sábado, 14 de março de 2020

Entrevista: ‘Programa político não há. A luta de Bolsonaro é pelo poder’, diz Luiz Werneck Vianna

Entrevista com Luiz Werneck Vianna

Cientista político diz que presidente não tem diretriz e adiamento de atos não encerra pressão sobre Congresso e STF

Wilson Tosta | O Estado de S.Paulo

RIO - O recuo do presidente Jair Bolsonaro do apoio às manifestações contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), marcadas para o domingo, 15, não encerra a disposição do mandatário de pressionar os outros poderes, avalia o cientista político Luiz Werneck Vianna. O pesquisador vê na mobilização – temporariamente suspensa pelo presidente na quinta-feira – “uma tentativa de forçar os limites da institucionalidade, para rompê-la”.

O objetivo seria “totalizar a política brasileira por um projeto de poder”, sem objetivo. Segundo ele, diferentemente do que ocorreu no governo de Jânio Quadros (1961) e na ditadura (1964-1985), a iniciativa autoritária que atribui a Bolsonaro não tem programa. “É o poder pelo poder, para acumular poder”, diz ao Estado o intelectual, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio.

Werneck Vianna afirma que, em sua ofensiva contra as instituições, Bolsonaro apela a uma “ralé”, como descrita por Hanna Arendt (1906-1975), fração social formada por ressentidos de diferentes classes. Esse grupo social, ressalta, é uma realidade nova e pode se tornar base do presidente. O pesquisador diz que o sistema político foi muito atingido pela Operação Lava Jato e lamenta que o País não tenha líderes como foram Ulysses Guimarães (1916-1992) e Tancredo Neves (1910-1985). Diz esperar que surjam novas lideranças políticas e explica sua esperança com variação da frase de Guimarães Rosa em Sagarana: “O sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão (necessidade)”.

• O recuo do presidente foi apenas “físico”, por causa do coronavírus, ou foi também uma coisa política?

Foi político. Ele sentiu o esvaziamento. O coronavírus foi a sopa no mel.

• O senhor acha que isso encerra o episódio ou o presidente tende a, mais adiante, retomar esse enfrentamento das instituições?

Essa coisa vai ser retomada, sim, quando ele encontrar condições favoráveis. Faz parte da natureza desse regime. É destruir as instituições da democracia política. E com apoio de massas.

• Como o senhor analisa a convocação da manifestação que foi suspensa?

Há uma tentativa de forçar os limites da institucionalidade para rompê-la. Há uma estratégia por trás de tudo isso, que é a conquista do poder político total.

• Seria um gesto cesarista?

Há uma tentativa de totalizar a política brasileira por um projeto de poder. Porque programa político não há. A luta é pelo poder. Ele quer todo o poder possível, acumular poder, maximizar poder. O limite do poder é o poder. Então, esse é que o leitmotiv dessa ação presidencial. Não tem programa nenhum.

• Não tem finalidade?

É o poder pelo poder.

• Isso tem precedente na história do Brasil?

Tem precedente sim, mas havia um programa envolvido. Agora não tem programa nenhum...

• Qual seria o precedente?

O Jânio (presidente em 1961 por sete meses, até renunciar) tinha um programa. Terceiro-mundista lá, aquela época do Terceiro Mundo, naquele contexto. Do (presidente egípcio Gamal Abdel) Nasser (1918-1970), ele andava até com umas roupas…O safári…

É… O Jânio tinha um programa muito definido. Agora, não tem, Qual é o programa? O próprio regime militar, que não apelou às massas, mas quando tomou todo o poder para si tinha um programa, de modernização por cima da sociedade. Agora não tem.

• O senhor acha que nesses atos o presidente poderia se dirigir diretamente às pessoas?

Acho que há, na verdade, um projeto de fascistização do poder político no Brasil. A minha conclusão é essa. Não tem programa econômico, não tem programa social, não tem programa de sociedade, de país, de nada. Quer o poder todo. Para fazer o quê? Conservar poder, mando.

• E as pessoas comuns envolvidas nisso? O que as move?

Às elites econômicas, interessaria o caminho de eliminação de obstáculos sociais à acumulação. Agora, mas só isso? A esta altura, não nos basta. A economia não tem andado. Não tem obstáculo nenhum, nenhum, nenhum diante dela. Ela não anda porque não anda, porque não tem agentes econômicos interessados, envolvidos, não tem sociedade para isso. Este governo não tem programa econômico algum. Tem um programa político, de extrair o máximo de poder possível de todas as fontes existentes de poder. Para fazer o quê? Para exercer o poder total.

