quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Opinião do dia – Aécio Neves

No apagar das luzes do seu primeiro mandato, que termina de forma melancólica, a presidente Dilma Rousseff trai novamente os compromissos assumidos com seus eleitores e anuncia novas e duras medidas que, na campanha eleitoral, garantiu que não iria tomar: reduz direitos dos trabalhadores e dificulta o acesso dos estudantes brasileiros ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

No primeiro caso, sindicalistas já denunciam as perdas para os trabalhadores e a forma unilateral e autoritária com que as medidas foram tomadas, sem qualquer diálogo com as Centrais Sindicais.

No caso do Fies, a imprensa publica que a Federação Nacional das Escolas Particulares calcula em 20% a redução do número de estudantes beneficiados com as políticas educacionais no setor privado.

A presidente, que já havia rompido outros compromissos assumidos com os brasileiros que acreditaram em suas promessas e a honraram com seu voto, faz agora o impensável: coloca em prática as suas medidas impopulares, prejudicando aqueles que deveriam ser alvo da defesa intransigente do seu governo: os trabalhadores e os estudantes.

Na campanha eleitoral, a candidata Dilma disse que não mudaria os direitos dos trabalhadores “nem que a vaca tussa”. Mudou. A cada nova medida anunciada vai ficando ainda mais claro que foi a mentira quem venceu as últimas eleições.

Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB, em nota, 30 de dezembro de 2014.

Dilma toma posse prometendo ajuste sem traumas e combate à corrupção

• Na solenidade de posse, presidente vai defender a necessidade de medidas ortodoxas para recuperar os fundamentos econômicos, sem ameaças às conquistas sociais, e reiterar proposta de pacto contra desvios de recursos públicos

Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Pelo menos seis quilos mais magra e energizada pela retomada das caminhadas, a presidente Dilma Rousseff assume nesta quinta-feira, dia 1º de janeiro, seu 2.º mandato enfrentando um cenário político e econômico bem diferente e bem mais desfavorável em relação àquele que recebeu das mãos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 1.º de janeiro de 2011.

Com um governo mais Dilma e menos Lula, que estará presente para avalizar a “afilhada”, a presidente reeleita fará no discurso de posse uma defesa do ajuste fiscal e vai reiterar sua disposição de combater ininterruptamente a corrupção, pedindo empenho conjunto de todos contra os malfeitos e as irregularidades.

Dilma também vai, segundo assessores do Planalto, prometer mais crescimento da economia, muito antes do que os “pessimistas imaginam”. Vai argumentar que os ajustes são necessários em 2015, mas que tudo será feito sem traumas, sem se afastar “um milímetro” da promessa de assegurar e ampliar as conquistas sociais obtidas nos últimos 12 anos.

Dilma fará dois discursos na solenidade. O primeiro, no Congresso, após o juramento de posse. Este será mais extenso e mais detalhado, mas não menos político. O segundo, no Parlatório, de frente ao público que estará prestigiando sua posse na Praça dos Três Poderes, será uma espécie de mensagem à população sobre seu 2º mandato. Os dois textos, no entanto, ainda estavam sendo ajustados e alterados pela própria presidente, que só deverá finalizá-los a poucas horas da cerimônia, que terá início às 14h40.

Nos discursos, a presidente quer deixar claro que vai governar para todos e que quer o bem estar da população, ressaltando que pretende ampliar e avançar as conquistas do seu governo. Dilma vai lembrar a sua condição de mulher, agora reeleita, e exaltará a “sólida democracia” do País. Além de se referir à importância da estabilidade econômica e política e de reiterar promessa de levar adiante a reforma política, Dilma falará da luta renovada por justiça social, igualdade de oportunidades e compromisso com a ética.

Petrobrás. Ainda não estava definido como e se haverá referência à Petrobrás, que mereceu destaque em seu discurso de diplomação dia 18 de dezembro, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2011, Dilma usou parte de sua fala no discurso de posse para exaltar a estatal na descoberta do pré-sal, quando chamou a companhia, hoje alvo de denúncias na Operação Lava Jato, de “símbolo histórico da soberania brasileira na produção energética e do petróleo”.

Na posse anterior, Lula esteve ao lado de Dilma e lhe entregou a faixa. Desta vez, um lugar no salão nobre foi destacado para ele, entre o novo governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), e o ex-presidente José Sarney, na primeira fila dos convidados especiais.

Só que, no Planalto, as apostas são de quebra de cerimonial, com Lula tendo lugar de destaque ao lado de Dilma, em muitos momentos da cerimônia no Palácio. Apesar de estar no 2.º mandato reduzindo o espaço dos lulistas e prestigiando os dilmistas, a presidente reeleita terá, mais uma vez, de conviver com seu mentor e padrinho político, que demonstra disposição de querer voltar em 2018.

Convidados. Depois de desfilar em carro aberto na Esplanada dos Ministérios e fazer o juramento no Congresso, Dilma subirá a rampa do Planalto e será recebida por 800 convidados que estarão no salão nobre, prestigiando a solenidade de posse. Entre as autoridades presentes estarão dezenas de chefes ou vice-chefes de Estado, como o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, além de presidentes da América Latina. No interior do Planalto, no entanto, estarão três mil convidados prestigiando a segunda posse de Dilma.

O cerimonial do Planalto destacou 48 cadeiras especiais para as “Donzelas da Torre”, amigas da presidente Dilma Rousseff que estiveram presas, a exemplo dela, durante quase três anos, no presídio Tiradentes, em São Paulo. O local recebeu o nome por abrigar presas políticas do regime militar. Dilma, a exemplo da posse no 1.º mandato, quis local de destaque para as antigas companheiras

Recomeço em águas turvas

• Dilma inicia 2° mandato com a missão de reorganizar a economia e controlar crise na Petrobras

Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA - "Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que essa praga (inflação) volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres". Essa frase fez parte do discurso de posse da presidente Dilma Rousseff em 2011, mas poderia ser repetida por ela hoje, ao iniciar seu segundo mandato. Domar a inflação, organizar as contas públicas e retomar o crescimento sem prejudicar as conquistas sociais estão entre os principais desafios da petista para os próximos quatro anos. Há duas semanas, a presidente, de 67 anos, disse que usaria o discurso de posse para detalhar as medidas econômicas.

Não se sabe se Dilma tratará do tema corrupção em seu discurso. Mas o assunto também concentrará as atenções da presidente na largada de seu segundo mandato. Em meio ao escândalo detonado com descoberta de um cartel para fatiar as obras da Petrobras, e a quase certeza de que ele atingirá em breve figuras importantes de sua base no Congresso, a petista terá de se desdobrar para manter a governabilidade. Não por acaso distribuiu ministérios a partidos aliados como nunca, desagradando ao PT.

A posse de Dilma, a partir das 14h30m de hoje, em Brasília, marcará o início do oitavo mandato presidencial desde que foram retomadas as eleições livres no país. Ao seu fim, o PT terá permanecido 16 anos à frente do governo, no qual chegou em 2002, com Luiz Inácio Lula da Silva. Após as eleições mais acirradas da história brasileira, o PT pretende levar 50 mil pessoas para a Esplanada dos Ministérios, como uma demonstração de força.

Escolha de Levy contrariou esquerda do PT
Para a ira das alas mais à esquerda do PT, Dilma escalou para o comando do Ministério da Fazenda Joaquim Levy, economista de perfil mais liberal. Mais afeito ao modelo econômico defendido pelo candidato do PSDB à Presidência, senador Aécio Neves (MG), — de cuja campanha foi colaborador — Levy é a principal sinalização de que haverá um cavalo de pau na política econômica. Talvez a economia seja a área onde se encaixe melhor o slogan da campanha petista: "Governo novo, ideias novas".

— O grande desafio da presidente será deixar a nova equipe econômica trabalhar. Como ela é economista, a vontade dela de participar é muito grande — afirmou o cientista político Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília (UnB).

Além de domar o cenário econômico ruim, o governo terá que se esmerar na articulação política para evitar crises no Congresso que paralisem seu governo. O cenário que se avizinha é de uma oposição mais aguerrida; uma base aliada pouco fiel; a perspectiva real de eleição do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de perfil mais independente, para a presidência da Câmara.

Emparedada pela revelação do esquema na Petrobras, Dilma se comprometeu com a aprovação de projetos de combate à corrupção, como tornar crime a prática de caixa dois e punir agentes públicos que apresentem enriquecimento sem justificativa. Também disse querer negociar com o Judiciário a agilização do julgamento de processos relativos a desvio de dinheiro público.

Ao ser reeleita, Dilma disse estar ciente de que o sentimento de mudança pautou a campanha e prometeu fazer as reformas que o Brasil precisa. Citou especificamente a reforma política, que se arrasta há anos no Congresso.

