domingo, 3 de outubro de 2021

Fernando Henrique Cardoso* - Modernidade e desigualdades

O Globo / O Estado de S. Paulo

Ou fazemos algo para reduzir a pobreza ou continuaremos a ser um país incapaz de entrar na “modernidade”.

Um pouco mais de tempo, em poucos meses, recomeçam as campanhas eleitorais para a Presidência, para a Câmara dos Deputados e para o Senado (em âmbito federal). Já se veem os arreganhos: é um tal de os eventuais candidatos viajarem, de a imprensa falar deles e de alguns seguidores se animarem que já se pode prever que, nesse aspecto, pouco muda.

O povo, por enquanto, continua preocupado com o dia a dia: é o salário que é curto, o emprego que pode faltar (e para muitos já falta), os transportes que custam caro e o ensino cujo custo, quando o pobre não tem a sorte de conseguir uma bolsa ou de ter acesso a uma escola pública, assusta os familiares. Nihil novi sub sole...

É quase sempre assim. Mas também é verdade que em poucos meses a coorte de novas ideias e de esperanças voltará a motivar o eleitorado. E tomara que seja assim: sinal de que a liberdade e a democracia prevalecerão.

Haverá mesmo novos caminhos? Tomara. De qualquer modo, é melhor que haja esperança. E se há uma coisa que persiste em nosso meio, é essa característica. Se a esperança se frustra, é outro problema. Dependerá de conjunturas mundiais, de políticas locais e de que se candidatem pessoas capazes de exercer o poder dando ânimo ao País.

A despeito de tudo, o certo é que, se eu comparar o Rio de Janeiro do começo dos anos 30, quando eu nasci, com o Rio de hoje, para não falar de São Paulo quando vim com a família para cá, nos anos 40, com a cidade de nossos dias, a vida melhorou. Para todos? Talvez não. Mas para a maioria. E olha que eu conheço as favelas do Rio, as casas de cômodos de São Paulo, os bairros mais pobres de Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Conheço como pesquisador da vida dos negros e como político, que precisa de votos.

Mas que ninguém se iluda: por mais que haja melhorado, há diferenças gritantes entre as várias camadas da população. Do campo, então, nem se fale – e isso que conheço mais o Sul e o Centro-Oeste do que o Nordeste e a Amazônia, onde, em geral, a situação da pobreza é pior. Sem falar do cansaço que a vida urbana causa aos mais pobres. O País se urbanizou para valer e o sistema de transporte, por mais que se modernize, não diminui o cansaço dos que entram nas filas de espera, nem mesmo o tempo que se consome nos longos trajetos de casa ao trabalho.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Gestos políticos e atos democráticos: contraste com os mil crimes de cada dia

Ainda não há número razoável de pesquisas para captar com segurança algum virtual efeito sobre a avaliação de imagem e sobre o nível de rejeição de Jair Bolsonaro que possa ter havido a partir de 9 de setembro, o dia da carta em que recuou da escalada golpista que culminara nos atos do dia 7. Seguiu-se uma distensão na sua atitude, o que levou parte dos analistas a supor que ele chamaria de volta à cena o Bolsonaro 2, mais contido e razoável. Afinal, era a conduta racional óbvia a seguir, diante da queda livre nos seus índices de popularidade e do isolamento político em que se metera. Amigos de fato (se é que os tem) devem ter lhe dito que valia, ao menos, testar a inflexão, para tentar reverter o desastre.

Parece que não haverá tempo para captar coisa alguma. A tal distensão logo se converteu em campanha eleitoral aberta (que em si mesma já é um delito), cenário propício para Bolsonaro voltar a ser o Bolsonaro de quase sempre. Tendo os mil dias como pretexto inicial, as usinas de fakenews voltaram a operar intensamente, elegendo alvos habituais de combate.  Comunismo, homossexuais, a China e - é claro - Lula e o PT voltaram a ser temas privilegiados de suas taras retóricas, que são a base “conceitual” das fakenews.

