(Luiz Werneck Vianna, no 33º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu/MG de 26 à 30/10/2009)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Reflexão do dia - Luiz Weneck Vianna
(Luiz Werneck Vianna, no 33º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu/MG de 26 à 30/10/2009)
Merval Pereira:: Vitória de Marina
A senadora Marina Silva conseguiu, em poucos meses fora do governo, o que tentou em vão durante todos os anos em que esteve no Ministério de Lula: transformou a questão ambiental no centro das preocupações do governo, e fez da ministra Dilma Rousseff a porta-voz de avanços da política ambiental, como a redução de 45% do desmatamento anual na Amazônia, registrando o melhor índice dos últimos 21 anos.
Mas não apenas o governo está se movendo na questão ambiental. Também a oposição assumiu o tema como prioritário, a ponto de o governador paulista, José Serra, o favorito das pesquisas de opinião e provável candidato do PSDB à Presidência, ter aproveitado a indecisão do governo federal sobre as metas de redução de emissão de carbono para anunciar antes suas próprias metas.
Fazendo o papel do governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger elaborou uma legislação ambiental própria contra a posição do governo George W.
Bush, que não assinou o Protocolo de Kyoto e se recusava a assumir compromissos nessa área.
Quando anunciou sua saída do PT, depois de 30 anos de militância, Marina sublinhou que o fazia “por falta de condições políticas” para avançar na sua luta “de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto das políticas públicas”.
Na opinião da senadora, a ministra Dilma tem “uma visão tradicional e antiga de desenvolvimento”. O problema do governo àquela altura é que Marina, agora no Partido Verde, passou a ser uma alternativa para eleitores petistas insatisfeitos, para uma classe média urbana que já assimilou a luta ambiental como prioridade de vida.
A disputa entre ela e a candidata oficial Dilma Rousseff surge para o grande público como a luta entre os ambientalistas e a tocadora de obras que, assim como o presidente Lula, se irrita tanto com a fiscalização pelo TCU quanto com a preocupações ambientais, que atrasam a construção de hidrelétricas.
Quando anunciou a líder ambientalista Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, em 2003, o presidente Lula usava o simbolismo que ela representava para mandar um recado ao mundo de que a Amazônia, no seu governo, ganharia um tratamento diferente.
Mas a realidade atropelou os sonhos ecológicos da senadora do Acre, que engoliu várias medidas polêmicas para os ambientalistas, como a aprovação de compra de pneus usados do exterior ou a aprovação do uso de transgênicos.
A derrota que ocasionou a saída da senadora Marina do Ministério do Meio Ambiente foi a decisão do presidente Lula de entregar ao então ministro de Planejamento Estratégico, Mangabeira Unger, o Plano da Amazônia Sustentável (PAS).
A MP 458, apelidada pelos ambientalistas de “MP da Grilagem”, caiu como uma bomba entre verdes do mundo inteiro. A lei permitiu a legalização de 67,4 milhões de hectares de terras públicas da União na Amazônia, até o limite de 1.500 hectares.
Pressões ambientalistas fizeram com que o governo vetasse, na totalidade, o artigo 7oda medida e o inciso II do artigo 8, que tratavam da transferência de terras da União para as pessoas jurídicas e para quem não vive na Região Amazônica.
A senadora Marina Silva considera que essa lei beneficia grileiros e grandes proprietários de terras na Amazônia, e a classificou de “a pior medida entre tantas tomadas no governo Lula contra o meio ambiente”, como a concessão de incentivos à indústria automobilística e a frigoríficos na Amazônia sem a exigência de contrapartida.
Como a agenda ambiental tornou-se central nas discussões sobre desenvolvimento econômico, e ganhou destaque com a aproximação da reunião de Copenhague, nas duas primeiras semanas de dezembro — quando serão definidas as novas metas de redução da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera a partir de 2013, em substituição ao Protocolo de Kyoto —, os pré-candidatos à Presidência assumiram o tema e preparam-se para estar presentes à reunião.
Tanto Serra como Dilma andaram trocando farpas quanto aos respectivos programas de redução de emissões.
A redução de 40% proposta pelo governo Lula, parte em decorrência da redução do desmatamento da Amazônia, foi considerada “sem grandeza” pelo governo paulista, que alega que a meta de redução absoluta de 20% das emissões em relação a 2005, adotada por São Paulo, significa mais do que a simples desaceleração da emissão do plano federal, em relação ao que se estaria emitindo em 2020, e mesmo assim como “compromisso voluntário”, e não meta de governo.
Já a ministra Dilma Rousseff comparou os números totais para garantir que a proposta do governo é mais importante. A decisão de não estabelecer metas, mas sim compromissos, foi uma orientação do Itamaraty acolhida pela Casa Civil, sob a alegação de que o país não ficaria assim preso a longo prazo ao cumprimento de metas, mas sim ao conceito de redução de emissões, cujos índices podem ser alterados na medida do interesse nacional.
Na reunião de Copenhague, a ministra Dilma provavelmente chefiará a missão brasileira, e a senadora Marina Silva certamente estará presente, ao lado das ONGs que estão mais atuantes do que nunca na pressão aos governos nas reuniões preparatórias. E o governador José Serra também pretende comparecer.
A grande incógnita são os Estados Unidos, que, ao que tudo indica, não terão uma posição oficial aprovada pelo Congresso a tempo da reunião. A pressão está partindo dos países em desenvolvimento, especialmente Brasil, China e Índia, para que os países desenvolvidos assumam metas de redução, até mesmo como maneira de pressionar os Estados Unidos.
Dora Kramer:: Chuvas e trovoadas
A ser verdadeira a versão de que o blecaute em 18 Estados do País se deveu ao mau tempo que se abateu sobre uma cidade chamada Itaberá (SP), isso significa que o Brasil tem um sistema de energia sujeito a chuvas e trovoadas. Portanto, vai acontecer de novo. Tantas vezes quantas forem contundentes as atribulações da natureza.
Agora, se ficar provado que a história não passa de uma desculpa esfarrapada, quer dizer que o Brasil tem um governo cuja preocupação primordial é tirar o corpo fora. Fugir de suas responsabilidades administrativas para não causar prejuízos à sua atividade política.
Em qualquer uma das hipóteses, estamos mal arranjados.
A se acreditar nas explicações do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, um curto-circuito foi capaz de tirar de operação a usina de Itaipu porque a pane no ponto de origem desligou outras tantas linhas de transmissão e deixou às escuras o maior, mais desenvolvido, mais celebrado e exaltado país da América do Sul, a nova coqueluche do mundo.
Lobão, que deve seu cargo à ligação com o presidente do Senado, José Sarney, senhor daquela sesmaria (o setor elétrico) na parte do latifúndio da administração federal reservada ao PMDB, assegurou que o sistema é um espetáculo e comparou o episódio a um acidente aéreo: "As máquinas são feitas para serem perfeitas, mas o avião às vezes cai."
Sim, por falha do equipamento, inépcia na operação ou fenômenos meteorológicos tão graves quanto imprevisíveis.
Não foi o caso. Segundo o mesmo ministro, "o Brasil é o país de maior concentração dessas situações extremas de meteorologia" e muito mais ainda na área afetada. Se as ocorrências são constantes são também previsíveis e, por isso, é de se supor, cobertas pelos sistemas de segurança.
O diretor-geral de Itaipu, o petista Jorge Samek, atribuiu o apagão à "lei de Murphy", o secretário-geral do Ministério de Minas e Energia culpou o desligamento de três linhas que levam energia de Itaipu para o resto do País, o presidente da Eletrobrás explicou que o problema estava nas linhas de transmissão da usina para São Paulo e o ministro do Planejamento duvidou que a origem do dano estivesse na fúria do céu.
Vinte horas depois do ocorrido, Lobão volta à cena e bate o martelo na versão do temporal. E para dizer o que no Paraguai já se sabia desde o fim da noite de terça-feira. O serviço brasileiro da BBC pôs no ar a explicação sobre o curto-circuito e consequente efeito dominó a uma da madrugada de quarta-feira.
Por que o governo brasileiro só falou oficialmente 16 horas depois? Por que a embromação?
A demora e as contradições deixam evidente a intenção do governo de evitar qualquer discussão que ponha em cheque a capacidade gerencial da administração e abale a imagem da gerente exigente e eficiente da ministra Dilma.
Mas esse é um efeito secundário. O principal para o Planalto, mais que a blindagem de Dilma Rousseff, é a blindagem do presidente Luiz Inácio da Silva. É a figura a ser preservada a qualquer custo, pois dele é que depende o futuro dos demais companheiros.
Quando o governo que tanto exibe a candidata esconde a ministra fiadora da eficácia do sistema elétrico sem fazer segredo da estratégia, está sutilmente deixando que a política, na pessoa de Dilma, pague uma conta que é administrativa. De responsabilidade do presidente da República.
Não por acaso, circulam convenientes versões sobre as cobranças "firmes" do presidente e sua "irritação" com as informações demoradas e desencontradas sobre o blecaute.
É sempre assim, em qualquer crise. Lula aparece como o personagem irritado que reclama dos incompetentes, exige da equipe uma solução imediata. Logo aparece uma versão conveniente e, em seguida, o assunto é dado unilateralmente como encerrado.
Desta vez também se repetiu o roteiro, cabendo ao ministro Lobão a tarefa de pôr o ponto final na questão, a despeito da opinião da maioria dos técnicos, do governo inclusive, sobre os indicativos de falha de operação.
Ao presidente Lula não apetece resolver problemas, mas se livrar deles de qualquer maneira para que não haja obstáculos em seu caminho. Como quer transparecer a todos que a adversidade pertence a uma outra era, que na administrada por ele tudo é glória, ao presidente os percalços soam ameaçadores.
Atrapalham a sustentação do discurso do triunfo absoluto.
Mas, como nem tudo é desastre nem tudo é esplendor puro, convém sempre lidar com a realidade com mais equilíbrio para que os tropeços possam ser vistos como eventualidades naturais e os danos contabilizados sejam bem mais reduzidos.
Se no caso do blecaute o governo não mentiu, tergiversou. Para ganhar tempo até pensar como administrar o revés com o mínimo de prejuízo político possível, quando talvez ganhasse mais se optasse pela lógica do máximo benefício administrativo.
Fernando de Barros e Silva:: Os iluminados
SÃO PAULO - Quase 60 milhões de pessoas ficaram no escuro. O país era um breu só, mas a mente iluminada de Tarso Genro viu uma maneira de dizer que tudo não passou de "um microincidente dentro de conquistas extraordinárias durante sete anos na produção de energia". A cabeça do vaga-lume da Justiça funciona assim: apaga quando acende e vice-versa.