Merval Pereira - Realidades distintas

- O Globo

Realidade crua destrói teorias conspiratórias, como no caso brasileiro, que obrigou Bolsonaro a usar máscara

O presidente Bolsonaro aproveitou até mesmo a desmobilização de seus seguidores para cutucar os congressistas, que dias antes haviam dado um troco a seu governo ao derrubar irresponsavelmente um veto seu, criando uma despesa nova de R$ 20 bilhões sem saber de onde esse dinheiro viria.

Diante da crise do Covid-19, o presidente foi obrigado a aconselhar seus seguidores a não fazerem as manifestações programadas para amanhã, mas fez do limão uma limonada.

Criticou indiretamente o Congresso de todas as maneiras que pôde, comemorando um suposto “recado das ruas” contra os políticos. Não aproveitou a ocasião para pacificar os ânimos, ao contrário.

A direita internacional está usando a crise do novo coronavírus para reforçar a tese nacionalista de que fechar as fronteiras é a melhor resposta à globalização, que estaria sendo confrontada pela realidade.

O presidente dos Estados Unidos Donald Trump tentou inicialmente minimizar as conseqüências da crise de saúde pública mundial, mas teve que se curvar aos fatos. Aproveitou para jogar sobre a União Européia a culpa da disseminação do vírus, e fechou os aeroportos aos europeus, com exceção dos ingleses, como se o brexit fosse uma fronteira intransponível para o Covid-19.

Os extremistas americanos atribuem a situação a uma manobra política da esquerda para derrotar Trump. Outros acham que é uma jogada da China, que sairia fortalecida política e economicamente sendo o primeiro país a controlar a crise. Até mesmo os grandes laboratórios farmacêuticos estariam por trás da crise, em busca de lucros no capitalismo selvagem.

A mesma postura regressiva foi utilizada aqui por Bolsonaro, que tentou mascarar a verdade atribuindo a pandemia a uma ação conjunta da “grande mídia internacional”, que estaria fantasiando a realidade, não se sabe com que intenções. Talvez impedir a “decolagem” da economia brasileira, que, na visão do ministro da Economia Paulo Guedes, estava prestes a acontecer.

Ascânio Seleme - Saúde e política

- O Globo

Não há dúvida de que a pandemia de coronavírus vai ser usada politicamente no Brasil e em todo lugar

Nenhuma dúvida de que a maior crise sanitária global desde a gripe espanhola vai ser usada politicamente aqui e em todo lugar. Nos Estados Unidos já virou matéria central da recém-iniciada campanha para a eleição presidencial de novembro. Os sinais são evidentes. Donald Trump, que menosprezou o coronavírus dizendo que não era nada, que iria passar etc., acabou tomando uma medida tão sem precedentes que guarda uma conotação política evidente. Ao anunciar a suspensão de voos da Europa para os EUA, Trump disse “nosso time é o melhor do mundo (...) tomamos intensas ações e temos muito menos casos do que a Europa (...) a União Europeia falhou”.

Papo furado. Os EUA foram pegos de calça curta e só começaram efetivamente a se mobilizar nesta semana. Ninguém irá se surpreender se em alguns dias houver mais casos lá do que na Europa, Itália inclusive. O que Trump quis dizer na sua fala é que não lhe cabe qualquer responsabilidade, que ele fez o dever de casa. Não é verdade. As ações do seu governo foram tímidas desde o começo e eram endereçadas apenas para a China. Ainda agora, fora o cancelamento dos voos da Europa, todas as iniciativas estão sendo tomadas por prefeitos e governadores ou por instituições privadas como universidades, museus e ligas esportivas.

Na terça-feira passada, Trump chegou a acusar a Organização Mundial de Saúde (OMS) de mentir sobre a taxa de mortalidade do vírus, de 3,4%. Além de minimizar a transmissão do vírus, dizendo que “isso vai passar”, o presidente se mostrou surpreso com o dado quando a ele foi apresentado numa entrevista para a Fox News. “Eu acho que o número 3,4 por cento é um número realmente falso”. Ele disse esta barbaridade um dia antes de a OMS oficializar a pandemia de coronavírus. E só então sua ficha caiu.

A mobilização em curso nos EUA ocorre também em razão do esforço das grandes emissoras de TV, abertas ou por cabo, que dedicam 70% a 80% de seus espaços noticiosos para esclarecer as pessoas, ouvir médicos, infectologistas, especialistas que trazem informações de como proceder. Nenhuma autoridade sanitária se manifestou oficialmente até aqui, apenas em entrevistas. Quem fala aos americanos são os líderes políticos. A discussão sobre o coronavírus ganhou contorno político e será o principal tema do debate entre os pré-candidatos democratas Joe Biden e Bernie Sanders, domingo.

