões de galinha, como costumam ser chamados atualmente, mas os ladrões de “maior calibre e de mais alta esfera”. Ele os nomeia com todas as (belas e rigorosas) letras: “Os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos”.

Os outros, os chamados ladrões de galinha, seriam inocentes aos olhos de Deus. Criminosos mesmo são os ladrões que mandam, os que têm influência sobre os negócios de Estado. “Os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.” Na visão de Vieira, o pecado inamovível é o de quem, investido de poder, rouba (ou deixa roubar) as economias de gente indefesa. Mesmo quando não praticado diretamente pelo soberano, esse pecado o alcança e o leva ao castigo eterno, uma vez que “qui non vetat peccare, cum possit, jubet” (quem, podendo, não impede o pecado incentiva o pecado), como teria ensinado o mítico rei gentio Agamenão.

Hoje, passados 360 anos da homilia de Vieira em Lisboa, os vincos de tensão no semblante de Dilma Rousseff parecem um indício da mesma danação. Dilma não é uma imperatriz, não tem sangue azul e não reina absoluta sobre um Estado do qual possa dispor segundo suas predileções subjetivas. Dilma não passa de uma chefe de Estado subordinada às leis da República. Mesmo assim, o sofrimento inscrito em suas feições contraídas (porque contrariadas) sinalizam um padecimento moral digno de um rei maldito. No seu rosto – especialmente no entorno de seus olhos, que ainda guardam um lume de determinação – se desenha o relevo hostil de um inferno em vida. Dilma paga por pecados que não são seus, mas dos quais não sabe como se eximir.

Todos dizem que ela é honesta. Luminares da oposição dão testemunho espontâneo da integridade da governante brasileira. Ninguém levanta uma acusação de dolo contra ela. Ao contrário, de um lado e de outro se erguem as vozes que asseguram: Dilma não tem parte pessoal com o malfeito. Não obstante, as linhas de sua face estampam o rastro de um castigo bíblico.

E por que isso? Por que expia a presidente da República? Certamente a dilaceração que a atropela não vem apenas do fato de que, sendo honesta (admitamos a premissa), comanda um governo abarrotado das mais torpes desonestidades. Há de haver indignação na alma da presidente, uma violenta indignação, ou a premissa de sua inocência não seria verdadeira. Essa indignação, porém, é pouca para explicar tanta dor aparente. Também não é crível que a razão de seu pesar seja a sombra do impeachment iminente – uma (ou duas) ameaça(s) de impeachment pode(m) até aborrecer a mandatária, mas não seria(m) capaz(es) de impor-lhe o inferno em vida (fora o fato de que ninguém mais aposta que esse impeachment das pedaladas vá vingar).

A origem do inferno da presidente é de outra extração: uma espécie de mordaça de fundo religioso atada ao pensamento político. Dilma pena porque não pode tratar do maior – talvez o único, posto que foi dele que decorreram os demais – problema de seu governo: a corrupção em larga escala, no atacado e no varejo. Se fôssemos recorrer uma vez mais à cosmogonia teológica do padre Vieira, diríamos que Dilma é consumida por uma dor sem solução porque foi impedida de ir ao confessionário – e ir ao confessionário não necessariamente para assumir culpas que não tenha, mas para conversar sobre as culpas que o destino jogou sobre seus ombros.

O núcleo do problema central de seu governo é assunto proibido no léxico de seu partido, um tabu maior do que o seu governo. A corrupção do PT não foi interditada, desgraçadamente. Mas falar da corrupção do PT dentro do PT tornou-se um interdito. Tocar nisso é a pior apostasia para um militante que pretenda seguir aceito como militante. Dilma sofre menos por não poder fazer nada – e mais por não poder dizer nada. Nem ela nem o PT são capazes de fazer o que o padre Vieira fez há 360 anos: nomear com todas as letras (no caso presente, letras horrendas) quem são os ladrões dotados de poder, quem são os ladrões que enforcam.

De uns dias para cá, uns dois ou três ministros andaram cometendo declarações um tanto indisciplinadas, admitindo que houve erros no quesito ético (eles falam sempre por eufemismos afetados). O modo como esses poucos, fazendo pose de corajosos, falam disso é mais um sintoma do interdito. Eles falam disso sem falar nada disso. Ninguém parece sentir-se autorizado a enunciar o que precisa ser enunciado para ser superado: o emprego de uma organização disciplinada, vinculada ao partido, incrustada em repartições públicas, para o desvio sistematizado de recursos e de poder, prejudicando principalmente os mais pobres e mais desassistidos. Não existe à vista a iniciativa de debater a fundo as razões por que, em alguma curva do caminho, o PT se transformou no seu oposto maligno.

