terça-feira, 19 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Regulação de jogos on-line deve ser prioridade

O Globo

Normas para as apostas esportivas são positivas. Câmara precisa agora restabelecer regras para as demais

As agruras de apostadores iludidos por jogos de azar na internet demonstram que o mercado de apostas on-line no Brasil precisa urgentemente de regras claras, para que as empresas dispostas a segui-las se legalizem, enquanto as aventureiras, interessadas apenas em lucrar se aproveitando da boa-fé dos apostadores, possam ser punidas na forma da lei.

Um bom exemplo de como o apostador pode ser ludibriado num mercado desregulado é a plataforma Blaze, responsável pelo popular “jogo do aviãozinho”, tema de reportagem do Fantástico no último domingo. Sem sede nem representação no Brasil, ela ganhou mercado ao ser incensada por anúncios protagonizados por celebridades e influenciadores digitais prometendo dinheiro rápido e fácil. Na prática, o jogo, ilegal no país, é uma cilada. Segundo a reportagem, uma investigação da polícia de São Paulo revelou que os prêmios prometidos não são pagos ou são saldados com valores inferiores.

Merval Pereira - Quem manda

O Globo

O Congresso não precisa do Executivo. É o governo que precisa do Legislativo

O hiperpresidencialismo que regia o governo brasileiro, com o Executivo concentrando em si os poderes da República, foi desmistificado pela gestão catastrófica da ex-presidente Dilma Rousseff e transformou-se num simulacro de parlamentarismo a partir do governo Michel Temer. Oriundo da Câmara, e elevado à Presidência da República pelo impeachment decretado pelo Congresso, Temer tinha outra característica que o ligava aos parlamentares: a maioria do Congresso já era conservadora antes de Bolsonaro, e a pauta reformista que Temer levou a efeito correspondia ao anseio dos congressistas, assim como as reformas atuais coincidem com um Congresso mais liberal economicamente, além de majoritariamente conservador.

Os parlamentares, cujos poderes já tinham sido ampliados pelo semiparlamentarismo no período Temer, gostaram mais ainda da maneira como Bolsonaro liberou as verbas para decisão do Congresso e querem agora retomar mais profundamente a mudança de estrutura do nosso presidencialismo, que deixou de ser hiper para ser semi.

Carlos Andreazza - Lirão autossuficiente

O Globo

O parlamentarismo orçamentário banca a autonomia pervertida do Congresso — ponta de uma cadeia de disfunções que mina o arranjo entre Poderes e faz erodir o equilíbrio da República

A Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme relatório aprovado na comissão mista, é categórica: o parlamentarismo orçamentário — fiador da autonomia pervertida do Congresso — vige no Brasil; ponta de uma cadeia de disfunções que mina o arranjo entre Poderes e faz erodir o equilíbrio da República.

Governo desapetrechado, que faz acordo — ode à fragilidade — para ter ainda menos instrumentos de negociação. Congresso — o imperador Lira — governante, que extrai do Planalto pacto informal para que a nova fachada do orçamento secreto, a emenda de comissão, não seja contingenciada. (Para aprovar os projetos arrecadatórios de Haddad, ora, o compromisso por mais gastos de bloqueio interditado.) Corte Constitucional rebatedora, com sua deturpação proativa sendo açulada — para frear o Parlamento — pelo mesmo governo que cede à concentração de poder parlamentar.

Não virá para tanto — a ser líder de Lula no STF — o senador Flávio Dino? Mais um agente político no tribunal — zelador dos trânsitos antes de guardião da Constituição.

O efeito dominó agravador dos vícios institucionais. Governo fraco, desprovido de meios, que admite a fraqueza e a enfrenta apostando na doença. (Se o gênio xandônico não volta mais à lâmpada, que haja — é a pretensão — um Xandão para chamar de meu.) Congresso forte que concentra poder em poucos alcolumbres. Supremo convidado — provocado — a legislar sobre o legislado; a avançar sobre o legislado. O espírito do tempo é autoritário.