Devemos contabilizar entre as "conquistas extraordinárias" o fato de termos à frente do Ministério de Minas e Energia alguém como Edison Lobão? Já escrevi e repito: as afinidades do afilhado de Sarney com o setor elétrico se limitam ao prenome. Ele é homônimo de Thomas, o inventor da lâmpada.
Sem ciência na área, nosso Edison primeiro rogou a Deus para que o episódio não se repita. Ontem, pautado pelos camaradas, disse que este era assunto "superado" no governo. E assim fica. Diante da falta de explicações plausíveis, o Planalto acionou sua rede de transmissão da autossuficiência autoritária.
Na véspera do "microincidente", Dilma Rousseff dizia: "Nosso governo dá de 400 a 0 no anterior". Quanto estaria hoje o placar? Depois de submergir, a ex-ministra de Minas e Energia de Lula ontem também limitou-se a "encerrar o caso". Devemos agora pensar que o povo não precisa mais dos "formadores de opinião" porque aprendeu a ficar no escuro sozinho?
Para livrar a cara de sua candidata, o PT no Senado jogava anteontem a responsabilidade nas costas do PMDB, dono da área. Este, por sua vez, cobrava "satisfação cabal" do governo.
A pantomima política lembra a crise dos anos FHC, quando os tucanos tentavam depositar seu apagão na conta do PFL.
Em 2001, no tempo das velas românticas do tucanato, houve um longo racionamento; hoje não falta energia. Mas é sintomático, nos dois casos, que o país esteja entregue à mesma "bancada do apagão". As subestações da fisiologia seguem operando. O que está muito em falta, além da luz eventual, é consideração pela opinião pública.
Eliane Cantanhêde:: Apareceu a margarida
BRASÍLIA - Quando é para representar o Brasil na Conferência do Clima em Copenhague, é Dilma Rousseff quem vai.
Quando é para anunciar a descoberta e as regras para o pré-sal, Dilma é a estrela da festa.
Quando é para anunciar programas populares, inaugurar obras, passear pelo São Francisco ou aparecer ao lado de Lula na TV, Dilma fica no centro do palanque.
Quando é para comandar reuniões do PAC, da Petrobras, do setor elétrico, é sempre ela. E o ministro Edison Lobão não dá um passo sem consultar a "chefa".
Mas não é que Dilma foi apagada no mais abrangente apagão da história? Só ontem, mais de 40 horas depois, bem treinada e na ofensiva, ela reapareceu para dizer que apagão dos outros é apagão, mas apagão de Lula é só blecaute.
A cara do governo na hora das boas novas é Dilma e, para apagões e abacaxis, Lobão. Ela fica com os bônus; ele, com o ônus. Mas ambos agora dizem que o problema "está encerrado". Há controvérsias.
A versão do governo explica, mas não justifica. Explica que três linhas de transmissão caíram simultaneamente, interrompendo a geração e causando efeitos em cascata. Mas não justifica como, e exatamente por que, elas caíram. Um raio? Dois raios? Três raios? No mesmíssimo momento e lugar?
Estatisticamente, é improvável, quase impossível, e o presidente de Itaipu, Jorge Samek, até brincou comigo: "É por isso que morro de medo de estatística, de maionese e de salsicha".
O fato é que a história ainda merece muitas respostas, e começando do começo -do exato instante em que o sistema inteiro foi para a cucuia. Pode demorar. Tomara que a ministra não fique trancada em casa, enquanto Lobão não vem.
O embaixador e então ministro Rubens Ricúpero dizia que "o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde". Só que tem sempre um chato para descobrir.
Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo
São Paulo se basta
Para a maioria dos políticos paulistas, São Paulo se basta. A política nacional parece um estorvo. Precisaria ser domada. Como? Ora, com os votos de São Paulo e do Sul Maravilha. Qualquer tucano de São Paulo acredita que a sucessão presidencial de 2010 se decidirá às margens do Tietê e seus afluentes. Com a adesão de Minas, é claro. Mas foi assim que a vaca foi para o brejo na Revolução de 1930, que pôs um ponto final na política do café com leite da República Velha.
Por que o comentário? Por causa da estratégia do governador José Serra (PSDB) na sucessão de Lula. É até simplória. Consiste em esperar o prazo de desincompatibilização dos cargos públicos (março de 2010) para decidir se será candidato a presidente da República ou à reeleição ao Palácio dos Bandeirantes. O governador paulista chama isso de sangue frio, mas não passa de cálculo político pragmático: seu objetivo será determinado pela correlação de forças na hora derradeira de deixar o cargo. Só o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acredita que Serra está condenado a ser candidato a presidente da República porque não teria motivação para administrar São Paulo por mais um mandato. --> --> --> -->
Tom maior
Quem de fato se movimenta como candidato a presidente da República no PSDB é o governador de Minas, Aécio Neves (foto), que subiu o tom das críticas ao governo Lula para fugir da armadilha que lhe está sendo imposta pela cúpula da legenda. O imobilismo do PSDB neutraliza as possibilidades eleitorais de Aécio, que extrapola a coalizão de oposição com o DEM e o PPS, ao arrebanhar apoios na base governista. Para o governador mineiro, a longa espera por uma decisão de Serra pode ser mortal. É por isso que partiu para a polarização com o PT e sua candidata, Dilma Rousseff.
PT e PMDB em choque na crise
Partidos dividem os cargos mais importantes do setor elétrico e trocam acusações sobre a responsabilidade pelo episódio que deixou boa parte do país às escuras
Ricardo Brito
O apagão que atingiu 18 estados na terça-feira provocou um curto-circuito na relação entre PT e PMDB, partidos que fatiam o setor desde o início do governo Lula. Enquanto o presidente trabalhava pessoalmente para contornar a crise, caciques de uma legenda responsabilizavam cardeais da outra pelo acidente energético. O ministro de Minas e Energia, senador peemedebista Edison Lobão (MA), afirmou inicialmente que o apagão teria sido culpa de Itaipu, dirigida pelo petista Jorge Samek, amigo pessoal de Lula. Foi rebatido logo em seguida. O pano de fundo dessa briga que se estende nos bastidores é o controle dos cargos e de um dos maiores orçamentos da Esplanada dos Ministérios: R$ 80 bilhões da pasta de Minas e Energia, somadas as estatais.
A guerra entre PT e PMDB contamina até as discussões do pré-sal. As duas siglas se movimentam para controlar a Petro-sal, estatal que gerenciará os bilhões de reais decorrentes da extração das reservas de petróleo. “Todos somos governo e o objetivo final é servir bem a sociedade”, contemporiza o deputado e engenheiro elétrico Jorge Boeira (PT-SC). Como a empresa ainda não existe, nem se sabe quantos cargos terá, a briga está em aberto.
Ontem, em público, sob o comando de Lula, o ministro de Minas e Energia e a chefe da Casa Civil, a petista Dilma Rousseff, afinaram o discurso de que o apagão de cerca de cinco horas é um “caso encerrado” (leia mais página 3). Mas sobram queixas nos bastidores. “O Lobão quis jogar a culpa em cima de Itaipu para livrar a Eletrobrás, responsável pelo sistema e onde ele tem o comando”, criticou um parlamentar do PT. Para constrangimento do ministro e blindagem de Dilma, coube a Lobão, um político sem experiência no setor, dar as explicações técnicas à sociedade.
No primeiro mandato de Lula, com o apoio do então presidente do PT, José Dirceu, o PMDB tentou controlar o setor, mas Lula preferiu apostar em Dilma Rousseff, uma técnica recém-convertida ao partido para administrar o Ministério de Minas e Energia. Quando Dilma mudou-se para a Casa Civil, em junho de 2005, impôs homens de confiança aos peemedebistas. Os dois principais são o número 2 do ministério, Márcio Zimmermann, e o diretor de Engenharia da Eletrobrás, Valter Cardeal. O último tornou-se uma espécie de fiscal de Dilma nas decisões da estatal responsável pela transmissão da maior parte da energia consumida pelos brasileiros. No início de 2008, caciques peemedebistas com ascendência na Eletrobrás, como o presidente do Senado, José Sarney, chegaram a se queixar da interferência de Dilma.
Se antes o PT detinha o controle político de praticamente todo o sistema energético – geração, distribuição e transmissão – do ministério, hoje contenta-se com nacos de poder. Mantém influência na geração, com Jorge Samek em Itaipu. Na próxima semana, peemedebistas vão cobrar explicações dele sobre o único desligamento de energia da história da hidrelétrica (veja quadro de indicações).
O PMDB, por sua vez, conseguiu tirar dos petistas, no segundo mandato de Lula, duas joias da coroa. Uma delas foi a presidência da Eletrobrás, controladora de grande parte do sistema de transmissão de energia do país, com José Antonio Muniz Lopes. A outra foi Furnas, primeiro com o ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde, agora com Carlos Nadalutti Filho. Ambos foram apoiados pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que chegou a retardar, como relator, a votação da derrotada prorrogação da CPMF a fim de emplacar um aliado na presidência da estatal. No fim do mês passado, a última vitória dos peemedebistas veio com a saída de Sérgio Wilson Fontes da presidência do fundo de pensão de Furnas. “O PMDB está satisfeito com o que tem no governo”, afirmou na ocasião o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN).
Chuva não
Embora descartem crise na relação, aliados dos dois partidos no Congresso não acreditam na explicação oficial de que o colapso do sistema foi culpa exclusivamente da natureza. “Não há nada superado”, afirmou o deputado Nelson Bornuier (PMDB-RJ), da Comissão de Minas e Energia. “Nem o próprio governo definiu a causa do apagão”, disse. “Ocorrências em função de episódios meteorológicos existem. O que não convence é simplificar porque houve problemas na proteção do sistema. É preciso apurar por que Itaipu desligou completamente”, afirmou o senador Delcídio Amaral (PT-MS).
Serra critica o sistema e Aécio, a ministra
BRASÍLIA - O silêncio inicial da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) sobre o apagão, que falou do tema apenas quase dois dias depois, foi avaliado pelo presidenciável do PSDB e governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB-MG) como um “sinal de fragilidade” da candidatura da petista à Presidência da República. “Não creio que do ponto de vista técnico o apagão tenha efeitos na campanha. Agora, a operação para blindar a ministra Dilma, isso passa a ideia de fragilidade em sua candidatura”, disse pela manhã, ao deixar Brasília, onde esteve para participar de reuniões com seu partido.
Para Aécio, Dilma, como chefe da Casa Civil e ex-ministra de Minas e Energia, tinha de falar sobre o acidente. “Estão querendo desvinculá-la do tema.” À tarde, porém, depois de reunião com o presidente Lula, a ministra Dilma Rousseff concedeu entrevista na qual tratou do apagão. Ela procurou diferenciar o blecaute ocorrido nesta semana do racionamento de energia no governo FHC, classificado por ela de “barbeiragem”.