Em Nova York, o protagonismo foi assumido pelo governador Andrew Cuomo e pelo prefeito de NYC, Bill de Blasio, ambos democratas. Foram eles que arregaçaram as mangas, colocaram seus coletes e bonés e ganharam as ruas. Em Washington, a presidente da Câmara, a também democrata Nancy Pelosi, saiu na frente e convocou a imprensa ontem para dizer num solene pronunciamento que os democratas estavam aprovando um pacote contra o coronavírus e a favor das famílias americanas. Poucas horas depois, Trump anunciou um plano de emergência liberando US$ 50 bilhões para atender pacientes e hospitais.

Míriam Leitão - Difícil proteção da economia

- O Globo

Não há espaço fiscal, mas o momento é de emergência e a equipe econômica terá que encontrar recursos para amenizar a crise

A arrecadação vai cair porque a atividade econômica está se enfraquecendo, a privatização da Eletrobras pode não acontecer — ou por não ser aprovada pelo Congresso, ou pela volatilidade dos preços das ações — os royalties de petróleo serão menores do que o previsto. O crescimento será mais baixo ainda do que a nova previsão feita pela equipe econômica. O déficit vai aumentar. É improvável que o governo consiga cortar despesas na mesma dimensão da perda de receitas. Por isso o déficit vai subir. A dúvida é sobre a dimensão do pacote de estímulo econômico para mitigar os efeitos do coronavírus.

O Ministério da Economia ainda não concluiu as projeções da redução da receita com a queda da expectativa de crescimento que fez esta semana. Reduziu de 2,3% para 2,1%. Terá que diminuir mais. A cada revisão precisará cortar a receita prevista e fazer o contingenciamento da despesa. Uma coisa se sabe nesta altura da pandemia: não poderá cortar em saúde, a maior despesa do orçamento. Pelo contrário, terá que elevar. As convicções fiscalistas da atual equipe econômica serão testadas.

Esta semana marca o momento importante em que a equipe econômica sai da negação. Até agora, a resposta do ministro Paulo Guedes era que enfrentaria a crise com as reformas que estão no Congresso e as que não consegue tirar da mesa do presidente. A administrativa foi esvaziada, e a tributária é muito tímida. Se as propostas fossem boas e amplas, elas produziriam avanços estruturais, mas o governo precisa ter medidas emergenciais para o atual momento de incerteza e eventuais inesperados. Portanto, aprovar reformas pode ser bom, mas não resolve problemas agudos.

Sérgio Augusto - Vilão invisível

- O Estado de S.Paulo

Sartre se torna o filósofo do momento. Agora, mais do que nunca, o inferno são os outros

A gente senta para escrever uma coluna. Tema livre. Livre ma non troppo. Dois temas forçam a porta: nossa catástrofe econômica e a pandemia coronavirótica. Como evitá-los, se as pessoas só falam e querem falar deles? Como sair, sem culpa, pela tangente, desviar-se por amenidades, perder-se na estratosfera cultural, divagar sobre coisas mais leves, menores, miúdas? Miúdas como o pibinho da dupla caipora Jair & Guedes, por exemplo.

Versava sobre o pibinho a última crônica de Gregório Duvivier, na Folha de S. Paulo. Divertida, como sempre, com os inuendos fálicos de que o nosso diminuto produto interno bruto nunca escapa quando encolhe além do esperado. Esperado pelos entendidos, não por mim, que nada entendo de economia, só ajudo a pagar a conta. E é justamente porque, como todos vocês, ajudo a pagar a conta, que me preocupo com os rumos da economia.

No final do século passado, ainda no governo FHC, com o dólar a R$ 1,20, reivindiquei, na revista Bravo!, o direito de falar de economia mesmo sendo leigo no assunto, porquanto numa enquete com palpites de diversas categorias profissionais sobre o futuro da economia mundial, nos dez anos seguintes, os economistas não tiraram o primeiro lugar. Nem o segundo. Nem o terceiro.

Mais surpreendentes foram os campeões de acertos: os lixeiros europeus.

De onde viria a presciência do pessoal da limpeza urbana?, perguntei-me na época. A única pista encontrada foi que os lixeiros talvez tenham uma visão mais clara, além de empírica, de como funciona a economia por trabalharem em contato direto e permanente com o que a sociedade consome, desperdiça e joga fora. O lixo é um dos índices mais confiáveis de nosso poder de compra e de nossa capacidade para controlar gastos.

Adriana Fernandes* - Até quando?

- O Estado de S.Paulo

Não há um momento de trégua entre o governo e os líderes do Congresso

É inacreditável que depois de a pandemia do coronavírus mostrar a sua cara no Brasil, ameaçando a população e derrubando o Produto Interno Bruto (PIB) do País, ainda se veja uma sequência de bate e apanha entre governo e Congresso.