Por que a corrupção, que antes seria uma intercorrência, ganhou o estatuto de método? Como a corrupção submeteu o partido aos ditames do capital selvagem? Se querem mesmo falar de política, é disso que o PT e a presidente precisam falar. Mas eles não podem. Têm medo do inferno. E ardem.
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* Eugênio Bucci é jornalista, professor da ECA-USP

O jogo das aparências – Editorial / O Estado de S. Paulo

O desempenho da Polícia Federal (PF) na investigação do mar de lama que contaminou a administração pública dá alento aos cidadãos honestos e acatadores da lei, que renovam, assim, as suas esperanças em relação ao futuro do País. A Operação Lava Jato, que pelo menos conseguiu conter o ímpeto do assalto sem precedentes aos cofres da maior empresa estatal brasileira, é hoje símbolo das instituições republicanas postas a serviço da Nação. Não é hora, portanto, nem de pensar em cortes orçamentários que possam comprometer a amplitude e a eficácia do trabalho da PF, por maior que seja a penúria das contas públicas.

Não poderia ter sido outra, portanto, a reação do governo diante da crescente onda de protestos contra o que seria o “desmonte” da PF: o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, veio a público para garantir que a Polícia Federal tem recebido “total prioridade” de sua pasta e, consequentemente, “jamais faltará verba para a Lava Jato ou qualquer outra operação ou projeto estratégico” daquela instituição policial.

A reação ao anunciado corte de R$ 133 milhões no orçamento da PF para este ano começou a partir de manifestação da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), que na semana passada advertiu para os prejuízos que a falta de recursos ocasionaria ao curso de operações importantes como a Lava Jato. A Associação alertou para a possibilidade de estar em curso uma tentativa de “desmonte” da PF, patrocinada por políticos implicados nas várias investigações sobre corrupção nos órgãos públicos.

A suspeita é plausível. Contam-se às dezenas os parlamentares, altas autoridades federais e políticos em geral sob investigação, denunciados e condenados no âmbito das Operações Lava Jato e Zelotes, para citar apenas as duas de maior repercussão junto à opinião pública. No Congresso Nacional, a suprapartidária “bancada do pixuleco” age nas sombras com enorme desenvoltura e, se dependesse dela e de seus poderes tantas vezes demonstrados, inconveniências como as operações da PF certamente não existiriam.

Por outro lado, com uma insistência que chegou a causar espécie, altas autoridades do governo, entre elas a própria presidente Dilma Rousseff, não se cansaram de repetir que a economia do País, a começar pela geração e manutenção de empregos, seria fortemente prejudicada pela interrupção de grandes projetos de infraestrutura em decorrência do comprometimento das principais empreiteiras de obras públicas nos escândalos investigados pela polícia. Eram argumentos que sugeriam que o crescimento econômico tem ligação direta e necessária com os excessos de empresários gananciosos e políticos inescrupulosos. Ou que, realisticamente considerando a hipocrisia de um mundo em que geralmente o dinheiro fala alto, ceder o espaço necessário à corrupção é o tributo que a virtude paga ao vício.

Não se pode negar fundamento, portanto, à queixa manifestada pelo presidente da ADPF, Carlos Eduardo Sobral, de que “a categoria enxerga o corte (previsto para o orçamento da PF) como um desprestígio”. Assim como também tem razão a diretora regional da ADPF em São Paulo, Tania Fernanda Prado Pereira, que se manifestou já depois do pronunciamento oficial do ministro José Eduardo Cardozo: “A medida do Ministério da Justiça é o reconhecimento do erro do governo de cortar nosso orçamento”. Para a delegada, a “sinalização” de cortes nos recursos para a PF pode ser “um primeiro passo” para o “sucateamento” da instituição.

