terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Reflexão do dia – Alon Feuerwerker

Passada a lua de mel, passado o período das obrigatórias palavras doces, vamos ver como Dilma vai reagir às primeiras críticas, aos primeiros solavancos. O antecessor desenvolveu uma tecnologia bem própria, simples e eficaz. Quem o criticava era porque: 1) não gostava de pobre; 2) era bajulador dos americanos; ou 3) tinha inveja do "torneiro mecânico que fez mais do que os doutores”. Ou todas as coisas juntas. E foi com essa conversa até o fim. Na teoria, bastaria mudar o trecho entre aspas para “mulher que fez mais do que os homens”. Será? Vamos esperar para ver como a banda toca.


FEUERWERKER, ALON. Nas entrelinhas. Correio Braziliense, Brasília, 2/1/2010.

Sinais de vida:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O fato de a presidente (a) Dilma Rousseff ter praticamente repetido na posse as mesmas linhas daquele discurso que fez quando foi eleita em outubro, muito mais do que significar falta de imaginação política, demonstra, sobretudo, coerência e persistência, virtudes mais importantes para uma tentativa de prospecção do que poderá vir a ser o seu governo, marcado pela continuidade, mas também pela necessidade de mudar rumos e conceitos sob a sombra de um Lula que se recusa a sair de cena.

A visão dela de como governar, as primeiras decisões tomadas, de privatizar os aeroportos, de conter gastos, vão no caminho do que o Brasil precisa.

A maioria dos ministros que assumiram seus cargos, mesmo os que continuaram no governo, deu informações importantes sobre como agirão, algumas diametralmente opostas ao que estava sendo feito anteriormente. Fazer mais com menos, na definição da nova ministra do Planejamento, Miriam Belchior.

Os arroubos ideológicos de alguns, mesmo os de Dilma, idealizando sua participação na luta armada, e a prática continuada de criar uma mitologia em torno de Lula não têm importância se não passarem mesmo disso.

O início está dentro do que se poderia esperar de melhor de um governo nascido da continuidade, mas que terá de consertar muita coisa que foi feita de maneira errada no governo anterior, mas sem dizer que está fazendo isso, ou fazer coisas que não foram feitas.

A inflação, por exemplo, requer medidas rápidas e enérgicas, pois começa a se mostrar fora de controle. O IGP-M perto de 12% ao ano é uma péssima indicação.

Além do constrangimento natural diante do líder máximo que é Lula - sobre quem o ministro Gilberto Carvalho disse ser capaz de morrer por ele, num arroubo místico impressionante, e que diz muito do lulismo como seita -, há o fato concreto de que muito do rombo nas contas públicas dos últimos meses, especialmente no último ano de governo, foi feito justamente para eleger Dilma.

A promessa de desoneração da folha de pagamento, para combater a informalidade, é importantíssima para a economia privada brasileira.

Também é fato auspicioso a presidente (a) retomar os compromissos com as reformas estruturantes do país, que Lula desistiu de fazer para não entrar em choque com as corporações.

A mudança no sistema previdenciário público, conseguida logo no início do governo à custa de muitas batalhas políticas no Congresso em que teve o PT contra si e a oposição a favor, não foi regulamentada justamente para não aumentar o passivo de Lula diante do funcionalismo público e do sindicalismo, que viriam a tomar conta de seu governo.

Até hoje não regulamentada, este é um bom começo se Dilma realmente quiser retomar o caminho das reformas, sem o que os avanços sociais alcançados ficarão permanentemente dependentes da capacidade do governo de distribuir benesses, o que, já se sabe, tem prazo de validade.

Já temos também boas indicações de como será o modo de operar da nova presidente (a): ela dá metas, dá prazos. É mais difícil governar assim do que como Lula governou, na base do discurso e do falatório.

Isso, Dilma não tem capacidade de fazer, não tem o dom da oratória popular. Vai ter que mostrar avanços concretos para manter apoio político com tantas medidas impopulares que terá que adotar.

Como o PT já se acostumou, campanha política é uma coisa e governo é outra, maneira cínica de fazer política definida pelo petista José Genoino como "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa", versão pós-moderna da frase do jogador Didi "Jogo é jogo, treino é treino".

As críticas ao PSDB de que iria privatizar tudo já não valem mais nada, portanto, e o governo vai ter que privatizar os aeroportos porque não tem dinheiro para realizar as obras necessárias à viabilização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas em 2016.

A mesma coisa em relação ao corte de gastos. A candidata Dilma disse na campanha que o país não precisava de ajuste fiscal, mas a presidente (a) Dilma sabe que não pode brincar com a inflação em alta.

Desde que foi eleita, a presidente (a) Dilma vem adotando perfil sóbrio, que não condiz com sua trajetória na burocracia estatal, plena de episódios de arroubos verbais e agressividade no processo decisório.

Assim como tivemos diversos relatos sobre reações da ministra Dilma entre quatro paredes - a mais famosa delas, a de que fez chorar de raiva e humilhação o presidente da Petrobras José Gabrielli -, teremos em breve outros, desta vez de dentro do gabinete presidencial.

Essa sobriedade provavelmente está servindo para preservar a relação com Lula, que terminou os oito anos de mandato em ritmo acelerado e ainda não conseguiu desencarnar da Presidência.

Até o último momento ele deu instruções aos seus ministros que permaneceram no governo, e chegou a cobrar deles que não "afinassem" quando chegar a hora de tratar de um tema que lhe tem sido prioritário nos últimos meses, o controle dos meios de comunicação, que um projeto de lei preparado em seu governo pretende atingir sob a alegação de que é necessário "regulamentar" a atuação dos novos meios tecnológicos e compatibilizá-los com os já existentes.

Ao chegar a São Bernardo de volta, já como ex-presidente, Lula não perdeu a oportunidade do palanque armado em frente a sua casa para reforçar o seu discurso político, colocando-se em defesa do seu povo contra as elites do país, parecendo já em posição de dar início a mais uma das ininterruptas campanhas políticas a que se dedica desde sempre, desta vez com vistas a se preparar para 2014, quanto mais não seja para manter a expectativa de poder em torno dele.

Sem conseguir se retirar do palco político, Lula já ameaça retomar as caravanas pelo país, e há um movimento entre governadores para convidá-lo a inaugurações de obras que tenham se iniciado em seu governo.

Se se confirmar essa manobra, a mais efetiva e explosiva de muitas que já se imaginou para a atuação de Lula pós-governo, teremos um choque de interesses entre a presidente (a) de direito e o presidente "in pectoris" de petistas e seguidores diversos, o que, dependendo da reação da presidente (a), estabelecerá uma instabilidade política no país.