Poupo os leitores de previsões sobre efeitos dessa recaída em índices de pesquisa. É preciso notar, por outro lado que, pela enésima vez, se revela o lugar que eleições ocupam na escala de prioridades de Bolsonaro. Lugar complexo, que é de prioridade no seu texto, mas no subtexto a prioridade é o movimento contra elas, para esterilizá-las, se possível ensanguentá-las e, no limite, cancelá-las. A cada dia é menos crível que tenha sucesso, mas ele segue nessa toada, como é da sua natureza. Se sucumbir, apesar de sua vontade indômita, ou por causa dela, quer levar muitos consigo, se possível a humanidade toda.

Merval Pereira - Comunismo em xeque

O Globo

O anúncio do governo de Cuba de que empresas privadas poderão operar na ilha, no que chamam de “atualização do socialismo”, traz de volta o debate sobre modelos de governo totalitários que tendem a adotar, na visão ocidental, um “capitalismo de Estado”. A Constituição de Cuba já diz que o socialismo é regime político “irrevogável”, o que representou uma mudança importante, pois anteriormente o socialismo era apenas uma etapa para o comunismo.

Também na China, embora, ao comemorar o centenário do Partido Comunista Chinês, seu Secretário-Geral e presidente da República Popular da China Xi Jinping tenha reforçado uma visão marxista, não há mais referência ao comunismo, o socialismo ganhando dimensão, mesmo à moda chinesa. A revista "Qiushi", veículo teórico do Partido Comunista da China, publicou sexta-feira artigo de Xi Jinping em que pede que o marxismo seja compreendido e praticado, reforçando assim a confiança no caminho socialista.

Ele já havia ressaltado, na abertura das comemorações do centenário do PCCh, o papel central que o partido ocupa na sociedade chinesa. "Dediquem tudo, até mesmo suas preciosas vidas, ao partido e ao povo". Éric Li, cientista social e empreendedor de risco na China, define bem: “China tem muitos problemas, mas o sistema chinês estado-partido tem provado a todos uma extraordinária habilidade em mudar. Na América, você pode mudar de partido político, mas não pode mudar a maneira política de ele agir. Já na China, você não pode mudar o partido, mas pode mudar a maneira política de ele atuar”.

Míriam Leitão - Um governo sem remédio

O Globo

A inflação está de volta aos dois dígitos com seu efeito devastador sobre os mais pobres, num momento em que há um forte aumento da pobreza. Isso deveria estar no centro das atenções do governo, mas o presidente está ocupado em fazer campanha antecipada, em jogar a culpa dos problemas sobre os governadores. O Ministério da Economia não conseguiu formular uma boa proposta de combate à inflação, de redução da pobreza, e está num jogo de faz de conta fiscal.

Faz de conta que o teto de gastos está sendo respeitado, faz de conta que a Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo obedecida. O teto fica onde está, mas muitas despesas vão sendo depositadas sobre ele. E quanto mais despesas sobem, mais fictícia se torna essa trava fiscal. A ideia de financiar um novo programa social com receitas ainda a serem criadas é delirante. E sim, fere a LRF. O secretário especial de Fazenda, Bruno Funchal, diz que se o projeto do Imposto de Renda não for aprovado não haverá o novo programa. Isso é de tranquilizar, por um lado, mas não resolve a outra questão. Há necessidade de mais dinheiro para as transferências de renda. E isso é necessário porque os pobres ficaram mais pobres, e há mais pobres no país.

Elio Gaspari - Quem protegeu a Prevent?

O Globo / Folha de S. Paulo

Na quarta-feira deverá comparecer à CPI da Covid o doutor Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho, diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde (ANS). Ele poderá contar o que fez diante das denúncias do comportamento da Prevent Senior durante a pandemia. A primeira suspeita de que havia fogo debaixo daquela fumaça veio do próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em abril de 2020, quando ela tinha no acervo 58% dos mortos de São Paulo. O dono da operadora chamou-o de “irresponsável” e, pelo que se viu, colocou sua empresa debaixo da asa do Planalto, maquiando mortes, empurrando cloroquina e ameaçando médicos com retórica de miliciano.

