terça-feira, 20 de junho de 2023

Opinião do dia – Antonio Gramsci* (Estado e sociedade regulada)

“Os utopistas, na medida em que exprimiam uma crítica da sociedade existente em seu tempo; compreendiam muito bem que o Estado-classe não podia ser a sociedade regulada, tanto é verdade que nos tipos de sociedade pensados pelas diversas utopias introduz-se a igualdade econômica como base necessária da reforma projetada: nisto os utopistas não eram utopistas, mas cientistas concretos da política e críticos coerentes. O caráter utópico de alguns deles era dado pelo fato de que consideravam possível introduzir a igualdade econômica com leis arbitrárias, com um ato de vontade, etc. Mas permanece exato o conceito, que também se encontra: em outros escritores de política (inclusive de direita, isto é, nos críticos da democracia, na medida em que ela se serve do modelo suíço ou dinamarquês para estabelecer o sistema razoável para todos os países), de que não pode existir igualdade política completa e perfeita sem igualdade econômica: nos escritores do século XVII, este conceito pode ser encontrado, por exemplo, em Ludovico Zuccolo e em seu livro Il Belluzzi, e creio também que em Maquiavel. Maurras considera que na Suíça é possível aquela determinada forma de democracia, exatamente porque há uma certa mediocridade das fortunas econômicas, etc. A confusão entre Estado-classe e sociedade regulada é própria das classes médias e dos pequenos intelectuais, que se sentiriam felizes com uma regulação qualquer que impedisse as lutas agudas e as catástrofes: é concepção tipicamente reacionária e retrógrada.”

*Antonio Gramsci (1891-1937). Cadernos do Cárcere, v.3. p.224. Civilização Brasileira, 2007.

Merval Pereira - Cabo eleitoral

O Globo

Pode ser que a direita se fortaleça mais ainda com a saída de Bolsonaro. O presidente Lula pode se preparar para a batalha eleitoral movendo-se para o centro, mas terá de se convencer de que a esquerda não lhe bastará para a reeleição

Há indicações de que o ex-presidente Bolsonaro já está preparando sua atuação no próximo período de inelegibilidade, que o tirará da disputa da Presidência da República em 2026, mas não o impedirá de permanecer na ação política ativa. Bolsonaro está escolhendo candidatos não “tremendamente bolsonaristas” para apoiar nas eleições municipais, para manter acesa a possibilidade de derrotar o PT.

O presidente Lula continuará sendo o grande líder petista, e ninguém duvida de que será candidato à reeleição, na tentativa de alargar o tempo de domínio eleitoral de seu partido, que não tem nenhum líder até o momento que possa se igualar a ele em termos de popularidade. O ministro da Justiça, Flávio Dino, é o mais “midiático” de seus assessores, e o da Fazenda, Fernando Haddad, aquele com mais chance de se eleger se a economia estiver indo bem. Nesse caso, porém, não haverá razão para que Lula não seja o candidato, se a idade permitir.

Em Brasília, não há muita dúvida de que o ex-presidente Bolsonaro será considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A dúvida é quando terminará o julgamento, provavelmente não nesta quinta-feira, porque o relatório é muito longo. São tantas coisas acontecendo ou que já aconteceram, relatadas em outros processos, que parece impossível ele escapar de ser punido.

Hélio Schwartsman - Sobressaltos castrenses

Folha de S. Paulo

Lula dificilmente baterá de frente com os militares, de modo que golpismo endêmico permanecerá nas casernas

As mensagens golpistas apreendidas no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ordenança de Jair Bolsonaro, mostram que militares do entorno do ex-presidente não apenas discutiam com naturalidade a possibilidade de ruptura da democracia como ainda elaboravam raciocínios para revesti-la com um verniz de institucionalidade.

O otimista pode regozijar-se com o fato de que essa turma se preocupava em manter as aparências, o que não deixa de ser um tributo torto à democracia. Lembra um pouco a atitude dos ditadores que periodicamente organizam eleições fajutas as quais vencem com mais de 95% dos votos.

