quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Segunda ameaça :: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O Brasil perderá esta eleição, independentemente de quem vença, se ficarem consagrados comportamentos desviantes assustadoramente presentes na política brasileira. Uso de um fundo de pensão para construir falsas acusações contra adversários, funcionários da Receita acessando dados protegidos por sigilo, centrais de dossiês montados por pessoas próximas ao presidente.

A cada eleição, fatos estarrecedores têm sido aceitos como normais na paisagem política, e eles não são aceitáveis. Quando a Polícia Federal entrou no Hotel Ibis, em São Paulo, em 2006, e encontrou um grupo com a extravagante quantia de R$1,7 milhão em dinheiro vivo tentando comprar um dossiê falso, havia duas notícias. Uma boa: a PF continuava trabalhando de forma independente. A ruim: pessoas da copa, cozinha, churrasqueira e campanha do presidente da República e do candidato a governador pelo PT em São Paulo estavam com dinheiro sem origem comprovada e se preparando para um ato condenável. A pior notícia veio depois: eles ficaram impunes.

Nesta eleição, depoimentos e fatos mostram que estão virando parte da prática política, principalmente do PT, a construção de falsas acusações contra adversários, o trabalho de espionagem a partir da máquina pública, o uso político de locais que não pertencem aos partidos.

As notícias têm se repetido com assustadora frequência. O verdadeiro perigo é que se consagre esse tipo de método da luta política. A democracia não é ameaçada apenas quando militares saem dos quartéis e editam atos institucionais. Ela corre o risco de "avacalhação", para usar palavra recente do presidente Lula, quando pediu respeito às leis criminosas do Irã.

Sobre o desrespeito às leis democráticas brasileiras, Lula não teme processo de "avacalhação", pelo visto. A Receita Federal não presta as informações que tem o dever de prestar sobre os motivos que levaram seus funcionários a acessarem, sem qualquer justificativa funcional, os dados da declaração de imposto de renda do secretário-geral do PSDB, Eduardo Jorge. Nem mesmo explica como os dados foram vazados de lá. Se a Receita não divulgar o que foi que aconteceu, com transparência, ela faz dois desserviços: sonega ao país informações que têm o dever de prestar antes das eleições; mina a confiança que o país tem na instituição, porque sua direção está adiando, por cumplicidade eleitoral, a explicação sobre o que houve naquela repartição.

Nas últimas duas semanas, a "Veja" trouxe entrevistas de pessoas diretamente ligadas ao governo e que trabalham em múltiplos porões de campanha. O que eles demonstram é que aquele grupo de aloprados do Ibis não foi um fato isolado. Virou prática, hábito, rotina no Partido dos Trabalhadores. Geraldo Xavier Santiago, ex-diretor da Previ, contou à revista que o fundo de pensão, uma instituição de poupança de direito privado cuja função é garantir a aposentadoria dos funcionários do Banco do Brasil, era usada para interesses partidários. Com objetivos e métodos escusos. Virou uma central de espionagem de adversários políticos. Agora, é o sindicalista Wagner Cinchetto que fala de uma central de produção de espionagem e disparos contra adversários; não apenas tucanos, mas qualquer um que subisse nas pesquisas.

Esse submundo é um caso de polícia, mas há outros comportamentos de autoridades que passaram a ser considerados normais nas atuais eleições. E são distorções. Não é normal que todos os órgãos passem a funcionar como ecos do debate eleitoral, usando funcionários pagos com os salários de todos nós, estruturas mantidas pelos contribuintes. Todos os ministérios se mobilizam para consolidar as versões fantasiosas da candidata do governo ou atacar adversários, agindo como extensões do comitê de campanha. Isso é totalmente irregular. Na semana passada, até o Ministério da Fazenda fez isso. Um relatório que é divulgado de forma rotineira, virou palanque e peça de propaganda, com o ministro indo pessoalmente bater bumbo sobre gráficos manipulados para ampliar os feitos do atual governo e deprimir os do anterior. O que deveria ser técnico virou politiqueiro; o que deveria ser prestação de contas e análise de conjuntura virou peça de propaganda.

Um governo não pode usar dessa forma a máquina pública para se perpetuar; órgãos públicos não são subsedes de comitês de campanha; fundos de pensão não são central de fabricação de acusações falsas; o governo não pode usar os acessos que tem a dados dos cidadãos para espionar. Isso mina, desqualifica e põe em perigo a democracia. Ela pressupõe a neutralidade da máquina mesmo em momentos de paixão política. Nenhuma democracia consolidada aceitaria o que acontece aqui. A Inglaterra acabou de passar por uma eleição cheia de paixões em que o governo trabalhista perdeu por pouco, mas não se viu lá nada do que aqui está sendo apresentado aos brasileiros com naturalidade, como parte da disputa política. Crime é crime.

Luta política é um embate de propostas, estilos e visões. O perigoso é essa mistura. Como a História já cansou de demonstrar, democracia não significa apenas eleições periódicas. A manipulação da vontade do eleitor, o uso de meios ilícitos, o abuso do governante ameaçam a liberdade, tanto quanto um ato institucional.

Novos rumos :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A disputa eleitoral está permitindo, paralelamente à corrida dos candidatos a presidente da República, uma chance a que os partidos que deram os candidatos a vice exercitem seus músculos atrofiados pela falta de poder real nos muitos anos em que foram apenas coadjuvantes da cena política nacional.

PMDB e DEM optaram há muito por não disputar a Presidência da República, indo a reboque de PT e PSDB, os partidos que polarizam a política nacional há 17 anos.

Na recente política brasileira, o PMDB não conseguiu até hoje ter um candidato que unisse as diversas facções do partido para disputar a Presidência da República, colocando para funcionar a gigantesca máquina eleitoral que tem a maior bancada de senadores e deputados federais, o maior número de prefeitos, vereadores e governadores.

Quando lançou candidato próprio, nomes como Ulysses Guimarães ou Orestes Quércia foram engolidos pelo próprio partido.

Em compensação, nenhum presidente da República consegue governar sem o apoio do PMDB, um partido que já foi o principal representante da esquerda brasileira e hoje patina no fisiologismo explícito.

Com a união do PMDB a partir do segundo mandato do presidente Lula, uma nova etapa parece estar se abrindo para o partido, que pretende impor sua força eleitoral para transformar-se em partícipe de um eventual governo Dilma Rousseff e não apenas um coadjuvante de luxo que se contenta com as regalias do poder, sem exercê-lo realmente.

No caso atual, o exercício do poder tem uma característica específica, a de o partido se apresentar à sociedade como o garantidor de que a democracia não será ultrapassada por medidas do grupo radical que tentou ainda recentemente emplacar o programa petista como o programa de um futuro governo Dilma.

O DEM, por sua vez, tenta sair de uma posição pré-falimentar para transformar-se em um representante com credibilidade da direita brasileira.

O papel que o deputado Indio da Costa, candidato a vice na chapa de José Serra, está exercendo na campanha eleitoral é o de vocalizar as críticas ao esquerdismo mais radical do PT, assumindo-se como porta-voz de um eleitorado que teme a chegada de uma ex-guerrilheira à Presidência da República.

Não é à toa que desde que foi indicado ele questiona a relação do PT com o MST e com a guerrilha colombiana Farc, temas em que insistiu em debate de vices ontem.

O presidente Lula vangloria-se pelo fato de que não há nenhum "troglodita da direita" como candidato à Presidência da República, sem atentar que não haver um candidato viável representando a direita é apenas mais uma das muitas distorções da democracia brasileira.

Embora nenhum político brasileiro se declare "de direita", a direita política está sempre presente nos governos formados a partir de 1985, quando Tancredo Neves se elegeu presidente da República numa aliança política impensável com os dissidentes do PDS, partido que dava sustentação à ditadura militar.