O que a ANS fez? A autossatanização da Prevent tem no seu bojo uma competição empresarial, e a Agência a conhece muito bem. Nesse mercado há de tudo: portas giratórias, capilés e jabutis em medidas provisórias. A Justiça guarda pelo menos duas delações premiadas de uma empresa corretora de planos que concordou em pagar R$ 200 milhões de multa.

Dorrit Harazim - A força da palavra

O Globo

 ‘Vocês nada fizeram de errado, mas ainda assim foram gravemente injustiçados. Eu peço desculpas e lamento profundamente que este pedido de desculpas tenha tardado tanto.’ A frase faz parte de uma histórica penitência por parte de um presidente dos Estados Unidos — no caso, o democrata Bill Clinton em 1997. Clinton se dirigia a um grupo específico que convidara à Casa Branca — sobreviventes e familiares de um experimento médico com humanos realizado 65 anos antes pelo Departamento de Saúde Pública do país.

À época (1932), a sífilis corria solta entre negros de um condado do estado do Alabama. Acenando com tratamento gratuito, uma equipe do governo havia aliciado 399 homens, todos filhos ou netos de escravizados, para ser tratados por sintomas de “sangue ruim”. Jamais foram informados de tratar-se de sífilis, doença sexualmente transmissível. Outros 201, também negros, porém sadios, integraram o grupo de controle do estudo.

Vinicius Torres Freire - O fim da epidemia que não acabou

Folha de S. Paulo

Na volta ao normal há morte, surtos, cidades e trens vazios e vidas secas de fome

A empresa de trens da Grande São Paulo conta o número de vezes em que apreendeu mercadorias de camelôs em vagões e estações. Nos agostos de 2018 e 2019, houvera em média cerca de 6.000 apreensões. Em agosto de 2021, o número caiu para um oitavo, umas 700.

Muito camelô sumiu porque ainda menos gente anda de trem. Em agosto de 2019, 60 milhões de pessoas embarcaram nos trens da CPTM. Em agosto passado, 40 milhões, baixa de um terço. No Metrô, a diminuição foi maior, de 47%. Nos ônibus da cidade, também de um terço. A estatística de isolamento social do governo paulista indica, porém, que o estado voltou ao nível de março de 2020.

Bruno Boghossian - A política da fome

Folha de S. Paulo

43% dos eleitores citam desemprego, inflação, fome e outros itens como principais problema do país

O governo tem uma maneira peculiar de encarar questões urgentes como fome, desemprego e inflação. Enquanto adia a construção de soluções para esses problemas, Jair Bolsonaro diz que o Brasil é um dos países que estão se saindo melhor na economia, e Paulo Guedes jura que as coisas estão "bombando" mais uma vez. Falta combinar com o povo.

A preocupação com temas econômicos chegou ao nível mais alto em 15 anos. Segundo o Datafolha, 43% dos eleitores citam o desemprego, a inflação, a fome, a desigualdade, os salários ou a economia em geral como o principal problema do país atualmente. Os índices são mais altos na população de baixa renda, que é a mais afetada pela crise.

Hélio Schwartsman - Espíritos animais

Folha de S. Paulo

Número de restaurantes que foram abertos na Vila Madalena impressiona

De volta às corridas pela Vila Madalena depois de um ano e meio em que passei a maior parte do tempo no sítio, impressionou-me o número de restaurantes que fecharam as portas na pandemia.

Impressionou-me, também, o número de restaurantes que foram abertos. Na área relativamente restrita por que circulo, contei um indonésio, um vietnamita, uma moquecaria (capixaba), um indiano, uma charcutaria “autoral” alemã e uma queijo-quentaria, para ficar só nos mais exóticos.

Imagino que o saldo líquido seja negativo. Estamos, afinal, numa situação de fortes restrições para o setor, não numa de exuberância de mercado. Pelo que li na imprensa, o índice de mortalidade de bares e restaurantes em São Paulo na pandemia deve ficar entre os 20% e os 30%. Não tenho dados sobre a taxa de reposição, mas ela não é desprezível, ou eu não teria notado tantas novidades.