Sem maioria para aprovar reforma política
O modelo de reforma política defendido pelo PT (voto em lista pré-ordenada, financiamento público de campanha, Constituinte exclusiva e a realização de um plebiscito) não tem maioria para ser aprovado. Após o escândalo do mensalão, o PT passou a usar a defesa da reforma política como uma bandeira ética.

Para completar, a relação entre Dilma e o PT promete ser explosiva. O partido queria influir mais a partir de agora, até porque depende do sucesso do governo para se manter no poder a partir de 2018. Mas Dilma escanteou o grupo do ex-presidente Lula e a corrente majoritária do partido na montagem de sua nova equipe.

Apesar de ter prometido não cortar direitos trabalhistas, "nem que a vaca tussa", a redução de gastos do segundo mandato começou com restrições no acesso ao seguro-desemprego, abono salarial (PIS) e auxílio-doença. Se, por um lado, 2015 deve ser de corte de gastos, Dilma traçou metas ambiciosas para programas que foram a vitrine do primeiro mandato, como oferecer mais 12 milhões de vagas no Pronatec, de ensino profissionalizante, e construir 3 milhões de unidades no Minha Casa Minha Vida.

Aliados terão recorde de verba desde que o PT chegou ao poder

• Para tentar domar Congresso, Dilma reduz espaço petista no Ministério

Alexandre Rodrigues e Marcelo Remígio - O Globo

Prestes a iniciar um novo mandato em meio à crise provocada pelas investigações de corrupção na Petrobras, a presidente Dilma Rousseff repetiu a fórmula usada por seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, para consolidar a maioria no Congresso após o escândalo do mensalão: sacrificou o PT para abrir mais espaço aos aliados em sua equipe. A partir de hoje, o PT terá a menor participação no governo desde que chegou ao poder com Lula, em 2003, tanto em número de ministérios como no volume de recursos para investimentos que seus indicados vão administrar.

Em relação à equipe que tomou posse com Dilma em 2011, os outros partidos governistas avançaram no alto escalão, passando de 12 para 15 indicados. Já o PT perdeu quatro cadeiras em relação a 2011, caindo de 17 para 13 entre 39 pastas. Em 2003, petistas controlavam 18 de 35 ministérios. A ampliação da base parlamentar obrigou o partido a reduzir sua presença no Executivo para 16 no segundo governo Lula, em 2007. Dil-ma voltou a privilegiar o PT elevando a cota do partido para 17 pastas em 2011, mas a partir de hoje terá a companhia de apenas 13 correligionários, de acordo com a lista final do novo gabinete divulgada ontem pelo Palácio do Planalto.

Numa arquitetura desenhada a conta-gotas, uma marca de seu processo de decisão, Dilma destinou ao seu partido a administração de pouco mais de um quarto dos gastos discricionários do Orçamento da União, a fatia que mais interessa aos políticos. São os recursos não obrigatórios, que permitem aos ministros decidir como gastá-los. Já os outros partidos governistas — PMDB, PP, PR, PROS, PSD, PTB, PDT, PRB e PCdoB — ficaram com 56,8% dessas verbas: o equivalente a cerca de R$ 106 bilhões, de acordo com a proposta orçamentária de 2015, que ainda não foi aprovada pelo Congresso.

PT terá menos recursos
Dados da plataforma Mosaico Orçamentário, da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-DAPP), mostram que o PT controlava quase metade dessas verbas no início do mandato de Dilma, em 2011: 43,6%. Os partidos aliados tinham parcela pouco inferior, de 43,3%. Agora, enquanto os aliados ficam com mais da metade, o PT passa a administrar apenas 28% dos recursos livres. Contribui para isso a perda da Educação para o PROS de Cid Gomes, que tem 20,1% dos gastos discricionários do governo.

Essa distribuição retoma o movimento do início do segundo mandato de Lula, quando ele entregou aos indicados de outras legendas ministérios que concentravam 55,7% das verbas discricionárias do governo, deixando ao PT 30,3%. Dilma agora supera essa marca, retrocedendo em relação ao desenho de 2011 — que havia voltado a concentrar recursos para investimentos no PT, inaugurando um mandato de muitas tensões com a base parlamentar.

Mais do que o número de pastas, a distribuição da fatia discricionária do Orçamento administrada pelos ministérios é o que melhor expressa como cada legenda foi contemplada por Dilma na negociação que envolve seu apoio no Congresso. Segundo os dados da DAPP-FGV, o total de gastos da União autorizados em 2014 superou R$ 1,7 trilhão, mas apenas 10% disso são verbas não carimbadas. Isso explica o fato de o Ministério da Previdência Social, o maior orçamento da Esplanada, ter virado um patinho feio. Rejeitado por PMDB e PDT, terminou com o PT.

PMDB se livra de "abacaxi"
Em 2014, a Previdência teve um orçamento total de R$ 402 bilhões, 22,7% de tudo o que o governo tinha para gastar. No entanto, apenas 0,5% era verba não obrigatória. Como pagar pensões não gera dividendos políticos, a pasta foi definida como um "abacaxi" pelo último ministro, Garibaldi Alves (PMDB). Por isso, a troca dela por outras duas cadeiras no primeiro escalão foi vista como um avanço do PMDB. Ainda que tenham orçamentos bem menores, as secretarias de Pesca e de Portos têm mais de 80% de verbas livres para investimentos.

Primeira mulher a assumir a Presidência da República, Dilma inicia seu novo mandato na companhia de mais homens. O número de mulheres na equipe caiu de 9 em 2011 para 6 em 2015. Já o de técnicos subiu, principalmente na área econômica. Joaquim Levy e Nelson Barbosa substituem petistas na Fazenda e no Planejamento. Eram 8 sem indicação partidária em 2011, e agora são 11.

— No Brasil, e em outros países, nem sempre as alianças são respeitadas na composição de um Ministério. A preocupação maior é o relacionamento com o Legislativo, por isso essa distribuição de pastas. No exterior, muitos governos chamam essa divisão de governo de coalização. Dilma fez o mesmo. E não foi diferente com Lula e Fernando Henrique — analisa o cientista político e pesquisador da UFRJ Paulo Baía.

Dilma usa festa da posse para defender ajuste na economia

• Presidente dirá que medidas são necessárias para retomada do crescimento

• Petista assume segundo mandato com economia estagnada, crise na Petrobras e discurso de campanha em xeque

Andréia Sadi, Valdo Cruz e Mariana Haubert – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Dilma Vana Rousseff, 67, assumirá seu segundo mandato como presidente da República nesta quinta-feira (1º) com um discurso em que planeja defender os ajustes iniciados em sua política econômica como necessários para fazer o país voltar a crescer.

Primeira mulher a governar o Brasil, reeleita em outubro após a eleição presidencial mais acirrada desde a redemocratização, Dilma será empossada na Câmara e fará seu discurso logo em seguida, por volta das 15h30.

Dilma assume seu segundo mandato com a economia estagnada e o discurso que adotou na campanha eleitoral em xeque, por causa das medidas que ela começou a tomar para arrumar as contas do governo, que devem fechar este ano no vermelho.

A presidente escolheu um economista de perfil conservador para ser seu próximo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ele tem defendido mudanças para reequilibrar as finanças públicas e conter a expansão dos gastos do governo federal.

Na semana passada, Dilma autorizou medidas que restringem o acesso a benefícios sociais como seguro-desemprego e pensão por morte, embora tenha prometido durante a campanha que não mexeria em direitos trabalhistas.

Em seu discurso de posse, conforme o rascunho discutido nos últimos dias com seus auxiliares, a presidente deverá apontar como prioridades o combate à inflação, a preservação do emprego e a redução das desigualdades.

Dilma também fará acenos aos empresários, mostrando-se aberta ao diálogo e interessada em parcerias, num esforço para se distanciar dos atritos que marcaram sua relação com o meio empresarial no primeiro mandato.

Ela pretende convidar a iniciativa privada a investir em projetos de infraestrutura e aproveitar as oportunidades oferecidas por concessões de rodovias, aeroportos, portos e ferrovias controlados pelo governo federal.

Depois do fraco desempenho da atividade econômica em 2014, e com a perspectiva de outro ano difícil pela frente, Dilma prometerá menos burocracia, mais previsibilidade para as decisões econômicas e medidas para estimular o setor privado a investir.

O discurso da presidente deverá durar cerca de 30 minutos. Após a solenidade na Câmara, ela se dirigirá ao parlatório do Palácio do Planalto e fará uma breve saudação às pessoas presentes na Praça dos Três Poderes. Em seguida, Dilma dará posse ao seu novo ministério, cuja configuração completa foi anunciada nesta quarta-feira (31).

Corrupção
A presidente também pretende falar de corrupção em seu discurso, numa tentativa de oferecer respostas às revelações da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, que investiga um vasto esquema de corrupção na Petrobras.

De acordo com o rascunho do seu discurso, a presidente planeja dizer que não tolera malfeitos e vai propor ao Congresso um pacote de medidas de combate à corrupção, como prometeu durante a campanha eleitoral.