Não há um momento de trégua entre as duas partes para, juntas, traçarem uma estratégia de votação de projetos importantes para o País segurar o tranco enquanto os efeitos da pandemia estiverem por aí.

Dane-se a população.

Um plano de contingência para as próximas votações já deveria estar sendo traçado. E não só para avançar nas ditas reformas, mas também para a votação dos créditos extraordinários e as medidas de curto prazo que o governo deverá enviar ao Congresso para atender as necessidades mais urgentes do combate do vírus em várias frentes.

De um lado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobra de Paulo Guedes responsabilidade para anunciar um plano organizado e eficiente. Em seguida, Guedes responde a Maia cobrando do Congresso avanço das reformas.

Assim, os dias estão se passando sem que nada aconteça de fato. Só elencamos até agora frases de efeito de cada lado, que alimentam os cliques das redes sociais.

Alguém já se perguntou como ficará o quadro se o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tiver que suspender as sessões?

José Márcio Camargo* - De volta ao paraíso

- O Estado de S.Paulo

Suspender ou flexibilizar o teto fatalmente levará a uma reversão da trajetória de queda dos juros

Na semana passada, o Congresso derrubou o veto do presidente Bolsonaro ao projeto que aumenta o limite para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) de ¼ para ½ do salário mínimo. Segundo o Ministério da Economia, isso significa um aumento de gasto obrigatório de R$ 20 bilhões em 2020 e R$ 217 bilhões em dez anos, o que tornaria impossível o cumprimento do teto para o crescimento do gasto público. Uma decisão em total desacordo com as necessidades do País.

No final de 2019, o governo enviou ao Congresso três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que, em conjunto com a PEC da Regra de Ouro, caso aprovadas, criariam condições para a redução dos gastos obrigatórios do governo e tornariam o teto do gasto sustentável. A derrubada do veto ao aumento do limite do BPC faz com que a aprovação dessas propostas seja uma condição necessária, mas talvez não suficiente, para a manutenção do teto.

A pandemia da covid-19 é uma emergência que vai requerer recursos públicos e, portanto, redução de outras despesas para que o teto seja respeitado. Este é um dos objetivos do teto dos gastos: criar na sociedade brasileira (população, Legislativo e Executivo) a cultura de ordenar e definir prioridades no processo orçamentário. As quatro PECs que estão no Congresso viabilizam essas escolhas ao diminuir os gastos obrigatórios. A opção seria suspender ou flexibilizar o teto, como já sugerem alguns analistas. Por que não adotar essa alternativa?

Roberto Simon* Apagão de liderança agravou crise

- Folha de S. Paulo

Apagão de liderança agravou pandemia

A política internacional, nos últimos anos, parecia guiada pela massa de pessoas anônimas. Da Praça Tahrir ao Occupy Wall Street.

Mais recentemente, das ruas de Hong Kong às do Chile. Dos tuítes, retuítes, likes e bots das redes sociais. E, agora, dos gráficos de curvas ascendentes de casos de coronavirus.

No entanto, a pandemia da Covid-19 mostra como, em um momento de crise sistêmica, as escolhas de algumas poucas pessoas com enorme poder, em certas capitais, determinarão o destino de incontáveis vidas e o futuro da economia global. Líderes, afinal, importam.

Essa virada é particularmente assustadora quando, à frente da maior potência da história da humanidade, está Donald Trump.

O risco geopolítico que Trump representa foi normalizado nos últimos anos.

Mas com o abismo do coronavírus a olhar dentro de nós, começa-se a entender o custo real de se ter, em Washington, um governo disfuncional, anticientífico, em guerra contra as instituições democráticas e a imprensa, e sem credibilidade internacional.

O mecanismo da negação foi simples. Trump herdou uma economia em expansão e pisou no acelerador cortando impostos (as consequências do déficit americano, um dia saberemos).

Em uma situação de pleno emprego e com a bolsa batendo recordes, o setor privado passou a vê-lo como uma distração excêntrica.

Apesar de tensões na Coreia do Norte, Crimeia ou Irã, o risco de guerra permaneceu baixo. E a pujança da economia americana reduziu o impacto das guerras comerciais com a China, e de outros disparates.

Com céu de brigadeiro, ninguém pensa no piloto. Agora, entramos na tempestade.