Para que servem as mãos:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Carece ainda de esclarecimento o real significado da política de "mãos estendidas" à oposição propugnada pela presidente Dilma Rousseff em seu discurso de posse e defendida pelo ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio, encarregado de administrar o equilíbrio ecológico entre as forças políticas representadas no Congresso.

A expressão "mãos estendidas" adquiriu notoriedade política na fase final da ditadura como expressão da disposição dos militares em abrir diálogo com a oposição para negociar a distensão do regime.

Hoje soa um tanto démodé, ganha um sentido algo majestático, arrogante mesmo. Como se a atividade política dos oposicionistas dependesse das concessões que lhes estivessem dispostos a fazer os governistas estendendo o braço, na realidade, para o beija-mão.

Escapa à naturalidade do contraditório democrático um governante receber elogios por expressar inclinação ao diálogo com os opositores. Bem como é sinal de que alguma coisa não funciona bem quando há a necessidade de esse mesmo governante comunicar à nação que não tem compromisso com ilegalidades.

Como disse a própria Dilma às milhares de pessoas que a saudavam na Praça dos Três Poderes logo após a transmissão da faixa presidencial, é o embate civilizado que move as democracias.

E tal embate decorre exatamente do exercício normal do conflito de concepções político-administrativas e, em períodos eleitorais, da disputa pelo poder.

No contexto atual, em que não é preciso o governo fazer concessões à oposição, a política de "mãos estendidas" só pode ser entendida como uma tentativa do governo de neutralizar a oposição em seu ofício (conferido pelas urnas) de se contrapor conferindo por antecipação ao contraditório o sentido de intransigência e de recusa ao diálogo proposto.

É papel do governo, claro, tentar conviver com uma oposição o mais amena possível. Mas é a oposição quem decide sobre o próprio rumo, tendo em vista o conteúdo das ações do governo e o próximo embate eleitoral.

Nesse aspecto, o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, deu sua versão das "mãos estendidas", numa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo de ontem: "Estou dizendo à oposição para que não se agite demais. Temos uma carga pesada. Não brinca muito que a gente traz", disse ele avisando que o governo "tem o Pelé no banco de reservas".

Isso no primeiro dia de governo. A quatro anos da eleição presidencial, o aviso é claro: aquietem-se, pois se não se comportarem Lula vem aí.

Cabe à oposição resolver se faz o que lhe dita o governo ou se atua conforme os ditames do marco democrático.

Condições objetivas. A nova titular da pasta dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, tem razão quando diz que o reconhecimento das responsabilidades do Estado pelas violações dos direitos humanos durante o regime militar não significa atitude de revanche com as Forças Armadas.

Mas não aborda o tema do modo mais correto quando pede que o Congresso aprove a criação da Comissão da Verdade sem estabelecer quais seriam exatamente as funções de tal instância.

Se a ideia continuar sendo a de punir crimes cometidos durante a ditadura, Rosário precisará fazer mais que apelos ao Congresso. Precisará propor claramente a revisão da Lei de Anistia aprovada há três décadas por força de um pacto entre governo e oposição.

Se não for assim, a proposta não adquire condições objetivas para sua execução e fica parecendo um mero aceno à esquerda sem substância efetiva.

Em sua última decisão a respeito, o Supremo Tribunal Federal deixou bem claro que não tem autoridade institucional para rever a legislação em vigor.

Intenção e gesto. A promessa da presidente no discurso de posse no Congresso, de ser rígida com a corrupção, contrasta com a calorosa recepção dada à ex-assessora e sucessora na Casa Civil, Erenice Guerra, na solenidade no Palácio do Planalto.

Os anéis já se foram...:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Surpresa! O governo Dilma Rousseff nem bem começou, e o PMDB já dá trabalho e faz beicinho. Antes, o problema era espaço nas campanhas. Depois, a disputa acirrada pelos ministérios. Agora, a pancadaria pelos cargos de segundo escalão: Correios, Funasa...

Em fevereiro do ano passado, Michel Temer ameaçou não botar os pés no congresso do PT para o pré-lançamento da chapa com Dilma, em desagravo a Hélio Costa (MG), Geddel Vieira Lima (BA) e Jader Barbalho (PA), que estavam às turras com os petistas nos Estados.

Foi preciso muito telefonema, muita lábia e muito carinho para convencer Temer, que afinal acabou indo e cumprindo o seu papel no script da festa, feliz da vida.

Quase um ano depois, com os dois partidos vitoriosos, a cúpula do PMDB não só ameaçou como efetivamente não apareceu nas posses de Luiz Sérgio como ministro das Relações Institucionais e de Alexandre Padilha (antecessor dele) como ministro da Saúde.

Luiz Sérgio é o homem de Dilma para o varejo do Congresso, onde serão votados logo, logo, o novo salário mínimo, o aumento do Judiciário e a Comissão da Verdade, para julgar crimes da ditadura. E Padilha saiu das Relações Institucionais para "roubar" um cargo que era da cota do PMDB com Lula.

A gente já sabe, mas não custa repetir, que a turma dos ausentes de ontem não brinca em serviço: José Sarney, Renan Calheiros, Jader Barbalho, Romero Jucá, Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves. Cada um tentará dar uma boa desculpa, mas a falta coletiva diz tudo.

O PMDB foi importante para a montagem da campanha, a ramificação dos palanques, o tempo na TV e a própria vitória de Dilma, mesmo com o fator decisivo que foi Lula. Isso tudo tem preço. Principalmente se a guerra continua nas votações no Congresso.

Dilma já deu as alianças para Temer e os anéis dos ministérios para o PMDB.

Cuidado com os dedos!

Primeiros sinais:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O novo governo começa cercado das mesmas dúvidas que circulam a presidente desde a campanha: como a nova governante pretende cortar gastos e ampliar investimentos e benefícios sociais? Como pretende ser um exemplo de crescimento acelerado com proteção ao meio ambiente com tantas obras na Amazônia? Como manter a coalizão política se ela já está conflagrada?

O PT e o PMDB brigam pelos cargos no segundo escalão, à luz do dia, com ameaças e ultimatos. Quem pacificará essa briga? Será o habilidoso e experiente ministro Antonio Palocci ou o inexpressivo indicado de José Dirceu, ministro Luiz Sérgio? Na posse, Palocci disse que a bola é de Luiz Sérgio, de quem seria um mero ajudante. Na posse de Luiz Sérgio, o PMDB não foi, numa demonstração visível de que o "dono da bola" não está com essa bola toda.