Boa parte desses políticos, abrigados no Partido da Frente Liberal (PFL), fez a aliança com o PSDB que levou Fernando Henrique ao poder em 1994, a bordo do Plano Real.

E uma dissidência do PFL, atual DEM, acabou apoiando Lula em 2002, capitaneada pelo senador José Sarney, que se transformou no principal apoio político de Lula no Senado e dentro do PMDB.

O presidente Lula, para eleger-se em 2002, procurou um empresário para compor sua chapa, como maneira de tranquilizar os que ainda o viam como uma ameaça.

Embora o governo Lula seja considerado "de esquerda", a escolha de uma candidata "de esquerda" como Dilma Rousseff não afasta da coalizão os partidos "de direita", como o PP e o PR.

A coalizão do PSDB que apoia a candidatura de José Serra reúne também o PPS, herdeiro do antigo Partido Comunista, e o DEM, atraiu também o PTB e setores do PMDB, e é identificada pelos petistas como "de direita" ou, no máximo, de "centro-direita".

A refundação do PFL, que passou a se chamar Democratas, foi feita com a metodologia do PP da Espanha, parceria firmada durante a reunião da Internacional Democrática de Centro (IDC), realizada há alguns anos no Rio.

A IDC se contrapõe à Internacional Socialista, que reúne os partidos de esquerda e social-democratas no mundo, e essa parceria teria se desdobrado em uma candidatura própria este ano se não fossem o fracasso da tentativa de lançar Cesar Maia como candidato e, mais recentemente, o escândalo do governo de José Roberto Arruda, uma de suas principais lideranças ao lado de Maia e do prefeito paulista, Gilberto Kassab.

O receituário do novo PFL foi dado durante aquele encontro da IDC: políticas liberais no governo, que obtiveram grande sucesso nos oito anos de governo de Aznar na geração de empregos.

Essas mesmas políticas estariam representadas também por Jacques Chirac, na França; Durão Barroso, do PSD em Portugal, hoje presidente da Comissão Europeia, e o Partido Republicano nos Estados Unidos.

O corolário natural desses movimentos é os dois partidos prepararem candidaturas próprias para a sucessão de 2014, tudo subordinado, evidentemente, à situação política da ocasião.

O PFL continua tendo em Cesar Maia seu líder com mais votos, mas é difícil avaliar se sua provável eleição para o Senado pelo Rio o transformará em um líder nacional.

O PMDB tem no candidato a vice-presidente Michel Temer um conciliador que terá papel fundamental de negociação com o Congresso, onde provavelmente o PMDB continuará tendo a maior bancada tanto na Câmara quanto no Senado.

E o governador do Rio, Sérgio Cabral, sendo reeleito no primeiro turno como tudo indica, será um dos potenciais candidatos.

Com vara curta :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

É cedo e o material muito pouco para avaliações de desempenho. Na estreia do horário eleitoral na televisão ontem todos ainda apresentando credenciais, cada qual preocupado consigo deixando o vizinho quase de lado.

Quase porque, premido pela necessidade, José Serra citou logo a fera pelo nome no sambinha-provocação "sai o Silva e entra o Zé". Cutucou a onça dentro da toca. Pode se dar bem ou muito mal, mas arriscou.

Foi o único diferencial, a indicar que talvez - por ora apenas talvez - pela falta de instrumental da envergadura do presidente Luiz Inácio da Silva o PSDB precise recorrer à criatividade e com isso leve o PT a reeditar seus melhores momentos de propaganda.

O primeiro programa não foi um deles. Obrigado a tratar logo do passado combativo de Dilma Rousseff (em versão mitigada que omitiu a participação na luta armada), a falar para as mulheres, a marcar um linguajar despojado cheio de "pra" "tô" "tá" e "ocê", a dizer-se estudiosa e competente administradora, o programa não teve margem para inovações ou surpresas.

De verdade nem pareceu ser essa a ideia. Ao que se propôs, cumpriu: suavizou a candidata, mostrou família, amigos, profissão, juventude, tarefas no governo Lula e principalmente o carimbo da "continuadora" com participação bem dosada do presidente.

Nem demais que escondesse a candidata nem tão pouco que deixasse de marcar bem a presença de Lula. Dilma esteve o tempo todo na condição de protagonista. Como deve ser se não quiser parecer teleguiada.

O melhor do horário do PSDB foi a trilha sonora, tanto o forró de abertura como o samba de encerramento, duas boas sacadas. Entre uma e outra, o já sabido e nessa agora reafirmado com ênfase: a infância de pobreza e superação pelo esforço, a juventude de política estudantil, a vida adulta de realizações administrativas entre uma e outra eleição a deputado, senador, prefeito e governador.

Sempre o Serra que "cuida", é "próximo" e "vive" o problema das pessoas para servir ao mesmo tempo de contraponto e antídoto à imagem distante e irascível que tem dele o senso comum.

Pelo menos no dia do credenciamento nenhum dos dois marqueteiros fez espetáculo de imagem, atendo-se ao necessário para mostrar as faces dos chefes.

Marina narrou em "off" um videoclipe sobre meio ambiente e apareceu apenas no fim numa representação da quintessência do básico: de pretinho, declarou "eu sou Marina Silva, candidata a presidente do Brasil" e encerrou.

Plínio de Arruda Sampaio simplesmente não apareceu, sendo apresentado por imagens e locução.

Quanto aos demais, os ditos nanicos, francamente, 55 segundos é tempo demais.

Como assim? Políticos e analistas podem ter discutido sobre o sexo dos anjos quando atribuíram às entrevistas do Jornal Nacional importância capital sobre o resultado das pesquisas.

Detalhe da pesquisa Ibope: a grande maioria (62%) não soube dizer se o desempenho de Dilma foi bom ou ruim. No caso de Serra deu-se o mesmo.

Homens cordiais. Lula e Ahmadinejad usaram termos e conceitos semelhantes para tratar em público do caso de Sakineh Ashtiani, condenada à morte por adultério.

O presidente brasileiro ofereceu asilo "à mulher que está causando incômodo por lá (no Irã)" e o iraniano recusou alegando não haver "necessidade de criar mais confusão para Lula".

Nem pressão de um lado nem reação de outro: só amizade e indiferença aos direitos humanos.

A conhecer. A Justiça Eleitoral exige que os candidatos a suplente de senador (dois para cada titular) sejam devidamente registrados.

De onde deveria ser obrigatório que fossem devidamente apresentados ao eleitorado.

Durante a campanha, antes do fato consumado da substituição do gato por lebre.

Adeus à política :: Marco Antonio Villa

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A despolitização dilui divergências e converte o processo eleitoral em geleia

Pela sexta vez consecutiva, fato único na nossa história, teremos a escolha do presidente da República através de eleições plenamente democráticas. Não é pouco, principalmente em um país com a nossa tradição autoritária.

Se na eleição de 1989, os candidatos politizavam qualquer proposição, por mais simples que fosse, agora a despolitização é uma marca da campanha. Depois de cinco eleições, o processo eleitoral ficou mais pobre em debates e ideias.

É possível que, em parte, este panorama justifique-se pela predominância do marketing político e da americanização das eleições. As pesquisas qualitativas são mais importantes, para os candidatos, do que a política stricto sensu.

O enfrentamento ideológico foi substituído pelas propostas de gerir uma casa, como se o espaço doméstico fosse a reprodução em miniatura do país. O linguajado familiar invadiu a política. Pai, mãe e filhos substituíram os temas clássicos, o que é um claro sinal de pauperização do debate político.

O PT é um bom exemplo. Desapareceu -e tudo indica para nunca mais voltar- o discurso classista ou ao menos de embate com os poderosos. Foi substituído por elementos pré-varguistas.