Já o também presidenciável tucano e governador de São Paulo, José Serra, comentou a versão para o apagão dada pelo governo. “Não podemos ter um sistema elétrico que entre em colapso por causa de raios e ventanias. O sistema tem que ser à prova de pequenos transtornos da natureza. Isso mostra que o sistema elétrico brasileiro é frágil.”
Aécio também falou ontem sobre a sucessão presidencial. Ele afirmou que o PSDB começa a perceber que sua eventual candidatura poderá evitar uma “polarização” ou “tentativa de eleição plebiscitária” em 2010, conforme estratégia atribuída ao presidente Lula. Aécio voltou a argumentar que se considera capaz de agregar outras forças políticas, inclusive de partidos que estão atualmente na base aliada ao governo. A declaração de Aécio vem dois dias depois de o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), ter admitido que uma candidatura do mineiro poderia ampliar mais as alianças do PSDB do que a de José Serra.
Aécio disse, também, que o encontro com o presidenciável do PSB, Ciro Gomes (CE), previsto para a terça-feira, em Belo Horizonte, não tem por objetivo enfraquecer a pré-candidatura de Serra. “Esse não é o objetivo. Vejo que algumas análises podem até ir nessa direção, mas isso (sua relação com o deputado do PSB) não é um fato construído artificialmente”, observou.
Aécio e Ciro ensaiaram uma aliança na campanha para prefeito da capital mineira, Márcio Lacerda (PSB), em 2008. Em julho, no último encontro entre os dois em Belo Horizonte, o deputado causou desconforto no PSDB ao criticar duramente Serra, tendo o governador mineiro ao lado.
Aécio reforça tese de que pode ampliar alianças
Governador participa de jantares em Brasília e propõe pacto pós-eleição com os petistas
Adriana Vasconcelos e Isabel Braga
BRASÍLIA. Um dia depois de o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), ter admitido que uma candidatura de Aécio Neves poderia ampliar mais as alianças do PSDB do que a do governador paulista José Serra, o governador de Minas Gerais desembarcou na capital federal disposto a reforçar a tese.
Na quarta-feira, marcou presença em dois jantares. O primeiro, em homenagem aos novos filiados do PSDB, para o qual Serra também estava convidado, mas não apareceu.
O outro, com a bancada mineira da Câmara, prestigiado pelo presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), a quem agradeceu publicamente as declarações de apoio à sua candidatura.
No jantar com os tucanos, Aécio chegou a ser aclamado presidente, em coro puxado pelos mineiros. Além de sinalizar com a possibilidade de atrair partidos como PP e PTB, hoje na base do governo Lula, Aécio propôs a abertura de um canal de diálogo com os movimentos sociais e sindicatos, redutos eleitorais do PT.
Nárcio Rodrigues (PSDB-MG) disse acreditar o governador poderia atrair até o PSB.
Já no jantar com a bancada mineira, aproveitando a presença do vice-presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), Aécio propôs um pacto pós-eleição com os petistas para aprovação das reformas política, tributária e da previdência, independentemente de quem vença.
— O jantar serviu para demonstrar a capacidade de Aécio em aglutinar forças políticas que estão hoje na base do governo Lula — resumiu Júlio Delgado (PSB-MG).
Governo segura votação de reajuste a aposentado
Cristiane Jungblut e Chico de Góis
BRASÍLIA. Temendo surpresas nas votações, o governo decidiu impedir a apreciação de qualquer proposta ligada a reajuste das aposentadorias na Câmara e no Senado, e deverá editar medida provisória para conceder reajuste diferenciado para aqueles aposentados que ganham acima do salário mínimo. A estratégia de ganhar tempo até a edição da MP foi debatida ontem em reunião dos líderes aliados com o presidente Lula.
Após o encontro, o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), disse que está mantida a proposta apresentada às centrais sindicais em agosto: conceder, em 2010, reajuste de cerca de 6%, com ganho real de 2,5%, para os aposentados que ganham acima do mínimo, o que deverá ser concretizado por meio de MP. O mínimo será reajustado em 9%. À noite, Lula recebeu dirigentes das centrais sindicais, que foram entregar a pauta de reivindicação da 6aMarcha dos Trabalhadores, e reafirmou que essa é a única proposta possível do governo.
— O ministro Guido Mantega (Fazenda) reafirmou que esse valor já é um esforço. Primeiro, vamos concluir a votação do pré-sal, que vai levar de 15 a 21 dias — afirmou Fontana.
O líder disse que o governo vai impedir a votação do projeto que prevê a extensão do reajuste do mínimo a todas as faixas de benefício do INSS como regra permanente. O governo sabe que o risco de pôr o tema em votação no plenário é a tentativa da oposição de aprovar uma regra mais abrangente, o que acaba influenciando alguns aliados.
Tradicionalmente, Lula edita uma MP com o valor do salário mínimo e com o reajuste para os benefícios acima do piso. O próximo reajuste vale a partir de janeiro, o que significa que a MP tem que sair até dezembro.
— Todo esforço da base do governo será voltado à questão do pré-sal. O tema das aposentadorias ainda está em debate interno no governo — disse o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais).
Oposição rebate Lula, que disse ter sido alvo de tentativa golpe
Eugênia Lopes, BRASÍLIA
Deputados e senadores de partidos de oposição criticaram ontem as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista a um programa de televisão que vai ao ar no domingo, ele disse que o mensalão foi uma tentativa de "golpe" para derrubá-lo. Disse ainda, conforme antecipou a Folha de S. Paulo, ter "desconfiança" de que o publicitário Marcos Valério, operador do mensalão, foi plantado no PT.
Para os oposicionistas, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de acatar o pedido de abertura de inquérito para investigar o esquema de compra de voto de parlamentares pelo governo federal não deixa dúvidas da existência do mensalão.
"O presidente está delirando. Está querendo reescrever a história", reagiu o líder do PSDB na Câmara, deputado José Aníbal (SP). "Ele está sofrendo de uma crise de Alzheimer político e resolveu deletar o mensalão da memória", disse o líder do DEM na Câmara, deputado Ronaldo Caiado (GO).
Para o líder do PT na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (SP), a denúncia do mensalão "tem um erro de origem". "O governo não precisaria comprar voto de deputado do PT. Não faz sentido isso", disse, alegando nunca ter conversado com Lula sobre o assunto.
Lula "delira" ao falar sobre golpe, afirma oposição
MENSALÃO
Da Sucursal de Brasília
As principais lideranças da oposição no Congresso repudiaram as declarações do presidente Lula de que o mensalão foi uma "tentativa de golpe" e uma "armação", feitas durante entrevista ao programa "É Notícia", da RedeTV!.
O líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), disse que o presidente está com "mal de Alzheimer político". "Pois nada é mais marcante no governo Lula do que o mensalão", afirmou.
O líder tucano, deputado José Aníbal (SP), segue o discurso. Para ele, Lula está "delirando" e "quer tirar isso da sua biografia".
Já para o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN), é neste momento que o petista corre o maior perigo, já que o STF foi o primeiro a considerar o caso como um fato.
Em resposta, o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP), negou a existência do mensalão e disse que o suposto esquema "não faz sentido".
Depois de “eu não sabia”: Lula diz que mensalão foi golpe da oposição
Valério teria sido infiltrado no PT, afirma. DEM e PSDB rebatem: "Ele está com Alzheimer político"
Maria Lima
BRASÍLIA. A oposição reagiu com revolta ontem à acusação feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o mensalão “foi uma tentativa de golpe” contra seu governo. Lula insinua, em entrevista que vai ao ar domingo na Rede TV, que Marcos Valério, operador do mensalão, foi infiltrado no PT por adversários.
Para o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado, Lula deve sofrer de “Alzheimer político”: — No momento em que Chinaglia (Arlindo) e José Múcio (ex-ministro), além de Roberto Jefferson (presidente do PTB), declararam à Justiça que levaram o caso do mensalão ao conhecimento do presidente Lula, a tese por ele lançada de que o mensalão não existiu, que foi uma armação, mostra que ele só pode ter sido acometido de um processo de Alzheimer político! A declaração de Lula, segundo publicado ontem no jornal “Folha de S.Paulo”, foi dada ao programa “É notícia”, da Rede TV!, gravado na quarta-feira: — Foi uma tentativa de golpe no governo... Foi a maior armação já feita contra o governo.
Na entrevista, Lula disse ter desconfiança da relação entre PT e Valério: — Marcos Valério não vem do PT, vem de outras campanhas — disse, numa referência indireta à participação dele na campanha do tucano Eduardo Azeredo pela reeleição no governo de Minas.
Arnaldo Madeira (PSDB-SP) estranhou a acusação dizendo que, no auge do mensalão, PSDB e DEM foram taxados de “frouxos” por não terem patrocinado um pedido de impeachment do presidente.
— E agora ele vem falar de golpe? O Lula é um mentiroso contumaz.
Maria Cristina Fernandes: A escola do traquejo político
O apagão do governo Fernando Henrique Cardoso arrefeceu as perspectivas de poder dos pefelistas- principais aliados tucanos e líderes do condomínio que, até 2002, deu as cartas no setor elétrico nacional. José Serra, candidato à sucessão, escolheria no PMDB sua candidata a vice.
Com a derrota, o PMDB ampliaria seus antigos nacos de poder no setor à medida que ampliava sua aliança com o governo Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto o PFL, transmutado em DEM, iniciaria ali uma longa estiagem de poder e influência que dura até hoje.
Ainda que o presidente deixe correr soltas as mesmas justificativas de intempéries climáticas, seu apagão pode mesmo ser diferente daquele que, no governo de seu antecessor, redundou num penoso racionamento de energia.
O que Lula não tem como evitar são as semelhanças do papel desempenhado pelo setor elétrico na acomodação de interesses dos principais aliados governistas de ontem e de hoje.
A senadora Ideli Salvatti (PT-SC), representante de um Estado onde os petistas estão em litígio com o PMDB, resumiu as animosidades geradas pelo apagão com a sutileza de um elefante - "Quando Dilma era ministra não tivemos nenhum apagão", disse às repórteres Cristiane Agostine e Raquel Ulhôa, do Valor.
O PT, assim como o PSDB de ontem, prefere jogar sobre os ombros dos indesejáveis aliados a responsabilidade sobre os percalços administrativos sem oferecer nenhuma alternativa de como governariam sem eles.
Misturam-se ao blecaute os curto-circuitos provocados no PT pelos acordos regionais que privilegiam o PMDB com vistas à eleição da ex-ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff.
Os acordos regionais são o último capítulo da saga da aliança PT/PMDB que começou com a substituição de Dilma, em 2005, por Silas Rondeau - aliado do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), no Ministério das Minas e Energia - e foi selada com a operação que salvou o cargo do senador.