Com a crise na Petrobras e a economia estagnada, Dilma governará um país em situação diferente da que herdou de seu antecessor e mentor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).

Em 2010, quando ela foi eleita pela primeira vez, o país cresceu 7,5% e a inflação anual atingiu 5,9%. Em 2014, o ano em que foi reeleita, o crescimento deve ficar em 0,2% e a inflação, perto do teto da meta oficial, de 6,5%.

Seis obstáculos e desafios do segundo mandato de Dilma

• Em meio a escândalo de corrupção, presidente toma posse em 1º de janeiro com o desafio de arrumar as contas públicas e retomar o crescimento do País

- O Estado de S. Paulo

1. Rearranjo das contas
A nova equipe econômica precisa recuperar a credibilidade do governo no trato das contas públicas. O pacote em preparação, de R$ 100 bilhões, consiste numa retenção de até R$ 65 bilhões nas despesas federais previstas no Orçamento de 2015. O restante virá do corte real dos gastos e da elevação de tributos. Parte dos ajustes já foi anunciada no seguro-desemprego e nas despesas trabalhistas e previdenciárias. Quanto a impostos, o governo vai elevar a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados dos carros e deve retomar a Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico.

2. Baixo crescimento
A retomada do crescimento econômico é uma das preocupações do governo atual, bem como de economias de países emergentes que também se viram afetadas por desaquecimento econômico, reduzindo assim o espaço para as exportações brasileiras. O País chegou a entrar em “recessão técnica” no primeiro semestre. Mas a partir do segundo, o governo passou a prever um crescimento anual de 0,9%. Já para 2015, a expectativa não é animadora, segundo a Confederação Nacional da Indústria, que prevê um crescimento de apenas 1%. A Lei de Diretrizes Orçamentárias estipula para 2015 um superávit primário de R$ 55,3 bi, o equivalente a 1,2% do PIB.

3. Qualidade dos serviços
A pressão por cortes nos gastos públicos para que o governo execute o ajuste necessário com vistas à retomada futura do crescimento poderá refletir negativamente, num primeiro momento, em certas políticas sociais e nos investimentos para a melhora de saúde, educação, transportes e segurança neste segundo mandato. São temas que surgiram fortemente nas manifestações de rua realizadas em junho de 2013 e ainda aparecem entre as principais demandas da população, principalmente entre os que deixaram a pobreza, ingressaram na classe C e agora esperam um retorno mais consistente do Estado no que se refere aos serviços públicos.

4. Fragilidade da base
Apesar de contar com maioria no Congresso, a presidente Dilma viu retrair nas últimas eleições o número de parlamentares da base aliada em Brasília. Logo após sua reeleição, a petista enfrentou resistência de seu principal aliado, o PMDB, nas primeiras votações na Câmara. A composição ministerial com nomes de outros partidos, como PR, PP e PRB, não representam garantia de estabilidade para os próximos quatro anos na Câmara, cuja presidência é alvo de disputa acirrada. O PRB de George Hilton, nomeado ministro do Esporte, por exemplo, avisou há dias que se retiraria da base do governo caso não fosse contemplado com a pasta.

5. Escândalo na Petrobrás
A Operação Lava Jato, deflagrada pela Polícia Federal em março de 2014, revelou um esquema que atuava na Petrobrás e já é considerado o maior escândalo de corrupção do País. Além de envolver funcionários do alto escalão da estatal, as investigações avançam sobre nomes de políticos de partidos tanto da base governista como da oposição. Já foram presos servidores públicos, dirigentes de empreiteiras e doleiros acusados por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A suspeita é de que a organização tenha movimentado cerca de R$ 10 bilhões. Os desdobramentos da operação resultaram em investigação do caso também nos EUA.

6. Mal-estar petista
Dilma tem o desafio de melhorar o diálogo com o PT e os movimentos sociais, que reclamam de seu distanciamento. O ex-presidente Lula admitiu em dezembro que, se a presidente não mudar o jeito de governar, o partido terá dificuldade na eleição de 2018. Mas Dilma pretende criar novas linhas de articulação política, principalmente vias que não entrem em choque com sua equipe econômica de tendência mais ortodoxa. Para isso, ela vem adotando uma postura mais autônoma na construção de ministérios, desagradando certos nomes do PT, para vencer a batalha dentro de um Congresso mais pulverizado de forças políticas.

Inflação, ajuste e PIB fraco devem afetar mercado de trabalho em 2015

• Expectativa de analistas e de setores é que taxa de desemprego aumente e que renda caia

• Avaliação é que serviços e comércio sentirão mais os efeitos da crise, com a queda no consumo das famílias

Claudia Rolli – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - De um lado, um cenário de inflação em alta, crescimento fraco e dificuldade de caixa. De outro, a expectativa de um ajuste fiscal "firme", com corte de gasto e menos dinheiro para investir --no setor privado ou no público.

Resultado: um mercado de trabalho mais enfraquecido em 2015, com elevação do desemprego, queda na renda e reestruturação nas empresas com ajustes mais intensos na produção e mais demissões.

A avaliação é de economistas e representantes de entidades da indústria, do comércio e do setor de serviços consultados pela Folha.

Para os mais otimistas, a taxa de desemprego deve subir para 5,2% neste ano. Na previsão dos mais pessimistas, chegará a 6%.

Os dados mais atualizados do IBGE para 2014, até novembro, mostram que o desemprego para seis regiões metropolitanas é de 4,8%.

Desde janeiro, o saldo de novos empregos (trabalhadores admitidos menos demitidos) foi de 938 mil --e deve fechar o ano em 700 mil, segundo a previsão do governo. Metade do que o Brasil criava há poucos anos.

A deterioração no mercado formal de trabalho fica mais evidente ao observar os dados de novembro, quando foram criadas 8.400 vagas com carteira assinada --queda de 82% ante novembro de 2013, quando se registrou a geração de 47,5 mil vagas.

"Como os salários estão evoluindo em um ritmo mais fraco e sofrem o impacto da inflação mais alta, a tendência é que mais pessoas voltem a procurar emprego para elevar a renda familiar", diz Rafael Bacciotti, economista da consultoria Tendências.

"Como a geração de vagas é baixa e" insuficiente para absorver toda a força de trabalho, a taxa de desemprego sofre" essa" pressão. Não vimos esse movimento em 2014, mas devemos ver em 2015."

Impacto no bolso
Se o desemprego sobe, o efeito é imediato no bolso do trabalhador.

"O poder de barganha nas negociações salariais fica reduzido em um cenário mais adverso para o emprego. Com isso, a renda deve crescer menos", diz o economista Fábio Romão, da LCA.

Na previsão da consultoria, o rendimento médio real do trabalhador deve crescer 1,5% em 2015, patamar mais baixo desde 2005. Em 2014, a alta deve ter sido de 2,7%.

Ajuste pesado
A indústria deve ainda perder força no emprego, mas o ajuste mais "pesado" já ocorreu, avaliam os economistas.

Com férias coletivas, licença remunerada, cortes e programas de demissão voluntária, a indústria automobilística é uma das que mais se reestruturaram em 2014.

Em 2015, o setor industrial deve continuar encolhendo --o corte deve chegar a 65 mil vagas, na projeção da LCA. O número corresponde a um terço do previsto para 2014, quando o setor deve fechar 188 mil empregos formais.

"Para ter a dimensão do que isso significa, em 2013, a indústria fechou o ano com criação de 91 mil vagas", ressalta Romão.

O comércio e o setor de serviços devem sentir mais, nos próximos meses, os efeitos do enfraquecimento da economia --uma vez que o consumo das famílias deve continuar em queda.

Fábio Pina, economista da Fecomercio-SP, projeta desaceleração brusca na abertura de vagas no comércio.

"No máximo, 50 mil vagas em 2015, o que corresponde a um terço dos empregos gerados no setor em 2013."

Não à toa as centrais sindicais querem implementar com o governo um programa de proteção do emprego.

A principal medida é a redução da jornada de trabalho em até 30%, com diminuição de salários, nas empresas afetadas pela crise econômica.

Depois da ressaca

• O desafio das decisões econômicas do ano que se inicia após o turbulento 2014

Lucianne Carneiro – O Globo

O ano de 2014, com eleições acirradas, foi marcado por turbulências econômicas, com fortes alterações no dólar, no petróleo, na Bolsa, denúncias de corrupção na Petrobras e alta na inflação, afetando as expectativas de famílias, empresários e investidores. E 2015 também promete fortes emoções. A economia brasileira tem pela frente grandes desafios: reorganização das contas públicas, atividade econômica fraca, confiança do empresário e do consumidor em níveis baixos, o que compromete os investimentos, e uma inflação que terá de absorver pressões represadas, como das tarifas de energia e do reajuste de combustíveis. Até o mercado de trabalho, que vinha se mantendo resguardado da desaceleração, deve sofrer uma piora: espera-se que a taxa de desemprego, ainda que permaneça em um patamar relativamente baixo, registre um aumento gradual.