O vocabulário da casa grande, autoritário e coercitivo, tomou conta dos seus dirigentes. E, claro, Lula foi o iniciador e maior defensor da despolitização. Como nunca suportou participar de uma discussão de princípios políticos, encontrou na fala despolitizada um campo fértil. Exemplificou dilemas do país com exemplos domésticos, comezinhos.

Quanto mais complexa uma questão, maior a banalização. Daí foi só um passo para fortalecer a ideia de que o povo precisa de um pai, de uma mãe: "Deixo em tuas mãos o meu povo", como diz o jingle.

A despolitização tem o papel de eliminar as fronteiras ideológicas. Dilui as divergências, homogeneíza e transforma o processo eleitoral em uma espécie de geleia geral. Tudo parece igual. Por isso, Roseana Sarney pode vestir a camiseta do PT e o irmão uma do PV, sem que nenhum dos dois deixe de defender o interesse familiar, que apresa o Estado mais pobre do Brasil.

A oposição não conseguiu -e teve várias oportunidades- para construir um discurso político, alçando o debate a outro patamar. Contudo, optou pelo conformismo. No fundo, admirou a despolitização. Tudo parecia tão simples. Neste trágico percurso, Lula, entusiasmado, quis levar o "método" para o mundo. Foi um desastre, como no Oriente Médio. O lulismo, como forma de fazer política, só dá no Brasil, como a jabuticaba.


Marco Antonio Villa é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar

Fantasma de Sakineh vai pairar sempre sobre nós :: José Nêumanne

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A recusa pública do iraniano Mahmoud Ahmadinejad à oferta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de acolher no Brasil um dos vários incômodos que queimam seu filme no cenário internacional, a viúva Sakineh Moahammadi Asthiani, permite ao autor destas linhas voltar ao tema tratado há 15 dias neste espaço, se para tanto obtiver a vênia e a atenção do leitor. Pois, feita em entrevista à televisão, como reafirmação do direito sagrado à soberania da população de seu país, a negativa em atender à mão estendida pelo parceiro que desafiou o consenso ocidental de compreensão do perigo representado por uma tirania que se oculta sob o véu do fundamentalismo religioso para afrontar a civilização de maneira bárbara repõe em seu devido lugar alguns conceitos que estavam sendo postos de pernas para o ar.

No dia em que este articulista saudou a iniciativa, apesar de adotada em local impróprio, um palanque de campanha eleitoral, de oferecer a saída honrosa ao regime iraniano, ao lado de uma brilhante aula de ética sobre o mesmo tema dada pelo professor da Unicamp Roberto Romano, noço guia universal resumiu seus enganos a esse respeito numa frase curta e grossa. Ele tornou pública sua justificativa de intervenção como sendo um problema humanitário, e não político. Seu engano é capital e resulta, primeiramente, de ter faltado a aulas fundamentais de História nas quais devem ter sido explicitadas as distinções básicas entre barbárie e civilização. E também, em segundo lugar, da dificuldade que Sua Excelência tem de distinguir o certo do errado, diretamente proporcional à facilidade que sempre teve de saber o que lhe é conveniente e o que não lhe convém. Some-se a isso a percepção megalomaníaca enganosa, permitida pelos altos índices de popularidade (78%, segundo o Ibope mais recente) que lhe lustram o ego inflado, de que a conveniência do chefe de governo é, por definição, o destino da Pátria.

De fato, a vida de Sakineh Ashtiani é um bem precioso, tão respeitado pelas religiões antigas que floresceram no Oriente Médio, ali pelas proximidades de Teerã, que os judeus não permitem o sepultamento de quem a elimina com as próprias mãos no mesmo território sagrado onde repousam os restos mortais daqueles que Javé convocou a seu convívio. O clérigo anglicano John Donne, poeta metafísico inglês que viveu meio milênio antes de Sakineh, registrou num verso magistral o conceito que os cristãos herdaram dos ancestrais do profeta galileu. "A morte de cada homem diminui-me, porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca procure saber por quem os sinos dobram: eles dobram por ti", reza a epígrafe do famoso romance do americano Ernest Hemingway sobre a Guerra Civil Espanhola, Por Quem os Sinos Dobram.

Mas por mais que a humanidade sempre tenha chorado a morte de cada um de seus membros - e entre todos a iraniana também significará a amputação de um de seus bilhões de viventes que compartilham a graça e a aventura de viver nesta mesma quadra histórica -, a execução dela é um drama político, e como tal deve ser tratado. Porque diz respeito às sangrentas lutas para conquistar o elementar direito ao livre-arbítrio que o mesmo gênero humano empreendeu para sair de seu estado de violência tribal e entrar num estágio de convívio civilizado. A violência bárbara do Estado iraniano sai, portanto, da alçada de Madre Tereza de Calcutá para merecer a atenção dos colegas contemporâneos do Mahatma Gandhi. Salvar-lhe a vida não se limita a um gesto de caridade religiosa, mas passa a ser uma obrigação de cidadania. Pois os que se arvoram em seus carrascos atuam no pressuposto inaceitável de que têm sobre ela direitos de vida e de morte sob o pretexto de hábitos ancestrais que não condizem com as regras civilizadas que regem hoje a pacífica convivência entre seres humanos soberanos e iguais perante Deus e a lei dos homens.

A presunção absurda de que uma viúva possa ter cometido adultério e a exigência de reparação ao dever de ser fiel a um parceiro extinto vão na contramão do mais luminoso avanço do século 20, que lança luz sobre seus porões sombrios: o da conquista pelos seres humanos do gênero feminino da igualdade em relação às pessoas do sexo masculino. Das pioneiras da luta sufragista de cem anos atrás à queima dos sutiãs há 50 resultou o reconhecimento universal do direito que mães, irmãs, esposas e amantes passaram a ter ao trabalho, à remuneração justa e à posse do corpo, o que inclui as delícias do prazer carnal e da livre escolha da companhia à escrivaninha, à mesa e à cama. Reconhecê-lo não é só um ato de caridade cristã, mas o atendimento de uma prerrogativa cidadã. O respeito à liberdade alheia - e, mais do que isso, a disposição de lutar por ela - não é uma atitude altruísta, mas uma postura de interesse próprio. Pois o aspecto racional, que distingue o ser humano dos outros animais, que são irracionais, permite enxergar que a liberdade de qualquer um termina onde começa o livre-arbítrio de outrem. Só pode ser verdadeira e integralmente livre quem empregar seu empenho e seu engenho na garantia de que a liberdade individual sempre deve prevalecer sobre quaisquer outros valores, menos o da vida, servindo a autoridade legítima, constituída no Estado democrático de Direito, fundamentalmente, para impedir qualquer abuso de seu emprego, na medida em que este prejudique o livre-arbítrio do próximo. Quanto mais livres forem todos, mais livre alguém será.

O desconhecimento desse primado levou Lula a esta tragédia de erros de sua política externa, que condiciona a defesa dos direitos humanos ao também legítimo usufruto do lucro nas relações entre povos, que devem ter respeitada a soberania sem, porém, afrontar princípios civilizatórios, sem os quais a diplomacia não passa de fria farsa. É por isso que o fantasma da mulher a ser sacrificada ao monstro cruel da arbitrariedade vai pairar para sempre sobre nossa cabeça.


Jornalista e escritor, é editorialista do "Jornal da Tarde"


Nilze Carvalho & Dona Ivone Lara

O custo do aparelhamento e da fisiologia – Editorial / O Globo

O aparelhamento da máquina público decorrente de interesses político-ideológicos e o loteamento de áreas do Estado por motivação fisiológica são duas pragas da política brasileira que respondem por boa parte da má aplicação do dinheiro do contribuinte, já esmagado sob uma carga tributária de mais de 35% do PIB, recorde no bloco dos emergentes.