Nunca se viu um esforço tão explícito como o do ministro-chefe da Casa Civil para encurtar o alcance do próprio cargo. O Ministério de Palocci perdeu adereços como o PAC, o Minha Casa, Minha Vida, a Secretaria de Administração, o Sistema de Defesa da Amazônia, o Arquivo Nacional. Mas será difícil perder a majestade. Na campanha, quando rebatia a acusação de inexperiência na política, a ex-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff dizia que havia ocupado o segundo cargo mais importante do governo. A tentativa de Palocci de reduzir a visibilidade do posto e já avisar aos jornalistas que dará raras entrevistas - uma pena, ele sempre foi bom comunicador - é o temor de que seu crescimento atice o fogo amigo. Fica também essa dúvida: o PT continuará sua guerra de facções que imobiliza o governo e fere seus melhores quadros?

O novo governo começa com a indigesta tarefa de sempre: cortar gastos, rever orçamentos, fazer um ajuste que passe sinais de que o setor público não continuará jogando lenha na fogueira da inflação. Isso talvez reduza a pressão inflacionária. A taxa anualizada deve cair porque nos primeiros meses de 2010 os índices foram muito altos. Quando saírem esses números da conta, a taxa em 12 meses pode cair. Mas no segundo trimestre o efeito será o contrário, porque no ano passado as taxas de abril, maio e junho ficaram perto de zero. O mais importante é o futuro. A tendência de aceleração que se vê nos IGPs, em 11% nos preços de alimentos e de serviços, é assustadora. O Banco Central tem um encontro marcado com o dilema de subir ou não os juros no próximo dia 19. Se até lá vier um sinal fiscal forte que compense a baixa credibilidade nessa área do ministro Guido Mantega - o mesmo que fez manobras fiscais e dizia que não era necessário ajuste fiscal - a alta dos juros poderá ser no mínimo adiada.

A ministra Tereza Campelo disse que virá em breve o reajuste do Bolsa Família. Isso é coerente com o que a presidente Dilma disse ser a maior das suas prioridades: erradicar a pobreza extrema. Pela linha atual, a pobreza extrema é definida como a situação da família que tem uma renda mensal per capita de até R$70. O Bolsa Família sempre será instrumento para este resgate. Não pode ser o único e precisa ser aperfeiçoado. A política já mostrou que tem defeitos. Uma versão 2.0 do Bolsa Família teria que apertar o rigor da contrapartida educacional das famílias, estimular a ambição de melhoria de vida e conquista de renda através de emprego, microcrédito, qualificação, em vez de incentivar a acomodada espera do dinheiro mensal. É a isso que os especialistas em políticas públicas se referem quando falam da porta de saída. A rede de proteção social também precisa ser impulso de ascensão, o que é impossível fazer sem uma educação de qualidade.

O ministro José Eduardo Cardozo disse que a ação no Complexo do Alemão será modelo para todo o país. Se ele estiver se referindo à cooperação entre forças estaduais e federais no combate ao tráfico de drogas está certo, se está falando de ocupação de áreas urbanas pelas Forças Armadas não faz sentido. Não é comum, fora do Rio, haver controle territorial pelos criminosos. O Rio nisso é muito específico.

O ministro Paulo Bernardo disse que as empresas têm obrigação de prover internet popular, em vez de ficar apenas oferecendo serviços caros para quem pode pagar. Ele tem razão, mas isso não se faz por ordem ministerial, mas sim através de duas ferramentas: uma boa regulação que estipule obrigações para as operadoras, e o uso dos recursos que estão no Fundo de Universalização das Telecomunicações, criado na época da privatização e já gordo com os depósitos feitos por taxas pagas pelos usuários.

A política externa vai passar por uma mudança? Há uma ponta de esperança na declaração da presidente Dilma quando disse que a defesa dos direitos humanos é uma das bases tradicionais da nossa diplomacia. Como o Brasil se omitiu recentemente nas condenações na ONU às violações de direitos humanos no Sudão, Irã, Miammar, espera-se que não se omita mais. O ex-ministro Celso Amorim definiu sua política como "altiva", como se ele tivesse inaugurado a altivez, que sempre foi a marca registrada da nossa diplomacia desde Rio Branco. A frase, que ele repetiu, de que o governo Lula "não falou fino com poderosos e grosso com os fracos" deveria ser esquecida. Mulheres têm voz mais fina que a dos homens. É da natureza das cordas vocais. Ruim é a ideia de que voz fina é subserviência.

Presidente de todos, sob ênfase e emoção:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Enquanto a presidente Dilma Rousseff precisou apenas dos 40 minutos necessários à leitura do discurso de posse para desanuviar as apreensões deixadas pela campanha eleitoral, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pede vinte dias para se recompor aos próprios olhos. Avalia suficientes três semanas, em algum lugar de que não fará segredo, para definir sua participação na vida brasileira, certamente no vazio que não acredita ter deixado, mas que já está sendo reanimado pela lufada de democracia com que as circunstâncias reforçam o espaço de confiança, dilapidado por ele.

Lula não precisará de mais do que 48 horas fora do poder para entender o que não podia alcançar enquanto se sentia absoluto no espaço nacional, depois da lição com que Dilma Rousseff se declarou, sem maior ênfase mas com emoção, “a presidente de todos os brasileiros” (sem abrir mão da autoridade advinda das urnas). Valeu-se da mesma naturalidade do presidente Eurico Dutra ao tomar posse em janeiro de 1946, depois de 15 anos sem eleição direta e oito do regime autoritário do Estado Novo, que inaugurou a modernidade com o sacrifício das liberdades.

O prazo pedido pelo ex-presidente pode, porém, ser insuficiente para refazer o equilíbrio emocional de quem não estava em condições de governar sem se ter preparado (e, ao sair, ser contemplado com a sorte grande da opinião popular). Percebeu-se em Lula o desagrado de estar vivendo a atropelada seqüência final de um governo que não conseguiu levar a termo as obras que prometia e esquecia. A emoção vazada em lágrimas dizia mais do que a franqueza de insistir na obsessão de voltar, assim que possível, à frente de todas as razões que enfeitaram seus dois mandatos com a confiança que ele próprio dissipou no final. As ameaças de botar a banda sindical na rua não constavam em pos-escrito na carta aos brasileiros datada de 2002.

A presidente Dilma entendeu que “Lula mudou a forma de governar” e o enquadrou num padrão de popularidade que pode ser sincero mas não deixa de ser político, em relação à perigosa desconfiança social em processo de formação natural. O populismo de Lula é, etimologicamente, democrático, mas sem garantia de controle político. Nas conseqüências da primeira guerra mundial, a Europa conheceu o potencial da direita fundada sobre o apoio popular organizado. As variações mais à esquerda (sem disfarçar o conteúdo de direita) não mudam o teor político do perigo latente em soluções rotuladas de sociais. Pois Lula conseguiu romper com êxito a questão social no Brasil, já na casa de dezenas de milhões, sem exceder os limites legais da ação política.
Até quando Lula resistirá à tentação do poder, se os fatos não se encaminharem na direção presumida a seu favor? Desde antes de ser levado às ruas, o processo eleitoral manteve sob controle a questão social subjacente. Lula converteu a confiança política em votos e manteve, pessoalmente, o controle. Mas deixou à vista a possibilidade de fazer dele uso extra-eleitoral.