Em meio à crise de corrupção da Petrobras, o governo precisa, urgentemente, retomar a credibilidade fiscal, sob o risco de perder o tão estimado grau de investimento das agências de classificação de risco, que garante ao Brasil o título de bom pagador e acesso aos mercados internacionais com juros mais baixos e melhores condições de financiamento. Neste esforço, duas ações são fundamentais: um forte ajuste fiscal, para que o país volte a fazer superávits primários para reduzir sua dívida líquida, e um combate mais austero da inflação, o que demanda um Banco Central mais independente das questões políticas. Neste cenário, a queda dos preços dos principais produtos exportados pelo país e a recente alta da cotação do dólar — que tende a se manter em 2015 — são problemas extras.

Depois de recuarem em 2014, os investimentos devem reagir em 2015, mas ainda será uma recuperação modesta, sem condições de compensar a queda registrada no ano que terminou ontem. Um dos principais obstáculos será a confiança dos empresários, que permanece baixa. Também dificultam a decisão de investimento os estoques elevados e a capacidade ociosa na indústria.

Há alguma expectativa, no entanto, de continuidade no programa de concessões, o que poderá estimular investimentos em infraestrutura:

— Quem vai sustentar o investimento é a infraestrutura. Vemos uma retomada do programa de concessões em 2015. As concessões de rodovias foram bem, e há outros lotes. Ainda há as ferrovias e os portos — afirma o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges.

No entanto, em um contexto de desaceleração da atividade econômica, não há como o mercado de trabalho se manter intacto. A deterioração observada no segundo semestre, com menor geração de vagas, especialmente as formais, deve permanecer em 2015. A taxa de desemprego, por sua vez, deve subir, ainda que tenda a continuar em níveis baixos, considerando-se a série histórica.

Governo terá pouco espaço para estimular a economia neste ano

Luiz Guilherme Gerbelli – O Estado de S. Paulo

O governo terá pouco espaço para estimular a economia em 2015. No primeiro ano do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, a equipe econômica terá de lidar com uma série de desequilíbrios, que passam por problemas fiscais, inflação pressionada e baixo crescimento.

Os números previstos pelos analistas econômicos justificam o pessimismo. Pela projeção dos economistas consultados pelo relatório Focus, do Banco Central, o Produto Interno Bruto (PIB) deverá crescer menos de 1%, e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficará próximo do teto da meta estabelecido pelo governo, que é de 6,5% - há risco até de a inflação superar o teto.

O nó da equipe econômica ocorre porque ela não poderá contar nem com a política fiscal nem com a monetária para aumentar o crescimento. "A tendência das políticas públicas vai no sentido de desestimular a economia", diz Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

Na política fiscal, por exemplo, espera-se um ajuste, que pode vir com aumento dos impostos ou redução de gastos. Quando foi apresentado, o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, indicou uma política fiscal mais conservadora do que a atual. Levy prometeu um superávit primário de 1,2% do PIB para 2015. "Os desafios (para a próxima equipe) estão mantidos, com a necessidade de ajuste fiscal, e grande parte dele vai ocorrer com o aumento de tributação", afirma Juan Jensen, economista e sócio da Tendências Consultoria Integrada.

A piora na área fiscal já fez com que o Brasil entrasse no radar das agências de classificação de risco. Em setembro, a Moody?s manteve a nota do Brasil em Baa2, mas passou a perspectiva de estável para negativa.

Em março, a Standard & Poor?s (S&P) reduziu o rating brasileiro para BBB-, o menor possível entre os países com grau de investimento. O grau de investimento funciona como um selo de qualidade e mostra que o País tem capacidade de honrar suas obrigações.

Caso o Brasil perca esse selo, alguns fundos que investem no País vão ter de deixar de investir por restrições legais, o que pode provocar saída de capital e, consequentemente, a desvalorização da moeda brasileira.

Na política monetária, a inflação pressionada pelos reajustes de preços administrados e pela alta do dólar deverá obrigar o Banco Central a elevar a taxa básica de juros (Selic), o que tende a ser mais um freio para a economia do País - atualmente a Selic está em 11,75% ao ano.

A economia brasileira também não deverá contar com um cenário externo favorável. Os preços das commodities estão em queda por causa da desaceleração da China, principal importador de produtos brasileiros. Na venda de manufaturados, a situação também deve permanecer difícil pela fragilidade econômica da Argentina e Venezuela, dois grandes importadores de produtos das indústrias brasileiras. Em 2014, a balança comercial deverá ter o primeiro déficit em 14 anos.

No meio desse cenário difícil, a economia brasileira também vai ter de lidar com um possível aumento de taxa de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), em 2015. "Os Estados Unidos vão ficar mais atraentes por causa do crescimento e do possível aumento dos juros, então vai ser mais difícil captar fora", afirma Castelar.

Merval Pereira - Equipe equivocada

- O Globo

Para ampliar a base aliada no Congresso em termos nunca antes vistos, a presidente Dilma aumentou para 39 o número de ministérios em seu primeiro mandato. Havia uma explicação nunca explicitada para tamanho despautério, a montagem de uma maioria defensiva que impedisse a criação de CPIs e, principalmente, qualquer tentativa de impeachment por parte da oposição, uma preocupação obsessiva do ex-presidente Lula desde que escapou por pouco no episódio do mensalão.

Lula passou para 35 os 21 ministérios que recebeu do governo Fernando Henrique Cardoso, e Dilma Rousseff os ampliou para 39. Mantendo boa parte dos ministros da primeira leva, e ainda mudando alguns de posto sem a menor lógica, a presidente Dilma revela em seu Ministério do segundo mandato a mesma mediocridade que marcou o governo que terminou ontem.

Com exceção da equipe econômica — que sinaliza mudanças importantes, mesmo que mantido o presidente do Banco Central e trazendo de volta ao governo o ministro Nelson Barbosa —, as demais mudanças não trazem consigo nenhuma alteração de diretriz, mas apenas a necessidade de arranjar lugar para representantes do grupo de partidos aliados que formam sua base defensiva.

Até mesmo a mudança nas Relações Exteriores, que poderia indicar uma inovação de rumos com a volta de Celso Amorim, acabou se transformando na troca de seis por meia dúzia. A chegada a contragosto de Cid Gomes na Educação não significa nada além de abrir espaço para o PROS, enfraquecendo o PT. E o grande vitorioso das eleições regionais, o governador da Bahia, Jaques Wagner, acabou isolado num Ministério da Defesa anódino.

Somente a indicação de Ricardo Berzoini para o Ministério das Comunicações pode querer dizer alguma mudança importante na definição de políticas governamentais, se realmente significar que a presidente Dilma sucumbiu finalmente às pressões de setores radicais petistas para realizar o tão sonhado controle social da mídia.

Mesmo que seja essa a intenção, e não apenas acalmar esses setores com a simples indicação, vai ser uma disputa tão grande no Congresso para concretizar a tentativa de controle do jornalismo profissional que dificilmente a presidente Dilma terá suporte político para enfrentá-la em meio aos problemas econômicos com que o país se defrontará.

Uma questão intrigante é como a presidente conseguiu montar um quebra-cabeça tão complicado como a formação de um megaministério desagradando a seus dois grandes partidos de apoio, o PT e o PMDB.

Digamos que o desgaste com o PT não tenha grande importância, porque na hora da definição o partido estará sempre ao lado da presidente, mesmo a contragosto.

Mas e o PMDB, que já começou dividido na campanha presidencial e prossegue assim, sem que a presidente tenha tentado unificar as tendências? Ela pode ter dado um passo equivocado ao fortalecer a influência do presidente do Senado, Renan Calheiros, em detrimento da do vice Michel Temer.

Renan Calheiros pode ficar impossibilitado de continuar na presidência do Senado quando sair a lista oficial de parlamentares envolvidos na Operação Lava-Jato, e, mesmo que consiga permanecer no cargo, o exercerá fragilizado enquanto as investigações prosseguirem.

Ao mesmo tempo, o deputado Eduardo Cunha provavelmente vencerá a disputa pela presidência da Câmara contra uma candidatura petista que parece não ter chance. O PMDB estará no comando do Congresso nos primeiros anos do segundo mandato de Dilma, quando se decidirão questões cruciais para a governabilidade.

Não é bom sinal para o governo que ele saia da formação ministerial desiludido.

José Arthur Giannotti - A arte do bom governo - O Estado de S. Paulo

Vivemos sob o império da globalização, que não só afeta os mercados, mas cria objetos que revolucionam os comportamentos do dia a dia. Estamos quase sempre sintonizados com o mundo inteiro.