É típica do aparelhamento de origem política a ocupação do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário pelos chamados "movimentos sociais" - MST e similares. Nesta privatização daninha da coisa pública, o contribuinte também não está a salvo de desvios criminosos do seu dinheiro. Vide indícios fulgurantes de expropriação de recursos públicos existentes na prestação de contas de entidades criadas neste âmbito "social" apenas para ter acesso ao Tesouro. Isto quando prestam contas. É assim que ações violentas de invasão de propriedades terminam financiadas pelo Erário.

O empreguismo e o loteamento de cargos por razões fisiológicas também têm símbolos na Era Lula. Justiça se faça, trata-se de mazelas tradicionais no Brasil, infelizmente. Não surgiram de 2003 para cá. Mas o governo, por não ter querido ou sabido fixar limites à voracidade de partidos da base parlamentar, convive com situações como a dos Correios. Na estatal, hoje prestadora de maus serviços, chefias nomeadas por caciques partidários se dedicaram a arrematar propinas para caixa dois de legendas. Não faltou a grotesca cena, gravada, em que Maurício Marinho, autoproclamado representante do petebista Roberto Jefferson na ECT, literalmente embolsa um maço de dinheiro entregue por um fornecedor da estatal. Ali começaria o escândalo do mensalão e acabaria de vez a virgindade do PT.

Este é o contexto no qual surge a informação, apurada pelo GLOBO, de que 399 relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), feitos a partir de 2009 sobre a atuação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), apontam para uma conta de R$1,02 bilhão proveniente de superfaturamento de obras e outros malfeitos. Em linguagem direta: roubo, desfalque.

O Dnit faz jus ao fato de ser o velho Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) com outro nome. Pois o DNER foi fechado no governo FH devido ao longo histórico de corrupção da autarquia. Reencarnou no Dnit com o mesmo DNA.

A ação de quadrilhas no departamento, retalhado entre apaniguados políticos, chega a ser rocambolesca. No início do mês, o superintendente do departamento no Ceará, Guedes Ceará, e outras pessoas foram presos pela Polícia Federal sob a acusação de participar do desvio de R$5,5 milhões do orçamento de obras. Guedes havia sido indicado pelo ex-governador Lúcio Alcântara, do PR.

Se forem consultadas auditorias do TCU na Infraero surgirão casos semelhantes. Enquanto isso, a população se arrisca em estradas federais malconservadas e padece em aeroportos há tempos incapazes de atender ao crescente volume de passageiros. O assunto serve de munição de campanha eleitoral. Mas, haja o que houver nas urnas, o próximo governo bem que poderia atenuar o bombeamento de recursos do Tesouro para grupos que se especializaram em capturar dinheiro público, à esquerda e à direita. Quando mais não seja, por inteligência: vai aparecer mais dinheiro para financiar despesas efetivas.

PT despreza sucesso das privatizações :: Paulo Panossian

DEU NO JORNAL DO BRASIL

RIO - Na década de 90, do século passado, e nos governos Collor, Itamar e FHC, foram privatizados setores como da siderurgia, ferroviário, do sistema Telebrás, etc e houve a quebra do monopólio da Petrobras, vendas da maioria dos bancos estaduais quase todos tecnicamente falidos, das concessões de estradas federais, como a Via Dutra, e várias rodovias estaduais em São Paulo.

E já que estamos em época de eleição, é bom deixar evidente que estas privatizações trouxeram alívio quase imediato nas contas públicas, porque na grande maioria destas empresas o prejuízo para o erário era grande. Praticamente não recolhiam impostos, e o governo tinha de injetar recursos para cobrir rombos. O PT do Lula e da Dilma, até hoje, tenta convencer o eleitorado de que estas empresas não deveriam ser vendidas para o setor privado. Balela de populista e de gente sem compromisso com a nação!

Pois bem, pretendo enaltecer os ótimos resultados somente da privatização do setor de telecomunicações no Brasil, iniciado em 1996 e concluído em 1998. O sistema Telebrás foi vendido na época, pelos 19% das ações, por R$ 30,2 bilhões. E, nestes 12 anos nas mãos do setor privado, investimentos atingiram a marca de R$ 180 bilhões entre a telefonia fixa e móvel.
Enquanto operado pelo governo, em 25 anos o sistema Telebrás investiu apenas R$ 60 bilhões.

Para que o leitor tenha uma ideia destes números, o PAC, tão alardeado pelo Lula, em quase quatro anos de investimentos não conseguiu aplicar mais que R$ 60 bilhões. Isso dá a dimensão exata de que, se a gestão FHC não tivesse privatizado o setor, hoje o preço dos telefones fixos e celulares estaria na hora da morte, e a população privada desses serviços. E dos 185 milhões de aparelhos celulares existentes no país, mais de 100 milhões de usuários são das classes C e D, uma vez facilitado o acesso pelos baixos preços. Na década de 90 um telefone fixo chegou a custar no paralelo entre R$ 5 mil e R$ 22 mil, dependendo do bairro de São Paulo. E nos planos da Telesp era caro, e o prazo de entrega a perder de vista.

Esta revolução na área de comunicação permitiu até que pequenos negócios prosperassem, melhorando a renda familiar como às quituteiras, pedreiros, marceneiros, artesãos, profissionais liberais etc. Até novembro próximo, o Brasil vai alcançar a marca de 200 milhões de aparelhos.
Mais do que a nossa população em torno de 194 milhões. E, se somarmos os telefones fixos, vamos contabilizar algo próximo de 240 milhões de aparelhos.

Para os governos, estaduais, municipais e federal, foi a salvação, já que, com o monstrengo de 43% de impostos cobrados do setor, arrecadam por ano R$ 30 bilhões. Em 12 anos, R$ 360 bilhões. Imaginem se o Estado tivesse ainda que administrar estas ineficientes empresas hoje privatizadas! As contas públicas estariam literalmente quebradas. Investimento público que ainda hoje é baixo inexistiria. Ou seja, estaríamos num verdadeiro caos.

Graças a estas privatizações é que o nosso país pode avançar na área social. Estão, aí, a criação, na gestão FHC, do Bolsa Escola (hoje clonado pelo Lula em Bolsa Família). A melhora substancial no valor do salário mínimo, piso dos professores (ainda que baixo), e o Pró-Uni. etc. Além de mais verbas para educação, saúde, pesquisas, e pelo menos a da manutenção de investimentos públicos na ordem de 18% do PIB.

Percebe-se, pelos dados citados, que o PT fez o que pode para impedir o sucesso das privatizações, sem o qual o Lula não passaria do primeiro mandato. Portanto, a demagogia petista foi uma insanidade. E hoje contam lorotas indigeríveis de que jamais na história existiu um governo igual.

Em corrupção, desrespeito às nossas instituições, alinhamento com governos de países totalitários, sem dúvida alguma o PT do Lula é supremo.

* jornalista

Serra diz que Dilma copia seus programas de saúde

DEU EM O GLOBO

Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Foi sintomática a subida de tom do discurso do tucano José Serra contra o governo Lula e sua candidata, Dilma Rousseff, um dia depois da divulgação do resultado da pesquisa Ibope que mostra a possibilidade de vitória da adversária no primeiro turno. Durante sua participação no Congresso Nacional de Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, em Brasília, Serra acusou a candidata do PT de ter plagiado pelo menos sete propostas de seu programa de governo para confundir o eleitor, prometeu renegociar a dívida de cerca de R$6 bilhões e criar uma espécie de Lei Rouanet para financiar a saúde.

- O importante não é a cópia, mas gostaria de ter o direito autoral reconhecido. Pois isso confunde a opinião pública, e receber tratamento isonômico da imprensa, que acaba sem identificar quem propôs aquilo primeiro - disparou o tucano. - Lei Rouanet para saúde? Acho interessante. Eu topo que a gente faça isso. Para investimento, não para custeio - afirmou Serra, ao ser indagado se apoiaria a ideia.