Os poderes de Sarney sobre o ministério estiveram ameaçados durante a interinidade de Nelson Hubner, indicado pelo PT depois do afastamento de Rondeau, envolvido na Operação Navalha, da Polícia Federal. E acabariam por crescer com a nomeação do senador Edison Lobão (PMDB-AP), no início de 2008.
O condomínio Sarney no setor elétrico permaneceria intacto durante todo o imbróglio da crise que envolveu sua permanência no poder. Com cargos estratégicos como a presidência da Eletrobrás, Sarney e Lobão não disputam com Dilma as diretrizes do setor. No seu quinhão estão muitos dos contratos das empresas do grupo Eletrobrás com empreiteiras e outras energéticas.
Um flash da operação do grupo foi estampado há menos de um mês nas páginas da "Folha de S.Paulo" com a publicação de um grampo efetuado pela Polícia Federal de telefonemas entre Sarney e seu filho Fernando em torno das nomeações do setor.
O grampo reproduz as conversas entre pai e filho, em seguida à posse de Lobão no ministério, em torno da nomeação do presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz, além da criação, pelo novo ministro, de uma diretoria de distribuição para acomodar um amigo de Fernando no cargo.
O filho de Sarney já vinha sendo investigado pela Polícia Federal por sua atuação junto ao setor elétrico desde os tempos de Rondeau. Acabaria sendo indiciado pela Polícia Federal por vários crimes - de tráfico de influência a lavagem de dinheiro.
O mapa do poder do PMDB no setor obedece à adesão governista do partido. As únicas estatais comandadas pelo PT estão no Sul, região em que o PMDB é mais próximo da oposição.
O poder do grupo sobre o setor chegou ao seu ápice no final de outubro quando um dos últimos bastiões de resistência ao poder pemedebista sobre Furnas - o fundo de pensão da estatal, a Fundação Real Grandeza - caiu no colo do partido.
As negociações entre Dilma e PMDB em torno do preenchimento de cargos no setor energético foram saudadas pelo partido como sinal de amadurecimento político da ministra que assumira a Casa Civil com fama de técnica dura e de conhecimento irretocável, mas de pouco jogo de cintura.
O apagão acontece quatro anos depois de Dilma deixar formalmente o controle do setor no qual firmou sua reputação de gestora pública. Não há um único técnico capaz de dizer que o sistema elétrico nacional piorou no governo Lula. O que ainda não dá para saber é se as horas às escuras numa noite quente de primavera vão ser uma lembrança perdida do eleitor ou se o bombardeio da campanha eleitoral imporá ranhuras à imagem de administradora eficiente de Dilma Rousseff.
Das respostas do governo ao apagão é que se concluirá se a candidata do presidente foi longe demais no traquejo político de sua caminhada rumo ao poder.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
Ventos de mudança
Pesquisa social: Livro e documentário revivem a luta de intelectuais que fizeram do Cebrap um lugar para se repensar o Brasil e o sentido da prática política.
Por Claudia Izique, para o Valor, de São Paulo
Era 1957. Ainda levaria tempo até chegar a escuridão da ditadura militar. Mas a resistência intelectual ao autoritarismo jogava suas sementes num seminário organizado por professores assistentes da Universidade de São Paulo (USP) para a leitura de "O Capital", de Karl Marx. Em dezembro de 1968, o ato institucional nº 5 joga o país na repressão política. O Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) nasce em maio de 1969. São três momentos que se conectam.
Um livro e um documentário em DVD que o acompanha, os dois com o título "Retrato de Grupo", foram produzidos para assinalar os 40 anos de fundação do Cebrap e sua contribuição essencial, no período, para a renovação do pensamento sociológico brasileiro - apesar das ações intimidadoras da ditadura sobre a Universidade, mas também, de certa forma, sob seu estímulo -, e a irrigação, por métodos e objetivos de pesquisa, da prática política no país nos anos que se seguiriam. No lançamento do livro, dia 24, em São Paulo, haverá um encontro de Fernando Henrique Cardoso, um dos fundadores do Cebrap, e Francisco de Oliveira, que se integrou ao grupo em 1970. O livro, organizado pelos sociólogos Flavio Moura e Paula Montero, reúne entrevistas de personalidades acadêmicas ligadas ao Centro, espelhadas em depoimentos colhidos para o filme, dirigido por Henri Arraes Gervaiseau. Também há textos sobre Ruth Cardoso (1930-2008), Cândido Procópio de Camargo (1922-1987) e Vilmar Faria (1943-2001).
O Cebrap foi gestado no descontentamento de um grupo de jovens intelectuais com uma cultura altamente hierárquica e cientificamente neutra, orientada por marcos conceituais ligados aos grandes clássicos do pensamento sociológico da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade da USP. A ideia de fundar um centro de pesquisa e debate interdisciplinar que permitisse superar as limitações do ambiente acadêmico se consolidou com a edição do ato institucional nº 5, e o Cebrap acabou por tornar-se uma alternativa profissional para muitos desses jovens.
"A criação do Cebrap não esteve ligada somente às injunções conjunturais, mas também à preocupação de implementar novos métodos de trabalho, visando superar a compartimentalização do conhecimento e os constrangimentos da estrutura universitária tradicional", escreveu Bernardo Sorj, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, em "A Construção Intelectual do Brasil Contemporâneo" (2001).
A tensão com a "compartimentalização do conhecimento" começou a se manifestar em 1957, quando José Arthur Giannotti retornou da França com a ideia de formar um grupo de leitura de "O Capital", de Karl Marx. "O seminário era o momento em que nós, jovens assistentes, podíamos ter um pouco mais daquilo que queríamos fazer: um trabalho de esquerda. Daí a necessidade de dialogar com Marx. Não se tratava de uma escola de marxismo. Era uma maneira de dialogarmos com o marxismo exterior e com o marxismo que existia dentro de nós", lembra Giannotti.
Quase todos os integrantes do grupo eram professores ou alunos dos departamentos de sociologia, antropologia e filosofia da USP: Fernando Henrique Cardoso, Ruth Cardoso, Leôncio Martins Rodrigues, Paul Singer, Octavio Ianni, Roberto Schwarz, Fernando Novais, Bento Prado Júnior, entre outros. O próprio Florestan Fernandes - que na época ocupava a cátedra de sociologia, antes de ser cassado pelo AI 5 - reconheceu que seus assistentes "traziam consigo ventos novos" e que, "no processo de autoafirmação psicológica e científica, eles impunham o peso da renovação que configuravam, graças a [Georg] Lukács, primeiro, a [Jean-Paul] Sartre, em seguida, e [Lucien] Goldman, mais tarde, e a uma pletora de leituras menores, em que se confundiam a "nova esquerda", a "contracultura" e os principais representantes mais recentes da sociologia europeia ou norte-americana", escreveu Florestan em "A Sociologia no Brasil" (1977).
O seminário conferiu ao grupo uma formação marxista clássica, abrindo-lhe uma perspectiva do capitalismo diferente, por exemplo, das teorias da dependência propugnadas nas teses da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). Sorj lembra que, no livro "Dependência e Desenvolvimento na América Latina", publicado em 1965, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto já defendiam a ideia de que, mesmo nos países dependentes, o Estado nacional tem um espaço de liberdade e que a dinâmica política de cada país é determinante "em situações históricas concretas".
No início da década de 1960, o marxismo chegou à USP por meio de cursos oferecidos por Fernando Henrique e Ianni. "Até então, a orientação teórica predominante nas ciências sociais era funcionalista-positivista: [Émile] Durkheim, [Ferdinand] Tönnies, [Max] Weber, Talcott Parsons, [Robert] Merton eram os autores estudados. Havia um ano de matemática, dois de estatística e um de metodologia e prática de pesquisa", conta Leôncio Martins Rodrigues, fundador e membro do conselho do Cebrap.
Na época, o marxismo, que já havia se afastado do movimento operário e dos grandes sindicatos burocratizados, se deslocava para as universidades. "Os grandes teóricos do marxismo deixaram de ser intelectuais semimarginais, de militância política revolucionária, e passaram a ser professores universitários de prestígio. O marxismo acadêmico substituiu o marxismo militante", lembra Rodrigues.
Anos depois, quando o Cebrap foi criado, o seminário de Marx serviu como um "mito fundador" da instituição, segundo Sorj, e seus membros assumiram o discurso marxista sem se subordinar ao debate ideológico. "Não havia exclusividade de ideias marxistas no Cebrap", sublinha Fernando Henrique. "O seminário sobre Marx terminara seis anos antes. Eu já estivera exilado no Chile, havia trabalhado na Cepal, havia sido professor em Paris, e tinha uma visão muito mais nuançada da economia e da política e já havia escrito "Dependência e Desenvolvimento na América Latina". No Cebrap, se juntaram a nós vários pesquisadores formados nos Estados Unidos, sem influência de ideias marxistas. Não éramos ideólogos, mas analistas sociais, mesmo quando muitos de nós tivéramos formação influenciada por Marx. O objetivo da criação do Cebrap era um só: sobreviver no Brasil - ainda que frequentemente dando aulas no exterior, para não perder os contatos e para melhorar os salários - e manter um foco de resistência intelectual ao autoritarismo predominante."
Ao longo dos anos 1970, os intelectuais reunidos no Cebrap tinham a compreensão de que o Brasil iniciava um novo ciclo de expansão capitalista, que produziria profundas consequências econômicas e sociais, afirma Sorj. "O impressionante "milagre" econômico, a rápida derrota e marginalização da esquerda clandestina e os óbvios indicadores de desigualdade social alimentaram e favoreceram o tipo de análise desenvolvida pelo Cebrap. Essa capacidade analítica se sustentou tanto na teoria marxista como numa atitude renovada em relação ao papel do cientista social", escreveu Sorj.
As análises refletiam um conhecimento científico não subordinado a nenhuma doutrina ideológica ou linha partidária e seu impacto político estava na capacidade de oferecer uma interpretação sólida do contexto histórico do país. "Enganou-se a ditadura brasileira quando supôs que o Cebrap era um biombo para atividades políticas, um disfarce entre outros que a esquerda utilizou sempre para burlar a pesada censura e repressão. A surpresa foi a inversão: o Cebrap fez política fazendo ciência social, ao invés do caminho mais tradicional de fazer ciência social começando pela política", diz Francisco de Oliveira, que passou a integrar o staff do Centro em 1970. (Ver artigo na página 26)
Nos anos de ditadura, o Cebrap reconhecia os limites do momento político e orientava sua atividade para a pesquisa. "Nossas primeiras publicações tinham um caráter de arquivo, de relatório de pesquisa, e pudemos caminhar bastante. Cada um de nós tinha vinculação com setores liberais, o que foi muito útil na limpeza do terreno do Cebrap. Eram contatos pessoais e não institucionais. Tentávamos saber até onde poderíamos avançar", conta Giannotti. "Mas no momento em que publicamos "São Paulo 1975: Crescimento e Pobreza", encomendado pelo cardeal d. Paulo Evaristo Arns, soubemos que o Golbery [Golbery do Couto e Silva, então chefe do Serviço Nacional de Informações] teria dito: "´Isso não pode continuar". O livro mostrou bem nossa aliança com a igreja progressista. Os paramilitares agiram e jogaram uma bomba no Cebrap."