De qualquer modo, ao garantir que de uma maneira ou de outra a PF não sofrerá cortes em seu orçamento para este ano, o ministro Cardozo agiu com a cautela politicamente recomendável a um governo que procura se apropriar do mérito das investigações sobre corrupção alegando que elas só se tornaram possíveis porque as administrações petistas garantiram autonomia e recursos à PF. Por outro lado, à medida que essas investigações avançam e, repetindo o que já acontecera com o mensalão, importantes quadros políticos do PT e seus aliados – por enquanto, dois ex-presidentes e dois ex-tesoureiros do partido – se tornam hóspedes do Estado, fortalece-se a crença de que neste governo e nesses partidos há muita gente que não morre de amores pelo trabalho dos delegados e procuradores federais.

MP 703 deforma e suaviza preceitos da lei anticorrupção – Editorial / Valor Econômico

Editada no apagar das luzes do conturbado ano legislativo de 2015, a Medida Provisória 703, de 18 de dezembro, abriu uma avenida enorme para que empresas acusadas de corrupção envolvendo dinheiro público continuem fazendo negócios com o Estado normalmente, com punição de baixo custo - se houver. A MP modifica parte das condições da lei anticorrupção (12.846, de agosto de 2013) em relação aos acordos de leniência, desfigura seu sentido original e permite o amortecimento das multas e demais penalidades que recaem sobre atos ilícitos.

Concebida para dar rapidez aos acordos de leniência e, assim, "salvaguardar a continuidade da atividade econômica e a preservação de empregos", a MP é a expressão legiferante do desejo da presidente Dilma Rousseff de "punir CPFs" e não CNPJs. Há o risco de os dois saírem ilesos. A celeridade nos acordos tem o objetivo de manter as empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato nas concorrências e obras públicas para evitar, na visão do governo, uma ruinosa paralisia geral das obras de infraestrutura.

As mudanças foram precisas, com alvo certo. As condições cumulativas estabelecidas pela lei 12.846 para que um acordo de leniência seja celebrado era a de que a pessoa jurídica "seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito" e que "admita sua participação" nele. Ambos sumiram na MP e deram lugar às exigências de que a empresa cesse de atuar ilicitamente, coopere com as investigações e crie ou melhore programas de compliance.

A diferença é enorme. As exigências da lei anticorrupção, nesse ponto em linha com a experiência internacional, estimulam os infratores a romperem a cumplicidade com outros e a confessar, sob pena de punições mais severas. As demais empresas envolvidas que procurem depois a leniência são levadas a apresentar novos ilícitos para investigação. Essas regras são complemento vital para a delação premiada, na qual se baseia grande parte do poder investigativo da Lava-Jato.

Têm razão os procuradores da Lava-Jato em se preocupar. A delação, deixa de ter como benefício a certeza da redução de penas, e torna-se um contornável inconveniente para os executivos. Agora há motivos para que neguem até o fim a prática de atos ilícitos, porque a boia de salvação do acordo de leniência lhes poderá ser estendida a qualquer momento do processo administrativo. Segundo a MP, "A proposta do acordo de leniência poderá ser feita mesmo após eventual ajuizamento das ações cabíveis".

Tornou-se sedutora para as empresas a possibilidade de que o Ministério Público e a Justiça façam seu trabalho sem sua participação, para que possam buscar, com boas chances de sucesso, se desvencilhar de boa parte das penas mais à frente. Não há mais sequer a necessidade de admissão de culpa.

A primeira empresa a tentar acordo de leniência em determinado processo, terá agora uma vantagem adicional para si e não para a sociedade: zero de multas e ficha quase limpa. Rege a MP: "A redução (das multas) poderá chegar até a sua completa remissão, não sendo aplicável à pessoa jurídica qualquer outra sanção de natureza pecuniária decorrente das infrações especificadas no acordo". A lei anticorrupção previa abatimento de até dois terços das penalidades.

A lei previa que, ao assumir a responsabilidade na esfera administrativa, a empresa não estaria livre automaticamente das consequências na esfera judicial: dissolução, perdimento de bens, direitos e valores obtidos com a infração, suspensão das atividades, impossibilidade por até 5 anos de receber subsídios ou créditos de bancos públicos etc. Mas a MP passou a borracha nisso também, redigindo de outra forma o artigo 18. Manteve a possibilidade de responsabilização judicial, "exceto quando previsto expressamente na celebração do acordo de leniência".

No limite, as empreiteiras envolvidas na Lava-Jato poderão sair do processo como entraram, apenas pagando o que foi comprovadamente obtido de forma indevida e com votos de bom comportamento no futuro.