Serra afirmou ainda que o Ministério da Saúde maquiou números, inflando a quantidade de cirurgias realizadas no país nos últimos anos só para beneficiar Dilma.

- Quando corrige, deveria corrigir para os dois lados. Houve encolhimento das principais cirurgias eletivas (nos últimos anos), até de cataratas, apesar dos truques e maquiagem do Ministério da Saúde. E os mutirões de cirurgias, acabaram os mutirões. Isso foi totalmente largado - observou.

Serra acusa o governo de mentir sobre o CPMF

DEU EM O GLOBO

Durante o Congresso Nacional das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, Serra acusou ainda o governo Lula de ter mentido durante a votação que derrubou a cobrança da CPMF:

- É trololó, falsidade, mentira dizer que os problemas financeiros da saúde provêm do fim da CPMF. Depois da aprovação da PEC 29 em 2000, a saúde deixou de depender da CPMF.

Em seguida, Serra lembrou que, quando o governo defendeu a manutenção da CPMF, não mencionou que os recursos seriam aplicados na saúde:

- Fui eu que propus para o governo, através do Antônio Palocci (ex-ministro da Fazenda), e como forma de tentar manter a CPMF, vincular o recurso extra para a saúde. Mesmo assim, não passou. Portanto, é trolóló dizer que quem derrubou a CPMF foi oposição e que isso tirou dinheiro da saúde é conversa fiada.

Serra prometeu investir R$12 bilhões a mais no setor e se comprometeu a rever a tabela de pagamento do SUS. Ele anunciou a intenção de reeditar o chamado Proer das Santas Casas, que garantiria financiamento público de parte das atividades.

- Por causa do abandono do governo, está com grau de endividamento intolerável. Passou de R$1,8 bilhão a R$5,9 bilhões. Esse é o endividamento do setor hoje - lamentou.(A.V.)

Tucano cobra de petista posição sobre o Irã

DEU EM O GLOBO

Para ele, oferta de abrigo de Lula a iraniana teve motivação eleitoral

BRASÍLIA. O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, classificou ontem como uma ação meramente "eleitoral" a oferta de asilo feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à viúva iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada à morte sob a acusação de adultério.

Serra questionou ainda a postura do ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannucchi, que chegou a chamar de "ditador" o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, após descartar a possibilidade de Sakineh ser mandada para o Brasil.

- Ele (Paulo Vannuchi) tinha que explicar porque o governo disse que tinha carinho e amizade pelo Ahmadinejad. Eu acho que isso é puramente eleitoral. Nunca duvido das posições pessoais do Paulo Vannuchi. O fato é que o Brasil manifestou durante todo esse tempo carinho, amizade e confiança para o Irã - disse Serra, depois de participar do Congresso Nacional das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, realizado em Brasília.

Para Serra, a interferência do governo em favor da iraniana teria como objetivo principal beneficiar a candidata petista, Dilma Rousseff, que quer conquistar o voto feminino. E cobrou da adversária um posicionamento claro em relação ao Irã.

- Como isso pega mal para a opinião pública, e nós estamos numa eleição, convém confundir de novo a opinião pública. Tem que perguntar pro Vannuchi sobre Cuba, ele não falou sobre Cuba.
Aliás, ela (Dilma) é que tem que explicar porque nunca reclamou do Irã e, agora, o Irã é uma ditadura. Ela nunca disse uma palavrinha áspera com relação àquela ditadura fascista e feroz - ressaltou.

No rádio, Gabeira ataca 'máquina de propaganda' do governo do Rio

DEU EM O GLOBO

" Um governo que gasta R$ 430 milhões em propaganda não se interessa pela educação "

RIO - No primeiro dia da propaganda eleitoral dos candidatos ao governo do Rio, Fernando Gabeira (PV) atacou em seu programa no rádio a máquina de propaganda do governo de Sérgio Cabral, seu principal adversário na disputa. Ao criticar a situação do transporte no Rio, o verde afirmou que "a máquina de propaganda diz que está tudo bem".

O candidato classificou ainda como uma "tragédia" a educação no Rio, e voltou a alfinetar o governo Cabral:

Ao ser perguntado pela locutora por que entrou na disputa mesmo tendo poucos recursos, Gabeira respondeu:

- Porque eu nasci numa rua chamada Garibaldi. Garibaldi é o nome de um herói italiano que travava as suas batalhas com poucos recursos e poucos soldados. As suas armas eram a inteligência e audácia.

O Nego: Deu na coluna de Ancelmo Gois

DEU EM O GLOBO

No mais

Já imaginou se Nego, o labrador dado por Zé Dirceu a Dilma e que ontem surgiu no horário eleitoral, falasse tudo o que sabe, como a cadela de “Martha fala”, a série de Discovery Kids?

Não sobrava ninguém na República.

Entrevista:Itamar Franco

DEU NO ESTADO DE MINAS

"É preciso libertar o Senado"

Isabella Souto

Trinta e seis anos depois, o ex-presidente da República Itamar Franco (PPS) quer voltar ao Senado para debater os grandes temas nacionais e libertá-lo das teias do Executivo. Para conquistar o voto dos mineiros, que já o elegeram prefeito, senador e governador, Itamar vai trazer para o programa de televisão suas realizações nos cargos públicos que ocupou. Eu tenho a impressão de que nunca decepcionei os mineiros nos cargos que exerci, afirmou ao Estado de Minas, que publica hoje a segunda da série de entrevistas com candidatos ao Senado. Caso eleito, Itamar promete levantar, entre outras, a bandeira da defesa da privacidade.

O senhor aparece em segundo lugar nas pesquisas de opinião. Como manter pelo menos essa posição para conquistar uma vaga no Senado?

Trabalhar cada vez mais. Viajando, conversando com os eleitores, com a metodologia que sempre tive nas minhas campanhas. Não há modificação. E ao lado do governador Aécio (PSDB) e do governador Anastasia (PSDB). Nossa tendência, sempre que possível, é caminharmos juntos.

O senhor é muito conhecido, já foi prefeito, senador, vice-presidente, presidente. Isso facilita?

É possível que facilite. Como você acabou de dizer, eu comecei como prefeito, senador, vice-presidente, presidente e depois governador. É claro que onde eu chego muitas pessoas me conhecem, conversam, recordam bastante o que eu fiz.

Como vai ser o programa de televisão?

Eu tenho que mostrar um pouco do que eu fiz, mas obviamente olhando o Brasil que virá. Basicamente a programação será essa. Nós temos uma vantagem porque somos uma coligação muito unida. Temos uma união muito forte.

Por que os mineiros devem votar no senhor para senador?

Porque sempre votaram em mim. Fui prefeito, sempre com eleição direta, fui senador por eleição direta, governador por eleição direta. Então eu sempre tive o apoio total dos mineiros. Eu acho que comprovo isso pelas eleições, que foram sempre diretas. Eu tenho a impressão que nunca decepcionei os mineiros nos cargos que exerci.

Qual a proposta do senhor se chegar ao Senado?

O Senado tem prioridades que são determinadas pela Constituição. Tenho que me basear nas prioridades que a Constituição permite. Mas o que é o Senado? É o povo nas suas regionalidades. O Senado não só examina os municípios, os municípios estão muito perto do Senado, mas o Senado, como eu o defini, também tem que examinar os problemas dos estados. Apesar de ser bicameral, tem que exercer funções de fiscalização do Executivo. Ele pode realizar as comissões parlamentares de inquérito, pedir informações. O que tem acontecido: o Senado tem estado subjugado ao Executivo. Os poderes no Brasil são interdependentes, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O que se percebeu neste ano e nos anos passados foi uma influência muito forte do Executivo no Legislativo, particularmente no Senado da República. Então a primeira coisa é libertar o Senado dessa ação nefasta do Executivo.