Julianna Sofia - À própria sorte

- Folha de S. Paulo

Os dois, que já rezaram o mesmo credo, agora duelam

Há uma pergunta em aberto após a derrota imposta pelo Congresso ao governo na ampliação dos benefícios assistenciais, criando uma despesa de R$ 200 bilhões em dez anos. O episódio seria também sinal de enfraquecimento do "primeiro-ministro", Rodrigo Maia? Contrário à medida, o presidente da Câmara perdera as rédeas da articulação ao não conter a fúria revanchista de congressistas contra o Palácio do Planalto? Talvez.

Mas o clima de cizânia entre o deputado e Paulo Guedes (Economia) abre espaço para outras leituras. Considerados os principais artífices da aprovação da reforma da Previdência, os dois, que já rezaram o mesmo credo, agora duelam.

Com o tranco provocado pelo pibinho de 2019, a guerra dos preços do petróleo e a coronacrise, o ministro passou a jogar sobre os ombros do Congresso a responsabilidade por uma solução. Enviou aos parlamentares uma lista com 19 prioridades legislativas para gerar crescimento. Numa reunião, cobrou deles uma saída política para o nó econômico, sem ele próprio apresentar medidas de efeito imediato --essas seriam condicionadas ao avanço da agenda reformista. "A solução é política, é de todos os senhores."

Hélio Schwartsman - Distanciamento medicinal

- Folha de S. Paulo

É preciso 'descriminalizar' as teleconsultas

Há pouco mais de um ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) baixou uma resolução regulamentando a telemedicina. A norma foi tão atacada pelos profissionais, que temiam ser "uberizados", que o CFM optou por revogá-la dias depois. Isso significa que, pelas regras hoje vigentes, realizar consultas à distância pode configurar, em muitas situações, uma infração ética. O problema é que agora enfrentamos um surto epidêmico de covid-19, no qual a telemedicina teria um papel valioso a desempenhar.

A covid-19 deverá pôr muita pressão sobre os sistemas de saúde de vários países. O que mais chama a atenção nessa nova moléstia é a forma desigual com que ela afeta diferentes grupos etários. Um estudo chinês com 72 mil pacientes estimou uma taxa de mortalidade de 0,2% para aqueles com menos de 39 anos, mas que vai a 8% para a população que tem entre 70 e 79 anos e chega a impressionantes 14,8% para os com mais de 80.

Diante desses números, o último lugar para o qual se deve levar um idoso que ainda não tenha contraído a covid-19 é um pronto-socorro apinhado de portadores do vírus Sars-Cov-2. O risco é tão grande que a recomendação técnica é a de só procurar serviços de saúde em casos graves. Mas como saber se um caso é grave?

Alvaro Costa e Silva - O mascarado

- Folha de S. Paulo

Coronavírus obriga Bolsonaro a cair na real

O dólar bateu todos os recordes, a Bolsa sofreu tombos sucessivos, ações da Petrobras afundaram. Uma pedra que já tinha sido cantada: a pandemia de coronavírus vai pôr de cabeça para baixo a economia mundial. Sem falar no mais grave: riscos de contaminação em massa, saturação dos sistemas de saúde, medo pânico. Qual a primeira reação do presidente? Tuitou atacando o médico Drauzio Varella.

Bolsonaro estava fora do Brasil, em visita de vassalagem aos EUA. De lá, talvez influenciado por dois minutos de conversa com o "amorzão" Trump, classificou a crise na saúde do planeta como fantasia e invenção da grande mídia. Seus bajuladores ironizavam a gravidade da situação com o neologismo "comunavírus".

Demétrio Magnoli* - A hora mais sombria

- Folha de S. Paulo

Governo italiano se tornou a primeira democracia a mimetizar a ditadura chinesa

No início, a China ocultou as informações sobre a epidemia e reprimiu os médicos que tentavam dar o alerta. Depois, isolou por meios militares 40 milhões de habitantes de Hubei. Agora, a Itália imita a China – e os dois governos, o ditatorial e o democrático, ganham aplausos da Organização Mundial de Saúde (OMS). A lei marcial será, logo, o “novo normal”?

Semanas atrás, Matteo Salvini, o líder da Liga, convocou o vírus para sua campanha anti-imigração. O fraco governo italiano de Giuseppe Conte respondeu ao clamor da extrema-direita ignorando o avanço da doença, que se espalhava silenciosamente. Consequência do catastrófico equívoco original: a Itália tornou-se a primeira democracia a mimetizar a ditadura chinesa, ameaçando encarcerar cidadãos que se moverem para outras cidades.

A trajetória repetiu-se no Irã. O regime camuflou a ampla difusão das infecções até girar 180 graus, advertindo que usará “a força” para conter deslocamentos no Ano Novo persa.