Não por acaso, Dilma destacou a prioridade de reduzir a extensão da “pobreza extrema” como seqüência natural de governo.

Assim como a eleição de Lula foi o resultado de um pacto informal expresso, unilateralmente, na carta aos brasileiros em 2002, a hipótese de insucesso eleitoral o levou a desequilibrar-se, verbal e emocionalmente, de maneira inesperada. Não foi um bom sinal. Nem um bom final.

O curso dessa linha oblíqua pode ser desativado se as palavras da presidente Dilma Rousseff dissiparem o efeito final do sombrio quadro no qual o ex-presidente acabou falando sozinho, mas com o registro de 87% de aceitação popular. É aí que mora a imprevisibilidade, da qual Dilma Rousseff será vizinha.

O fim das coligações proporcionais::José Rollemberg Leite Neto

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A cada eleição é assim: um candidato elege-se parlamentar com um número inacreditável de votos. Graças à confusa legislação eleitoral, leva consigo nomes pouco votados para o Parlamento. Gente bem votada reclama que não foi eleita, embora ostentando mais sufrágios que os vencedores. O povo não entende o mecanismo que gera essa situação. Surgem os protestos e o sistema proporcional é posto em xeque.

Enéas Carneiro, anos atrás, tornou viável que personagens desconhecidos tivessem assento na Câmara dos Deputados. Desta vez foi Francisco Everardo Oliveira Silva, o palhaço Tiririca, cuja avassaladora votação permitiu a eleição de candidatos até conhecidos, mas que não se elegeriam apenas com os sufrágios próprios. A ideia que se fixou foi a de que políticos sem voto usaram um artista para atrair o eleitorado, enganando-o. Usaram as regras do jogo eleitoral para alcançar um resultado politicamente fraudulento.

Apesar disso, o mecanismo de eleição proporcional, consagrado pela Constituição de 1988, é bom. Baseia-se na premissa de que as diversas correntes de pensamento têm o direito de participar da composição dos Parlamentos. Quando calibrado, tende a fortalecer os partidos.

O sistema distrital, apontado como alternativa ao proporcional, é, a rigor, um modo majoritário de escolha. Se adotado, nas atuais circunscrições - os Estados e os Municípios - seriam feitos cortes que traduziriam as frações correspondentes aos distritos. Estes seriam tantos quantas fossem as cadeiras para o Legislativo. Neles o candidato mais votado seria eleito e representaria a comunidade respectiva. Em tal mecânica, os políticos pesam mais que os seus grêmios partidários.

É um modo interessante de seleção das cadeiras, aparentemente simples. Tem, todavia, as suas objeções. O corte dos distritos seria uma operação que exigiria remanejamento a cada censo populacional, já que as proporções de eleitores dentro de uma mesma cidade ou de um mesmo Estado variariam conforme a mobilidade e o crescimento demográficos. O risco de tal engenharia produzir distorções é grande. O desenho distrital poderia ser deliberadamente manipulado (gerrymandering).

Além disso, a má distribuição de cadeiras, já evidente, seria acentuada. Um distrito em São Paulo deixaria ainda mais óbvia a sua desproporção em relação à dimensão de um equivalente em Roraima (malapportionment).

Imagine-se, ainda, que num determinado Estado, que elege oito deputados federais, um partido tenha 35% do eleitorado. Isso o faria ter direito a pelo menos duas cadeiras, no sistema proporcional. Nos distritos, no entanto, uma média de tal ordem poderia importar em derrota em todos eles.

Ademais, o debate nas eleições majoritárias tende a levar em consideração temas locais. Teses transcendentes de fronteiras regionais - como as de interesse de negros, índios, homossexuais, mulheres, aposentados, etc. - poderiam ficar sem representação, porque os votos distribuídos territorialmente, muitas vezes, não fariam as maiorias distritais.

Diante de tais críticas, alguns defendem o sistema distrital misto, praticado na Alemanha e no México. Uma metade dos eleitos seria escolhida majoritariamente e a outra, proporcionalmente. A opção, todavia, antes de solucionar, agravaria o problema. O pior de ambas as técnicas seria juntado.

Em razão de se disponibilizar metade das vagas para a eleição majoritária, os distritos teriam de ser grandes - o que elevaria o custo das campanhas, contrariando uma das principais bandeiras dos defensores do sistema distrital. De outro lado, a possibilidade de as minorias obterem representação diminuiria. Com metade das vagas disponíveis, seria mais difícil alcançar uma delas.

Tudo isso sem contar que, nas alternativas pensadas, a Constituição teria de ser alterada. A curto prazo, portanto, a manutenção do sistema proporcional impõe-se no Brasil.

Então, por que não aprimorá-lo? Antes de se pensar em listas fechadas, que retiram do eleitor a chance de escolher diretamente o seu representante, há coisas mais simples a cogitar. A extinção das coligações proporcionais, por exemplo. Ela pode ser feita mediante alteração legislativa ordinária. Ajudaria a diminuir a gravidade das mazelas do sistema político brasileiro.

De fato, embora referidas na Constituição, as coligações podem ser interpretadas como necessariamente majoritárias. Estas, sim, fazem sentido. Formar maioria exige alianças. As coligações proporcionais não têm nenhuma razão de ser. Sobretudo agora, depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar que o suplente do partido deve ser chamado a ocupar o assento do parlamentar que renunciou ou que foi convocado para um cargo público. A sucessão e a substituição dessa cadeira pertenciam à coligação, mas o STF mudou tal diretriz. Agora o mandato é sempre do partido.

A coligação proporcional é um artifício eleitoral insustentável racionalmente. Existe somente para as eleições. Em nada ajuda na governabilidade ou na sustentabilidade democrática. Sua extinção depuraria o sistema político brasileiro. Seria o fim das legendas de aluguel, desprovidas de conteúdo ideológico, que servem, basicamente, para majorar o tempo de rádio e TV para os partidos maiores e para albergar candidatos que só têm viabilidade no regime de coligações, pois não representam proposta alguma.

A extinção da coligação proporcional simplifica a lista dos beneficiários de cada voto. Sem coligações, o eleitor passa a votar num time que ele pode identificar. Será mais fácil ele perceber que, votando num Enéas ou Tiririca, corre o risco de eleger um colega de partido dele. Seria um progresso nada desprezível.