Se as pesquisas se confirmarem, o senhor será um senador da oposição, assim como foi em 1974, quando se elegeu senador pela primeira vez. Como será a atuação do senhor? Em que diferirá de 36 anos atrás?

Só posso analisar depois de eleito. Por enquanto sou um candidato disputando uma eleição. Seria muita pretensão dizer que já ganhei a eleição. Vamos esperar o resultado e eu responderei. Agora, quanto a ser senador de oposição, eu sou acostumado a ser oposição. Durante 16 anos fui senador de oposição. Só para dar um exemplo: nas comissões parlamentares de inquérito, e naquela época nem o regime militar proibia que um senador de oposição fosse presidente, nós éramos sempre minoria. O governo tinha oito e nós éramos três. Então a gente está acostumado a isso.

Tem algum setor específico em que o senhor pretende atuar?

O Senado tem vários setores importantes, mas há um que é bem fundamental e é bem discutido hoje em dia: o problema da política externa. E, já que cabe ao Senado aprovar os chefes de missão diplomática permanentes, essa é uma missão específica do Senado, e a política externa hoje está sendo muito difundida e, no meu caso, eu posso analisar a política externa porque o atual ministro das Relações Exteriores foi meu ministro das Relações Exteriores. Mas não é apenas examinar o problema da política externa. O Senado está muito ligado ao problema dos municípios, ele permite o endividamento externo, a situação do endividamento interno. Então o Senado atua muito, muito, muito de perto dentro da Constituição junto aos municípios e junto aos estados.

O Senado viveu um período de crise e desgaste na sua imagem. Como o senhor, que tem uma imagem de probidade e ética, avalia a possibilidade de sua chegada à Casa?

Vou examinar a imagem do Senado. Já disse que o Senado ficou muito subjugado ao Executivo, o Senado tem que se libertar das teias do Executivo. O Senado tem uma função muito importante dentro do contexto bicameral, parlamentar. Então, o Senado não pode ter essa conexão com o Executivo, quando ele tem mais é que fiscalizar o Executivo. Ele tem funções prioritárias muito importantes, é só examinar a Constituição. Agora, eu dizer o que vou fazer quando chegar lá seria muita pretensão, já que seria falar de uma coisa que ainda não aconteceu. Tenho minhas ideias, algumas eu defenderei lá. O problema de atuar com os municípios, essa é uma das funções específicas do Senado. Atuar com os estados é outra função específica do Senado. Agora, a gente vai ter que discutir, e eu, por exemplo, pretendo levantar, já há no Congresso internalizado, mas não se chegou ainda a uma conclusão sobre o chamado candidato avulso, o candidato independente. Acho que isso é uma coisa que vai tocar muito a mocidade. Eu estou para falar com os moços, e vou mostrar o que é o candidato avulso, o que é o candidato independente. Também o problema do respeito. A tecnologia tem avançado na nossa privacidade, e é preciso discutir com bastante ênfase o problema da privacidade, que hoje está bastante vulnerável. E há tantos assuntos que à medida que o tempo avançar, nos próprios debates e no programa de televisão, nós encaminharemos. Eu tenho certeza de que o Senado será o foco de grandes debates. Quando cheguei, em 1974, ele foi um grande foco dos debates e foi dali que surgiu praticamente a defesa das eleições diretas. O desenrolar das discussões, como o Senado será montado, quantos senadores seremos, quantos senadores serão do governo, vai implicar a formação das comissões técnicas.

Mais alguma proposta?

Outro tema importante que queremos debater é o pacto federativo. No Brasil, o pacto federativo vem sendo desrespeitado, sempre em prejuízo dos municípios. Fui prefeito por duas vezes e conheço as dificuldades que os administradores municipais vivem diante da falta de recursos. Não podemos nos esquecer também dos municípios mineradores. Precisamos estudar um aumento da alíquota da CFEM, de forma a devolver às cidades mineradoras as riquezas extraídas de seu solo.

Receita investiga dez servidores no caso EJ

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Funcionários são suspeitos de acessar de forma ilegal o sigilo fiscal do vice-presidente tucano Eduardo Jorge

Todos os envolvidos, segundo advogado que acompanha suspeita na sindicância, são de agência em Mauá (SP)

Andréa Michael


DE SÃO PAULO - Na busca por descobrir quem violou indevidamente o sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, a Corregedoria da Receita Federal investiga dez servidores do fisco da agência do órgão em Mauá.

A informação é do advogado Marcelo Panzardi, que, na sindicância instaurada sobre o caso, acompanha a servidora Addeilda dos Santos.

"São dez servidores, todos da agência de Mauá", disse Panzardi à Folha.

Addeilda pertence aos quadros do Serpro (serviço de processamento de dados do governo federal), mas atua na estrutura da Receita.

Também entre os investigados está Ana Maria Caroto Cano, outra funcionária do Serpro cedida ao escritório da Receita em Mauá.

Ambas são subordinadas à servidora do fisco Antonia Aparecida dos Santos Neves Silva, dona da senha que ficou registrada nos sistemas da Receita por ter acessado os dados de EJ.

Para a Corregedoria, esse acesso não teria justificativa legal.

Todos os dez já foram ouvidos. Em depoimento, Addeilda e Ana Maria disseram que havia cessão de senha de um funcionário para outro para facilitar a rotina de trabalho.

As declarações convergem com o que Antonia já alegou.

Addeilda está licenciada por ordem da Corregedoria, segundo seu advogado. No escritório da Receita, em Santo André, para onde os funcionários de Mauá foram temporariamente transferidos por conta de uma reforma, um servidor informou que Ana Maria está em férias.

Coordenador de Dilma deve participar de Foro de S. Paulo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ariel Palácios, Correspondente

O deputado José Eduardo Martins Cardozo (PT-SP), coordenador da campanha de Dilma Rousseff à Presidência, tinha desembarque previsto para a noite de ontem em Buenos Aires, a fim de participar da 16ª edição do Foro de São Paulo.
Com promessas de "derrotar a contraofensiva da direita", de "aprofundar as mudanças sociais", realizadas pelos denominados governos de esquerda e progressistas, e de consolidar a integração das "Repúblicas irmãs" da região, o foro reunirá até sexta-feira integrantes de partidos de esquerda e centro-esquerda da América Latina e do Caribe, além de ONGs vinculadas a movimentos sociais, aos sem-terra e simpatizantes de guerrilhas.

O Foro de São Paulo foi fundado pelo PT, em 1990, com o objetivo de debater o cenário internacional e as consequências do neoliberalismo nos países da região. Os participantes do foro avaliarão o cenário político regional com a eleição parlamentar na Venezuela em setembro e as eleições presidenciais do Brasil em outubro. "Não ceder espaço algum à direita", por intermédio da estratégia de "ampliar a unidade" das diversas forças de esquerda da região é a palavra de ordem que reúne em Buenos Aires um amplo leque de grupos políticos que vão desde o PT brasileiro, ao argentino Partido Peronista, passando pela centro-esquerdista Frente Ampla uruguaia.

A crise entre Colômbia e Venezuela, gerada pela suposta presença de guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) dentro de território venezuelano, é um dos assuntos principais do conclave da esquerda regional. Segundo os representantes dos partidos de esquerda, as tensões entre esses dois países caribenhos são provocadas por setores "reacionários" de Bogotá.


No Estado, vices reabrem polêmicas de MST e Farc

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A posição do governo diante de MST e Farc esquentou o debate promovido ontem no Grupo Estado com os candidatos à Vice-Presidência. Não considero o MST um movimento social", disse Índio da Costa, vice de José Serra. "Os movimentos sociais são bem-vindos", rebateu Michel Temer, vice de Dilma Rousseff. Guilherme Leal, vice de Marina Silva, fugiu do duelo, mas insistiu no respeito à lei.