Fernando Henrique lembra que a bomba queimou parte da sala em que ele e Cândido Procópio de Camargo trabalhavam. "Em certo momento, todos nós fomos chamados à Oban, para interrogatório, sob ameaça de torturas, e, em outras ocasiões, membros do Cebrap foram presos e torturados. Isso porque, apesar de sermos um grupo de pesquisadores, as forças da repressão acreditavam que poderíamos ser fachada de alguma organização política, o que não era certo." [A Oban - Operação Bandeirante foi um órgão de repressão que reunia agentes das forças armadas e das polícias civis, antecessor do DOI - Destacamento de Operações de Informações]
Os futuros pesquisadores - alunos de pós-graduação, mestrado e doutorado em ciências sociais - encontraram nos intelectuais do Cebrap a referência de uma geração mais velha e academicamente ativa. "Isso explica a enorme repercussão da produção do Centro no meio acadêmico", diz Sorj. Mais que isso: o silêncio dos partidos valorizava a voz desses intelectuais, que passaram a ser uma referência também ideológica para os jovens.
Foi uma época particularmente fértil para o avanço das ciências sociais no país. "As coisas estavam claras: o inimigo era a ditadura e o marco teórico era o marxismo acadêmico. Ciências sociais e marxismo se confundiam e era possível traduzir ideias em um marco teórico comum", analisa Sorj. Para o Cebrap, foi um período heróico, de resistência e de consolidação da pesquisa. Entre 1969 e 1981 - inicialmente, com o apoio financeiro da Fundação Ford e depois por meio de financiamentos - o Cebrap desenvolveu 123 pesquisas nas áreas de demografia, urbanismo, igreja e movimentos sociais, Estado, sistema político, modelo econômico, entre outros, contabilizou Sorj. Os resultados desses estudos eram publicados em livros e em coletâneas de textos, como "Estudos Cebrap" e "Cadernos Cebrap", publicados até 1980.
A partir de 1979, com a volta do pluripartidarismo, "o Centro se divide entre simpatizantes do PMDB e do PT", resume Sorj. O segundo fator "implosivo" foi a anistia e a reintegração dos pesquisadores do Cebrap nas universidades. A abertura aumentou os espaços de participação intelectual e política.
O resultado foi um esvaziamento crescente do Centro. Octavio Ianni foi o primeiro a deixar o Cebrap. Bolivar Lamounier criou um outro centro de pesquisa, o Idesp. Fernando Henrique assumiu a vaga de suplente no Senado quando Franco Montoro foi eleito para o governo paulista, do qual José Serra se tornou secretário de Planejamento.
Nos anos 1990, por iniciativa de Giannotti, o Cebrap criou seu próprio sistema de formação de quadros. "Nosso interesse era encurtar o mestrado, que era longuíssimo, de quatro anos. Depois, o aluno ainda levava mais quatro a cinco anos para fazer doutoramento. Viviam de bolsa e iam para o mercado já velhos. Era preciso criar válvulas de escape." O Centro abriu concurso para mestrandos, que valiam como crédito e lhes dava a oportunidade de refazer "as bases de seu pensamento". Os participantes não faziam pesquisa, "já que não queríamos repetir o sistema universitário". Juntavam-se 12 pessoas de áreas diversas, "para manter a interdisciplinaridade, e escolhíamos livros ou aulas para serem dadas;"
O programa de formação de quadros não existe mais. "Há quatro anos", conta Giannotti, "o Jorge Guimarães, da Capes, disse que não havia como encaixar no esquema da Capes. Pedi uma avaliação, já que se tratava de uma experiência de quase 20 anos. A resposta foi que a Capes não podia avaliar aquilo que não financia de forma regular. A Capes entrou na massificação" [do ensino superior].
De acordo com Paula Montero, atual presidente do Cebrap, a competição da instituição com a universidade ficou mais difícil. Os temas relacionados à desigualdade, demografia e população estão em pauta até hoje. Há um grande fio condutor, mas o contexto histórico mudou."Há 11 anos, o Centro de Estudos da Metrópole, uma área das áreas de pesquisa do Cebrap, foi incluído no programa de Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Na época, tínhamos nos tornado demasiadamente acadêmicos, com baixa capacidade de intervenção social. O Cepid trouxe dinamismo e abriu janelas de interação com a sociedade civil, prefeituras, entre outras", diz Paula.
Com o apoio da Fapesp e de outras agências de fomento, não falta dinheiro para pesquisa. "O problema é que quem nos financia não autoriza a inclusão de itens relacionados à infraestrutura. Tivemos que inventar um novo modelo e, no momento, estamos fazendo uma discussão difícil: analisamos a possibilidade de abrir para o financiamento de grandes clientes na condição de prestadores de serviços, para atender, por exemplo, prefeituras com dificuldades na elaboração de políticas públicas ou grandes empresas com interesse em acompanhar temas que estão sendo debatidos no Congresso Nacional. E criamos um grupo de jovens pesquisadores doutorandos que executam projetos rápidos", ela conta.
Enquanto o Cebrap busca definir novos rumos de pesquisa, as ciências sociais prospectam seu objeto. "As ciências sociais ficaram desarvoradas com o que está acontecendo no mundo, em que não há distinções de esquerda e direita, e a política se mete na economia. Estamos passando por uma fase de transição muito grande e os objetos das ciências se transformam", analisa Giannotti. "No caso do Brasil, temos um aumento considerável da produção científica, cuja qualidade, pela nossa experiência, é péssima. A ideia de avaliação dos cursos, dos professores e dos pesquisadores avançou, mas tem sido extremamente burocrática. Você é forçado a publicar e a quantidade de revistas de ciências humanas é enorme. Aumenta o número de publicações, mas não aumenta a presença de nossas angústias intelectuais: estamos virando uma máquina de produzir questões que até são interessantes, mas não trazem mais a paixão dos anos antigos. É inegável que a universidade tem hoje uma presença muito menor na vida espiritual da nação do que há 20 anos", observa Giannotti.
Leôncio Martins Rodrigues acredita que houve um salto muito grande, em termos quantitativos e qualitativos, pelo menos na sociologia e na ciência política. "Hoje, nas principais universidades, quem não tem doutorado nem se apresenta para um concurso de seleção de professores", exemplifica. Mas reconhece que, do ponto de vista qualitativo, essas teses não têm mais o prestígio dos grandes trabalhos e das grandes obras de interpretação do Brasil.
"Retrato de Grupo", editora Cosac Naify. 328 páginas, 84 ilustrações. DVD encartado com filme de 1h30. Lançamento em 24 de novembro, a partir das 19 horas, no Sesc Vila Mariana (rua Pelotas, 141).
Francisco de Oliveira:: Fez-se uma aposta na democracia como forma política privilegiada
Quarenta anos atrás, em plena ditadura, na transição entre os celerados Costa e Silva e Garrastazu Médici, um grupo de professores aposentados compulsoriamente da USP pelo arbítrio, que reinaria ainda por uns 15 anos, fundou um centro de pesquisas em ciências sociais, em vez de tomar o que poderia ser o ínvio, mas menos arriscado, caminho do exílio. Os nomes são conhecidos: Fernando Henrique Cardoso, Paul Singer, Elza Berquó, José Arthur Giannotti, aos quais se juntaram Candido Procópio Ferreira de Camargo, que não era dos quadros da universidade, Francisco Weffort (que permaneceu na USP, carregando bravamente a ausência dos citados), Juarez Rubens Brandão Lopes (que permaneceu na FAU-USP) e outros; uma constelação que iria marcar a história das ciências sociais em São Paulo e no Brasil e, por que não dizer, na América Latina. Apoiando-os, participando dos "mesões", escrevendo para a revista que o centro passou a editar, intelectuais da nova fase das ciências da sociedade e da história no Brasil, incluindo-se aí a crítica literária. Roberto Schwarz e Fernando Novais são os nomes que resumem o todo, demasiado extenso para citarmos cada um.
Era uma iniciativa ousada e quase inédita. A rigor, apenas o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) havia iniciado trajetória semelhante, atenuada pelo fato de que a Faculdade Cândido Mendes, de propriedade privada, lhe dava sustentação financeira e institucional e não se abateu sobre seus formadores o tacão da ditadura militar. Ousada, porque fazer ciência social no Brasil foi quase sempre sinônimo de subversão, no que estava certa a direita, pois as ciências sociais, embora não sejam capazes de derrubar ditaduras, podem iluminar recônditos escusos e tenebrosos das sociedades, e seus processos formadores. Mas enganou-se a ditadura brasileira quando supôs que o Cebrap era um biombo para atividades políticas, um disfarce entre outros que a esquerda utilizou sempre para burlar a pesada censura e repressão. A surpresa foi a inversão: o Cebrap fez política fazendo ciência social, ao invés do caminho mais tradicional de fazer ciência social começando pela política.
A grande façanha do Cebrap, não a contrapelo de suas contribuições científicas, mas muito de acordo com elas, foi sua aposta na democracia como forma política privilegiada. Eu não diria "aposta na democratização", pois esta é um longo processo e, particularmente na sociedade brasileira, a democratização das relações pessoais, das relações capital-trabalho e das relações sociedade-Estado ainda está na infância e um longo caminho faz-se necessário; não para considerá-la realizada, pois a democracia é sempre a fronteira do futuro, mas pelo menos para retirá-la dos patamares primitivos em que permanece no Brasil, 25 anos depois de a sociedade ter escorraçado a ditadura e os ditadores. Ao contrário da interpretação, muitas vezes repetida, de que a ditadura cansou, na verdade tratou-se de um período muito rico de invenções democráticas, que começaram mesmo ainda em pleno terror ditatorial.