O celular, cada vez mais sofisticado, coloca o usuário nas redes sociais, num sistema global de informação, e traz para o cotidiano as informações acumuladas nas bibliotecas, nos museus, nas galerias. Mas se temos na mão imagens do mundo, cada vez mais nos vemos empurrados cada um para si mesmo. Comunicamo-nos com todos e com tudo, sem os riscos do confronto direto com as indeterminações do outro. Chegamos até ele graças às imagens que se configuram pela troca das mensagens. Comunicamo-nos fora dos sutis matizes de comportamento que circundam o falar com auréolas de múltiplos sentidos. A troca de informações mecaniza-se ou explode no insulto sem recuo.

Quantas vezes vemos uma família reunida, cada um grudado no seu celular? Jovens reúnem-se, mas, em vez de se soltarem na conversa, passam a trocar mensagens entre si e com amigos distantes.

Esse novo objeto tecnológico altera profundamente os comportamentos cotidianos, tende a abolir qualquer etiqueta, a pequena ética que nos regula. Outro dia, um amigo me fazia observar que nós, brasileiros, recebemos essa avalanche das novas tecnologias antes de ficarmos ricos, de sabermos usar essa riqueza. E assim nos fazem sentir poderosos sem que tenhamos de fato o poder de aplicá-las corretamente atuando na sociedade contemporânea. Basta comparar o uso do celular entre brasileiros, americanos e europeus para que se perceba como cada povo governa o mesmo objeto de modo diferente.

O uso do celular mostra-nos em miniatura como a arte de nos governar tanto depende de novas tecnologias globais como do nível de educação que nos leva a ela. Até que ponto nós, cidadãos da periferia do capitalismo, nos governamos adequadamente quando nossas ações passam a ser mediadas por objetos tecnológicos altamente sofisticados? Não é só no cinema que vemos pessoas sendo servidas por robôs.

Andar por uma cidade moderna como São Paulo já nos situa numa rede tecnologicamente avançada, assim como nos mostra a precariedade de seu mau funcionamento. Essa distância se torna crucial quando se trata do governo da coisa pública.

Centro de nossa formação em ciência e tecnologia, a universidade não é o exemplo mais flagrante? Na USP o abismo entre boas intenções e exercício competente das funções burocráticas cresce dia a dia. Ainda se propõe a ligar diretamente ensino, pesquisa e extensão. Mas nem sempre cada docente é capaz de exercer com proficiência todas essas funções em mudança contínua. Além da diferença de talentos, cada um se prepara para dominar a seu modo as novas técnicas. Uma coisa é lecionar filosofia para alguns alunos, como era no meu tempo, outra é enfrentar uma classe de 150 estudantes que têm acesso a um sofisticado mercado de livros e aos meandros da internet. Em vez daquelas vagas de ideias que de tempos em tempos varriam nossas inteligências, hoje é como se a mídia nos conduzisse a um zoológico onde convivem animais filosóficos das espécies mais diversas. Por certo, existem docentes de maior envergadura, que fugiram das jaulas do senso comum, retomam as velhas práticas de reler os textos com refinamento, em grupos pequenos, mas agora ligados a outros grupos noutros lugares do planeta.

Note-se que nem o filósofo midiático nem o professor de Filosofia foram preparados para exercer outras funções na universidade. A indissolubilidade institucional do ensino, da pesquisa e da extensão implica que cada funcionário exerça todas com a mesma proficiência. É a própria instituição que os deve balancear, respeitando as diferenças de talento e de comprometimento. Ora, se o exercício do funcionário está cada vez mais ligado a um aprendizado específico, o que dizer da gestão da coisa pública?

Muitos confundem o desempenho das funções públicas com o direito dos cidadãos. Igualdade dos direitos, porém, não cria igualdade na capacidade profissional. Em muitas universidades federais todos os docentes, depois de alguns anos, vão tornar-se professores titulares, como se pudessem ter o mesmo desempenho.

Os funcionários hierarquizam-se segundo critérios burocráticos, sem levar em conta como cada um deve preparar-se para exercer funções cada vez mais diferenciadas. E os alunos, justamente aqueles no início do processo de formação, acreditam que podem ser eleitos reitores ou escolhidos pró-reitores. E como lhes parece que todos esses problemas de gestão profissionalizada já estão resolvidos, a maioria dos universitários continua reclamando por mais verbas para a educação, sem pôr em pauta a prioridade de repensar novas formas de boa governança. Note-se que não se trata de reforçar o mérito, de instalar uma meritocracia, mas de adequar o exercício do poder às novas técnicas das quais ele depende.

Como o preenchimento dos cargos às vezes tem sido mais ideológico que político, não assistimos nas universidades à corrupção deslavada que irrompe noutras empresas estatais. Nos últimos tempos os governos ditos de esquerda nomearam políticos para cargos burocráticos. Obviamente, isso diminuiu a eficiência dessas burocracias, mas também instaura nova forma de corrupção. Não tanto aquela tradicional, do político corrupto que se apropria do dinheiro público, mas a institucional a serviço do próprio partido.

Nada explica afirmar que a corrupção política existe desde que Adão foi expulso do paraíso. Importa entender a forma como se exerce num país em desenvolvimento que dispõe de uma tecnologia de gestão que nem sempre ele sabe utilizar.

*José Arthur Giannotti é professor de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e membro do CEBRAP

Bernardo Mello Franco - Feliz ano velho

- Folha de S. Paulo

O que esperar de um governo novo que já nasce velho? A pergunta ronda toda reeleição, mas promete ser ainda mais implacável com Dilma Rousseff. A presidente começa hoje o segundo mandato em clima de ressaca, com a economia estagnada e sua base política enredada no escândalo da Petrobras. Nem os áulicos mais otimistas conseguem prever tempos melhores em 2015.

Há quatro anos, Dilma subiu a rampa do Planalto embalada por uma votação consagradora. O país crescia em ritmo chinês e fazia história ao escolher a primeira mulher para governá-lo. Agora a presidente não é mais novidade, e a vitória apertada nas urnas indica que seus créditos podem se esgotar rápido.

Ao discursar em sua segunda posse, em 1999, Fernando Henrique Cardoso afirmou que não havia sido eleito para ser o "gerente da crise". A ficção do real forte se desfez em apenas duas semanas, e o tucano foi perseguido pela impopularidade até entregar a faixa a Lula.

E Dilma, o que dirá hoje? Ressuscitará o "pacto contra a corrupção", depois de convidar o filho de Jader Barbalho para a Esplanada? Prometerá a reforma política, embora não tenha força nem para evitar que um desafeto assuma a presidência da Câmara? Acenará com a retomada do crescimento, enquanto sua equipe prepara novos cortes para fechar o rombo nas contas públicas?

O Ano-Novo virá repleto de armadilhas, do reajuste nas tarifas de ônibus, que pode reacender a chama dos protestos de rua, à denúncia dos políticos envolvidos no petrolão. Além de enfrentar as tormentas, a presidente terá que manter o apoio dos 51,6% que votaram nela. Para quem acreditou na promessa de "governo novo e ideias novas", nada poderia ser mais frustrante que o ministério que toma posse hoje. A decepção tende a se agravar quando a turma der razão à máxima do Barão de Itararé: "De onde menos se espera, daí é que não sai nada".

Luiz Carlos Azedo - Ano novo, governo velho

• Dilma nunca conseguiu estabilizar a própria base parlamentar; sempre que enfrenta dificuldades, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba por exercer uma tutela velada sobre a Presidência

- Correio Braziliense

A presidente Dilma Rousseff assume o seu segundo mandato hoje com um ministério com cara de velho, sem nenhuma grande surpresa, já que a única mudança de rumos significativa foi sinalizada logo após as eleições, com a nova equipe econômica encabeçada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Apesar do tempo que levou para anunciá-los, os ministros nada acrescentam de novo e herdam os desacertos do mandato que se encerrou. A maioria representa grupos e lideranças que se opõem à renovação dos costumes políticos e protagonizaram grandes escândalos.

Se houver alguma novidade na posse, será nos discursos da presidente da República, um no Congresso e outro no púlpito do Palácio do Planalto, o que é improvável, porque a presidente Dilma Rousseff não é dada a grandes autocríticas. O novo governo é de continuidade, e não de mudança, ao contrário do que foi apregoado na campanha eleitoral. Aliás, a nova equipe ministerial, tanto na área econômica como na política, está em conflito com a inflexão à esquerda feita por Dilma para derrotar a oposição, representada no segundo turno pelo senador Aécio Neves (PSDB).

Por força do fracasso de sua nova matriz econômica, na verdade uma marcha forçada para consolidação e ampliação de um modelo de capitalismo de Estado que naufragou nos mares do pré-sal junto com a Petrobras, Dilma vai seguir a receita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003. O petista assumiu o governo e manteve o programa de estabilização da economia que herdou do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e que Dilma pretende retomar, para retroceder do beco sem saída em que se meteu.