MST e Farc alimentam polêmica entre vices

Flavia Tavares

No primeiro debate entre os candidatos à Vice-Presidência das chapas mais bem situadas nas pesquisas, promovido pelo Grupo Estado, o suposto envolvimento de Dilma Rousseff e do PT com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) voltou a pautar a discussão.

Índio da Costa (DEM), vice de José Serra (PSDB), afirmou que a candidata petista ainda não explicou claramente sua relação com as Farc e Michel Temer (PMDB) defendeu a titular da chapa: "Acusar Dilma de envolvimento com o narcotráfico é muito grave". Guilherme Leal (PV), vice de Marina Silva (PV), procurou não se envolver na discussão dos oponentes, mas afirmou que "é muito provável que o narcotráfico permeie, sim, a política brasileira". Foi o momento mais quente do encontro, realizado no auditório do Estado, com mediação de Roberto Godoy e participação dos jornalistas Julia Duailibi, Malu Delgado, Roldão Arruda e Luiz Rila.

Os candidatos divergiram também em outros temas ásperos, como a legalização do aborto, a autonomia do Banco Central e o MST. "Não considero o MST um movimento social", declarou Índio. Temer retrucou, declarando que "os movimentos sociais são bem-vindos".

Temer: Começo dizendo de forma absolutamente radical, por formação pessoal e profissional, e até pelas palavras da candidata Dilma sobre o tema, que o que está fora da lei não será tolerado. Aliás, o governo Lula conseguiu pacificar os movimentos sociais. Esta é a primeira eleição em que as pessoas irão às urnas sem - me permitam o neologismo - "raivosidade". Antes, alguns setores iam raivosos para as eleições ou preocupados com a raiva de outros. Agora, vamos para uma eleição tranquila, com os movimentos sociais pacificados. A candidata Dilma não se opõe ao MST, desde que ele aja nos limites da lei. Os movimentos sociais são bem-vindos na nossa campanha.

Leal: A posição da Marina Silva tem sido muito clara. Por um lado, ela reafirma seu compromisso com os pequenos agricultores e com a agricultura familiar. Por outro, diz com clareza que qualquer movimento social deve agir dentro do estrito cumprimento da legislação. Assim será no seu governo. Há uma oportunidade única para a agricultura moderna do Brasil se aliar à conservação. Podemos ser modelo da agricultura que integra o pequeno agricultor ao grande agronegócio.

Índio: Essa pode ser a posição do Michel Temer, mas a da Dilma não é bem essa. No dia 20 de abril, ela colocou o boné do MST, confraternizando com a turma toda do movimento. No dia 10 de julho, o (João Pedro) Stédile, líder do MST, falou com todas as letras que num governo Dilma ia ser moleza invadir terra. Dilma recuou, mas levou 20 dias para isso. Este governo foi frouxo com relação a invasões de terra como tem sido frouxo com relação à entrada de drogas por nossas fronteiras. Na medida em que foram repassados indiretamente R$ 160 milhões para o MST a gente sabe o que isso pode significar para o País. Discordo que os movimentos sociais estejam pacificados. Muitos deles estão recebendo recursos do governo e, de alguma maneira, se tornam aliados. Não reconheço o MST como movimento social, pois é um movimento que invadiu, neste governo, quase 2 mil terras.

Índio: Até agora, a Dilma não respondeu se há ou não ligação entre o PT e as Farc. Também não considero as Farc movimento social. Elas são financiadas pelas drogas e droga é o maior mal que tem no nosso país do ponto de vista da segurança e da saúde. Vamos tratar dos que usam drogas, mas isso não quer dizer que tenhamos alguma ligação com as Farc. Aliás, as Farc não teriam coragem de me chamar para uma reunião, porque, se chamar, levo a Polícia Federal e prendo. O presidente Lula, em abril do ano passado, sugeriu em entrevista que as Farc virem partido político para chegar ao poder. Sou contra as Farc, sou contra as drogas, sou contra as Farc no poder. Teria muita vergonha de propor ao Comando Vermelho ou ao PCC que virassem partido político para chegar ao poder.

Temer: Sabe qual é a tradução da frase do presidente Lula? Nada de movimento subterrâneo, de movimento guerrilheiro. Se vocês, das Farc, quiserem chegar ao poder, exercitem a democracia e criem um partido político para disputar democraticamente o poder. Agora, relacionar a Dilma com o narcotráfico é uma coisa grave. Não consigo captar como se pode relacionar a Dilma, uma mulher que pensa o combate às drogas, com o narcotráfico. Não há relação nenhuma entre o governo brasileiro e as Farc.

Leal: Não quero entrar nessa polêmica que se estabeleceu logo após a indicação do aguerrido deputado Índio da Costa, com seu arco e flecha. Mas eu diria que a política brasileira precisa ser oxigenada. Precisa ser mais pautada por valores. É muito provável que o narcotráfico esteja de alguma forma permeando segmentos da política brasileira, de diversos partidos e de diversas regiões do País, porque o narcotráfico internacional é muito poderoso. A própria estrutura de segurança precisa de uma reforma profunda e radical, não apenas de um ministério, como o candidato José Serra propôs. Hoje, parte dos recursos que são repassados do governo federal para os Estados pode ir parar na mão de milícias, que controlam o tráfico de algumas regiões onde o Estado não entra.

Leal: Nossa decisão de começar sozinhos essa trilha é uma proposição de, livres, leves e soltos, propor à sociedade brasileira alianças programáticas, e não pragmáticas. É uma nova forma de fazer política. O Brasil de FHC e de Lula avançou, mas não construiu uma política satisfatória. Precisamos de uma nova maneira de governar, mais limpa e transparente. Perguntam como um partido com a base tão pequena poderá governar sem repetir os mensalões. Nossa resposta é que é melhor convidar as melhores lideranças de cada partido e dos não-partidos para se unir em torno daquilo que o povo brasileiro ungiu como o melhor programa do que continuar a reproduzir esse loteamento pragmático que tem sido feito previamente às eleições. A mãe das reformas é a reforma política.

Índio: Existe uma enorme diferença entre o mensalão do PT e o do DEM. No Democratas, o (José Roberto)Arruda foi expulso, quem assumiu no lugar dele também e o seguinte também. Foram três expulsos. Diferentemente do PT, onde o José Dirceu está operando para eleger a Dilma. E ainda tem discussões sobre quem ocupa qual ministério, Dirceu de um lado, Palocci do outro. Não é esse tipo de governo que o Brasil precisa. O mensalão se transformou em distribuição de cargos. Não podem mais distribuir dinheiro, mas passaram a distribuir poder.

Temer: É preciso invocar a história brasileira. O Brasil Colônia tinha a história do santo do pau oco, porque se escondia o ouro dentro do santo para que não se entregasse o que era devido a Portugal, o que era irregular. Com isso, quero dizer que a corrupção era uma coisa endêmica no País. Avançamos muito. Nos casos de mensalão, houve uma apuração e essa gente está sendo processada. É fruto da evolução dos costumes nacionais. Na Câmara dos Deputados, estabelecemos a transparência absoluta. Não há despesa de deputado que não vá para a internet. Quem encontrar falha imediatamente denuncia.

Déficit de casas é de 5,8 milhões

DEU EM O GLOBO

Jacineide e Jaqueline Silva saíram das ruas para uma favela em Recife. Mas continuam em uma estatística; faltam 5,8 milhões de moradias decentes no país.

