Uma 'vergonha' de R$ 6 bi
• Petrobras assume propina e tem prejuízo de r$ 21,6 bi em 2014, 1º resultado negativo desde 1991
Bruno Rosa, Ramona Ordoñez, Marcello Corrêa, Henrique Gomes Batista e Rennan Setti – O Globo
Escândalos em série
Após cinco meses de atraso, a Petrobras reconheceu um impacto de R$ 6,2 bilhões em seus resultados do terceiro trimestre de 2014 referentes aos valores desviados em esquemas de corrupção investigados na Operação Lava-Jato, da Polícia Federal. A estatal informou ao mercado ter tido prejuízo de R$ 21,58 bilhões no ano passado, o primeiro resultado negativo anual desde 1991, quando registrou perdas de R$ 1,21 bilhão, segundo dados da Economática. Em um ano particularmente difícil para o setor em razão da queda do preço do petróleo, a empresa foi afetada não só pelo pagamento de propinas, como também por reconhecimento de perdas de R$ 44,63 bilhões em razão da desvalorização de ativos.
O anúncio dos resultados era aguardado com expectativa no mercado em razão das incertezas sobre o impacto da corrupção e da indefinição quanto à metodologia que seria empregada pela estatal. Segundo analistas, apesar de se tratar de um sinal positivo, o trabalho da Petrobras para recuperar sua imagem apenas começou. Segundo a petroleira, os pagamentos adicionais indevidos atingiram contratos que, no total, somaram R$ 199,6 bilhões. A baixa contábil provocada por corrupção ficou concentrada no resultado do terceiro trimestre do ano passado, em razão "da impraticabilidade de se determinar os efeitos específicos em cada período no passado".
Perdas com Comperj e Abreu e Lima
Os R$ 6,2 bilhões - que equivalem a cinco reformas do Maracanã - foram calculados usando um percentual fixo de 3% sobre o valor dos contratos, número citado nos depoimentos da Lava-Jato. Para definir o período e o montante de gastos adicionais, a Petrobras levantou todas as companhias citadas como integrante do cartel e concluiu, com base nos depoimentos, que o período de atuação do esquema de pagamentos indevidos se estendeu de 2004 a abril de 2012. Segundo o presidente da estatal, Aldemir Bendine, não são esperadas novas baixas relativas à corrupção em razão das investigações da Lava-Jato.
- A gente está com um sentimento de vergonha por tudo o que a gente presenciou. Ainda não temos muito claro se foi de fora para dentro ou de dentro para fora, mas peço que as pessoas continuem acreditando na empresa. A Petrobras não tem hoje nenhum pagamento atrasado - disse Bendine, que prometeu tentar recuperar os recursos perdidos pela empresa. - Vamos agir com o máximo rigor. Vamos buscar todos esses valores, sejam das pessoas que praticaram esse processo assim como das empresas que fizeram parte dessa cartelização e que aderirem a acordos de leniência, isso voltará para nós também.
De acordo com os resultados, 55% das perdas com corrupção foram detectadas na área de Abastecimento, que foi controlada por Paulo Roberto Costa, num total de R$ 3,42 bilhões. Já a área de Exploração e Produção registrou perdas de R$ 1,97 bilhão, equivalente a 32% do total. O restante apareceu nas áreas de Distribuição, Internacional e Corporativo.
Os principais impactos no reconhecimento de perdas por desvalorização de ativos - que somaram R$ 44,63 bilhões - foram causados pela Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e pelo Comperj. A refinaria em Pernambuco representou perdas de R$ 9,143 bilhões. O projeto do Comperj, sozinho, representou perdas de R$ 21,833 bilhões.
- Os projetos foram hibernados e serão retomados à medida que a empresa tenha capacidade de geração de caixa. Ainda não há uma data para entrada em operação. A unidade de refino do Comperj está com 86% das obras concluídas e pelo fato de sermos importadores de refino, a empresa vai retomar os projetos no futuro. Para a unidade de petroquímicos, vamos buscar um sócio - disse Bendine.
Segundo o presidente da estatal, a apresentação dos resultados auditados é importante para recuperar a credibilidade da empresa. Bendine afirmou que o balanço contou com o aval dos auditores da PwC, mas, até o fechamento desta edição, a estatal ainda não havia publicado o relatório completo no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que regula o mercado financeiro.
- Estamos dando um passo fundamental em direção ao pleno resgate da credibilidade da Petrobras junto a acionistas, fornecedores, ao mercado e à sociedade - disse Bendine. - A Petrobras não vai parar. Não vai entrar em marcha à ré.
Bendine disse ainda que a empresa vai retomar sua capacidade de geração de valor e adiantou que a estatal divulgará mudanças em seu plano de negócios.
Em janeiro a Petrobras informou, em balanço não auditado, que havia registrado lucro líquido de R$ 3,087 bilhões no terceiro trimestre de 2014. Agora, a empresa indica um prejuízo de R$ 5,339 bilhões no período. Segundo os resultados da estatal, isso ocorre porque, a Petrobras considerou as perdas de R$ 6,2 bilhões com corrupção e estima que haverá um risco maior de calote nos créditos que tem a receber do setor elétrico, além de ter reavaliado ativos afetados pela queda do preço do petróleo.
Redução dos investimentos até 2016
Para 2015, a empresa prevê investimentos de US$ 29 bilhões, um patamar inferior aos US$ 35 bilhões do ano passado. Para 2016, o investimentos cairá para US$ 25 bilhões. A estatal prevê ainda uma necessidade de captações de US$ 13 bilhões neste ano. Assim, a companhia deve chegar ao fim do ano com caixa de US$ 20 bilhões.
Para 2016, a Petrobras prevê desinvestimentos de US$ 10 bilhões e uma produção total de 2,886 milhões de barris. Atualmente, a produção gira na casa dos 2,5 milhões de barris. Para 2016, o investimentos será de US$ 25 bilhões.
Ao comentar as recentes captações anunciadas pela empresa, Bendine negou que a empresa esteja planejando vender ativos do pré-sal. Ele negou que as recentes captações no mercado financeiro prevejam outras contrapartidas, como uma suposta troca de petróleo com a China. Bendine disse ainda que a Petrobras não vai pagar dividendos aos acionistas referentes a 2014.
O balanço desta quarta-feira indicou ainda que o preço internacional do petróleo provocou perdas de R$ 10 bilhões na exploração e produção de petróleo e gás natural. Já a redução na demanda e nas margens do segmento petroquímico, segundo a Petrobras, provocaram perdas de R$ 2,9 bilhões.
O endividamento total da companhia cresceu 31% em 2014, passando de R$ 267,8 bilhões, em 2013, para R$ 351,0 bilhões no ano passado. A maior alta ocorreu em papéis de curto prazo, que passaram de R$ 18,8 bilhões em 2013 para R$ 31,6 bilhões em 2014, uma alta de 68%.
Apesar dos problemas, o faturamento da Petrobras cresceu 10,6% no ano passado, atingindo R$ 337,26 bilhões. Isso graças ao fato de a companhia ter reajustado preços dos combustíveis que vende no Brasil acima dos preços internacionais. A estatal ressaltou que houve aumento da demanda por derivados no mercado interno.