Trump inverteu o percurso, girando no sentido anti-horário. No começo, capturando a covid-19 para legitimar suas políticas xenófobas, fechou as fronteiras a qualquer viajante proveniente da China. Na sequência, diante da turbulência financeira que complica sua reeleição, escreveu no muro da Casa Branca que o vírus é “uma gripe comum”. Bolsonaro repetiu a mensagem embusteira do mestre, sem se dar conta de que ela seria revertida outra vez, dando lugar à perversa proibição de viagens entre Europa e EUA para barrar o “vírus estrangeiro”.

Entrevista | João Doria :Bolsonaro desrespeita Congresso e Judiciário e estimula 'miliciamento' de polícias

Tucano sobe o tom contra o presidente, apoia o Parlamento e vê risco de miliciamento de polícias pelo governo

Igor Gielow | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Para o governador João Doria (PSDB-SP), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desrespeita o Congresso e o Judiciário, aumentando a crise econômica e política do país e aglutinando contra si governadores de estado.
“Vejo com profunda preocupação. O afastamento entre Poderes aumenta a crise e gera insegurança entre investidores”, disse o tucano à Folha na noite de quinta (12), no Palácio dos Bandeirantes.

Após passar um ano se distanciando do presidente, apesar de ter surfado a onda conservadora que levou Bolsonaro à Presidência, Doria subiu bastante o tom e agora é só críticas ao titular do Planalto.

Segundo ele, “a política prejudicou a economia” e “o Brasil não pode ser governado com ódio”. Ficou ao lado da Câmara na disputa acerca do manejo de R$ 30 bilhões do Orçamento, rejeitou a convocação de atos contra o Congresso por Bolsonaro e não criticou a pauta-bomba de R$ 20 bilhões aprovada em retaliação por deputados.

Clima para impeachment? O governador não diz isso, mas lembra ironicamente que o próprio Bolsonaro poderia resolver sua dúvida acerca da legitimidade do pleito de 2018 convocando novas eleições.

Provável presidenciável em 2022, Doria disse que Bolsonaro logrou fazer uma união inédita entre governadores antes rivais, e vê com preocupação o precedente da condução da crise do motim da Polícia Militar do Ceará. Para ele, o governo estimula o “miliciamento de polícias” em todo o país, inclusive São Paulo.

Doria tentou se diferenciar de Bolsonaro como um ator racional na condução da crise do novo coronavírus —enquanto o presidente seria um “ausente”, ainda que o tucano elogie o trabalho do ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde).

A conversa ocorreu antes da definição sobre a infecção ou não de Bolsonaro pelo vírus. Em todo o palácio paulista há potes de álcool gel para desinfecção das mãos. “Não mudamos a rotina”, disse, ressalvando que “a decisão de hoje pode ser mudada amanhã”.

• Como o sr. avalia a condução da crise do coronavírus, do ponto de vista federal e dos outros estados?

Eu não quero avaliar outros estados. Sobre o governo federal, são duas avaliações. Do ponto de vista de saúde, o ministro Luiz Henrique Mandetta tem conduzido até aqui muito bem o processo, com equilíbrio, amparo de informações corretas, e não de forma intuitiva ou política.

Ele tem realizado uma boa interação com o Governo de São Paulo. Espero que ele não se contamine. Não pelo vírus, mas pela falta de ação republicana. Até aqui, tem se comportado exemplarmente.

• E o presidente?

O presidente está ausente desse processo, e cometeu o equívoco de minimizar o efeito do coronavírus. Creio que ele estava um pouco desinformado.

• O sr. teme que a prudência adotada na crise, pregando maior racionalidade, possa se voltar contra o sr. caso a epidemia saia de controle?

Eu tenho deixado claro que a pandemia exige uma avaliação diária, com decisões diárias. O que você não pode fazer é prognósticos antecipados. Em saúde, você tem que trabalhar com pesquisa e informação, não com especulação.

A decisão de hoje pode ser revista amanhã. Neste momento, a minha obrigação é decidir baseado na medicina, não na política.

A decisão de ordem política é a mais fácil, mas é a mais dolorida e a que vai gerar mais vítimas, não só do ponto de vista da saúde, mas da economia, da movimentação, do abatimento psicológico.

Marcus Pestana - Orçamento impositivo e conflitos institucionais

No artigo da última semana, afirmei que a Constituição e o Orçamento são as principais leis que orientam a democracia. E quem faz as leis é o Congresso. Portanto, não há nada demais na ideia de orçamento impositivo e isto não representa usurpação de poder alheio.

Como afirmei, durante muito tempo, o orçamento era uma peça de ficção. As emendas parlamentares serviam de instrumento de pressão sobre o parlamento e quem divergia do governo não tinha suas emendas executadas.