A contribuição às ciências da história e da sociedade é notável. Ao compasso das discussões em curso na América Latina, o Cebrap dedicou-se a discutir a marginalização social, o chamado "inchaço" das cidades, a proletarização sem empregos, já então forte, sob a denominação eufemística de "trabalho informal" (deve-se à OIT, num trabalho sobre um dos países da África negra, creio que o Quênia, o batismo do fenômeno). Mas, ao contrário do que se pensava na época, o "informal" não era o produto do atraso, mas do avanço do progresso, não era o produto da falta de empregos industriais, mas a forma de criação de um exército de reserva para prover os quadros do emprego industrial e de serviços. É claro que esse processo conduziria, quase inevitavelmente, à concentração espantosa da renda e da riqueza, tornando-nos um dos campeões mundiais da desigualdade
Decorria daí, não automaticamente, que as escolhas políticas inclinaram-se para regimes que a teoria sociológico-política chamou de "populistas", parentes próximos do fascismo europeu - um equívoco teórico até hoje não corrigido - cuja instabilidade quase intrínseca terminava desaguando em ferozes ditaduras militares. Estávamos no "olho do furacão": Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Venezuela, passaram por períodos longos de ditaduras militares, e quando isso não ocorreu, como no caso do México, uma revolução popular inaugural do século XX transformou-se num regime opressivo e corrupto que, quando cedeu o passo na cena histórica, o fez para a direita mais retrógrada.
O Cebrap iluminou a cena histórica brasileira, ajudou as forças de oposição à ditadura - embora o fizesse no nome de alguns de seus integrantes - redigindo o famoso programa do anticandidato Ulysses Guimarães, em 1974, que se transformou quase numa bíblia da política no Brasil. Este foi um de seus momentos mais altos. Negou o anátema de um marxismo fossilizado da religião como "ópio do povo" e soube reconhecer na Teologia da Libertação o que de fato ela era: uma força de libertação. Através da estreita colaboração com a Arquidiocese de São Paulo, então sob a lúcida, corajosa e apostólica batuta de d. Paulo Evaristo Arns, produziu um vasto repertório de análises e diagnósticos dos problemas da metrópole, começando com o clássico "São Paulo: Crescimento e Pobreza", que abalou até às raízes o alinhamento da Igreja Católica com a ditadura militar, cuja resposta, pela mão das forças sinistras que a apoiavam, foi a bomba largada nas instalações da rua Bahia. Ajudava assim o novo movimento católico a desatar o nó milenar da predestinação entre pobreza e salvação, sem meter-se nas discussões teológicas, mas substancialmente sustentado nas evidências que as ciências sociais forneciam sobre a iniquidade.
Desmentiu a falácia malthusiana de que as altas taxas de reprodução da população, então vigentes, produziam a pobreza, colocando no seu lugar o contrário: as altas taxas eram a própria produção da pobreza, um mecanismo de defesa das camadas mais baixas da estrutura social, que forneciam os quadros do "informal" e sustentavam, assim, a própria industrialização e o crescimento econômico. Hoje, olhando as taxas de crescimento populacional, já extremamente baixas, quase europeias, dá para rir da pobre "aritmética de coelhos" dos malthusianos da época, entre os quais Roberto "Fields" Campos, Glycon de Paiva e seus seguidores. Não apenas se fazia uma discussão acadêmica que divertia alguns poucos, mas era toda a orientação das políticas públicas sociais que estava em jogo.
Pode-se dizer que esses argonautas, se não acharam o Velocino de Ouro, ajudaram a traçar-lhe o caminho, ao lado de outras forças sociais e políticas que lutaram contra a ditadura . Não é pouco na tradição brasileira, principalmente de suas elites, das quais faziam parte, evidentemente, os membros do Cebrap. Mas souberam dizer não às suas origens.
Francisco de Oliveira é professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Miriam Leitão:: Malabarismo verde
O governo montou um circo cheio de malabaristas para anunciar a queda forte do desmatamento de 12 mil km2 para 7.000. O número é bom e era natural que ele faturasse. É a destruição de uma área equivalente ao DF em um ano, mas já foi muito pior.
Os atores mudaram a história e apagaram a personagem principal: Marina Silva. Já Dilma Rousseff não coube no seu figurino neoverde.
Dilma não é desse mundo.
Ela é, desde o começo do governo Lula, a principal responsável pelo modelo elétrico, pelas decisões na área que monitora, mesmo depois de sair de lá. Acredita nas grandes hidrelétricas no meio da Amazônia, quer construir rodovias, aposta na “indução do desenvolvimento na expansão das fronteiras agrícolas e minerais”, palavras ditas no lançamento do PAC. Não há transposição sustentável que faça dela uma defensora do meio ambiente e da floresta.
Mas há uma conclusão boa diante do malabarismo verde de ontem: um grupo político que quer se manter no poder só faz isso se acredita que é importante, dá voto, e faz parte dos novos valores da sociedade brasileira.
Dilma vem mudando nos últimos tempos. Isso é mais interessante do que a versão montada ontem pelo marketing do governo.
O desmatamento cresceu muito no começo do primeiro governo Lula e chegou a 27 mil km2 em 2004. Em fevereiro de 2005, morreu a irmã Dorothy.
Os números e a tragédia deram força à ministra Marina Silva dentro do governo.
Ela então anunciou o Plano Nacional de Combate ao Desmatamento, junto com o então chefe da Casa Civil, José Dirceu. A primeira frente de batalha foi a criação de áreas protegidas, unidades de conservação. Outros estados seguiram na mesma linha: Pará, Amazonas, Amapá, Acre. O total de áreas protegidas subiu de 30% para 41% até 2007. De lá para cá, aumentou apenas para 42%.
Operações policiais se intensificaram.
Um dos resultados foi a operação Curupira, no Mato Grosso.
As ONGs aumentaram a pressão contra as grandes empresas que induziam o desmatamento. Assim, nasceu a moratória da soja, em que as grandes traders se comprometeram a não comprar soja de área recentemente desmatada.
O desmatamento caiu nos anos seguintes. Em 2007, logo que voltou de Bali, a exministra confirmou o que se temia: o desmatamento voltara a crescer. Ela anunciou então uma nova série de medidas. Beto Veríssimo do Imazon, lembra: — Foi cortado o crédito de quem desmatava e a lei de crimes ambientais embargou as fazendas infratoras. Os nomes destas fazendas foram divulgados na internet. A lei estabeleceu que quem comprasse delas responderia pelo crime. Além disso, o governo fez uma lista de 36 municípios que mais desmatavam e montou a operação Arco de Fogo, da Polícia Federal e do Ibama, para fechar madeireiras e fornos ilegais.
Acompanhei uma dessas operações, em abril de 2008, em Paragominas. Conversei na época com o prefeito Adnan Demachki, que falou ontem no evento do governo. O ministro Minc contou ontem que houve um atentado em Paragominas contra a sede do Ibama, e a partir daí, graças a atuação do seu ministério e a decisão acertada do prefeito, que ficou contra os produtores de carvão ilegal, o desmatamento caiu.
O ministro errou na ordem dos fatos históricos. O ataque à sede do Ibama foi em novembro do ano passado. Mas quando eu fui em abril de 2008, o prefeito já tinha assinado desde março um pacto com os principais produtores da cidade pelo desmatamento zero. E o fez com a ajuda do Imazon. Tudo anterior até a nomeação de Minc, que só aconteceu em maio do ano passado. Paragominas é um bom exemplo de como as coisas funcionam: os produtores se sentiram pressionados porque seus clientes queriam garantia de produtos livres de desmatamento.
Esse tipo de pressão aos produtores faz parte de um processo interessante. Com a divulgação dos nomes das fazendas que desmatavam ilegalmente, um grupo de ONGs, liderado pelo Greenpeace, fez um levantamento de quem estava comprando desses produtores. Esse estudo chegou aos grandes supermercados, que decidiram boicotar a carne de frigoríficos que compravam dessas fazendas.
— Mas claro que tudo isso mostra que os empresários estão mudando. E se eles estão mudando, é porque o mercado e a sociedade estão mudando — diz Veríssimo.
No palanque do desmatamento, a versão foi que tudo aconteceu por obra do governo, a partir da chegada do ministro Minc, e graças ao trabalho da ministra Dilma e ao programa Arco Verde.
A propósito, também lançado por Marina.
— O Arco Verde, na verdade, tem sido apenas um mutirão de entrega de documentos pessoais ou legalização de propriedade de pequenos proprietários.
Não está havendo a outra parte: o desenvolvimento de cadeias produtivas — explica Veríssimo.
Na história contada no palanque, houve muitas imprecisões e meias verdades.
Mas o pior foi sumir com um personagem desse próprio governo. A senadora Marina Silva está na origem de políticas que deram certo. É de justiça que se diga isso. A maneira como o governo contou os fatos lembrava “1984”, de George Orwell, em que os poderosos reescreviam a história passada para eliminar o personagem que caíra em desgraça
Com Alvaro Gribel
Luiz Carlos Mendonça de Barros:: Apagão: um sinal dos deuses?
Vamos continuar com a farra do boi do crescimento do consumo ou vamos dar um freio de arrumação?
O APAGÃO elétrico que atingiu grande parte do Brasil deve servir como advertência para o governo e seus áulicos. Talvez seja mesmo um sinal dos deuses para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conhecido por sua sorte. A euforia com os resultados recentes da economia parece ter tirado do nosso presidente um mínimo de coerência com o software que gerencia -com sucesso- a política econômica nestes sete anos de mandato.
Progressivamente estão sendo abandonados princípios importantes -de equilíbrio fiscal e estímulos aos investimentos, por exemplo- e privilegiadas as medidas de estímulo ao consumo. Agora mesmo se fala de uma bolsa telefone celular para a parcela mais pobre da população.
Não percebem o presidente e seus principais ministros que os estímulos ao consumo -via principalmente programas sociais e aumento real do salário mínimo- já atingiram o objetivo de acelerar a distribuição dos ganhos do crescimento nestes últimos anos. Mais de 23 milhões de brasileiros chegaram ao nível de uma classe média emergente e passaram a fazer parte da chamada sociedade de consumo. Com isso cresceu a demanda de bens e serviços, aumentando a escala das empresas voltadas para esse setor e criando estímulos para o investimento privado.
Mas insistir nesse caminho quando a economia já caminha para atingir o limite de produção é um erro grave. A prioridade nos próximos anos deve estar direcionada para a acumulação de poupança interna e o estímulo dos investimentos, pelo setor público e pelas empresas privadas. Para evitar desequilíbrios mais graves, será preciso desacelerar de forma importante o crescimento dos gastos correntes do governo e aumentar sua capacidade de investimento na infraestrutura econômica.
O Brasil, para crescer de forma acelerada na próxima década, vai precisar de um software econômico diferente do utilizado pelo presidente Lula depois de sua conversão ao modelo dos anos Fernando Henrique Cardoso. Esse é um desafio frequente nas economias emergentes à medida que os obstáculos e as dificuldades mudam de qualidade com o progresso e o desenvolvimento. Viver do sucesso do passado não garante as vitórias do futuro. São nesses momentos decisivos -embora não visíveis a olho nu para a maioria- que se forja o futuro de uma sociedade como a brasileira.