À época, havia a favor de Lula um ambiente de expansão da economia mundial e a completa blindagem política e institucional do superavit fiscal, da meta de inflação e do câmbio flutuante. Uma das heranças do primeiro mandato de Dilma Rousseff é a destruição dessa blindagem, com a “flexibilização” de mecanismos de controle dos gastos públicos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com uma taxa de inflação perigosamente em torno de 6,5%, o deficit primário das contas públicas em R$ 18,3 bilhões e o dólar comercial a R$ R$ 2,65 graças a fortes intervenções do Banco Central (BC), o país parou. Em alguns casos, andou pra trás. Que o digam a preservação das florestas, o controle de doenças endêmicas e a educação básica. Tudo isso, entretanto, foi varrido para debaixo do tapete durante a campanha eleitoral.

A grande contradição
A nova equipe econômica tem dado sinais de que pretende fazer a inflação voltar para o centro da meta ao fim de 2016, o que pressupõe um grande aperto monetário e austeridade nos gastos públicos. A sinalização veio com as medidas adotadas no começo da semana em relação a direitos trabalhistas e previdenciários, algumas das quais, diga-se de passagem, realmente necessárias. Será que o chamado “núcleo duro” do Palácio do Planalto é solidário com esses objetivos? Ou teremos uma queda de braços entre a nova equipe econômica e os ministros da área política?

As respostas vão depender do que realmente se passa na cabeça da presidente da República, que fez campanha sem programa de governo, mascarou os indicadores econômicos e sociais e procura mitigar em seus discursos a contradição entre o sistema de poder que encabeça e a política econômica que agora pretende executar, diante do descontrole dos gastos públicos e dos péssimos resultados econômicos, sobretudo de 2014.

A verdade é que a presidente Dilma esteve muito perto de perder as eleições por causa dos erros que cometeu no primeiro mandato. Manteve-se no poder graças à falsa divisão do país entre pobres e ricos e entre esquerda e direita, que não corresponde à natureza de classe do seu governo, para usar um jargão caro aos esquerdistas. Haja vista que entregou o Ministério da Fazenda a um representante do sistema financeiro; o da Agricultura à líder dos grandes produtores e proprietários rurais do Centro-Oeste; o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior a um usineiro do Nordeste; e o das Cidades ao representante do lobby imobiliário paulista.

O balanço do primeiro mandato não é auspicioso para o segundo, do ponto de vista das relações políticas com o Congresso. Dilma nunca conseguiu estabilizar a própria base parlamentar nem superar seus conflitos com a bancada do PT. Nos bastidores dessa relação, sempre que enfrenta dificuldades, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba por exercer uma tutela velada sobre a Presidência. Diz-se que não será o caso agora, que o líder petista perdeu posições na cozinha do Palácio do Planalto, mas esse conflito entre o criador e a criatura — cuja origem bíblica remonta ao livro do Gêneses —, também é coisa de governo velho.

Demétrio Magnoli - A esquerda palaciana

• Aécio Neves declarou, há pouco, que Levy enfrentará mais dificuldades com o PT que com a oposição

- O Globo

“Vamos fazer a disputa dentro do governo.” O objetivo, definido por Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares (CMP), é uma sentença opaca para os “de fora”, mas uma senha cristalina para os “de dentro”. A “frente de esquerda” articulada duas semanas atrás numa reunião no Largo São Francisco, em São Paulo, é o veículo para a soldagem de partidos, centrais sindicais e movimentos sociais ao governo de Dilma Rousseff. É, ainda, de um modo menos direto, uma ferramenta da candidatura presidencial de Lula da Silva em 2018.

O conclave contou com representantes do PT e do PCdoB, partidos governistas, mas também do PSOL e do PSTU. No Largo São Francisco, os dois partidos aceitaram a condição de sublegendas informais do PT. Lá estava a CUT, que obedece ao comando lulista, mas também a Intersindical, um pequeno aparelho do PSTU. A presença do MST, da Via Campesina e da Consulta Popular, três nomes para a mesma substância, inscreve-se no campo do óbvio. Mais relevante foi a participação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e do Levante Popular da Juventude, que emergiram com ambições de autonomia em relação ao lulopetismo.

A Arca de Noé da esquerda adotou uma agenda de manifestações cortada na alfaiataria do PT, cujos destaques são a reivindicação de uma Constituinte exclusiva para a reforma política e a “defesa da Petrobras”, uma bandeira que deve ser traduzida como a proteção das altas autoridades do governo diante das investigações da Lava-Jato. Curiosamente, enquanto acusam Dilma de rendição às propostas de política econômica de Aécio Neves, as correntes reunidas no Largo São Francisco desenharam o esboço de um Partido de Esquerda do Planalto.

Duas mãos moveram o berço. A mão visível, de Guilherme Boulos, do MTST, funcionou como álibi para a adesão das correntes que pescam em águas situadas à esquerda do PT. A mão invisível, de Lula, apontou o rumo político da articulação, ancorando-a num porto encravado em sua esfera de influência. O espantalho convocado como pretexto para a adesão geral são as manifestações pela “volta dos militares”, que atiçam apenas o interesse de um setor ridiculamente marginal da sociedade. O jogo da verossimilhança solicitou a marcação de atos públicos pela cassação de Jair Bolsonaro, um oportuno inimigo do peito, e de repúdio ao golpe militar de 1964, que completa redondos 51 anos.

O Brasil não é para principiantes. Em tese, o “giro ortodoxo” do governo Dilma, personificado em Joaquim Levy, provocaria a configuração de uma oposição pela esquerda. Contudo, desde a ascensão do lulopetismo ao poder, a esquerda tornou-se caudatária do Palácio. A santa indignação dos “amigos do povo” contra a nomeação de Levy não se desenvolve na forma de uma ruptura política com o governo, mas em pedidos explícitos de compensações. Como esclareceu Lindbergh Farias, um petista que nunca viu motivos para camuflar o oportunismo, “fazer a disputa dentro do governo” significa emplacar “companheiros” em postos relevantes no aparelho de Estado — ou, no caso dos movimentos sociais, obter financiamentos da administração pública.

Kátia Abreu, Gilberto Kassab e Guilherme Afif são novas demonstrações da tese tantas vezes comprovada de que as convicções doutrinárias de nossos liberais conservadores não resistem à oferta de um feudo no condomínio do poder. Na era do lulopetismo, a constatação deve ser estendida a quase toda a esquerda. O segundo mandato de Dilma, iniciado sob os signos do fracasso e da crise, descortina a farsa em toda a sua amplitude: as lideranças reunidas no Largo São Francisco cumprirão dupla jornada, revezando-se entre manifestações encomendadas e conchavos de gabinete com emissários de Lula.

A “frente de esquerda” certamente atende aos interesses de seus participantes, mas, sobretudo, aos de Lula. O ex-presidente, cuja candidatura a um terceiro mandato surgiu ainda durante a campanha reeleitoral de Dilma, planeja jogar em dois times. Em princípio, alinha-se com o governo do qual é fiador. Nas semanas difíceis do segundo turno, diante do risco real de derrota, desdobrou-se em conversas com o alto empresariado para oferecer garantias de um retorno à racionalidade econômica. Por outro lado, desde a proclamação do resultado, manobra para desvincular a sua imagem dos efeitos da reorientação da política econômica. Na hipótese provável de erosão acelerada da popularidade do governo, Lula calibrará seu discurso no registro da “crítica pela esquerda”.

Aécio Neves declarou, há pouco, que Levy enfrentará mais dificuldades com o PT que com a oposição. O PSDB, sugere a declaração, estaria pronto a respaldar as “medidas impopulares” que derivam, em linha direta, de tantos anos de uma irracionalidade econômica fundada no cálculo político. Do ponto de vista de Lula, esse é o cenário ideal para a construção de uma candidatura aureolada pela promessa de retorno aos “bons tempos” de crescimento da renda e do consumo. O ministro da Fazenda faria o “trabalho sujo” do ajuste fiscal, com o apoio tácito da oposição e sob o bombardeio retórico da “frente de esquerda”. Na sequência, durante a etapa derradeira do governo agonizante de Dilma, Lula ergueria a bandeira dos interesses do “povo”, culpando a “elite” pelos sofrimentos impostos por um “banqueiro”. O longo ato de prestidigitação precisa apenas da colaboração de uma oposição incapaz de fazer política.

Os “amigos do povo” coligados na “frente de esquerda” conhecem perfeitamente a regra do jogo. Todos eles, da esquerda do PT ao PSOL, passando pela CUT e pelo MTST, sabem que operam como marionetes no teatro lulista — e que seus gritos indignados contra um golpe militar tão antigo ou um Bolsonaro tão insignificante são gestos automáticos num espetáculo farsesco. Mas isso já não importa: eles se acostumaram com a subserviência, o preço justo que pagam pela sobrevivência.