Janio de Freitas – O monstro sob a fantasia

Folha de S. Paulo

Ações da Prevent integram corrente de efeitos lógicos da campanha de Bolsonaro contra a ciência

A monstruosidade do programa de assassinatos nos hospitais do plano de saúde Prevent Senior não é uma aberração. Vê-la como tal é aliviante para o horror e a indignação difíceis de suportar. Mas não é verdadeiro. Aplicar falsos tratamentos para induzir a morte de quem buscou e pagou por socorro não é um desvio enlouquecido nos costumes, na moralidade mediana ou mesmo na violência já brutal.

As antimedicações e a falsificação da causa de mortes, combinadas pela Prevent, integram a corrente de efeitos lógicos da campanha de Bolsonaro contra as proposições da ciência para combate da Covid-19.

Assim como foi a exclusão dos ministros Mandetta e Teich, como foram a recusa da grande oferta de vacinas da Pfizer, a entrega da Saúde a um general impensável, a recusa à compra de Coronavac, a produção de milhões de remédios ineficazes no laboratório do Exército, as terríveis mortes por asfixia pela falta de oxigênio em Manaus, e, além do mais, a continuada pregação da medicação criminosa por Bolsonaro —isto, com testemunho do plenário mundial da ONU.

Ruy Castro - De repente, Alvaro Moreyra

Folha de S. Paulo

Às vezes, ocupados com nosso tempo, esquecemos como já se escreveu bem no passado. Há dias (13/9), apresentei aqui as frases do crítico Agrippino Grieco (1888-1973) e, para muitos, foi uma revelação. Empolgado, fui vasculhar outra admiração, o jornalista, cronista e dramaturgo Alvaro Moreyra (1888-1964). Outro estilo e sensibilidade, mesma magia e grandeza. Eis algumas de suas frases:

“O Brasil sempre veio de fora. Principiou em 1500 e não terminou ainda.” “As cartas dos suicidas não levam selos.” “Esqueci o berço. Não esqueci o colo.” “O céu é uma cidade de férias.” “Nascemos para a companhia. O amor é um canto coral.” “Das estações, a que tem nome de mulher é a que revela a vida eterna: a primavera.” “No sábado, muita gente vai para fora. Eu, em geral, vou para dentro.”

Antonio Risério* - Ideologia identitária agride base da democracia liberal

Folha de S. Paulo

(Resumo) Transformação da ideia de diversidade em dogma nas últimas décadas levou a uma compreensão fraudulenta da história ocidental e a uma tentativa de reger a sociedade por meio de lógica de representação estatística, com cotas sexuais ou raciais. Esse projeto de Estado identitário, herdeiro da organização corporativa do fascismo italiano, ameaça o modelo de democracia liberal.

O cardápio contestador dos “sixties” foi variadíssimo. Havia tanta coisa em jogo, que a única definição possível era falar da contracultura e do Maio de 1968 como espaços da manifestação do múltiplo e do diverso.

E foi justamente por aí que veio a palavrinha mágica, diversidade, emergindo “a posteriore” como denominador comum do repertório do final daquela década —porém não mais como definição ou classificação ocasionais, e sim como ideologia.

Desenhou-se um novo campo magnético, com a “diversidade” no centro, articulando na esfera política, como disse o sociólogo Mathieu Bock-Côté, todo um leque de manifestações e reivindicações.

Sob o conceito (e, depois, dogma) da diversidade, a multiplicidade ganhava uma suposta unidade. Aqui, a partir da década de 1980, já não se tratava mais de reconhecer a existência da diversidade no mundo, mas de defendê-la programaticamente, impondo-a ao conjunto da sociedade.

Esse eixo político esbarraria num inimigo comum —o “homem branco”, e numa inimiga comum, a “civilização ocidental”. Tratava-se da incorporação do legado contracultural, que se expressara no slogan “Western Civilization Is Over”.

