Destaco aspectos do texto que me causaram agrado especial. O primeiro foi o autor colocar as coisas de um modo que me fez rever uma interpretação que me ocorrera sobre o voto do ministro Ricardo Lewandowski, decisivo para a decretação, pelo STF, do fim do chamado orçamento secreto. Inicialmente, recebi o voto do ministro como possível complicador do processo de negociação em torno da PEC da transição. Mas Schwartsman foi convincente ao mostrar que o gesto foi positivo, não só por ter respaldado o voto correto e primoroso da relatora, ministra Rosa Weber, como por ter objetivamente ajudado a destravar um impasse. É o que importa, noves fora o que o presidente da Câmara e o futuro presidente da República possam achar ou os meus botões cogitar sobre motivações do ministro. Ao mesmo tempo, o artigo citado lembra um ponto relevante do tema Legislativo / Executivo/orçamento: decidir sobre orçamento é, em democracias, prerrogativa genuína do Legislativo.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 22 de dezembro de 2022
Paulo Fábio Dantas Neto* - O bem e o mal no Legislativo e nos partidos
Luiz Carlos Azedo - Qual a natureza do governo Lula?
Correio Braziliense
Lula fará um governo democrático, com certeza,
ao contrário da gestão Bolsonaro. Mas com que amplitude?
Uma das dificuldades para compreender o
atual cenário político é a lulofobia da elite política e econômica do país, que
majoritariamente apoiou a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. O hegemonismo
do PT na montagem do governo, porém, fortalece esse sentimento nos setores que
só apoiaram o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno, mas
tiveram um papel decisivo na derrota de Bolsonaro e seu projeto autoritário. A
chave para resolver essa contradição é ampliar a base de sustentação do petista
incorporando essas forças ao governo. Lula fará um governo democrático, com
certeza, ao contrário da gestão Bolsonaro. Mas com que amplitude?
A resposta é a nomeação da senadora Simone Tebet para a equipe ministerial. Havia uma expectativa de que ela fosse indicada para o Ministério do Desenvolvimento Social, que gerencia o Bolsa Família, mas essa é uma marca do governo Lula, em grande parte responsável pela sua volta ao poder, graças às mulheres e aos mais pobres, sobretudo nordestinos. Portanto, não é nenhum absurdo que o cargo venha a ser ocupado pelo ex-governador do Piauí Wellington Dias (PT), que comandou o seu estado por quatro mandatos e foi um dos articuladores políticos da transição, sobretudo nas negociações com o Senado, para o qual acaba de ser eleito novamente.
Merval Pereira - Gestos importam
O Globo
Se o próximo governo Lula for, mais uma
vez, monopolizado pelo PT, corre o risco de perder apoio popular rapidamente.
Sabe-se da importância dos gestos na
política. Não apenas os corporais, que podem até mesmo fazer parecer mais alto
e mais digno um orador, ou não. Mas que dizer dos gestos simbólicos, daqueles
que engrandecem o emissor? Nos dias de hoje, em que já estamos fartos de não
acreditar nos políticos, os gestos simbólicos têm mais importância que os
corporais, que são absorvidos pelos candidatos em sessões de media training que
os ensinam até mesmo a parecer sinceros. Como o amor verdadeiro, que Nelson
Rodrigues dizia ser comprável pelo dinheiro.
Temos neste momento da política brasileira situação exemplar de gestos simbólicos que engrandecem ou apequenam emissor e receptor. Os gestos de Simone Tebet e Marina Silva no segundo turno da eleição presidencial em direção a Lula, quando ele mais necessitava ampliar seus apoios, contrastam com a miudeza das negociações políticas pragmáticas com que o presidente eleito está organizando seu ministério.
Malu Gaspar - Um museu de grandes novidades
O Globo
Durante a campanha, sempre que buscou
aplacar as incertezas sobre os rumos da economia ou de áreas estratégicas num
eventual terceiro mandato, Lula recorreu
à mesma explicação:
— Eu não preciso ficar prestando contas
porque as pessoas me conhecem —dizia. — O que eu tenho é o legado de oito anos
de Presidência da República.