Míriam Leitão - Os novos passos da Reforma Tributária

O Globo

A reforma tem defeitos, mas é uma travessia histórica. Na regulamentação podem ser reduzidos os tratamentos diferenciados

Amanhã, ao ser promulgada a Reforma Tributária, o Brasil estará dando um passo histórico. Desde a redemocratização foram muitas as tentativas de fazer a reforma dos impostos sobre consumo e nada foi adiante. Agora está aprovada o que pareceu impossível tantas vezes. No ano que vem, terão que ser travadas outras batalhas nessa mesma frente.

Primeiro, a da regulamentação, que será fundamental para saber qual é a dimensão dessa mudança, dado que ela pode perder parte dos seus méritos exatamente quando forem discutidas as leis complementares. A segunda parte da reforma será a do Imposto de Renda, que se for bem feita terá o poder de reduzir desigualdades no Brasil.

Andrea Jubé - Fantasmas que assustam Lula neste Natal

Valor Econômico

E se um dos fantasmas que, na véspera de Natal, visitaram o velho Ebenezer Scrooge - personagem criado pelo inglês Charles Dickens - batesse à porta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na noite deste domingo (24), e o instasse a refletir sobre suas ações ao longo do ano? O petista demonstraria arrependimento ou regozijo pelos seus atos?

Neste clássico de Dickens, “Uma canção de Natal” (“A Christmas carol”), de 1843, Scrooge é abordado por três fantasmas que, um a um, apontam os erros que ele cometeu no passado, questionam sua conduta no presente, e lhe oferecem a chance de escolher outro caminho, e, dessa forma, escapar de um futuro amargo.

Num exercício de imaginação, a coluna propõe que o fantasma do passado visite o presidente, e o convide a reler o pronunciamento da vitória, no qual sentenciou - naquele dia 30 de outubro de 2022 - que “não existem dois Brasis”. No mesmo texto, ele exortou a população a superar as divergências políticas e unir-se pelo bem comum.

Líder no Senado critica avanço de parlamentares sobre Orçamento

Por Caetano Tonet e Julia Lindner / Valor Econômico

Em balanço sobre este ano, Jaques Wagner disse que orçamento secreto voltará de cara nova ao projeto de LDO, que será analisado nesta terça-feira

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), criticou nessa segunda-feira (18) o avanço de parlamentares por mais controle sobre o Orçamento. O senador definiu o eventual aumento das emendas impositivas como “uma anomalia do sistema” e reconheceu que o orçamento secreto voltará com outra roupagem no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, que será apreciado nesta terça-feira (19).

Wagner falou sobre o tema ao fazer um balanço da relação com o Congresso Nacional no primeiro ano da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Essa, na minha opinião, é uma anomalia do sistema. As pessoas acham que sempre têm que avançar mais. O parlamentar eventualmente dispensa até contato com o ministro porque ele já tem o estoque dele para fazer o que ele precisa na sua base”, pontuou. “Provavelmente vão botar na LDO, no Orçamento, com outro nome, o mesmo orçamento secreto de antes. Sempre se acha caminho”, acrescentou.

Roberto Lameirinhas - Direita e esquerda cantam vitória após referendo no Chile

Valor Econômico

Governo esquerdista diz que projeto rejeitado era pior que Carta atual; direitistas veem fim de busca por novo texto

Tanto a direita quanto a esquerda chilena se declararam ontem vitoriosas com a derrota do projeto constitucional no referendo de domingo. Os conservadores, porque julgam ter sepultado as aspirações dos movimentos sociais que vinham exigindo, desde 2019, uma Constituição que substituísse a atual, promulgada pelo ditador Augusto Pinochet. Já os esquerdistas celebraram a rejeição de um segundo processo constituinte, cujo controle acabou sendo tomado pela direita e extrema direita.

O presidente chileno, o marxista Gabriel Boric, disse logo após a rejeição do projeto - por 55% dos votos contra e 45% a favor - que seu governo não tentará abrir um terceiro processo para mudar a constituição, alegando que há outras prioridades. Ele admitiu que não foi capaz de “canalizar as esperanças de ter uma nova constituição escrita para todos”. Pelo contrário, disse ele, depois de dois referendos, “o país ficou polarizado, ficou dividido”.