Advogado especialista em Direito Eleitoral, é membro da Comissão do Senado Federal para a elaboração do anteprojeto do novo Código Eleitoral

O lulismo e Lula - o legado::Daniel Aarão Reis

DEU EM O GLOBO

Os mandatos de Lula terminaram, resta saber se a Era Lula terá se encerrado com eles. Para responder é necessária uma avaliação do que o lulismo deixou de mais substantivo e duradouro, ou seja, o seu legado.

Trata-se de difícil questão, impossível encontrar um consenso. Basta ver os diversos balanços realizados. Com os mesmos dados houve hipóteses e conclusões diferentes, quando não antagônicas. Um fato inegável e teimoso é a aprovação de Lula ao fim de oito anos de governo. Uma das últimas pesquisas cravou uma popularidade de 87%, maior que os índices de Michelle Bachelet, no Chile (84%), e de Nelson Mandela, na África do Sul (82%), um recorde mundial.

Qual o significado histórico da façanha?

Desprezada a rabugenta e antidemocrática ideia, encontradiça em arraiais de direita e de esquerda, de que isso se deve à capacidade de manipulação do líder e à idiotice das pessoas comuns, cabe tentar compreender o fenômeno.

A reflexão sobre vultos da História nacional, como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, pode ser uma via para exercícios de comparação.

Getúlio Vargas liderou um processo que fez do Estado, sintonizado com as aspirações das classes mais dinâmicas do país, um fator maior de desenvolvimento e de reforma da sociedade. Arbitrava os conflitos e conciliava os interesses, o que pode ser feito pela força - inclusive recorrendo-se à tortura como política de Estado, como na ditadura do Estado Novo, entre 1937 e 1945 - ou pelo voto, quando Getúlio, em 1950, voltou ao poder "nos braços do povo".

Quando as contradições políticas e sociais se acirraram e não foi mais possível agradar a gregos e troianos, Getúlio, ameaçado em 1954, saiu da vida e entrou na História.

Mas seu legado, o nacional-estatismo, ficou, embalando os sonhos das principais vertentes das esquerdas (o trabalhismo e o comunismo) e inquietando as elites. Permanece até hoje: basta conferir a Constituição de 1988 e a campanha presidencial de 2010.

Já a reconstrução do período juscelinista tem percorrido caminhos sinuosos. Os contemporâneos tiveram dele uma visão crítica: o sucessor, Jânio Quadros, sufragado com votação consagradora, tinha como símbolo uma vassoura: era preciso varrer a sujeira - da inflação e dos escândalos - deixada pelo governo anterior.

Entretanto, a memória social reconstruiu JK com a marca do desenvolvimento a todo custo, traduzida no slogan de fazer o país crescer cinquenta anos em cinco. A construção de Brasília, uma cultura produtivista, a primeira Copa do Mundo, o sorriso otimista, a superação do "complexo de vira-latas", um país que acreditava em si mesmo.

Este é o legado de JK. Presente nos ímpetos desenvolvimentistas posteriores: dos anos de chumbo e de ouro da ditadura civil-militar ao PAC de Lula-Dilma - um país para a frente, deixando para trás o atraso, fazendo explodir os índices de crescimento. O resto que se danasse, ver-se-ia depois, quando baixasse a poeira das obras.

Nessa perspectiva de análise, qual terá sido o legado do lulismo?

Lula manteve o nacional-estatismo e a conciliação de interesses. Como Vargas, foi "pai dos pobres e mãe dos ricos". Também conservou a ânsia desenvolvimentista de JK.

Mas o que distingue o lulismo é a construção de uma sociedade inclusiva, a realização de melhorias graduais no quadro de uma cultura de diálogo, de debate, de barganhas. A negação simultânea da catástrofe revolucionária e do conservadorismo reacionário. Um reformismo moderado que opera mudanças por acúmulos sucessivos e progressivos.

Trata-se de uma outra cultura política. Sem descartar as anteriores, superpondo-se a elas, define uma configuração inovadora.

Embora possa se iludir a respeito, exercitando a elevada autoestima, Lula é mais criatura do que criador desta cultura. A rigor, ela foi forjada ao longo de décadas por uma pressão silenciosa e anônima por cidadania.

Quando se terá iniciado esta tendência longa e profunda? Difícil determinar um marco preciso, num percurso tortuoso e ziguezagueante. As origens mais remotas estão nas grandes lutas travadas no âmbito da república inaugurada com a deposição de Vargas, em 1945, e que conheceram momentos de radicalização entre 1961 e 1964. Abafadas pela ditadura, tais demandas renasceram em 1967-1968 para serem novamente derrotadas, mas não vencidas. Depois do namoro de grande parte da sociedade com a ditadura, reconstruíram-se no apagar das luzes desta, contribuindo para o seu fim, entre 1979 e 1981. E continuaram sendo nutridas pelos sucessivos governos democráticos até desabrocharem com grande vigor nos dois governos Lula que, nessa linha interpretativa, são muito mais expressão do que causa de todo o processo.

Eis o legado construtivo e positivo do lulismo: diálogo, inclusão, cidadania, ingredientes essenciais da democracia.

O paradoxal nisso tudo é que a maior ameaça a essa cultura pode vir do próprio Lula, porque ele não desapareceu. Sua sombra e o ativismo compulsivo podem se tornar pesados, uma vez que a líderes poderosos costumam corresponder sociedades obedientes e acríticas, ou seja, nada democráticas. Enquanto as figuras de Vargas e Juscelino podiam se avantajar sem questionar o legado das culturas políticas associadas a suas lideranças, o mesmo não ocorre com Lula e o lulismo.

De fato, a afirmação e a consolidação do que há de mais promissor no legado de Lula passa pelo enfraquecimento de sua avassaladora presença política, algo difícil de se imaginar, considerando-se as características, a trajetória e o vigor remanescente do Cara.

Caberá à sociedade brasileira lidar com a questão. Se conseguir bem fazê-lo, a democracia agradecerá. Se não conseguir, o melhor do legado lulista poderá se perder.

Daniel Aarão Reis é professor de História Contemporânea da UFF.

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MST perderá o comando de setores do Incra

DEU EM O GLOBO

Novo ministro de Desenvolvimento Agrário afirma que foco é tirar da extrema pobreza um milhão de famílias

Fábio Fabrini

BRASÍLIA. O novo ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, prometeu ontem que não vai nomear pessoas ligadas a qualquer entidade para as superintendências do Incra. Logo que foi confirmado no cargo, ele enfrentou resistências na coordenação nacional do Movimento dos Sem Terra (MST), que preferia o senador eleito e ex-governador do Piauí Wellington Dias (PT) no ministério.