Em 2010, com a eleição de um novo presidente depois de 16 anos de FHC e Lula, viveremos com certeza um momento como esse. Tenho receio de que no campo do governo prevaleça a euforia com o sucesso do passado e seja deixado de lado o esforço de entender os novos desafios e as oportunidades que o futuro nos apresenta. Se isso ocorrer, a política de estímulos ao consumo vai colocar a economia brasileira diante de três cenários perigosos: ou uma aceleração da inflação, ou um crescimento perigoso do deficit em conta-corrente, ou -o que seria o pior deles- uma combinação dos dois.
Os raios que caíram no interior de São Paulo precisam ser entendidos -sejam um sinal divino ou apenas uma ocorrência estatística- como uma imagem figurada do dilema que o eleitor vai ter que enfrentar nas eleições do ano que vem. Vamos continuar com a farra do boi do crescimento do consumo ou vamos dar um freio de arrumação para podermos crescer de forma acelerada em toda a próxima década?
Luiz Carlos Mendonça De Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
Vinicius Torres Freire:: O ministro está encerrado
Lobão tenta decretar caladão sobre blecaute; apagão pode ter sido até azar, mas governo reage de maneira autoritária
O APAGÃO degenerou ontem em tentativa de caladão. Isto é, no cala-boca que o ministro Edison Lobão pretendeu decretar sobre as discussões do blecaute de terça e quarta-feiras.
"O assunto está encerrado", disse ontem a jornalistas. Lobão tem história de cumplicidade com maus-tratos às liberdades e à prestação de contas, pois desabrochou na ditadura, faz parte do conglomerado coronelístico que infelicita o Maranhão faz mais de 40 anos e integra a "holding" fisiológica que abocanha, entre outras, a administração da energia no governo federal, o PMDB, que racha a boquinha com o PT. Trata-se, pois, de mais uma demonstração de que a coerência não é uma virtude.
Mas eis que a ministra Dilma Rousseff ressurge do escurinho em que providencialmente se refugiou no dia seguinte ao blecaute para também afirmar esse que parece ser o mote do governo: "Este episódio está encerrado". Não está, não. O blecaute bem pode ter sido um acidente, talvez até causado por uma concomitância improvável de raios.
As autoridades responsáveis podem precisar de dias para entender que raios, enfim, apagaram a luz. Intolerável é o tom de visita à cozinha da senzala que os ministros dão à já inaceitável decretação de fim de papo sobre informações públicas, tratadas desde o início com negligência e politiquice pelo governo.
Especialistas ponderados e de boa-fé dizem que não é possível, em menos de um dia, haver uma conclusão técnica sobre o motivo do apagão. Trata-se aqui de engenheiros de eletricidade, que dizem ao colunista não terem obtido nem "boatos" a respeito do que pode ter ocorrido, nem mesmo com seus colegas na operação do sistema.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, divulgou nota em que no mínimo coloca sub judice a explicação dos raios do governo. Diz a nota: "Embora houvesse uma tempestade na região próxima a Itaberá [onde teria havido problema na linha de transmissão], com atividade de raios no horário do apagão, as descargas mais próximas do sistema elétrico estavam a aproximadamente 30 km da subestação e cerca de 10 km distantes de uma das quatros linhas de Furnas (...) e a 2 km de uma das outras linhas (...) que saem de Itaipu em direção a São Paulo (...).
A baixa intensidade da descarga registrada não seria capaz de produzir o desligamento da linha, mesmo que incidisse diretamente sobre ela". O Inpe ainda vai produzir o relatório oficial do efeito do tempo sobre a rede de energia, que encaminhará ao Operador Nacional do Sistema.
O presidente da Eletrobrás, José Muniz Lopes, tem dito que ainda não compreendeu como o sistema de controle do setor elétrico não limitou a extensão do problema. O Ministério Público Federal solicitou informações à Aneel, ao ONS, a Itaipu e ao ministério a fim de documentar o que ocorreu e decidir se investiga o caso. É dispensável comentar o que faz a oposição, até agora limitada ao espírito de porco politiqueiro. A informação oficial sobre o caso, enfim, por ora se limita à nota e à entrevista toscas de Lobão.
Quase todo mundo tem dúvidas. Menos o governo, que transforma uma crise aparentemente passageira numa tempestade de politicagem grosseira e autoritária.
Dilma admite que país não está livre de apagões
Ministra afirma que o sistema elétrico brasileiro é suscetível a blecautes e evita responder críticas da oposição
Vivian Oswald, Chico de Gois e Catarina Alencastro
BRASÍLIA. Ao comentar pela primeira vez o blecaute que deixou 18 estados total ou parcialmente às escuras por até quatro horas, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, admitiu ontem que o país não está livre de apagões e que o sistema elétrico brasileiro é “suscetível a este tipo de problema”.
A ministra se referiu a eventos climáticos adversos que teriam causado o corte de energia Brasil afora. Mas ela seguiu à risca a estratégia do governo de diferenciar o episódio desta semana do racionamento de energia decretado em 2001, que só acabou em 2002 — o que ela classificou de barbeiragem.
Dilma insistiu reiteradas vezes que só daria respostas técnicas ao que aconteceu e que não iria politizar o assunto, nem “comentar a (reação da) oposição”.
Por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma será blindada, evitando comentários sobre o episódio e contando com a tropa de choque governista para barrar iniciativas para convocá-la ao Congresso para dar explicações.
— É absolutamente inequívoco que o Brasil de hoje é diferente do Brasil que sofreu oito meses de racionamento. Temos energia sobrando e um sistema de transmissão extremamente robusto — disse ela, na entrevista coletiva para apresentar a redução do desmatamento no país.
‘O que prometemos é que não haverá racionamento’ Ao responder a uma repórter sobre a vulnerabilidade do setor, Dilma foi irônica: — Minha querida, tem uma coisa que nós humanos temos um problema imenso: Nós não controlamos chuva, vento e raio. Sempre quisemos, mas não conseguimos ainda. Talvez algum dia, né? Dilma, que foi ministra de Minas e Energia de 2003 a 2005, quando cuidou do novo marco regulatório do setor elétrico, disse que não se pode querer apresentar fragilidades que não existem.
Há duas semanas, em entrevista ao programa “Bom Dia, ministro”, da Radiobrás, Dilma afirmou que não havia mais risco de apagão no Brasil. Ela se referia, porém, a problemas de abastecimento como o de 2001.
— Este país, hoje, tem mais energia do que teve em qualquer momento anterior. Isso é muito sério. Diria o seguinte: concordo que nós não estamos livres de blecautes. O que temos de aprender com este episódio? A gente tem sempre que melhorar. Por que é importante que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) apure? Se ela descobrir responsabilidade, é obrigação dela punir — disse Dilma. — Ninguém pode prometer que um sistema complexo como o nosso não tenha interrupção. O que prometemos é que não haverá mais neste país racionamento.
Racionamento é barbeiragem.
Em crítica à capacidade de planejamento do governo FH, a ministra destacou que um racionamento com duração de oito meses implica que “eu, com cinco anos de antecedência, não soube a quantidade de energia que tinha de entrar para abastecer o país”: — Vocês vêm me dizer hoje que nós estamos nessa situação? De jeito nenhum.
Sobre as causas do problema, Dilma afirmou que caberá à Aneel apurá-las. E garantiu que, para o governo, “este episódio está encerrado”.
— A avaliação da causa é essa. Agora, se houve outros elementos, há um responsável para fazer isso, que é a Aneel.
Ao encerrar a entrevista, Dilma se recusou a rebater os ataques da oposição: — Não vou entrar neste tipo de polêmica. Não se pode politizar uma coisa tão séria para o país
Serra cobra mais explicações
Governador de SP diz que sistema elétrico é vulnerável
Wagner Gomes
SÃO PAULO. O governador de São Paulo, José Serra, voltou a dizer ontem que o sistema elétrico brasileiro é vulnerável e que não pode entrar em colapso com pequenos transtornos da natureza. Serra preferiu não cobrar da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que já comandou a pasta de Minas e Energia, explicações sobre o apagão, mas disse que o governo como um todo precisa esclarecer a provável causa do maior blecaute dos últimos dez anos.
— O governo como um todo precisa dar explicações melhores. Não é que não seja verdadeiro o fato de que houve raios e ventanias, mas evidentemente o sistema é muito vulnerável. Não podemos ter um sistema elétrico que entre em colapso por causa disso. O sistema precisa ser à prova de pequenos transtornos da natureza — disse ele.
Segundo o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, raios e chuvas fortes em Itaberá, no Sudoeste paulista, onde fica uma subestação de Furnas, são a provável causa do apagão na noite de terça-feira e madrugada de quarta.
Com o desligamento de cinco linhas de transmissão, 18 estados foram afetados. Serra disse que é preciso maiores investimentos e melhora na qualidade da manutenção do sistema.
— Derrubar a energia elétrica em 18 estados por tanto tempo significa, sem dúvida nenhuma, fragilidade do sistema por um lado e por outro a necessidade da melhora da qualidade da manutenção — disse Serra.
Serra negou o uso político da crise, apesar de líderes do PSDB no Congresso dizerem que o problema no setor elétrico brasileiro afeta a imagem de Dilma Rousseff, pré-candidato do PT às eleições presidenciais em 2010.
— Não estou preocupado com isso. Deixe o PSDB falar no Congresso — afirmou
Procurador: governo deve provar causa do apagão
Se mau tempo for mesmo motivo do blecaute, país corre risco de panes frequentes, diz coordenador do MP
Geralda Doca
BRASÍLIA. O procurador da República Marcelo Ribeiro Oliveira afirmou ontem que o governo tem que comprovar que o apagão ocorrido na noite da última terça foi causado por fatores metereológicos.
Este foi um dos motivos que levou o Ministério Público Federal (MPF) a abrir, anteontem, processo administrativo para apurar as causas do blecaute.
Outro motivo foi a dimensão social dos problemas gerados com a falta de luz, que atingiu milhões de brasileiros.
— Só o discurso é insuficiente.
Tem que comprovar — afirmou Oliveira.
Não podemos ficar sujeitos a intempéries, diz procurador Segundo Oliveira, caso fique comprovado que o tempo ruim na região de transmissão de energia foi mesmo o fator determinante para o apagão, isto significa que a população vem correndo risco de ficar sem luz há muito tempo Se isso for comprovado, a gente está correndo este risco o tempo todo.
Não podemos ficar sujeitos a intempéries. O serviço é essencial e tem que ser contínuo — afirmou o procurador, que é coordenador nacional da Terceira Câmara de Coordenação e Revisão da ProcuradoriaGeral da República, responsável pela defesa do consumidor e da concorrência.
