Entrevista com Luiz Werneck Vianna
Cientista político diz que presidente não tem diretriz e adiamento de atos não encerra pressão sobre Congresso e STF
Wilson Tosta | O Estado de S.Paulo
RIO - O recuo do presidente Jair Bolsonaro do apoio às manifestações contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), marcadas para o domingo, 15, não encerra a disposição do mandatário de pressionar os outros poderes, avalia o cientista político Luiz Werneck Vianna. O pesquisador vê na mobilização – temporariamente suspensa pelo presidente na quinta-feira – “uma tentativa de forçar os limites da institucionalidade, para rompê-la”.
O objetivo seria “totalizar a política brasileira por um projeto de poder”, sem objetivo. Segundo ele, diferentemente do que ocorreu no governo de Jânio Quadros (1961) e na ditadura (1964-1985), a iniciativa autoritária que atribui a Bolsonaro não tem programa. “É o poder pelo poder, para acumular poder”, diz ao Estado o intelectual, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio.
Werneck Vianna afirma que, em sua ofensiva contra as instituições, Bolsonaro apela a uma “ralé”, como descrita por Hanna Arendt (1906-1975), fração social formada por ressentidos de diferentes classes. Esse grupo social, ressalta, é uma realidade nova e pode se tornar base do presidente. O pesquisador diz que o sistema político foi muito atingido pela Operação Lava Jato e lamenta que o País não tenha líderes como foram Ulysses Guimarães (1916-1992) e Tancredo Neves (1910-1985). Diz esperar que surjam novas lideranças políticas e explica sua esperança com variação da frase de Guimarães Rosa em Sagarana: “O sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão (necessidade)”.
• O recuo do presidente foi apenas “físico”, por causa do coronavírus, ou foi também uma coisa política?
Foi político. Ele sentiu o esvaziamento. O coronavírus foi a sopa no mel.
• O senhor acha que isso encerra o episódio ou o presidente tende a, mais adiante, retomar esse enfrentamento das instituições?
Essa coisa vai ser retomada, sim, quando ele encontrar condições favoráveis. Faz parte da natureza desse regime. É destruir as instituições da democracia política. E com apoio de massas.
• Como o senhor analisa a convocação da manifestação que foi suspensa?
Há uma tentativa de forçar os limites da institucionalidade para rompê-la. Há uma estratégia por trás de tudo isso, que é a conquista do poder político total.
• Seria um gesto cesarista?
Há uma tentativa de totalizar a política brasileira por um projeto de poder. Porque programa político não há. A luta é pelo poder. Ele quer todo o poder possível, acumular poder, maximizar poder. O limite do poder é o poder. Então, esse é que o leitmotiv dessa ação presidencial. Não tem programa nenhum.
• Não tem finalidade?
É o poder pelo poder.
• Isso tem precedente na história do Brasil?
Tem precedente sim, mas havia um programa envolvido. Agora não tem programa nenhum...
• Qual seria o precedente?
O Jânio (presidente em 1961 por sete meses, até renunciar) tinha um programa. Terceiro-mundista lá, aquela época do Terceiro Mundo, naquele contexto. Do (presidente egípcio Gamal Abdel) Nasser (1918-1970), ele andava até com umas roupas…O safári…
É… O Jânio tinha um programa muito definido. Agora, não tem, Qual é o programa? O próprio regime militar, que não apelou às massas, mas quando tomou todo o poder para si tinha um programa, de modernização por cima da sociedade. Agora não tem.
• O senhor acha que nesses atos o presidente poderia se dirigir diretamente às pessoas?
Acho que há, na verdade, um projeto de fascistização do poder político no Brasil. A minha conclusão é essa. Não tem programa econômico, não tem programa social, não tem programa de sociedade, de país, de nada. Quer o poder todo. Para fazer o quê? Conservar poder, mando.
• E as pessoas comuns envolvidas nisso? O que as move?
Às elites econômicas, interessaria o caminho de eliminação de obstáculos sociais à acumulação. Agora, mas só isso? A esta altura, não nos basta. A economia não tem andado. Não tem obstáculo nenhum, nenhum, nenhum diante dela. Ela não anda porque não anda, porque não tem agentes econômicos interessados, envolvidos, não tem sociedade para isso. Este governo não tem programa econômico algum. Tem um programa político, de extrair o máximo de poder possível de todas as fontes existentes de poder. Para fazer o quê? Para exercer o poder total.