Era uma forma de driblar a pergunta que
todos queriam ver respondida: qual Lula governaria. Se o do primeiro mandato,
que seguiu à risca mandamentos de austeridade fiscal e acomodou técnicos
liberais, ou o do segundo, que privilegiou a expansão de gastos e subsídios
fiscais numa equipe dominada por economistas heterodoxos.
As dúvidas não se restringiam à economia.
Muita gente se perguntava se Lula estaria disposto a ampliar seu arco de
alianças para além do PT, mais especialmente do núcleo duro que o apoiou nos
tempos da prisão em Curitiba. Outra questão que pairava era se Lula não faria
um governo de vingança — não só contra os algozes do Ministério Público e da
Justiça, mas também contra “inimigos” como o agronegócio, o mercado financeiro
e o que petistas costumavam chamar de “imprensa golpista”.
Em resposta, Lula mais de uma vez disse que
não faria um governo de revanches e repetiu ad nauseam que precisaria formar
uma frente ampla para vencer o bolsonarismo e consolidar a democracia:
— Não será um governo do PT — afirmou. — Tem muita gente que nunca foi do PT e participou do meu governo, e vai ser assim.
Míriam Leitão - Erros alheios e novos equívocos de Lula
O Globo
Presidente eleito conseguiu o que precisava
para governar, agora terá que nomear um ministério mais diverso e identificar
cortes de despesas
O Brasil vive um tempo espantoso. O
fantasma silente de um governo morto tem o comando de todos os órgãos e
símbolos de poder, mas não governa. Do futuro governo, tudo é cobrado antes da
posse. Para garantir sua inauguração, o presidente Lula teve
que conquistar o direito de ter um orçamento, a ser votado hoje
“impreterivelmente”, como me disse o relator, mas antes foi necessário aprovar
uma mudança constitucional que garantisse recursos. Um espectro ronda Brasília
querendo assombrar vencedores que se preparam para as comemorações.
A votação da PEC garantiu a Lula os recursos para recompor despesas, a licença para acabar com o teto por lei complementar. E deu ao governo findo o direito de encerrar suas contas. Porque é fundamental entender que Bolsonaro não fecharia suas contas sem o socorro da PEC que Lula negociou. Esse começo tem sido complexo. Por isso, repetir que Lula precisou da PEC para cumprir as suas promessas de campanha ou chamá-la de “PEC da gastança” não é definição nem explicação correta. Ele precisou disso para ter as condições de administrar o país deixado à deriva por Bolsonaro que, na prática, renunciou ao resto do mandato ao perder a eleição. Dos atos de Bolsonaro só se tem notícia de tentativas de proteger alguns apaniguados, e o último tiro que ele reservou para disparar contra os indígenas.
Cristiano Romero - Mitos e inverdades sobre o Estado no Brasil
Valor Econômico
Constituição de 1988 acabou com “muito
Brasília e pouco Brasil”
A visão de que Brasília, como sede do poder
e, portanto, da burocracia estatal, impede o progresso do país é similar e tão
perigosa quanto a de que o Congresso Nacional é povoado por políticos
corruptos. Não é coincidência o fato de que, quando essas percepções escalam na
opinião pública, a democracia seja colocada em xeque. Casos de corrupção
envolvendo protagonistas políticos são a justificativa usada por grupos da
sociedade que ainda veem a democracia como um aborrecimento.
No livro “A construção de um Estado para o século XXI” (Cobogó, 2022), Francisco Gaetani e Miguel Lago explicitam velhos e conhecidos problemas do serviço público, mas são iconoclastas ao derrubarem mitos que predominam na maneira como parte da sociedade vê o Estado brasileiro. Didática, a obra é desprovida de “economês” (dialeto criado por economistas que consideram o conhecimento da Economia um recurso de poder extraordinário que os coloca numa categoria acima das dos demais cidadãos) e trata os temas de maneira profunda.
Carlos Melo* - Lula III: ‘De volta para o Futuro’
Valor Econômico
O desafio é religar o passado às urgências
contemporâneas
Presidentes da República que compreenderam
as circunstâncias com que foram confrontados conquistaram reconhecimento da história.
Com José Sarney, foi a democracia: entregou ao país uma nova Constituição e
eleições diretas. Itamar Franco enfrentou a inflação. Mentor do Real, FHC
consolidou a estabilidade da moeda. Luiz Inácio Lula da Silva pôde avançar
enfrentando a pobreza e a fome. Michel Temer administrou o colapso até a
eleição de 2018.