Esse, contudo, é um tema em que não me coloco entre os otimistas. A mentalidade golpista presente nas casernas é um problema e não acho que Lula vá se esforçar para resolvê-lo, muito pelo contrário.

Dora Kramer - Delírio tropical

Folha de S. Paulo

Por ação golpista ou omissão, Bolsonaro é cúmplice na trama da sedição

Onde já se viu golpe de Estado por escrito? Estamos vendo agora que a polícia encontra provas da existência de uma conspiração no entorno do então presidente Jair Bolsonaro para tentar anular o resultado da eleição de 2022.

É uma minuta ali, um projeto passo a passo de sublevação aqui, e o que temos são manuais de ataques à legalidade. Dada a falta de cerimônia dos conspiradores e o receio nenhum de deixar rastros, é de se concluir que não contavam com a hipótese de punição, uma vez descobertos.

Pelo teor dos roteiros até agora conhecidos, eles se imaginavam como inventores de uma nova ordem institucional. Aquela pela qual abateriam a democracia alegadamente mantendo-se nos limites das "quatro linhas" da Constituição, sem dar bandeira de que se tratava de um motim.

Luiz Carlos Azedo - Abulia de Bolsonaro frustra seus aliados

Correio Braziliense

O ex-presidente parece conformado com a sua própria situação política, diante da iminente condenação pelo TSE por atentar contra a realização das eleições presidenciais do ano passado

Os livros mais lidos nas bibliotecas das cadeias brasileiras são clássicos da literatura. O campeão é Crime e Castigo, do escritor russo Fiodor Dostoiévski (1821-1881), por motivos óbvios. Fazem parte desse ranking Incidente em Antares, do gaúcho Érico Veríssimo (1905-1975); Sagarana e Grande Sertão: Veredas, do mineiro Guimarães Rosa (1908-1967); e Dom Casmurro, do carioca Machado de Assis (1839-1908), considerado um clássico da literatura universal. A razão é simples: com base na legislação penal, cada livro resenhado vale por quatro dias de cadeia. Apesar de um certo oportunismo, muitos presos acabam adquirindo o saudável hábito da leitura.

Poderia haver preferência pelos livros de autoajuda. Sem preconceito, Poder do Hábito (Charles Duhigg) ajudaria a recuperar estelionatários, traficantes, homofóbicos, racistas e até homicidas, concomitante ao cumprimento das penas, é claro. Esse livro explica a formação dos hábitos e comportamentos e como mudá-los. Há outros: Hábitos Atômicos (James Clear), pequeno manual para transformação de hábitos; Mude seus horários, mude sua vida (Suhas Kshirsagar), ajuda a sintonizar o relógio biológico com os afazeres do dia a dia; e Pequenas Atitudes, Grandes Mudanças (Caroline R. Arnold), decisões que criam novas rotinas.

Joel Pinheiro da Fonseca - A democracia é frágil

Folha de S. Paulo

Simpatizando ou não com generais, é também graças a eles que golpe não prosperou

Por muito pouco nossa democracia não foi derrubada. Não seria preciso muito; apenas que alguns atores tomassem a decisão errada em alguns momentos decisivos. Um dos responsáveis por ainda termos uma democracia —ainda que falha— é Alexandre de Moraes, por suas ações no dia da eleição e no dia seguinte.

PRF realizou bloqueios seletivos nas rodovias que poderiam prejudicar os votos em Lula. Uma vez descoberto o esquema, Moraes rapidamente mandou que as rodovias fossem desbloqueadas, além de acalmar a opinião pública. Mas o risco não terminou aí: o PT entrou com um pedido para estender o horário da votação.

Se Moraes tivesse permitido isso, cairíamos num lamaçal jurídico e institucional cujo resultado seria imprevisível. No dia seguinte ao pleito, foi Moraes mais uma vez quem ordenou que a PRF —agora tão passiva— desobstruísse as rodovias bloqueadas por caminhoneiros bolsonaristas que tentavam chantagear o país.