Demétrio Magnoli é sociólogo

Rogério Gentile - O padrinho prisioneiro

- Folha de S. Paulo

O segundo mandato de Dilma começa hoje com um fato bastante inusitado, mesmo para um país que coleciona episódios surpreendentes como o Brasil. Após a posse, a presidente assinará a nomeação de um ministro cuja indicação foi tramada meses atrás, ainda na campanha, numa penitenciária.

Novo titular dos Transportes, pasta com um orçamento na casa dos R$ 20 bilhões, Antonio Carlos Rodrigues (PR-SP), o Carlinhos, chega ao cargo por vontade do mensaleiro Valdemar Costa Neto, o Boy, que até pouco tempo atrás dormia no Centro de Progressão Penitenciária de Brasília --em novembro, o ex-deputado ganhou o direito de cumprir em casa o resto de sua pena.

Descontente com a atuação de César Borges, então ministro, Valdemar pressionou a presidente, por meio de sua bancada na Câmara, a trocá-lo por Carlinhos ou pelo deputado Edson Giroto (PR-MS). Como Dilma recusou, ele articulou a divulgação de um manifesto público do partido pedindo o "Volta, Lula". O texto dizia que "o momento de crise reivindica (...) o brilho de Lula no comando da nação".

Dilma não apenas continuou a bater o pé como passou a chamar Borges publicamente de o "melhor ministro dos Transportes". O PR, então, começou a negociar o apoio à candidatura de Aécio. No dia 24 de junho, Carlinhos declarou que Borges não representava o partido, do qual é secretário-geral. Dilma capitulou e, no dia seguinte, demitiu "o melhor ministro", com o compromisso de nomear no segundo mandato o apadrinhado de Valdemar.

O novo ministro, que entrou na política pelo malufismo e se diz "temperamental" ("Não é fácil trabalhar comigo"), já defendeu o nepotismo ("Contrataria meus três filhos se eles não estivessem bem empregados"). Carlinhos costuma citar as lições que aprendeu com o avô: "Ele sempre dizia: A oportunidade é careca, a gente tem de agarrar com as duas mãos [senão escorrega]"". Dilma que se cuide.

Carlos Alberto Sardenberg - Um desastre de Lula/Dilma

• Perdeu-se um momento de preço alto do óleo, que atrairia investimentos, nacionais e estrangeiros, ávidos pelos novos campos

- O Globo

O preço do petróleo tem ciclos e pelo menos parte da história funciona assim. O mundo entra em um período de crescimento — e aí falta o combustível, cuja produção estava ajustada à demanda anterior, de baixa expansão econômica. Sobe o preço do petróleo e isso viabiliza mais investimentos na exploração e produção de óleo, especialmente quando se supõe que o crescimento global é duradouro. E as pessoas têm uma tendência irresistível de achar que agora vai, e vai por muito tempo. Daí, podem acontecer duas coisas: o ciclo de expansão é longo ou curto. Neste último caso, o preço do petróleo cai e volta logo ao patamar anterior, pois a oferta fica maior que a demanda, diminuída com a redução do crescimento do PIB mundial.

Procurar, explorar e produzir petróleo novo não é atividade trivial. Requer muita tecnologia e investimentos pesados. Se o ciclo de expansão global for muito curto, às vezes nem dá tempo de se iniciar a busca. Investimentos são paralisados ainda na fase de planejamento.

Mas se o período de crescimento for longo o suficiente, os novos investimentos vão a campo, viabilizados pela contínua alta da demanda. Foi o que aconteceu nos anos 90 e no início deste século 21, até a grande crise de 2008/09. O consumo mundial de óleo subiu o tempo todo e chegou aos 93 milhões de barris/dia.

Preços foram para a lua e viabilizaram mesmo a produção do petróleo caro — e caro, nesta história, é sempre em relação à mixaria que se gasta na Arábia Saudita para tirar um barril de óleo bom: menos de US$ 5. Para comparar: nosso petróleo mais barato, o da Bacia de Campos, sai por algo como US$ 15 o barril.

Já o óleo novo, do pré-sal, varia de US$ 30 a US$ 70. No seu programa de investimentos até 2018, a Petrobras fez todas as contas considerando o barril a US$ 100 na média do período.

Pois o preço está abaixo dos US$ 60.

Ficando assim, inviabiliza alguns campos e reduz as margens de lucro de todos os outros. Quer dizer, o investimento fica proporcionalmente mais caro.

Quando se olha para a economia mundial, o que se vê hoje? Entre os desenvolvidos, só os EUA vão bem. A recuperação ainda é moderada, diz o Federal Reserve, Fed, o banco central deles. Mas é muito melhor do que ocorre no Japão e na Europa, onde só a Inglaterra tem dados animadores.

A China, motor emergente, está em clara desaceleração. Em consequência, o resto do mundo necessariamente cresce menos. E não dá alimento para novas altas do petróleo.

Para alguns economistas, o capitalismo já era, de modo que, no máximo, teremos ciclos muito curtos de crescimento modesto. O que vem depois? Não dizem. Não sabem.

Mas se aceitarmos que o capitalismo é o melhor sistema que a humanidade conseguiu criar, a melhor ideia disponível, então certamente teremos novos longos ciclos de crescimento.

Portanto, para os países que têm boas reservas de petróleo, é só ter calma, moderar os investimentos atuais (fatal), mas ficar preparado para um novo ciclo de crescimento global. Certo?

Mais ou menos. É verdade que o óleo negro é a mais eficiente fonte de energia jamais descoberta.

Mas é poluente. Isso não era importante quando se iniciou a era do petróleo, mas agora, obviamente, é.

Além disso, acontece que boa parte da humanidade, a maior parte, está farta dessa dependência do petróleo. Primeiro, porque dá excessivo poder político aos donos do óleo. Segundo, porque transfere muita riqueza a esses donos. Depois, porque picos e vales dos preços desarrumam a economia global, ora gerando inflação, ora deflação.

Resultado, está todo mundo procurando e desenvolvendo outras fontes de energia que, a cada dia, tornam-se mais viáveis, econômica e tecnicamente. Aqui cabem desde as novas formas de se obter óleo e gás, como a extração do xisto, até as outras fontes, etanol, palha de cana, vento, sol, e um mundo de alternativas nas quais trabalham centros de tecnologia pelo mundo afora.

Tudo considerado, fica evidente que o Brasil, nos governos Lula e Dilma, perdeu uma imensa oportunidade. Cinco anos sem leilão para a exploração de novas áreas, enquanto se discutia e se tentava aprovar a nova forma de dividir o dinheiro do óleo, deixaram um enorme prejuízo. Perdeu-se um momento de preço alto, que certamente atrairia investimentos, nacionais e estrangeiros, ávidos pelos novos campos.

Quando se juntam a cobiça e a miopia política, histórica e econômica, o resultado só pode ser um imenso desastre. Lula e Dilma anunciaram a autossuficiência em petróleo e a devolução da Petrobras ao povo brasileiro, para terminar importando combustível caro e jogando a Petrobras no mar da corrupção e do atraso. Sem contar a quase destruição do etanol. Pode haver desastre maior que esse?

Não ouviram o sábio ensinamento do xeque Yamani, inventor da Opep: a Idade da Pedra não terminou por falta de pedra.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Celso Ming - Ano de ajuste

- O Estado de S. Paulo

Este 2015 está sendo apresentado pelo governo Dilma como um ano de ajuste. Por enquanto, sabemos de apenas três ajustes importantes: o fiscal, o monetário e o de preços. Decididamente, não é o suficiente para garantir o crescimento econômico nos anos seguintes - já que a faxina não promete grande coisa na atividade econômica de 2015.

O saneamento das contas públicas (ajuste fiscal) prometido pelo ministro indicado para a Fazenda, Joaquim Levy, aquele que, em 2015, produzirá um superávit primário (poupança do governo) de 1,2% do PIB, ou R$ 66 bilhões, será realizado num ambiente de redução de subsídios e de baixo avanço do PIB, portanto, de dificuldades para aumentar a arrecadação. O serviço mais pesado terá de se concentrar na redução das despesas, num quadro em que o Tesouro não poderá mais ser usado para transfusões diretas de recursos para os bancos públicos ou para empresas de energia.

Na área monetária, o combate à inflação ficará concentrado no aperto do volume de dinheiro na economia (alta dos juros). Depois de muita vacilação, o Banco Central passou a prometer que "fará o necessário" para controlar a inflação. Isso implica crédito mais caro e mais escasso. O objetivo é obter a convergência para a meta de inflação, de 4,5%, não em 2015, mas em 2016.

Parte necessária no ajuste é o realinhamento de preços que, por sua vez, tem também a ver com a redução dos subsídios à energia elétrica, aos transportes públicos, ao crédito dos bancos oficiais. Ao longo dos últimos quatro anos, o governo Dilma caiu na esparrela em que caíram outros governos: o represamento artificial de preços, inclusive os da moeda estrangeira (câmbio). É o mesmo que segurar os ponteiros do relógio para impedir a passagem do tempo. Essa distorção produziu outras e foi enorme fonte de insegurança. Qual é, por exemplo, a empresa dependente de energia elétrica que vai investir se não sabe se poderá contar com suprimento adequado de energia?