Por seu lado, o ultradireitista José Antonio Kast, do Partido Republicano, disse ontem que seu partido saiu “fortalecido” do referendo. “Para nós, começa uma nova etapa no Chile, que é o desafio de reconstruir os espaços eleitorais para 2025”, afirmou a partidários.

Eliane Cantanhêde - Volta à normalidade

O Estado de S. Paulo

Lula almoça com FA e janta com STF sem pé atrás e dentro da boa e velha democracia

O presidente Lula tem almoço com a cúpula das Forças Armadas (FA) e jantar com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) hoje, às vésperas do Natal de um 2023 que teve de tudo, até tentativa de golpe de Estado e invasão das sedes dos três Poderes, mas termina num ambiente constitucional e federativo de paz e estabilidade. Críticas há, porque, afinal, nada, e ninguém, é perfeito e elas fazem parte da democracia.

Depois de quatro anos fora da linha, extrapolando perigosamente os princípios fundamentais de ordem e hierarquia em favor de um comandante em chefe que por pouco não foi expulso e acabou saindo do Exército pela porta dos fundos, as FA chegam ao fim deste primeiro ano de governo Lula ainda lambendo as feridas, que demoram a curar, mas em franca recuperação da... normalidade.

Paul Krugman* - Cuidado com economistas que não admitem que estavam errados

Folha de S. Paulo

Cenário de queda na inflação e aumento de emprego é sinal de normalização nas cadeias de suprimentos

Do ponto de vista econômico, 2023 será registrado como um dos melhores anos de todos os tempos —um ano em que a inflação caiu incrivelmente rápido, sem custos visíveis, desafiando as previsões de muitos economistas de que a desinflação exigiria anos de alto desemprego.

Até agora, pelo menos, o público parece não estar disposto a acreditar nas boas notícias ou a dar crédito à administração Biden. Mas esta coluna não trata da aparente lacuna entre as percepções dos eleitores e a realidade. Trata-se, em vez disso, da falta de vontade de alguns economistas e autoridades influentes em aceitar o fato de que estavam errados.

Por que devemos nos importar? Não se trata de marcar pontos pessoais —embora eu acredite firmemente em assumir seus erros passados— é assim que se aprende, e também é bom para a alma. O que me preocupa é que se agarrar a uma visão da economia que foi refutada pelos eventos recentes torna mais provável que estraguemos tudo, colocando a economia em uma recessão que, como se constata, não precisávamos e não precisamos para controlar a inflação.

Hélio Schwartsman - Prisão tributária

Folha de S. Paulo

Reforma dos impostos é passo importante, mas mostra que sociedade é injusta, patrimonialista e corporativista

Um aforismo sempre repetido assevera que se pode medir o grau de civilização de uma sociedade pela forma como ela trata seus presos. Não discordo. Verificar como um corpo social cuida dos que teriam se insurgido contra suas regras é uma métrica interessante. Mas penso que uma visita ao sistema tributário tende a ser uma régua ainda mais reveladora, já que a estrutura dos impostos captura as preferências e vieses de uma sociedade em múltiplas dimensões.

À luz dessa ideia, podemos dizer que a recém-aprovada reforma tributária representa um marco. Na leitura mais chã, estamos em vias de aposentar um sistema que se notabiliza por uma complexidade exasperante, que estimula a guerra fiscal e a judicialização, e de substituí-lo por algo mais em linha com o que fazem outros países. É um passo formidável. Não há como deixar de destacar a importância de estarmos prestes a abandonar o que muitos chamam muito apropriadamente de manicômio tributário brasileiro.

Alvaro Costa e Silva - Tarifa zero no transporte ou almoço grátis

Folha de S. Paulo

Projeto dominical é a maior e a mais temerária jogada de Nunes para tentar a reeleição

Tarcísio de Freitas impôs um tarifaço à la Milei. O reajuste na passagem de metrô e trens para R$ 5 em São Paulo a partir de 1º de janeiro é o segundo maior desde 2010 –13,6% contra 16,6% de 2015– e vai afetar sobretudo a população de baixa renda.