O procurador afirmou que o objetivo da investigação é apontar se existem mecanismos que possam evitar novos apagões. Ele contou que os órgãos nacionais que coordenam o setor (Aneel, Ministério das Minas e Energia, Operador Nacional do Sistema, além da usina de Itaipu), já receberam ofícios informando da abertura do processo e o pedido de todas as informações, inclusive comunicações entre eles e os agentes do setor (geradores, transmissores e distribuidores).
— Recebi informação de que os agentes ainda não foram notificados, mas nós temos comprovação de que os órgãos centrais receberam nosso ofício sobre a abertura do processo e o pedido de informações — afirmou o procurador, acrescentando que está mantido o prazo de 72 horas para que os envolvidos apresentem a documentação.
Análise depende de entrega de documentos ao MP O Ministério Público Federal pretende apresentar dentro de 15 dias uma análise do que ocorreu, identificando as causas e os responsáveis.
Isso, no entanto, dependerá da documentação a ser entregue pelos envolvidos.
Ele requisitou atas de reuniões, notas técnicas e laudos preliminares produzidos que possam ajudar a esclarecer os fatos.
— Não vamos tolerar omissões — afirmou o procurador.
Oliveira afirmou ainda que o processo vai auxiliar o trabalho dos procuradores nos 18 estados atingidos. Dependendo do que for apurado, eles poderão entrar com ações na Justiça contra os envolvidos.
Governo só investiu 38% do previsto em energia
DEU EM O GLOBO
O Grupo Eletrobrás investiu, de janeiro a agosto, R$ 2,173 bilhões em sistemas de geração e transmissão de energia, apenas 38% dos R$ 7,243 bilhões planejados para o ano. Os dados são do site de acompanhamento das finanças públicas Contas Abertas e foram calculados com base em informações do Departamento de Coordenação das Empresas Estatais (Dest). A explicação de que raios, ventos e chuvas fortes causaram o apagão da última terça-feira não convence especialistas do setor. Técnicos ouvidos pelo GLOBO não descartaram a possibilidade ter ocorrido falha humana na operação do sistema. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já estuda a adoção de uma rota alternativa da energia vinda da usina de Itaipu para os estados do Rio de Janeiro e São Paulo, os mais afetados com o blecaute.
Risco alto, investimento baixo
Eletrobrás usou este ano 38% dos R$ 7,2 bi planejados para geração e transmissão
Eliane Oliveira e Gustavo Paul BRASÍLIA
Responsável por cerca de 56% das linhas de transmissão que interligam o país, o Grupo Eletrobrás — formado por uma holding e quatro subsidiárias — investiu, de janeiro a agosto, R$ 2,773 bilhões, apenas 38% dos R$ 7,243 bilhões planejados para este ano nos sistemas de geração e transmissão sob sua responsabilidade.
Neste ritmo de execução, o percentual realizado tende a ser, ao fim de 2009, o mais baixo dos últimos dez anos — período durante o qual nunca a estatal conseguiu entregar mais de 80% dos investimentos que estavam previstos no seu orçamento.
Os dados, do site de acompanhamento das finanças públicas Contas Abertas, foram calculados com base em informações do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest) do Ministério do Planejamento.
Para o presidente do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, o baixo desempenho dos investimentos da Eletrobrás ocorre porque a empresa está sem foco, preocupada mais com aspectos políticos do que técnicos. Ele considera o montante concretizado pequeno para o que o grupo pretende se tornar: — A Eletrobrás não tem claramente uma direção nesse plano de investimentos.
Quer atender o presidente Lula e virar a Petrobras do setor elétrico. Quer investir no exterior, quando há tantos problemas no Brasil a se resolver. Por isso, está completamente sem foco. Quer abraçar muitas coisas e acaba tendo dificuldades do ponto de vista empresarial
Até agosto, gasto estaria em 49%
Procurada, a holding informou que as empresas do sistema Eletrobrás já realizaram, até setembro, 49% do orçamento previsto para este ano na área de geração. O percentual é o mesmo para a transmissão.
Ainda segundo a companhia, até o fim do ano o desempenho será de 70% do Orçamento, o equivalente a R$ 7,2 bilhões.
Em seu site, a holding promete gastar R$ 2,54 bilhões este ano em construção, ampliação e reforços de linhas de transmissão no país. A estatal planeja 28 novas linhas de transmissão de Furnas, Chesf, Eletronorte e Eletrosul, construídas com recursos próprios ou em parceria, num total de 9.780 km, entre 2009 e 2012.
“A realização do orçamento é impactada pelos procedimentos legais e ambientais que necessitam ser cumpridos. Exemplo deste último item é a usina Angra 3, que deveria ter começado a ser construída em março, mas, devido à espera pelo licenciamento ambiental, só iniciou as obras em outubro”, afirmou a empresa, em resposta ao GLOBO.
Furnas é responsável pelas linhas de transmissão que, sob curto circuito entre as subestações de Itaberá e Tijuco Preto, em São Paulo, fizeram o país registrar o maior apagão desde 1999. Na terça-feira, quando Itaipu parou, ficaram sem luz, total ou parcialmente, 18 estados. Ontem, Furnas divulgou nota garantindo que de 2005 a 2008 foi investido “R$ 1,089 bilhão em modernização, com obras de melhoria e reforço do sistema de transmissão.
Este ano, até setembro, o montante chegou a R$ 162 milhões”.
Segundo o consultor Reginaldo Medeiros, ex-secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (MME), a holding só pode investir sozinha em planos de modernização ou expansão do que já dispõe: — Nas licitações, tanto para geração como para linhas de transmissão, a Eletrobrás precisa disputar com outras empresas.
Apesar das deficiências apontadas, o sistema tem se expandido. Dados do Ministério de Minas e Energia mostram que os investimentos no governo Lula em geração e linhas de transmissão são maiores do que os feitos pelo governo Fernando Henrique.
Lula assumiu o governo em 2003 com 80.315 megawatts (MW) de capacidade instalada no sistema de geração, o que, desde então, cresceu em 25.596 mil MW, com oferta total, em 2009, de 105.911 MW. No governo anterior, a energia gerada adicional foi de 21.418 MW (entre 1995 e 2002). No governo atual houve um acréscimo de 32.160 km na rede de linhas de transmissão, enquanto no anterior o total apurado foi de 10.020 km.
— Os investimentos em geração e transmissão estão sendo feitos, mas poderiam ocorrer de forma mais rápida e mais rigorosa, com um monitoramento maior no sistema de proteção. Se o apagão da última terça-feira tivesse acontecido durante o dia, haveria um grande prejuízo para o setor industrial — comentou Otávio Santoro, diretor executivo da Indeco Energia e Águas.
Já Reginaldo Medeiros destacou que, em 2003, foi dada continuidade a vários projetos que começaram na administração anterior, como a construção de termelétricas. No entanto, o governo Lula passou a ter características próprias, com uma ampla rede de interligação entre as regiões, obras hidrelétricas gigantescas, como as duas usinas do Rio Madeira, em Rondônia, e o incentivo à produção de combustíveis renováveis, com destaque para etanol e biodiesel.
— O governo atual avançou muito, interligando o sistema e permitindo a entrada de novas empresas de geração de energia. Mas os investimentos ainda são tímidos — diz o consultor de energia renovável e sustentabilidade da Trevisan, Antonio Carlos Porto Araújo
Copacabana de novo às escuras
Copacabana foi um dos bairros mais atingidos pela falta de energia, ontem à noite, que durou 4 horas
Mais de 30 horas após apagão que atingiu vários estados, Zona Sul e outros bairros do Rio voltaram a sofrer com a falta de luz ontem à noite. Ministra Dilma admite que País pode ter mais apagões e MPF exige explicação sobre o blecaute
Rio - Pouco mais de 30 horas após o apagão que atingiu 18 estados, vários bairros do Rio voltaram a ficar sem luz ontem, a partir das 20h, e o mais atingido foi Copacabana. O trecho entre a Praça Almirante Gonçalves e a Rua Francisco Otaviano, no Posto Seis, ficou às escuras por mais de 4 horas. A causa do blecaute de ontem, segundo técnicos, foi uma pane em transformadores da Light. Outros bairros afetados foram Ipanema, Santa Teresa, Laranjeiras e Rio Comprido.
Um cabo do transformador subterrâneo, que fica bem em frente ao Hotel Copacabana Rio Hotel, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, começou a soltar fumaça por volta das 20h. “Logo depois, a luz começou a enfraquecer e de repente tudo apagou”, contou um funciopnário. Nos bares e restaurantes, o jeito foi improvisar com velas nas mesas.
NOVOS APAGÕES
Apesar de o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, dar o assunto blecaute de terça-feira “por encerrado”, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, admitiu que o País pode ter novos apagões. Dilma voltou a justificar o apagão com fenômenos climáticos, explicação contestada por especialistas. Para ela, o sistema apenas se protegeu. “Nós não estamos livres de um blecaute”, disse ela, enfatizando que no sistema elétrico brasileiro, de linhas de transmissão interligadas, não se pode prometer que apagões não ocorrerão. O presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, admitiu falhas: “Era para o restante do sistema se ajustar. Eles são planejados para desligar e religar”.
Enquanto isso, o Ministério Público Federal exige que órgãos do setor elétrico esclareçam o motivo da pane até segunda-feira.
Por causa do apagão de terça-feira, pelo menos 12 mil alunos da rede pública do Rio ainda ficaram sem aula ontem. O abastecimento de água, interrompido devido à queda de energia nas hidrelétricas, também ainda não havia sido restabelecido em 19 escolas e 18 creches do município e uma unidade estadual. Na E. M. Levy Neves, no Engenho da Rainha, alunos do segundo turno tiveram que voltar para casa.
A Cedae afirmou que, até o fim da tarde, o sistema de abastecimento trabalhava com 98% de sua capacidade. Os 2% restantes devem ser normalizados hoje.
Indenização de R$ 300 mil, 10 anos depois de apagão
O apagão de 11 de março de 1999 deixou mais de 10 estados sem luz e um prejuízo que só agora começa a ser reparado para a aposentada Marlene Costa, de 70 anos, graças a uma ação na Justiça. Este ano ela recebeu R$ 300 mil da Light, por danos morais. Faltam outros R$ 100 mil, determinados pela Justiça, e uma ação por danos materiais ainda tramita.
O apartamento em que Marlene morava com a família ficou completamente destruído por uma descarga elétrica, quando a luz voltou depois do blecaute.
“A energia voltou com tanta força que gerou fagulhas na televisão. Logo, o apartamento ficou destruído pelo fogo”, contou o advogado da família, Luiz Henrique Jund. “A família perdeu um apartamento inteiro. A indenização demorou dez anos, mas foi justa”, completou.