A estratégia, desde então, é tirar proveito máximo do “masoquismo ocidental”, para lembrar a expressão cara ao filósofo Pascal Bruckner, o autor do livro “A Tirania da Penitência: Ensaio Sobre o Masoquismo Ocidental”.

Defende-se agora que a história do mundo ocidental não passa de um filme de terror. A história brasileira, inclusive. Quase tudo com base em leituras fraudulentas, dualismos primários e ignorância, muita ignorância, por parte de militantes que pouco se importam com a exatidão histórica. Curiosamente, são intransigentes com as democracias que temos, mas complacentes com ditaduras extraocidentais.

Os ataques ao Ocidente, lugar por excelência da culpa, caem sempre em solo propício. Nada mais ocidental do que criticar, arrasadoramente, o Ocidente. Nossos grandes pensadores sempre fizeram isso.

Agora, é a vez dos identitários multiculturalistas, todos ocidentalíssimos, embora fingindo que não, repetirem que o Ocidente não fez mais do que humilhar, escravizar, assassinar os outros povos, todos invariável e rigorosamente angelicais e oprimidos.

A história do Brasil, para eles, resume-se à chacina de índios, à opressão das mulheres e à tortura de negros, perpetradas por uma elite branca racista e patriarcal. Só. E agora as vítimas exigem sua indenização, compensação retrospectiva de vantagens perdidas.

Eliane Cantanhêde - Dobrando a aposta

O Estado de S. Paulo

Vazia de conteúdo, a reeleição não será fácil. Mas Bolsonaro tem forma, caneta e dobra a aposta no negacionismo para 2022

O presidente Jair Bolsonaro jogou fora todo o conteúdo e os falsos compromissos, mas mantém a forma e a técnica que lhe deram a vitória em 2018: uma combinação de viagens por todo o Brasil com o uso maciço da internet. Basta sorrir, produzir vídeos, tirar selfies, e o gabinete do ódio e os robôs, inclusive os de carne e osso, fazem o resto.

Sem a facada, sem o discurso de 2018 e com uma coleção de desastres do governo, ele sabe que não sobrevive à realidade, à pandemia, à economia e a perguntas, sejam de jornalistas, sejam de adversários, e prefere multidões que não questionam nada, só gritam “mito”. Vai ter de fugir dos debates e entrevistas.

Pode simplesmente não aparecer e deixar os adversários falando sozinhos e se atacando uns aos outros, como em 2018. Antonio Carlos Magalhães, o ACM, dizia: “Reunião que eu não vou não vale”. Bolsonaro pode adaptar: “Debate que eu não vou não vale”. Mas os debates entre os outros serão uma saraivada de verdades contra ele.

Bolsonaro viajou todos os dias da semana passada. A Teotônio Vilela (AL), Teixeira de Freitas (BA), Boa Vista (RR), Belo Horizonte (MG) e Maringá (PR), do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, nome recorrente da CPI na compra de vacinas e na investigação de Bolsonaro por prevaricação. Barros, porém, tem peso no Centrão e no Paraná, junta gente para a campanha de Bolsonaro animar a turba “presencial” e a “virtual”.

Carlos Melo* - Não foi ‘gigante’, mas tampouco desprezível; expressou a rejeição

O Estado de S. Paulo

Comparadas ao 12 de setembro, as “rachaduras” do antibolsonarismo foram, desta vez, menos evidentes. Adversários subiram no mesmo palanque; a organização reuniu diferentes e divergentes partidos, além dos movimentos sociais. Não deixa de ser um ensaio de frente ampla. Não eleitoral, claro – nesse aspecto, não há e nem haverá acordo –, mas contra Jair Bolsonaro, que vive seu pior momento na Presidência do País.

Outro aspecto é que a tensão que houve no início de setembro diminuiu. O recuo do presidente retirou da atmosfera política a maior dramaticidade sentida há um mês. A questão da democracia esteve presente e, naturalmente, ainda preocupa, mas perdeu espaço em relação à inflação e ao custo de vida. Expressos no termo “Bolsocaro”.