A MP deixa o Ministério Público em posição indefinida na questão. O artigo 12 diz que os entes federados, "de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público" poderão fazer acordos. Segundo o governo, a MP só repetiu projeto em tramitação no Senado, o PL 3636 que, no entanto, estabelece a atuação obrigatória do Ministério Público em todos os acordos de leniência. Como está, a MP 703 pode "limpar" os acusados pela Lava-Jato.

Reforma trabalhista é a favor do emprego – Editorial / O Globo

• Se deseja mesmo modernizar a arcaica legislação trabalhista, governo precisa ser claro e explicar
que flexibilizar a CLT é essencial para ampliar o mercado de trabalho

Feita a troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa, no Ministério da Fazenda — mal recebida devido ao sinal emitido de uma recaída “desenvolvimentista” de Dilma —, o novo ministro mergulhou no trabalho e a chefe, num período de silêncio sobre temas econômicos.

É certo que o governo precisa agir para se contrapor à degradação do humor provocada pela saída de Levy, interpretada como a subjugação do governo à filosofia econômica suicida do PT, expressa num documento que pode ser resumido por “apagar incêndio com gasolina”.

Há, porém, alguns indícios de que a presidente Dilma tentará se contrapor ao justificado pessimismo que toma conta do país, com o encaminhamento de duas reformas das quais ela e PT sempre se esquivaram, a da Previdência e a da legislação trabalhista.

A da Previdência, o próprio Nelson Barbosa assumiu o novo cargo se referindo a ela. A da flexibilização da granítica e retrógrada CLT agora começa a aparecer no noticiário.

O lulopetismo, por suas raízes populistas, evita tomar qualquer medida, por mais racional que seja, que possa ser tachada de “antipovo”. Mesmo que nada fazer contra uma grave crise como a atual seja, isto sim, um crime contra as pessoas menos instruídas e de renda mais baixa da população — a maioria.

Na Previdência, cujo déficit sobe de forma avassaladora — o Brasil já despende em benefícios pouco mais de 11% do PIB, índice de país desenvolvido com população mais idosa —, o Planalto tentará estabelecer o óbvio limite de idade para a obtenção do benefício, a começar por 65 anos.

Já na questão trabalhista, a ideia seria — como se propõe há muito tempo — aceitar acordos entre patrões e empregados, mesmo que possam estar contra algum dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho, inspirada no fascismo de Benito Mussolini. Vale o acordado, por sobre o legislado.

A vida real costuma ensinar ao mais recalcitrante sindicalista. Às vezes, não, e o resultado é desemprego. Daí o próprio governo Dilma ter criado o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), uma sigla nova para uma ideia antiga: trocar o corte de salário por manutenção do emprego, em momento de séria crise. O PPE, no entanto, é burocratizado. Precisa-se de algo mais amplo e de fácil execução.

Deve-se, porém, pagar para ver. As duas reformas deverão passar pelo Fórum Nacional de Previdência e Trabalho, onde correm o risco de ser desidratadas por sindicalistas. O Fórum, na verdade, cumpre aquela função da clássica comissão criada para nada resolver.

O governo justificaria a proposta de modernizar a legislação trabalhista como uma ação destinada a restaurar a confiança do mercado e consumidores. O melhor é ir direto ao ponto: mudanças nesta direção ajudam a preservar os empregos atuais e, na retomada do crescimento, a acelerar a criação de novos.

Mensagens indicam atuação de Wagner por empreiteiros

• Diálogos obtidos pela Lava Jato mostram que ministro-chefe da Casa Civil teria ajudado executivo condenado da OAS a negociar liberação de verba quando era governador

Daniel Carvalho e Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Mensagens de telefone interceptadas por investigadores da Operação Lava Jato apontam relação do ex-governador da Bahia e atual ministro da Casa Civil, Jaques Wagner (PT), com o ex-presidente da empreiteira OAS José Adelmário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, um dos condenados por participação no esquema de corrupção da Petrobrás. Há conversas diretas entre os dois e também de interlocutores do governo baiano durante a segunda gestão Wagner (2011-2015) com executivos da empresa. Os investigadores suspeitam que parte das conversas trate de doações para a campanha petista na disputa pela prefeitura de Salvador.