Fernando Collor de Mello, Dilma Rousseff e
Jair Bolsonaro não souberam interpretar seu tempo. O presidencialismo imperial
de Collor resultou no impeachment de 1992; a tecnocracia desenvolvimentista,
amiga do patrimonialismo, levou Dilma ao seu, em 2016.
Bolsonaro agarrou-se ao mandato, aliando-se
ao fisiologismo mais explícito da história. Mas comprometeu o processo
político, econômico e institucional do país acumulado desde 1985.
Presidente do negacionismo - científico, democrático e institucional -, alimentou a voracidade fisiológica do Centrão, comprometeu políticas públicas, a saúde fiscal e a imagem internacional do país; usou e abusou de recursos públicos, da máquina administrativa e do poder econômico.
César Felício - Decisão do STF sobre orçamento secreto foi determinante
Valor Econômico
Petista poderá exceder o teto de gastos em
montante muito acima do imprescindível para atender a algumas promessas de
campanha
A um custo baixo, o presidente
eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, deve conseguir
quase tudo que pediu ao Congresso. Como ele mesmo adorava dizer em
seu primeiro mandato, nunca antes na história deste país um futuro governante
consegue aprovar uma medida econômica antes de tomar posse e em minoria
congressual.
O petista poderá exceder o teto de gastos em montante muito acima do imprescindível para atender a algumas promessas de campanha e poderá substituir o limite constitucional por nova âncora fiscal definida por lei complementar. Na prática, conseguiu a revogação condicionada do teto de gastos.
William Waack – O horizonte da barganhas
O Estado de S. Paulo.
‘Caridade política’ de se ocupar 37 ministérios não é um plano de governo
Jair Bolsonaro e Arthur Lira estão no topo
da lista de personagens políticos nos quais o STF “aplicou freios”. Enquanto
Bolsonaro era considerado por integrantes do STF como “um louco” capaz de
irresponsabilidades, Lira “a gente sabe quem é e dispensa apresentações”. Capaz
de qualquer coisa para satisfazer a voracidade fisiológica.
Ao frear Lira e favorecer Lula o STF
inaugurou uma nova fase nas barganhas políticas. Seus integrantes paralisaram
um julgamento, envolveram-se numa negociação direta com o Legislativo sobre os
termos de uma peça (que o Supremo acabou rejeitando) e desembocaram numa ação
coordenada para livrar o presidente eleito de um presidente da Câmara
praticando o que parecia ser um tipo de extorsão.
O resultado é um alívio temporário e um mal-estar generalizado. A “institucionalidade” hoje se traduz numa inversão de sinais: o Executivo se sentia sob Bolsonaro como refém do Supremo. Hoje está sendo protegido, mas não é o tipo de “guarda-chuva” que proporcione a Lula vida fácil com o Legislativo. Mesmo com o freio aplicado a Lira, que o atribui a Lula.
Celso Ming - Novas negociações de Lula com o Congresso
O Estado de S. Paulo.
Foi surpreendente o protagonismo político
do governo eleito, que sustentou negociações aguerridas com o Congresso e com o
Supremo Tribunal Federal (STF) semanas antes de sua posse.
Foi o que possibilitou a aprovação da PEC
da Transição, que garantiu recursos de R$ 145 bilhões fora do teto de gastos. É
operação que, entre outros objetivos, se destina a bancar o Auxílio Brasil de
R$ 600 mensais por família carente – que voltará a se chamar Bolsa Família.
Ao longo de 2023, o novo governo Lula terá
de negociar com um Congresso potencialmente hostil outras cinco matérias de
grande envergadura.
A primeira delas é o projeto que altera a Lei das Estatais. Na calada da noite e sem discussões, a Câmara dos Deputados aprovou a redução de 3 anos para 30 dias da quarentena que indicados com participação em campanhas eleitorais têm de observar para assumir a diretoria de empresas públicas. O projeto de lei já encaminhado para o Senado abriria centenas de cargos novos para políticos e escancararia as portas para exercícios patrimonialistas nas três esferas da administração. É possível que o Senado reverta parte dessa nova tentativa de multiplicar cabides de empregos no setor público.
José Serra* - Lula prometeu pacificar o País
O Estado de S. Paulo.