- Não há obstáculo à interlocução com os movimentos, pelo contrário. Agora, a nomeação de gestor é prerrogativa exclusiva do ministro, e assim o farei - avisou Florence.

No governo Lula, diversas superintendências do Incra foram ocupadas por pessoas indicadas pelo MST ou outros movimentos que defendem a ocupação de terras para fins de reforma agrária.

Sobre as ocupações do MST, Florence diz que não é seu papel apoiá-las ou não:
- Papel do governo é executar política pública. Respeitamos a autonomia dos movimentos e faremos a reforma agrária na forma da lei.

Para Florence, desapropriação não é o único meio de reduzir concentração de terras:

- O acesso à terra não se faz só com desapropriação. Há um programa de crédito fundiário no ministério, há o programa Amazônia Legal, que foi iniciado e já obteve êxito em 2010. Temos várias áreas de implementação de acesso e buscaremos incrementar todas elas.

Florence não quis se comprometer com uma das bandeiras de sua pasta no governo Lula: a revisão dos índices de produtividade de terras, usados para a reforma agrária. Em sua primeira entrevista, ele evitou entrar em polêmica sobre o tema, potencial ponto de atrito com os movimentos sociais; disse que só se posicionará após o governo adotar discurso único a respeito:

- A revisão dos indicadores, assim como outras providências para modernizar o rural brasileiro, é de interesse do país. Assim que o governo tiver nova posição sobre esse assunto, nós a tornaremos pública.

Os índices em vigor atualmente são de 1975 e definem os parâmetros para classificar uma propriedade como produtiva. Em 35 anos, a evolução técnica elevou as condições de produtividade no meio rural, o que, para o ex-ministro Guilherme Cassel, que ontem passou o cargo a Florence, justifica a revisão. Ele assinou portaria com novos indicadores e a remeteu em agosto de 2009 ao Ministério da Agricultura, que resiste em ratificá-la.

Mesmo dizendo-se ministro de continuidade, Florence disse que ainda debaterá o tema com Dilma:
- A presidente nem bem tomou posse. Não vou começar a polemizar publicamente.

Embora Florence fale em consenso, o titular da Agricultura, Wagner Rossi, já avisou que é contra as mudanças e defendeu a extinção dos índices. Questionado sobre o embate, o ministro do Desenvolvimento Agrário não polemizou.

Diante de um auditório lotado, Florence disse que o foco do governo será tirar da extrema pobreza 1 milhão de famílias que sobrevivem da agricultura familiar. Para isso, pretende integrar sua pasta com as demais, sobretudo a de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, assumida por Tereza Campelo:
- Os números apontam que ainda temos 4,9 milhões de pessoas na extrema pobreza. A presidente Dilma acertou no combate à pobreza como prioridade.

Da cota do governador Jaques Wagner (PT-BA), que prestigiou a transmissão de cargo, Florence é deputado federal do PT e ocupava a Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia.

Dilma suspende distribuição de cargos por crise com PMDB

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

PMDB boicota PT, e Dilma aciona cúpula do partido

Por conta de disputa no segundo escalão, líderes peemedebistas não compareceram às posses de petistas, e José Sarney comandará reunião

Christiane Samarco, João Domingos e Marcelo de Moraes

Ante a revolta do PMDB por conta da disputa com o PT pelos cargos importantes do segundo escalão do governo federal, a presidente Dilma Rousseff decidiu acionar o presidente do Senado, José Sarney (AP), para tentar conter a rebelião no partido aliado. A revolta é tão grande que o PMDB boicotou ontem as cerimônias de transmissão de cargo dos ministros petistas.

Convocado por Dilma na emergência da disputa, Sarney marcou para hoje uma reunião em sua casa, a partir das 11 horas, com o vice-presidente da República, Michel Temer, os líderes na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), e no Senado, Renan Calheiros (AL), o presidente interino do partido, senador Valdir Raupp (RO), e líderes como o senador eleito Eunício de Oliveira (CE) e o deputado federal Eduardo Cunha (RJ).

Conselho. A disputa partidária foi discutida ontem na primeira reunião do Conselho Político no Planalto, convocada por Dilma. Em duas horas e meia de conversa, a presidente cobrou maior diálogo entre os partidos e priorizaram a questão econômica como principal tema de governo. Foi marcada para o dia 14 a primeira reunião ministerial. Ao final da reunião, o ministro de Relações Institucionais, Luiz Sérgio, minimizou a crise. "Com toda sinceridade, não estamos vendo o que alguns órgãos estão noticiando de crise. A relação com o PMDB está muito boa."

Da parte do governo, o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, está prometendo aos peemedebistas que, apesar da perda de cargos importantes, eles serão recompensados com outros de orçamentos semelhantes. O PT tomou do PMDB a Secretaria de Atenção à Saúde (orçamento de R$ 45 bilhões), os Correios (R$ 12 bilhões) e a Fundação Nacional da Saúde (Funasa, orçamento de R$ 5 bilhões).

"Tudo se resolverá no seu tempo e à sua maneira", disse Michel Temer a respeito da indignação do PMDB. "Vai depender de conversações, reuniões e postulações", afirmou ele, que ontem teve um encontro com Palocci. Temer tem procurado demonstrar que estará ao lado de Dilma, mas que não abandonará o seu partido. Tanto é que, em vez de renunciar à presidência do PMDB, ele apenas se licenciou do cargo por quatro meses. A direção do PMDB estabeleceu prazo de 48 horas para que se restabeleça o diálogo com o PT.

O primeiro recado claro do PMDB ontem foi para Alexandre Padilha, que assumiu a Saúde ignorado por peemedebistas. Padilha foi apontado como mentor do corte de cargos do partido no segundo escalão. O outro recado foi para Luiz Sérgio, que será o responsável pela interlocução com o Congresso e liberação de emendas orçamentárias. Na solenidade de posse de Luiz Sérgio, só dois peemedebistas desavisados apareceram: Sérgio Machado, presidente da Transpetro, e o deputado Geraldo Rezende (MS), que não é da cúpula.

Ministra reacende polêmicas sobre Direitos Humanos ao assumir cargo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A petista Maria do Rosário defendeu, em posse, que o Estado reconheça suas responsabilidades pela morte de desaparecidos políticos na ditadura e que o Plano Nacional de Direitos Humanos da Era Lula, alvo de embate na campanha, avance

Tânia Monteiro

BRASÍLIA - Com um discurso forte, a deputada petista Maria do Rosário assumiu nesta segunda-feira, 3, a Secretaria de Direitos Humanos pedindo ao Congresso que aprove a formação da Comissão da Verdade e defendendo "o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelas graves violações de direitos humanos com vista a não repetição do ocorrido". A nova ministra prometeu ainda implementar o Plano Nacional de Direitos Humanos 3, que foi fruto de polêmica, inclusive durante a campanha presidencial.