O material ao qual o Estado teve acesso é mantido sob sigilo em Brasília e na Justiça Federal do Paraná. Os diálogos foram obtidos pelos investigadores da Lava Jato em Curitiba (PR) e remetidos à Procuradoria-Geral da República (PGR) por haver menção ao nome do ministro, que possui foro privilegiado. Até o momento, não há inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal contra ele.

As interceptações são de mensagens de texto trocadas entre agosto de 2012 e outubro de 2014. Nelas, há negociação de apoio financeiro ao candidato petista à prefeitura de Salvador em 2012, Nelson Pellegrino, e também pedidos de intermediação de Wagner com o governo federal a favor dos empresários.

Investigadores colocam sob suspeita trechos cifrados de conversas que utilizam códigos, apelidos e supostos endereços que, na verdade, indicam valores pagos, de acordo com as apurações. Jaques Wagner, por exemplo, é identificado como “JW”.

Os responsáveis pela investigação acreditam que ele também é o “Compositor”, uma referência ao maestro e compositor alemão Richard Wagner.

O candidato do PT à prefeitura de Salvador em 2012 era Nelson Pellegrino, citado nas mensagens como “NP” ou “Andarilho”, em alusão a “peregrino”, trocadilho com seu sobrenome. No primeiro turno daquela eleição, ele disputou o comando da capital baiana com ACM Neto (DEM) e com Mário Kertész (então PMDB), identificados nas conversas como “Grampinho” e “MK”, respectivamente.

Intermediador. No segundo turno, o candidato peemedebista decide deixar o partido, que aderiu à campanha de ACM Neto, e apoiar Pellegrino. As conversas interceptadas revelam negociações envolvendo apoio político de Kertész ao candidato petista no segundo turno e o pagamento das campanhas. Wagner aparece como intermediador direto das conversas.

Mensagem trocada entre Léo Pinheiro, condenado a 16 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa no esquema desenvolvido dentro da Petrobrás, e um celular identificado pelos investigadores como pertencente a Jaques Wagner, no dia 10 de outubro de 2012, mostra suposta conversa com o então governador sobre a negociação de apoio do PMDB ao candidato petista no segundo turno.

No dia seguinte, quando Kertész marcou coletiva para anunciar sua saída do PMDB, Pinheiro enviou mensagem a Jaques Wagner. “Assunto MK, preciso lhe falar. Abs.”. Um pouco mais cedo, Pinheiro havia enviado mensagem a Manuel Ribeiro Filho. Investigadores suspeitam se tratar de possível código para efetuar um pagamento. No texto, o executivo escreveu: “O endereço que filho me forneceu foi M.K. Street 3.600”. A suspeita dos investigadores é que o número se refira a um valor pago e a sigla “MK” ao destinatário do dinheiro.

Depois, os executivos da OAS chegaram a comentar: “o valor é muito alto”, em referência ao número 3.600. Troca de mensagens entre Léo Pinheiro e Cesar Mata Pires Filho, executivo da empreiteira, mostra que “JW” estaria ciente do apoio a ser intermediado ao candidato petista.

“O senhor tem alguma programação para Andarilho/Compositor??”, questionou Pires. “O Compositor me ligou ontem, disse-lhe que estava fora e que MR iria procurá-lo x MK (saldo). Se resolveríamos parte com o nosso apoio ao Andarilho ou qual seria a solução?”, respondeu Léo Pinheiro. “Acho que poderíamos resolver MK como parte do apoio...”, retrucou Pires. “Vamos aguardar o que JW decide”, completou Léo Pinheiro. No andamento das conversas, um dos executivos relata que teve reunião com o “Compositor”, que assegurou que iria “baixar” o montante.

A partir daí, os executivos passaram a discutir números do suposto pagamento.

Lobby. Os diálogos interceptados dão ideia de proximidade entre o ex-presidente da OAS e o então governador da Bahia mesmo após as eleições municipais. O executivo relata ainda encontros com “JW”. Em uma das mensagens, Léo Pinheiro escreve “Governador, desculpe a 'invasão'”, antes de enviar seu texto. Jaques responde: “Você é sempre bem vindo JW”. Em outra conversa, Pinheiro chama o governador de “nosso JW”.

Em 2014, Léo Pinheiro pede ajuda a Jaques Wagner para falar com o então ministro dos Transportes para “liberar o recurso no valor de R$ 41.760 milhões” referente a um convênio assinado em 2013. 