Em 2015, o Congresso aprovou o caráter obrigatório da execução das emendas individuais. Foi uma verdadeira alforria aos parlamentares, que ganharam um grau maior de liberdade para expressar suas opiniões e votar conforme suas consciências, longe das pressões do Planalto. O orçamento brasileiro é extremamente engessado pelas despesas obrigatórias (salários, previdência, juros, custeio da máquina) e vinculações como as da saúde e educação. Apenas 6% dos recursos são de execução discricionária.

Agora, na votação do OGU/2020 – Orçamento Geral da União, o Congresso estendeu o caráter impositivo para as emendas de bancada, relator e comissões temáticas. O problema é que houve um acordo costurado por dois Ministros de Estado com as direções do Senado Federal e da Câmara dos Deputados e o dispositivo foi vetado, dando origem a toda a polêmica.

Martin Wolf* - Onda de gastos para cumprir a missão

- Valor Econômico (13/3/2020)

Foi-se a ideia de tentar encolher o governo: os gastos totais aumentarão de 39,3% do PIB para 40,7% em 2024-2025. Foi-se a ideia de impostos baixos. Foi-se o objetivo de orçamento equilibrado: a captação do setor público subirá de 1,8% para 2,2% do PIB

Rishi Sunak, ministro das Finanças do Reino Unido há menos de um mês, fez exatamente aquilo para o que foi indicado pelo primeiro-ministro Boris Johnson. Cumpriu o compromisso de elevar o gasto governamental, em especial, os investimentos, e o de “equilibrar” a situação nas regiões do país mais atrasadas economicamente. Também arquitetou uma reação sensata contra o coronavírus.

O fato de esta estrela conservadora em ascensão ser um filho brilhante de imigrantes indianos mostra a tradicional incorporação de novos talentos pelo partido. Tal flexibilidade fica ainda mais visível no repúdio que se vê no novo orçamento britânico ao que o partido defendeu nos governos de David Cameron e George Osborne. Saíram de cena a austeridade e o Estado mínimo: agora, este é o partido dos altos gastos e do Estado grande. Seu programa é o “nacionalismo de bem-estar social”.

Acertadamente, o ministro começou com a covid-19. Ele ressaltou a alta coordenação com as bem-vindas medidas do Banco da Inglaterra, autoridade monetária do país. Há certas coisas, no entanto, que apenas um governo pode fazer. O Estado é o protetor e garantidor de última instância. Uma pandemia é precisamente o tipo de situação para a qual o Estado existe. Sunak prometeu ao Serviço Nacional de Saúde britânico “quaisquer recursos extras” necessários. Graças aos céus, o Reino Unido, assim como outros países civilizados, reconhece que a saúde é um bem público de suma importância. Nunca deveríamos esperar que pessoas se recusem a ir ao médico ou ao hospital por falta de dinheiro, em especial durante epidemias de doenças altamente contagiosas.

No total, Sunak anunciou a disponibilidade de 7 bilhões de libras esterlinas para auxiliar empresas e pessoas físicas, 5 bilhões de libras para o Serviço Nacional de Saúde e outros departamentos públicos e 18 bilhões de libras adicionais em afrouxamento fiscal para dar sustentação à economia, somando 30 bilhões de libras (US$ 38,5 bilhões). Essas quantias representam um afrouxamento fiscal total em torno a 1,5% do PIB.

Ninguém sabe se esse dinheiro será suficiente. Ninguém sabe que rumo a doença vai tomar. Ninguém sabe até que ponto vai prejudicar a economia. Sunak está certo ao dizer que o choque será “temporário”. Um choque temporário, porém, pode ter efeitos prejudiciais permanentes se a reação não for forte e persistente o suficiente. O governo de coalizão de 2010 a 2015 não foi o único, infelizmente, a não ter percebido isso depois da crise financeira mundial de 2008. O que se espera é que este governo tome as ações econômicas e sanitárias necessárias para guiar o país do melhor modo possível durante este choque.

Rio: Metade dos vereadores deve deixar partidos para eleição

Bancadas se reorganizam em janela para troca de legenda como parte de estratégias para a votação de outubro

Luiz Ernesto Magalhães | O Globo

Um grande troca-troca de partidos deve mudara configuração da Câmara Municipal. Alei eleitoral permite mudança de legendas em perda de mandato até o próximo dia 3, e a expectativa é que pelo menos metade dos 51 vereadores do Rio o faça, de olho na reeleição em outubro. Entre os que buscam novos ares está até mesmo o presidente da Casa, Jorge Felippe (MDB), que tenta se livrar do desgaste do partido, que teve integrantes envolvidos em casos de corrupção.
Procurado pelo GLOBO, ele não quis se manifestar.