Alvaro Costa e Silva - A insegurança pública é real

Folha de S. Paulo

Alvo de fake news, governo ainda não elaborou um plano contra a criminalidade

Depois da batalha em torno da aprovação do PL 2630, com as big techs interferindo diretamente em defesa de seu lucrativo negócio, o projeto caiu no limbo. Protegida, a bandalha nas redes continua a mil. Um exemplo é o vídeo que mostra dezenas de homens vestidos de preto, encapuzados e armados com fuzis, disparando para o alto; eles comemoram, gritam, erguem o arsenal.

Não é um conflito verdadeiro. É uma filmagem da série "Arcanjo Renegado", no Complexo da Maré. A mentira, porém, vem contextualizada em legendas: "Parabéns, STF e Flávio Dino, pois o problema é a nossa arma, do CAC, legalizado" e "Parece o México, mas é a favela da Maré, no Rio de Janeiro. Esse é o Brasil sob o governo do ‘amor’ de Lula, porque sob o governo do ‘ódio’ de Bolsonaro jamais vimos cenas como estas".

Míriam Leitão - Juros, índices e o risco institucional

O Globo

Pelo olhar da economia, a incerteza se dissipa e abre espaço para a queda de juros. Pelo institucional, o país se livrou das maiores incertezas: um golpe de estado

Os juros não vão cair esta semana, mas poderiam. Espera-se ao menos que o recado de queda na próxima reunião seja claro. Em apenas 45 dias entre uma reunião e outra a projeção de inflação para 2023 e para o próximo ano encolheu em um ponto percentual. Isso apesar de a previsão de crescimento ter subido de 1% para 2,14%. O país está derrubando a inflação mesmo em meio à melhora dos prognósticos do PIB. Os juros futuros estão em queda, o dólar caiu ontem novamente reduzindo as pressões inflacionárias. É óbvio que a incerteza diminuiu e, se olharmos para fora da economia, a queda da imprevisibilidade é ainda mais forte.

A taxa de juros para janeiro de 2025, que pega a política monetária para este e o próximo ano, caiu de fevereiro para junho, de 13,23% para 11,12%. Mas a previsão de queda é ainda maior quando se olha o Boletim Focus. Ele prevê juros a 12,25% no final do ano e de 9,5% para o final do ano que vem. O que esses números dizem? Que nas transações e nas projeções, os bancos e consultorias trabalham com quedas fortes nas taxas de juros. E isso porque as expectativas melhoraram significativamente e o surto inflacionário foi vencido.

Carlos Andreazza - Estreitos colaboradores

O Globo

Aprovada a Lei Eduardo Cunha, ficarão protegidas operações financeiras — qualquer “outro serviço” — promovidas por “estreitos colaboradores” de “pessoas politicamente expostas”.

A Câmara votou pela Lei Eduardo Cunha — projeto de Dani Cunha, filha do ex-presidente da Casa. O PL 2.720/23 pretende tipificar — ainda a depender do Senado — os crimes de discriminação contra pessoas politicamente expostas. Por exemplo: Dani e todos os demais detentores de mandatos eletivos no Legislativo da União. (A lista de corporações beneficiadas é longa.)

Também seriam privilegiados pela cobertura do troço — com efeito que perduraria por cinco anos a partir da data em que se deixou a condição especial — os familiares (papai), os estreitos colaboradores e as pessoas jurídicas de que participe o indivíduo politicamente exposto.

Atenção aos “estreitos colaboradores”.

Daniela Chiaretti - Bioeconomia, cada cabeça, uma sentença

Valor Econômico

A economia do bioma, única, nova e sofisticada tem terroir e deve que ser apoiada pela conotação de distinção

Bioeconomia é um conceito em disputa. Não se sabe quem cunhou a frase acima, que parece ser o único consenso entre os setores que trafegam por esse caminho. São vários os estudos sobre o tema e mais variados ainda os números do que representa (ou pode representar) esse negócio - depende de quem o estima e se é algo novo ou economia velha.