“Ok, vou fazê-lo abs domingo vamos ganhar com certeza”, respondeu Jaques Wagner, cinco dias antes do segundo turno da eleição presidencial de 2014.

Outro lado. O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem até a conclusão desta matéria. O advogado Edward Carvalho, um dos responsáveis pela defesa de executivos da OAS na Operação Lava Jato, disse que não iria comentar as informações. Já Mário Kertész afirmou que é amigo de Léo Pinheiro, mas que não participou de arrecadação para campanha de Nelson Pellegrino no segundo turno da disputa municipal em Salvador, tendo oferecido apenas apoio político. Pelegrino foi procurado por meio de sua assessoria e não retornou os contatos da reportagem.

Veja abaixo os diálogos interceptados pelos investigadores:
17/10/2012
Situação: Pinheiro fala com fundador da OAS sobre apoio no 2.º turno da eleição para a prefeitura de Salvador. A conversa cifrada faz menções a valores para pagar campanhas.
Léo Pinheiro: O Compositor (Jaques Wagner) me ligou ontem, disse-lhe que estava fora e que MR iria procurá-lo x MK (Mário Kertész, candidato do PMDB à prefeitura de Salvador em 2012) (saldo). Se resolveríamos parte como nosso apoio ao Andarilho (Nelson Pellegrino, candidato petista à prefeitura de Salvador em 2012) ou qual seria a solução?
Léo Pinheiro:
O valor é muito alto. 3.600 Street Brown
18/10/2012
Situação: Conversa entre executivos da OAS aponta negociações com Jaques Wagner sobre volume de doações para campanha
Manuel Ribeiro Filho: Léo, vou estar com o compositor (Jaques Wagner) às 18. Ele adiou de 14 para 18. Algum conselho especial?
Manuel Ribeiro Filho: Amigos, estive com o figura. Ele falará com MK para deixar depois do evento. Disse que o valor não é real e não pediria para o Leo se soubesse o tamanho. Vai baixar e dividir.
Léo Pinheiro: Ok. Salvador acho que devemos dar +1.
Manuel Ribeiro Filho: A pedida foi +5, me fingi de surdo, depois 2 e acabamos no 1,5. 0,5 agora, deixando +1 para o final. VC ele disse que EV falando com o povo de lá disse que podia ser +0,5. Disse que não havia estimativa e não havia qualquer interesse, exceto atendê-lo. Mas forçou a barra mesmo e fui obrigado a chegar a +0,4.
Léo Pinheiro: Ok, tinha lhe mandando antes de lhe falar. 1,5 + 0,4.
21/10/2014
Situação: A cinco dias do 2.º turno das eleições presidenciais, Pinheiro pede a Wagner para intermediar liberação de recursos dos Transportes
Léo Pinheiro para Jaques Wagner: Governador, Se for possível, peço seu apoio. Abs.
Varjão: “Léo, é importante que o nosso Gov. JW (Jaques Wagner) fale com o Min. dos Transportes Paulo Sergio para liberar recurso no valor de R$ 41.760 milhões, referente a ressarcimento d convênio TT 026/2008 da Via expressa, objeto o ofício 021/2013/GG assinado por ele em 10/10 de 2013.”
Jaques Wagner: Ok, vou fazê-lo abs domingos vamos ganhar com certeza.
Léo Pinheiro para César Mata Pires Filho: Já falei com JW (Jaques Wagner). Vai ligar para o PS. Bjs

Em busca de leniência

• MP que alterou regras deve causar corrida de empreiteiras por novos acordos com o governo

• Antes da aprovação da MP, cada uma das três empresas que firmou acordo confessou crimes em obras ou órgãos da administração pública

Renato Onofre, Thiago Herdy - O Globo

-SÃO PAULO- A mudança nas regras para a celebração de acordos de leniência na virada do ano acionou o gatilho para uma corrida nos bastidores da Operação Lava-Jato. Os advogados das empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção iniciaram um movimento para negociar com órgãos de controle vinculados ao governo federal os termos dos acertos. O intuito é diminuir o risco de punições mais severas para as empresas, que, após os acordos, poderiam até voltar a firmar contratos com o poder público. Acordos que já estavam em fase avançada de negociação também poderão ter pontos rediscutidos, segundo defensores ouvidos pelo GLOBO.