Na plateia, estava o ministro da Defesa, Nelson Jobim (PMDB), que ouviu Maria do Rosário homenagear os guerrilheiros que "empenharam suas vidas generosamente porque acreditavam na liberdade e na democracia". À ditadura, referiu-se como "período de exceção".

Maria do Rosário foi muito aplaudida ao apelar à Câmara para que aprove a Comissão da Verdade. "Devemos enfrentar as questões para caracterizar a consciente virada de página do momento da história". Mas recebeu tímidas palmas ao avisar que esta Comissão da Verdade não busca retaliar as Forças Armadas. "A constituição da Comissão da Verdade não se trata, jamais, de qualquer atitude de revanche, como disse, em seu discurso, a presidente Dilma."

"Estamos movidos pelo entendimento e até pelo reconhecimento que no Brasil de hoje, no Estado brasileiro, não há qualquer instituição contra a democracia", prosseguiu a nova ministra, tentando mostrar que não quer ter problemas no relacionamento com os militares, ela prosseguiu dizendo que "as Forças Armadas são parte da consolidação democrática deste Brasil e nas Forças Armadas há o desejo de trabalharmos de forma conjunta neste processo de consolidação da democracia".

Ao pedir a implementação do PNDH3, que desgastou o governo Lula e a campanha da petista Dilma Rousseff por defender temas como aborto e casamento homossexual, a ministra disse que "a hora é de avançar, de fazer ainda mais e melhor". Apesar de abordar temas polêmicos, adotou um tom conciliador, citando que o atual momento é de "diálogo" e sem retaliações.

Araguaia

Ela fez questão de citar ainda a recente definição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que entendeu que o Estado brasileiro tem uma dívida histórica no que diz respeito aos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. "Com total tranquilidade e unidade de pensamento e ação no Poder Executivo estaremos desenvolvendo ações que respondam às indicações desse organismo que integramos", disse a ministra, pedindo, ainda que os demais poderes da Republica, no exercício de suas funções constitucionais e preservada a independência e harmonia que nos caracteriza, analisem as questões apresentadas pela Corte Interamericana. Para a ministra, "passados quase 50 anos do início do período de exceção no Brasil, é chegada a hora de agirmos com objetividade".

Ao insistir na criação da Comissão da Verdade, afirmou que se trata de uma dívida brasileira.

Responsabilidades

Ao final da cerimônia, em entrevista, a ministra explicou o tom de seu discurso ao dizer que o Estado tem responsabilidade pelos mortos e desaparecidos políticos. "Esta é uma responsabilidade ampla. Não estamos personalizando, em procurando (culpar) um ou outro". E completou: "Estamos conciliando a nação brasileira". A ministra insistiu que o País "criou um jeito brasileiro de fazer um processo de reconhecimento dos fatos daquele período", acrescentando que Forças Armadas e sociedade civil, "fazem parte de um mesmo projeto nacional".

"Não há embates", disse ela, se contrapondo ao tempo que seu antecessor, Paulo Vanucchi, estava no cargo e criou inúmeros problemas para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Jobim

O ministro da Defesa, que ocupou a primeira fileira na cerimônia, aplaudiu Maria do Rosário e depois, em entrevista, ao ser questionado se a fase de embate entre Defesa e Direitos Humanos estava encerrada, disse que está trabalhando para "virar a página".

Indagado sobre algumas partes mais duras do discurso da ministra, que pediu o reconhecimento do Estado quanto aos mortos e desaparecidos políticos, minimizou: "É isso que está sendo feito. Tudo que ela diz está sendo feito. Estamos trabalhando por isso". Ele afirmou também que não se opõe à criação da Comissão da Verdade, justificando que participou da elaboração desse texto.

Cofre trancado e pé no freio do consumo

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Além de fechar a torneira para R$ 30 bilhões previstos no Orçamento e de restringir gastos de ministérios, ajuste fiscal pensado pelo Executivo pretende conter compras e dívidas da população

Luciano Pires


O corte no Orçamento 2011 é apenas uma das medidas de impacto que o governo Dilma Rousseff pretende baixar para convencer o mercado e a oposição de que está comprometido com o saneamento das contas públicas e com o controle inflacionário. Internamente, a área econômica avalia que o ajuste fiscal a ser anunciado precisa ser duro, convincente e eficaz. A estratégia é trancar o cofre e combinar ações que desestimulem as pessoas a comprar e se endividar. Detalhes do “cavalo de pau” que será dado na economia foram discutidos ontem por Dilma e os ministros que fazem parte do núcleo de coordenação política.

Cálculos do governo apontam para a necessidade de um contingenciamento de R$ 30 bilhões na peça orçamentária aprovada em 22 de dezembro pelo Congresso Nacional. O Palácio do Planalto também cogita bloquear de forma preventiva todo o Orçamento, permitindo aos ministérios gastar apenas o necessário para manter os programas em atividade. Enquanto isso, técnicos dos ministérios da Fazenda e do Planejamento vão revisar receitas e despesas.

Deputados e senadores inflaram a previsão de receitas da União em R$ 25,3 bilhões e é justamente esse o motivo da mobilização do Executivo. A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, tomou posse ontem e anunciou que seu primeiro compromisso será uma reunião hoje com a secretária de Orçamento Federal, Célia Corrêa. “Contingenciamento tem todo ano. Neste ano, também vai ter porque a receita está bastante superior àquilo que acreditamos que vá de fato ocorrer. Qual o tamanho é uma coisa que a gente deverá decidir”, disse a ministra.

Na mira da tesoura do governo estão diárias com viagens de servidores públicos, gastos com aluguéis de carros e imóveis, além de contratos de manutenção predial e compra de materiais de escritório. O corte em estudo livra as verbas destinadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Bolsa Família e preserva boa parte dos recursos voltados à educação e à saúde. As pastas mais atingidas pela retenção de recursos deverão ser o Turismo e o Esporte. “Vamos ter de discutir com cada um dos ministros como é que eles podem fazer mais com menos”, disse Miriam. Ainda conforme a ministra do Planejamento, não é justo “satanizar o custeio”. “Quero lembrar que Bolsa Família é custeio. Atendimento de saúde é custeio. Não posso satanizar esse tipo de gasto. Isso é diferente dos gastos internos da máquina. Temos de tomar cuidado para não colocar tudo no mesmo saco”, advertiu.