O intenso debate sobre o que bioeconomia vem a ser é um cabo de guerra com muitos competidores. “Parece contrapor mais do mesmo, fantasiado de novo, com outras possibilidades, sobre as quais há pouca clareza”, escreveu Nurit Bensusan, especialista em biodiversidade do Instituto Socioambiental. “Quando se imagina que bioeconomia é apenas a economia dos recursos naturais, do pau-brasil à soja, predatória, insensível, colonial, não há novidade. Permanecemos no século XVIII”, dispara a bióloga.

Andrea Jubé - Lula, Lira, e a política ‘em nome do pai’

Valor Econômico

Articuladores políticos do governo terão de se esforçar para não desagradar mais a base aliada

A habilidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em desarmá-lo no momento em que ele precisa atacar tem contribuído para o desassossego do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL).

A sinalização de que o deputado Celso Sabino (União Brasil-PA) será nomeado para o Ministério do Turismo na próxima semana, quando Lula retornar da viagem à Europa, resolveu parcialmente a turbulência política na Câmara, mas o desfecho da crise é remoto.

Um interlocutor de Lira confirmou à coluna que os movimentos da semana passada contribuíram para o “início de um entendimento”. O gesto principal foi a conversa, a sós, entre Lula e Lira na sexta-feira (16), no Palácio da Alvorada.

Eliane Cantanhêde - O articulador político

O Estado de S. Paulo

Lula finalmente entrou na articulação política, mas Haddad é fundamental

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirma a regra de que é melhor começar com expectativa baixa e surpreender positivamente do que o oposto, chegar lá nas alturas e frustrar na largada. A escolha de Haddad foi recebida com desconfiança e dúvidas, mas ele vem se firmando como o principal ministro e não apenas na economia, mas também na política. Que tal um ministro da Fazenda que é articulador político?

Essa pergunta, aliás, tem sido feita pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, que sugeriu ao presidente Lula mover Haddad da Fazenda para a Articulação Política. Lula deu de ombros e Haddad continuou atacando na Economia e defendendo na política. É assim que o governo deverá ter vitórias importantes nesta semana, inclusive a aprovação do arcabouço fiscal no Senado.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

TSE tem o dever de punir Bolsonaro e torná-lo inelegível

O Globo

Não faltam evidências de que ele usou recursos públicos para tentar subverter a democracia

Passados 11 meses da reunião em Brasília convocada por Jair Bolsonaro com embaixadores para disseminar suas fantasias sem cabimento sobre as urnas eletrônicas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dará início nesta semana ao julgamento que poderá torná-lo inelegível. Em representação feita pelo PDT, ele e o candidato a vice em sua chapa, Walter Braga Netto, são acusados de abuso de poder político. Não faltam provas do que aconteceu no Palácio da Alvorada em julho diante de diplomatas estrangeiros, nem motivos para os ministros da Corte tornarem Bolsonaro e Braga Netto inelegíveis por oito anos.

No encontro de cerca de 50 minutos, Bolsonaro tinha um objetivo evidente: desacreditar o sistema eleitoral brasileiro e o Judiciário junto ao eleitorado, para depois justificar a quebra da ordem democrática em caso de derrota nas urnas. Logo no início do discurso, afirmou que basearia sua argumentação num inquérito da Polícia Federal (PF) sobre uma suspeita de invasão dos sistemas do TSE. Declarou em seguida que as sugestões apresentadas pelas Forças Armadas na Comissão de Transparência Eleitoral (CTE) eram ignoradas, atacou integrantes do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF) e repetiu teses conspiratórias sobre as urnas eletrônicas.

Poesia | Maria Bethânia lê Clarice Lispector

 

Música | Teresa Cristina - Coração Leviano (Paulinho da Viola)