Ricardo Nunes, que tenta a reeleição, anunciou que não vai aumentar o preço dos ônibus municipais. O valor do transporte público na capital deixará de ser unificado pela primeira vez em 11 anos. Ao ter a candidatura fritada por Bolsonaro, que prefere ver no comando da cidade o deputado federal Ricardo Salles, o prefeito ficou sem escolha. Praticamente foi obrigado a romper o acordo com Tarcísio.

Dora Kramer - Lula, a cara e a coragem

Folha de S. Paulo

Aposta em Boulos é arriscada: se ele perder, a derrota cai na conta do presidente

PT não tem candidato próprio à Prefeitura de São Paulo, mas é como se tivesse. A julgar pelos primeiros acordes da sinfonia, Luiz Inácio da Silva vai jogar pesado numa aposta que não deixa de ser de alto risco.

A força com que Lula inaugurou a campanha de Guilherme Boulos indica que, se o candidato do PSOL perder, a derrota cairá na conta do presidente. Nunca, mesmo com candidatos petistas, ele mergulhou com tanta antecedência e empenho numa eleição na capital paulista.

A ofensiva começou na semana passada com movimentos de peso: em poucos dias Boulos foi nomeado coordenador de um programa do Ministério dos Direitos Humanos dirigido a moradores de rua, com verba de R$ 1 bilhão, viu-se no centro de um ato com a presença de Lula para a construção de casas populares e ganhou do padrinho a promessa de levar Marta Suplicy de volta ao PT para compor a chapa.

Luiz Carlos Azedo - Missão de Gonet na PGR é acomodar placas tectônicas

Correio Braziliense

O fantasma da Lava-Jato rondou a posse de Gonet, que estabeleceu como uma de suas missões superar a divisão da instituição entre "garantistas" e "lava-jatistas"

O novo procurador-geral da República, Paulo Gonet, tomou posse, nesta segunda-feira, com a promessa de que o Ministério Público será "corresponsável" pela democracia no Brasil e não deve buscar palco nem holofotes, numa alusão à atuação do órgão na gestão do procurador-geral Rodrigo Janot e à força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba.

Gonet assume o lugar do ex-procurador Augusto Aras, que se notabilizou pelo alinhamento ao governo Bolsonaro, notadamente durante a pandemia e na questão das fake news contra os ministros do Supremo Tribunal federal (STF), o que originou um inquérito aberto pelo então presidente da Corte, Dias Toffoli. A cargo do ministro Alexandre de Moraes, que hoje acumula funções que seriam próprias do MPF, o inquérito investiga os atos de vandalismo e a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro passado.

Poesia | Amigos - Vinícius de Moraes (Odemar Costa)

 

Carlos Lyra - O futuro

Certa feita, Astrud Gilberto, João Donato e eu vínhamos de um estúdio de gravação, em Nova Iorque, quando passando por uma rua vimos uma cigana num sobrado e resolvemos consultá-la. Donato foi o primeiro a sentar-se frente a ela que, tomando-lhe a mão, disse: "Vou ler o seu passado." E Donato, com aquele ar perdido e olhar esgazeado, retrucou: "Não, gipsy, o passado eu já conheço. Fale do futuro." Desconcertada, a cigana voltou-se para nós e confidenciou: "Ele é maluco..." Claro. Só a loucura poderia ser tão lúcida. De uma tacada, Donato descartara o passado. Quantos, para exorcizá-lo, necessitam recorrer à psicanálise ou mesmo às autobiografias...

Vinícius de Moraes, pouco tempo antes de morrer, estava num bar - o Barbas - sendo entrevistado por uma jovem e inconsequente jornalista que, enquanto "dava um tapa num baseado", perguntou-lhe: "Poeta, você está com medo da morte?" No que Vinícius, indiferente ao constrangimento geral que se fez à sua volta, respondeu, serenamente: "Não, filhinha, estou é com saudade da vida..."

Música | Essa Passou · Carlos Lyra · Chico Buarque