Fora das ruas, mas dentro da estatística

Déficit de habitação no país chega a 5,8 milhões de lares. Moradias precárias e improvisadas fazem parte do problema

Letícia Lins

RECIFE e RIO. Jacineide Maria da Silva, de 40 anos, e Jaqueline Barbosa da Silva, de 22, são vizinhas na comunidade do Coque, na Ilha Joana Bezerra, próxima ao Centro da capital pernambucana. Residem em casas precárias, sujeitas a inundações a cada chuva forte. Mesmo assim, dão-se por felizes. Ex-moradoras de rua, não gostam muito de lembrar os anos ao relento. Quando falam sobre o assunto, relatam o medo de morrer e de voltar a engrossar as estatísticas do déficit habitacional no país - estimado, segundo os últimos dados do Ministério das Cidades, em 5,8 milhões de lares. O que as moradoras da Rua São Pedro não sabem é que, mesmo tendo um teto, elas fazem parte das estatísticas:

- Domicílios improvisados, barracas, prédios em construção, casas em favelas, todas essas moradias são contabilizadas - explica Melissa Giacometti de Godoy, doutora em geografia humana e pesquisadora da área habitacional.

Moradoras de uma área conhecida pela violência e pela falta de infraestrutura, Jacineide e Jaqueline se sentem abrigadas mesmo vivendo em casas de zinco, tábuas velhas e pedaços de papelão, construídas sobre varas no Rio Capibaribe e sem saneamento:

- Eu morava debaixo de uma lona e aguentava muita coisa. Passava gente que jogava garrafa, lata, pedra e até ameaçava queimar a gente. Todo mundo dormia assustado, sentia frio à noite, e a água molhava os trapos quando chovia. Felizmente tinha umas almas boas que levavam sopa, pão, roupas - lembra Jacineide, que morou na rua com os três filhos por três anos. - Hoje, eu lavo roupa, ganho R$200 por mês, tenho uma casa.

Com vergonha de ter morado na rua, Jaqueline divide hoje, com o irmão, a casa para onde foi depois que a mãe foi assassinada. No primeiro ano do ensino médio, ela não trabalha e faz pequenos biscates para conseguir algum dinheiro. Na memória, os dias em que viveu nas ruas:

- A noite dá frio e medo. Ninguém sabe o que vem.

De acordo com o Ministério das Cidades, o déficit habitacional se concentra nas áreas urbanas (82%). Nas regiões metropolitanas do país, estão 1,6 milhão desses domicílios - 27% do total. O déficit está concentrado nas faixas de até três salários mínimos (89,2%) e de três a cinco salários mínimos (7%).

Em Recife, espaços mínimos

A Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) estima em 80 mil unidades o déficit habitacional da capital pernambucana. A prefeitura informa, no entanto, que esses números estão defasados, porque, nos últimos dez anos, mais de 3,6 mil unidades habitacionais foram construídas na capital. Mas não informa quantas favelas ou ocupações (famílias morando sob a lona) surgiram.

Calculando que cinco pessoas em média vivam em cada módulo familiar, 18 mil ex-favelados já teriam sido beneficiados. De acordo ainda com a Fase, na região metropolitana o déficit chega a 150 mil unidades. No estado, são 300 mil.

- Pelo que a gente observa, a prioridade é dar espaço para avenidas e construção de prédios, empurrando as comunidades pobres para longe. No entanto, centenas de pessoas moravam em casas, não estavam acostumadas a condomínios verticais e não se adaptaram às novas moradias, que também deixam a desejar - diz Adelmo Araújo, coordenador da Fase.

Um levantamento solicitado à prefeitura indicou a construção de doze conjuntos habitacionais nos últimos dez anos. E, com eles, os problemas habitacionais não acabaram. De acordo com a Fase, os espaços residenciais são mínimos.

- Parecem pombais - afirma Araújo.

A cidade está pontilhada de maus exemplos da política habitacional oficial. Alguns apartamentos - como do conjunto habitacional Zeferino Agra - foram entregues sem paredes internas rebocadas e com piso de cimento. Só tinham teto de gesso na cozinha e no banheiro.

Políticas diversificadas para conter o déficit

"Não adianta ter solução única"

Para conter o déficit habitacional no Brasil, é preciso que sejam criadas políticas diversificadas, segundo a especialista Melissa Giacometti de Godoy, doutora em geografia humana e pesquisadora na área de moradia:

- Os problemas são diversificados. Então, deveríamos ter políticas para urbanizar favelas, para quem tem renda de até três salários mínimos, faixa que o Minha Casa, Minha Vida contempla, mas que é difícil inserir na lógica do financiamento habitacional, para aquelas pessoas que moram em áreas de risco e para as que comprometem mais de 30% da renda com o pagamento de aluguel. Não adianta ter uma solução única.

Segundo dados da Fundação João Pinheiro, em 2007 o déficit habitacional no Brasil era de 6.272.645 domicílios. Em São Paulo, faltavam 1.234.306 domícilios. No Amapá, 30.449.

- Vendo os números absolutos, São Paulo é o estado com maior déficit. Mas, ao analisarmos os dados, vimos que o número no Amapá corresponde a 20% do total de domicílios. Em São Paulo, o percentual não passa de 9,6% - diz Melissa.

Em Pernambuco, onde vivem Jaqueline Barbosa da Silva e Jacineide Maria da Silva, o Minha Casa, Minha Vida previa a construção de 44 mil unidades até o fim do ano. Apenas 27% foram realmente contratadas, ou 12.165 unidades.

Brasileiros estão insatisfeitos com destino dos impostos

DEU NA TV GLOBO - JN

APRESENTADOR WILLIAM BONNER: A relação dos cidadãos brasileiros com os impostos ficou mais clara hoje, com uma pesquisa divulgada pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Os números mostram uma insatisfação com o valor e o destino do dinheiro recolhido em mais de 60 tributos.

REPÓRTER: O que você acha do valor pago em tributos, impostos, aqui no Brasil?

ENTREVISTADA: Acho um valor muito elevado.

REPÓRTER: Essa é a opinião de mais de 95% por cento dos brasileiros, segundo a pesquisa da Firjan, feita em seis capitais. A eficácia dos serviços oferecidos em troca pelo poder público, também foi avaliada.

ENFERMEIRA/LILIAN RODRIGUES: A gente paga muito, e eu acho que os impostos não são destinados ao que eles deveriam ser.

REPÓRTER: Para 97% das pessoas consultadas, as cobranças são altas comparadas à qualidade dos serviços. Os pesquisadores também constataram que poucos brasileiros sabem o quanto pagam realmente de impostos - 72,7% dos entrevistados não souberam responder o percentual comprometido do salário todo mês com o pagamento de tributos.

Aqueles que a gente conhece e outros que vêm embutidos nos preços dos produtos que nós consumimos diariamente. 53% do valor da gasolina são de impostos, taxas e contribuições, por exemplo. É assim com o micro-ondas, o aparelho de celular e por aí vai.

COORDENADORA PESQUISA FIRJAN/LUCIANA SÁ: A principal surpresa foi o fato de que a população gostaria de ver o tema da alta carga tributária, alta carga de impostos, tratado na campanha eleitoral, que é algo extremamente positivo.

REPÓRTER: Um economista ajudou Ramon a calcular quanto os tributos consomem da renda mensal dele. Foi um susto: os impostos levam 64% do salário de Ramon.

ENTREVISTADO: Pelo menos a população brasileira devia ter um retorno razoável. Você não vê isso!

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Mozart " Eine kleine Nachtmusik" Allegro

A alegria:: Ferreira Gullar

O sofrimento não tem
nenhum valor
Não acende um halo
em volta de tua cabeça, não
ilumina trecho algum
de tua carne escura
(nem mesmo o que iluminaria
a lembrança ou a ilusão
de uma alegria).

Sofres tu, sofre
um cachorro ferido, um inseto
que o inseticida envenena.
Será maior a tua dor
que a daquele gato que viste
a espinha quebrada a pau
arrastando-se a berrar pela sarjeta
sem ao menos poder morrer?

A justiça é moral, a injustiça
não. A dor
te iguala a ratos e baratas
que também de dentro dos esgotos

espiam o sol
e no seu corpo nojento
de entre fezes
querem estar contentes.