Esses ajustes serão de grande valia para a recuperação da confiança. Mas não serão suficientes. É necessário bem mais para acionar o investimento. É preciso garantir o crescimento da poupança e a criação de mecanismos que a captem no mercado para que, em seguida, possa ser canalizada para projetos de infraestrutura.

Também será necessário recuperar a competitividade da indústria, que é mais do que simplesmente trazer o câmbio para dentro da curva. O governo não só terá de detalhar um programa de redução de custos, mas, também, de fechar acordos comerciais que criem preferência para o setor produtivo.

Mas, cá entre nós, a questão técnica é relativamente fácil de equacionar. É só aplicar o que prescrevem os manuais. O grande problema é de outra ordem. Consiste em saber até que ponto a presidente Dilma está disposta a sustentar o preço político de um ajuste, ainda que lento e gradual. Usou os pedaleiros da hora para tocar a política econômica que ela escolheu e os descartou. Agora, convocou a dupla ortodoxa Levy e Barbosa para consertar os estragos. Boa aposta consiste em saber até quando vai mantê-los.

Míriam Leitão - E se...

- O Globo

E se o ano não for como todos calculam que ele será? E se deixarmos de lado um pouco a racionalidade, a métrica, os indicadores, os dados concretos e prováveis só porque hoje é primeiro de janeiro? Haverá posse nas capitais, e muita gente está com ressaca da virada do ano. Em geral, o novo calendário abre sempre com esperança, mas sobre 2015 os analistas falam só das dificuldades.

Não estou propondo aqui, queridos leitora e leitor, um exercício de alheamento da realidade, apenas quero sugerir uma breve trégua para todos nós. Merecemos. Nós sabemos tudo, é de mau gosto lembrar logo no feriado, no primeiro dia do ano, que 2015 está sendo apresentado por economistas de várias correntes como o ano difícil. O ano do ajuste. Se for para lembrar só as dificuldades eu teria que começar dizendo: "Feliz 2016"," mas depois teríamos que saber o que fazer com os 365 dias que viveríamos à espera de que chegasse o ano venturoso.

O que temos agora é mesmo 2015, por isso é melhor imaginar neste começo que ele pode dar certo. Por que não? Seria assim: ele começa com indicadores difíceis, como a inflação, cujo índice alto do primeiro trimestre já foi contratado; o governo terá que cortar gastos e equilibrar despesas e receitas e isso vai bater no nosso bolso; as confusões elétricas também vão pesar sobre o orçamento. Isso aí não dá mais para negociar, foi plantado no passado, será colhido agora. Mas e se o ano começar a melhorar depois de certo momento? Começaria em baixa para ir melhorando ao longo do caminho até chegar a dezembro em situação bem melhor que em janeiro. Esse é um cenário possível.

Não será fácil, mas estou dando tratos à bola aqui para não aumentar sua dor de cabeça. Afinal, já chega aquela culpa que bate por ter exagerado um pouco no champanhe da virada. Ninguém merece ler uma coluna de economia que fique lembrando do real da vida bem no nascer de um novo ano. Fácil não será, mas possível é.

Houve anos de ajustes nos quais as boas novas vieram logo. Houve desastres prováveis que não vieram.

O que foi a virada para 1999? Tudo parecia assustador, o câmbio por um fio, e era ele que segurava a moeda. Explodiu a política cambial logo no dia 13 e no final daquele janeiro parecia que o Brasil iria acabar. Pelo menos era isso que diziam os analistas estrangeiros. O ano foi se aquietando, o então presidente do Banco Central Arminio Fraga introduziu, diante do descrédito geral, as metas de inflação, e elas estão até hoje funcionando. Assim, o ano terminou melhor do que começou e 2000 foi de crescimento. Mas o inverso também pode acontecer. As previsões otimistas para 2001 foram por água abaixo, por falta d"água. Reservatórios vazios, falta de planejamento, resultado: ano do apagão.

O país entrou em 2003 também pé ante pé. Com medo da disparada do dólar na eleição do ex-presidente Lula. O ministro Antonio Palocci chegou com sua turma — na qual estava Joaquim Levy — e o presidente do Banco Central Henrique Meireles chegou também com seu time. Aquele ano foi melhorando ao longo dos dias.

Casos e águas passadas só para lembrar que não é tão fora de propósito assim achar que o ano pode não ser ruim como previsto pelos economistas. Não houve aquele jogo que seu time entrou derrotado e saiu vitorioso? E aquele amor que você achava impossível e acabou sendo seu? Ao longo do ano aqui estarei, racional por dever de ofício, mostrando os riscos e problemas da economia brasileira. Mas neste primeiro dia de 2015 prefiro lembrar que as projeções econômicas são feitas para serem desfeitas. Merecemos um ano bom, e ele só começou.

Novo governo, rumo novo? - O Estado de S. Paulo / Editorial

A primeira e mais importante missão da presidente Dilma Rousseff, em seu segundo mandato, será reparar os danos que causou ao Brasil em seus primeiros quatro anos como chefe de governo - um dos períodos mais desastrosos da história republicana. O desafio mais visível será consertar as finanças públicas, mais esburacadas que as de várias economias europeias, muito mais afetadas pela crise internacional. A agenda total incluirá o controle de uma inflação bem acima da meta de 4,5%, a dinamização de uma economia estagnada e a redução do déficit nas contas externas. Se fizer o necessário, seguirá um roteiro em grande parte proposto pela oposição na campanha eleitoral e execrado por ela mesma - e por seu guru Luiz Inácio Lula da Silva - como conservador, recessivo, antipopular e favorável aos banqueiros. Passada a eleição, Lula a aconselhou a entregar a alguém de boa reputação no mercado financeiro a condução da política econômica.

A presidente reeleita seguiu o conselho, mas falta saber se ela e o próprio Lula têm uma ideia clara da extensão e da seriedade dos males acumulados na longa gestão petista e agravados nos últimos quatro anos. Não se pode afirmar com certeza, por enquanto, se estão mais preocupados com a imagem do governo e com o risco de mais um rebaixamento de sua nota de crédito ou se percebem, de fato, a necessidade urgente de uma virada na política econômica. Essa virada, se ocorrer, só produzirá efeitos duradouros se corresponder ao abandono das políticas testadas e fracassadas na última década.
Nos 12 meses até novembro, o déficit nominal do setor público - incluídos, portanto, os juros da dívida - chegou a R$ 297,4 bilhões, 5,82% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa proporção é superior à observada na maior parte dos países europeus, mas a presidente Dilma Rousseff, em seus pronunciamentos, tem negado esse fato.

Da arrumação dessas contas dependerá o sucesso do governo em todas as outras frentes, a começar pelo combate à inflação. Mas o acerto das contas públicas envolverá o abandono das principais políticas seguidas pelo governo há muitos anos - como as desonerações a setores selecionados, o crédito oficial subsidiado pelo Tesouro e o uso de dinheiro público para remendar os estragos impostos ao setor elétrico pelo voluntarismo da presidente. O reajuste das contas de luz já começou e o consumidor terá de pagar, afinal, pelo custo real da energia.

Os índices de preços ao consumidor serão fortemente afetados pela correção das contas de eletricidade e pela atualização das tarifas de transporte coletivo, congeladas por pressão do governo federal. Esses aumentos serão somados a outros fatores inflacionários, como a provável valorização do dólar. O ajuste das contas públicas e uma política monetária realista poderão reduzir a demanda excessiva, mas o efeito será provavelmente gradual. Tudo somado, a inflação ainda poderá aumentar, antes de começar a convergir para a meta de 4,5%.

A retomada do crescimento dependerá, no entanto, de mais investimentos e de ganhos de produtividade. Sem isso, será impossível conquistar espaços no mercado internacional. Para a indústria, até a reconquista do espaço perdido no mercado interno será muito difícil, se a produtividade continuar baixa. Será preciso cuidar dos custos e da eficiência, num ambiente com menores subsídios, menores favores fiscais e maior dependência do financiamento privado. Mas o futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, aponta precisamente para essa direção e ainda acena com uma política de maior abertura de mercado. A abertura já funcionou como estímulo à busca de competitividade e poderá funcionar de novo, mas o ajuste será inicialmente penoso.

Se escolher esse caminho, a presidente deverá abandonar o populismo e suportar o custo de uma política realista. Terá de resistir às pressões habituais, muito mais do que tem resistido. O velho esquema de barganhas continua prevalecendo, como se vê na formação da maior parte do Ministério. Além disso, terá de enfrentar a insegurança das investigações sobre o escândalo da Petrobrás. Os próximos meses mostrarão até onde ela estará disposta a avançar.