Nesse processo, o prefeito Marcelo Crivella pode perder parte de sua base (que hoje lhe garante um certo conforto nas votações) para partidos que terão candidatos próprios na disputa pela administração municipal. É o caso do DEM, que tentará eleger Eduardo Paes, e o PDT, que brigará por Martha Rocha.

A baixa entre os 35 vereadores da base pode chegara dez. Ao menos, na ponta do lápis.

— Como a maioria dos vereadores, sou da Zona Oeste. Meu perfil é comunitário. Sempre defenderei o governo e vou continuar ajudando o prefeito mesmo que meu partido não consiga eleger seu candidato. Afinal, seja quem for eleito, vai depender de mim — argumentou um vereador que está trocando de partido e prefere ficar no anonimato.

Partidos adotam uma série de critérios para decidir sobre essas “migrações” e quem será aceito como filiado. Pelas regras eleitorais, cada legenda precisa de pelo menos 75 candidatos, sendo que pelo menos 22 têm de ser mulheres. O chamado coeficiente eleitoral (número de votos necessários para garantir uma cadeira) chega a 56 mil votos.

O critério não leva em conta apenas o desempenho individual.

—A estratégia de tentara reeleição passa por uma boa nominata, com candidatos que geram votos e ajudam o principal nome do partido — resume Luiz Carlos Ramos Filho, que trocou o Podemos pelo PMN, onde é considerado o principal puxador de votos.

Ramos Filho entrou no PMN enquanto Dr. Gilberto se despedia da legenda para ser o puxador de votos do PTC. Por sua vez, o Podemos, um dos partidos que tenta emplacar o vice de Crivella, que busca a reeleição, virou o pouso de Carlos Eduardo (ex-Solidariedade). O Podemos também deverá abrigar o suplente Petra (hoje no PDT) e o atual líder do governo, Dr. Jairinho, atualmente no MDB.

No Republicanos de Crivella, só têm vagas garantidas os três vereadores do partido, que são ligados à Igreja Universal do Reino de Deus. Em princípio, a legenda só tem as portas abertas para uma eventual entrada de Carlos Bolsonaro (hoje no PSC), caso o filho do presidente Jair Bolsonaro dispute um novo mandato.

DEBANDADA DO PSDB
O PSDB deve perder a bancada toda. Teresa Bergher , Professor Adalmir e Felipe Michel estudam propostas. Suplente na vaga de Michel, que atualmente ocupa uma secretaria na prefeitura, Arraes é cotado para o Novo, que perdeu Leandro Lyra, seu único vereador:

— Esse PSDB atual não é aquele que eu conheci. Eu procuro um posicionamento ideológico ao Centro — disse Teresa, que já foi foi sondada pelo PDT e PSC.

Sem ambiente no PSD, Eliseu Kessler, ligado ao ex-deputado federal Índio da Costa, deve deixar o partido. No PTB, na briga por espaço só sobrou Marcelo Arar. Zico e Rocal deixaram o partido na quarta-feira.

Verônica Costa(MDB) rumo upara o DEM. Rosa Fernandes também deve sair do MDB e se aliar ao PSC de Wilson Witzel devido à proximidade do governador com seu filho, Pedro Fernandes, secretário de Educação. O MDB vive uma situação curiosa. Maior partido da casa (dez vereadores) corre o risco de perder toda abancada. Mas já acertou com Paulo Messina, ex-aliado de Crivella, que concorrerá ao cargo de prefeito.

O que a mídia pensa – Editoriais

O governo descobre a crise – Editorial | O Estado de S. Paulo

No mundo rico, os governos já mobilizaram um poderoso arsenal de medidas anticrise. No Brasil, o governo adotou, até agora, medidas limitadas

Com atraso o governo brasileiro decidiu, enfim, reagir aos efeitos econômicos do coronavírus. Cerca de R$ 23 bilhões entrarão no mercado, em abril, com a liberação da primeira parcela do 13.º aos segurados do INSS. Depois de muita relutância, a medida foi anunciada na quinta-feira, no fim de mais um dia de terror nas bolsas de valores e de commodities de todo o mundo. Na manhã seguinte, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a prometer novas medidas em 48 horas, em resposta a cobranças e críticas do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O ministro se absteve de especificar as medidas. No começo da semana será possível conferir se foi apenas uma bravata, mais uma reação às dificuldades de entendimento com o Legislativo. Como nos dias anteriores, o ministro estava pressionando os parlamentares pela aprovação de reformas. Deputados e senadores poderiam, naquele momento, responder no mesmo tom, cobrando a apresentação, já com muito atraso, das propostas do Executivo para a reforma administrativa e para a tributária.

Música | Alcione - Fascínio

Poesia | Manuel Bandeira - Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
– Eu faço versos como quem morre.