Parte desses advogados teme um recuo do governo e mudanças em trechos da Medida Provisória 703, que alterou a lei e estão sob a mira de integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, que consideram as novas regras um estímulo à corrupção. Desde que a presidente Dilma sancionou as alterações, na véspera do Natal e do recesso parlamentar, o Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal de Contas da União (TCU) vêm criticando a medida.

Desde junho, seis empresas negociam
Até agora, nenhuma empresa sacramentou acordo de leniência no âmbito administrativo. Das 29 investigadas na LavaJato, três celebraram acordos com o Ministério Público ou com o Ministério da Justiça. São elas, Setal Engenharia, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. Defensores ouvidos pelo GLOBO afirmam que esse número pode avançar rapidamente com as mudanças.

— As novas regras de leniência mudaram o jogo. Veremos uma sucessão de acordos — afirma um criminalista que participa diretamente da negociação de um dos termos de leniência, com a Controladoria-Geral da União (CGU) e o MPF.

Desde junho do ano passado, seis empresas negociam com o governo federal novos acordos. O objetivo era fechá-los ainda neste primeiro semestre. A CGU não informa quais são elas, mas pessoas próximas às negociações mencionam Engevix, Galvão, OAS, Mendes Júnior, UTC Engenharia e a SBM Offshore entre aquelas que buscam um acerto.

Embora não seja investigada na LavaJato, a SBM responde a um processo da Justiça Federal do Rio por envolvimento num esquema de pagamento de propina em contratos de afretamento de plataformas para a estatal. As empresas não se pronunciam oficialmente.

— Ainda não tivemos reuniões para tratar das novas regras, as medidas são muito recentes, saíram agora no fim do ano. Mas vamos ter que analisar nos próximos dias os novos pontos para discutir o que será feito — diz o advogado da Mendes Júnior, Marcelo Leonardo.

O ex-vice-presidente da Mendes Júnior Sérgio Cunha Mendes e os ex-executivos Rogério Cunha Pereira e Alberto Elísio Vilaça Gomes foram condenados em novembro de 2015 por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Principal negociador da força-tarefa da Lava-Jato, o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima é um dos críticos mais duros da MP 703. Em entrevista ao GLOBO, disse que a nova redação tirou uma das armas para descobrir novos crimes. Para Lima, o texto anterior impunha à empresa que desejava colaborar, além de admitir a culpa confessando participação e revelando como o esquema funcionava, a apresentação de provas inéditas e suficientes para a condenação dos envolvidos e a extinção do crime. Com a MP, segundo ele, basta a admissão de culpa.

Antes da aprovação da medida provisória, na Lava-Jato, cada uma das três empresas que firmou algum tipo de acordo confessou crimes em obras ou órgãos da administração pública. O primeiro acordo foi homologado em abril do ano passado pelo Grupo Setal, do empresário e delator Augusto Mendonça. A empresa confessou a existência de contratos superfaturados de obras de montagem industrial da Petrobras e a existência de um cartel dentro da estatal. Foi Mendonça que revelou o “Clube das Empreiteiras”.

A segunda a fazer um acordo foi a Camargo Corrêa, que assumiu culpa em contratos irregulares com a estatal e com empresas do setor elétrico, a Eletrobras e a Eletronuclear, nas obras de Angra 3 e em Belo Monte. Por último, a Andrade Gutierrez, que firmou acordo no final de novembro, teria confessado um esquema de corrupção envolvendo obras da Copa de 2014.

Participação do Ministério Público
A opção dada à AGU para celebração de acordos sem a anuência do Ministério Público também foi alvo de críticas. Nessa modalidade, as empresas teriam condições de voltar a fechar contratos com o poder público. Desde o final de 2014, a maior parte delas está excluída dos cadastros de licitações na Petrobras. Dez empreiteiras investigadas ou que tiveram dirigentes já condenados na Justiça por corrupção e lavagem de dinheiro receberam, em 2015, R$ 1,18 bilhão, 64,7% a menos do que os R$ 3,35 bilhões pagos em 2014, conforme mostrou O GLOBO em dezembro.

Para o advogado da Mendes Júnior, Marcelo Leonardo, a empresa só tem interesse em celebrar acordos com a participação de procuradores.

— Vamos examinar isso, fazer uma análise. Mas, do nosso ponto de vista, para a área criminal, só tem sentido o acordo com a participação do Ministério Público — afirma Leonardo.