Tentativas deliberadas de perpetuar a polarização, de atacar o candidato derrotado, são inconsequentes e arriscadas. E traem sua valiosa promessa
Estamos a dois dias do Natal e a pouco mais
de uma semana do ano-novo. O Natal traz esperança e exorta todos a exercerem a
fraternidade. Mas a fraternidade exige a adesão deliberada de cada um e reflete
as condições sociais e morais das nações. Entre essas condições, o ambiente
político do País exerce papel preponderante, e essa é a razão do pessimismo que
pode prevalecer na expectativa do próximo ano novo, por oposição ao otimismo
que o Natal provoca.
O otimismo está no fato de que a democracia representativa, posta em risco nestas eleições, prevaleceu sobre todas as tentativas de violar o voto livre e secreto dos cidadãos. A natureza tem-nos favorecido e, graças à qualidade da inovação científica e tecnológica de nossa agricultura, desfrutamos de plenas condições de segurança alimentar. Nossa base industrial tem sofrido com os equívocos das políticas econômicas adotadas nas duas últimas décadas, mas as expectativas são de que o investimento no Brasil pode voltar a ser atraente se o futuro governo tomar as decisões necessárias para garantir sua credibilidade. Em que pese a insuficiência de nossa base tecnológica, em razão da falta de formação profissional pós-ensino médio, temos um corpo de profissionais com extensa experiência de gestão pública e privada, e com disposição para colaborar numa empreitada de reerguer o País.
Maria Hermínia Tavares* - O desafio de inovar
Folha de S. Paulo
Melhorar a proteção social requer coragem
para fugir de caminhos fáceis
Não faltam desafios ao governo que se
inicia com o novo ano. O primeiro é traduzir em políticas inovadoras e
financeiramente sustentáveis o compromisso com o eleitorado pobre —ou quase
isso— que lhe deu a apertada vitória. Garantir que receba em janeiro uma Bolsa Família vitaminada será sinal da
intenção de cumprir o prometido.
Em um país com tanta pobreza, programas de transferência de renda —como aquele— são o primeiro andar imprescindível de qualquer sistema de proteção social esperável de governos progressistas. O edifício completo, porém, requer Previdência digna, saúde pública —com um SUS robusto e saneamento universalizado— educação com qualidade aceitável e justiça climática.
Bruno Boghossian - A guilhotina do Google
Folha de S. Paulo
Definição da equipe de Lula tem nomes com
problemas no currículo e fogo amigo
Faltou dar um Google no nome de Edmar
Moreira Camata. Escolhido para chefiar a Polícia Rodoviária Federal a partir de
janeiro, ele foi o primeiro
integrante do novo governo a cair, 24 horas depois de ser anunciado para o
cargo. A equipe de Lula descobriu tarde que o servidor era um fã da Lava Jato e
havia comemorado
a prisão do petista em 2018.
O lavajatismo é considerado pelos lulistas um pecado capital. A PRF é reconhecidamente uma instituição contaminada por bolsonaristas e antipetistas em geral. A escolha errada para o comando de um órgão sensível sugere que ainda há potenciais bombas e uma dose de descuido no caminho da montagem do governo.
O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões
PEC da Transição é resposta errada a desafio fiscal e social
O Globo
Solução pode ter deixado o novo governo e
parlamentares satisfeitos, mas está longe do que o Brasil precisa
A aprovação
ontem na Câmara da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da
Transição logrou a proeza de satisfazer ao novo governo, aos parlamentares e
até ao mercado financeiro. Infelizmente, ela é uma resposta muito longe de
satisfatória aos desafios impostos pela crise fiscal e pelas demandas sociais.
Trata-se de uma PEC desnecessária, perdulária e conceitualmente equivocada.
A alegria da equipe que subirá a rampa do Palácio do Planalto vem da licença para gastar em 2023 mais R$ 168 bilhões além do previsto na proposta orçamentária original. A felicidade dos parlamentares, da adição de R$ 9,7 bilhões às emendas individuais, quase dobrando a cota que cada um tem direito de enviar a seus projetos de estimação. O respiro do mercado, do alívio porque a gastança poderia ser pior, mas a Câmara reduziu a apenas um ano o estouro autorizado no teto de gastos.