Entre as ações com repercussão direta no bolso das famílias estão novas restrições ao crédito. O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) se reunirá nos dias 18 e 19 deste mês e deverá aumentar a taxa básica de juros (Selic) — atualmente em 10,75% ao ano — como forma de conter o apetite do brasileiro por consumir. O núcleo de coordenação do governo acredita que se o aumento dos juros vier combinado com a ação efetiva das lideranças da base de apoio na Câmara e no Senado para tentar aprovar pelo menos parte da reforma tributária será possível melhorar a qualidade do gasto público e dos tributos cobrados da sociedade ainda durante o primeiro semestre. Nas palavras da ministra Miriam Belchior, é possível trabalhar com os dois pés: no acelerador e no freio.

Defesa

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, defendeu ontem as ações do governo Luiz Inácio Lula da Silva na área fiscal e os incentivos concedidos aos setores que foram mais prejudicados pela crise econômica de 2008 e 2009. Bernardo participa ativamente das discussões que envolvem o corte orçamentário que será anunciado em breve. “Às vezes, as pessoas não entendem, ou tentam fazer que não entendem, mas tivemos muito rigor na área fiscal. Salvo no período de 2009 e 2010, onde, por conta da crise, fizemos de forma acertadíssima uma inflexão e mudamos as metas, o presidente Lula registrou os maiores superavits primários (economia de recursos para o pagamento dos juros da dívida pública) nos seis primeiros anos”, justificou.

Divisão no STF deve marcar julgamento do caso do mensalão

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Juliano Basile

O Supremo Tribunal Federal (STF) terminou 2010 da mesma maneira como começou: uma Corte dividida em ações envolvendo políticos. Essa divisão deverá marcar o julgamento mais importante de 2011: a Ação Penal nº 470, mais conhecida como o processo do mensalão.

Será um duro embate para o governo, pois no ano passado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que, encerrado o seu mandato, pretende se dedicar a comprovar que não houve esquema ilegal de compra de votos no Congresso Nacional. Em dezembro, Lula chegou a comparar o mensalão ao caso da Escola Base, no qual donos de uma escola infantil foram presos sob acusação de molestar crianças e, depois, ficou comprovado que eles eram inocentes.

O processo do mensalão envolve, hoje, 38 réus e deve ser julgado a partir do segundo semestre, segundo previsões do relator, ministro Joaquim Barbosa. Eram 40 réus quando o STF determinou a abertura da ação penal, em agosto de 2007, mas o ex-deputado federal José Janene morreu no ano passado e o ex-secretário geral do PT, Silvio Pereira, cumpriu pena alternativa para se livrar do processo.

O caso será julgado em meio a um cabo de guerra que separou o STF em duas tendências ao longo do ano. Essa divisão será um prenúncio para o mensalão. De um lado, há ministros que acreditam que apenas com provas cabais e diretas de que o político cometeu um ato criminoso é possível condená-lo. Ou seja, na dúvida, deve ser absolvido. De outro lado, existem ministros que entendem que indícios de autoria são suficientes para verificar a relação entre o beneficiário e o crime que ele teria cometido. Essa corrente defende medidas duras contra os políticos até para servir de exemplo para que delitos semelhantes não se repitam no futuro.

Apesar de essa divisão ter sido bastante clara em 2010, tendo atingido seu auge em setembro, no empate, por cinco votos a cinco, obtido durante o julgamento da Lei da Ficha Limpa, a corda acabou pendendo mais para o grupo de ministros que defenderam decisões mais rigorosas contra a classe política. No ano passado, o STF determinou as primeiras condenações a políticos desde 1988.

Para se ter uma ideia de como essas condenações foram representativas, basta verificar a lista de ações penais abertas contra políticos decididas pela Corte nos últimos dez anos. Ao todo, o STF julgou 120 ações penais entre janeiro de 2001 e maio de 2010. Em apenas quatro julgamentos houve condenações. O placar poderia ser interpretado como favorável aos políticos que respondem a processos na Corte. Mas essas quatro condenações surgiram no ano passado. Ou seja, o STF, apesar de dividido nesses processos, inaugurou uma tendência recente de maior rigor contra a classe política.

A primeira condenação foi a do deputado federal José Gerardo (PMDB-CE), acusado de desviar verbas federais de um açude para a construção de passagens molhadas. Gerardo foi condenado por crime de responsabilidade, ou uso irregular de verbas, em 13 de maio. Foi a primeira condenação de um político pelo STF desde 1974, quando o então deputado Chico Pinto, do MDB da Bahia, criticou o regime do ditador chileno Augusto Pinochet e foi preso por seis meses por crime contra a segurança nacional.

A segunda condenação foi dada uma semana depois e envolveu o deputado federal Cássio Taniguchi (DEM-PR). Ele também foi acusado de utilizar recursos federais em desacordo com os planos iniciais a que se destinavam quando era prefeito de Curitiba. Em setembro, o STF condenou o deputado Federal José Tático (PTB-GO) por crimes previdenciários cometidos em uma empresa de sua propriedade. Nesse caso, foi a primeira vez que a Corte mandou um político para a prisão desde 1988, pois as outras penas foram convertidas em multas. A quarta condenação foi a maior imposta pelo STF. O ex-deputado Natan Donadon (PMDB-RO) recebeu pena de mais de 13 anos de reclusão por desvio de recursos da Assembleia Legislativa de Rondônia por meio da simulação de um contrato de publicidade.

Além dessas condenações, 2010 marcou a primeira prisão de um governador - Pedro Paulo Dias, do Amapá - em plena campanha eleitoral. Dias foi preso durante a Operação Mãos Limpas, da Polícia Federal, que investigou desvio de verbas públicas no Estado. A ordem foi dada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Por fim, a Lei da Ficha Limpa prevaleceu em julgamentos que despontaram a predominância das teses dos dois últimos presidentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): o ministro Carlos Ayres Britto, que comandou a Corte entre 2008 e abril passado, e o atual presidente, ministro Ricardo Lewandowski. Ao lado de Cármen Lúcia, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa, ambos fazem parte do grupo de ministros que costuma votar com maior rigor em processos envolvendo políticos. Na outra vertente, os ministros José Antonio Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e o presidente do STF, Cezar Peluso, costumam discutir a relação entre as provas apresentadas e os acusados de crimes, o que nem sempre leva a punições.

Em meio a essa divisão, a indicação do 11º ministro para a Corte pode ser o fiel da balança. O ex-presidente Lula deixou a tarefa dessa indicação para sua sucessora, Dilma Rousseff. O voto do 11º ministro pode ser crucial para o julgamento do mensalão.

Samba da Imperatiz leopoldinense - 2011

Soneto da fidelidade:: Vinicius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa (me) dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.