Água fria para os mais afoitos, a magnitude das manifestações, no entanto, não surpreendeu. Com o processo de imunização avançando, a pandemia assusta menos, e mais pessoas vão às ruas. Aos poucos. Não foi “gigante”, mas tampouco desprezível: assemelha-se à mobilização bolsonarista de 7 de setembro. Se, então, demonstrou apoio; agora, expressou a evidente rejeição.

Cristovam Buarque* - A Antifacada

Blog do Noblat / Metrópoles

Bolsonaro enfrentará o candidato mais preparado que o Brasil já teve em disputa. Além da popularidade com que chega, Lula traz experiência

Dificilmente Bolsonaro teria sido eleito, se a facada não o tivesse liberado de comparecer aos debates. Ele não resistiria aos questionamentos de candidatos mais preparados, como Haddad, Marina, Alckmin, Ciro. Em 2022, ele terá de participar e vai enfrentar o candidato mais preparado que o Brasil já teve em disputa eleitoral. Além da popularidade com que chega, Lula trás a experiência de cinco disputas presidenciais e oito anos de exercício da presidência, carregado de conhecimento e reconhecimento em todos os setores da vida nacional e internacional.

As tentativas de constrangê-lo por ter sido condenado e preso poderão beneficia-lo, ao mostrar que suas condenações foram anuladas e parecem perseguições. Certo constrangimento virá das provas de corrupção por membros e associados dos seus governos. Mas a maior dificuldade do Lula poderá vir de posições manifestadas por militantes e dirigentes de partidos ligados ao Lula, assustando eleitores com desconfianças em relação à equipe com a qual ele governará.

As recentes agressões contra a Deputada Tabata Amaral, por pessoas próximas ao Lula, fizeram ampliar este temor. Chega-se a imaginar o risco de Lula nomear pessoas com esta agressividade para cargos em seu governo. Assusta ainda mais, que as críticas à Deputada Tabata refletem posições com desvios de caráter e também com posições políticas reacionárias, negacionistas, contrárias às reformas para quebrar privilégios e destravar o progresso do país.

George Gurgel de Oliveira* - Paulo Freire e os desafios da educação brasileira

No presente texto, fazemos algumas reflexões sobre a educação, como parte integrante de formação da Cidadania e um dos fundamentos de modernização do Estado e da Sociedade brasileira.

É a nossa maneira de homenagear o centenário de nascimento de Paulo Freire que, por toda a vida, buscou a inclusão social, através da educação, como o caminho mais democrático de transformação da sociedade. Lembrando ainda Anísio Teixeira e Darci Ribeiro, referências quando se fala em educação no Brasil, e o nosso incansável Cristovam Buarque, quixotes de uma educação a ser construída com a participação efetiva dos que, no dia a dia, fizeram e fazem a educação no Brasil.

Discussão oportuna face a atual realidade brasileira, em plena pandemia, desafiada a transformar o sistema nacional de educação frente à nossa difícil realidade política, econômica, social e ambiental, comprometendo as forças democráticas a pautar a questão da educação como um dos fundamentos de um Programa de Governo reformista a ser construído para as próximas eleições presidenciais, em 2022, com a participação efetiva da sociedade.

A educação brasileira continua enfrentando sérias dificuldades que vão se ampliando neste segundo ano de Covid-19, nos colocando o imperativo de avaliar o atual sistema educacional brasileiro nas suas vulnerabilidades e potencialidades, durante e pós Pandemia.

A sociedade contemporânea é herdeira da revolução industrial quando a ciência, a tecnologia e a educação profissionalizante começam a ser incorporadas nos processos de produção e distribuição de mercadorias, transformando o cotidiano da humanidade, construindo novas relações políticas, econômicas, sociais, culturais e espirituais da sociedade entre si e com a própria natureza.

Desde então, a base técnica, científica e educacional construída criou as condições materiais de resolver a maioria dos problemas sociais, econômicos e ambientais existentes, inclusive os desafios educacionais enfrentados hoje pelo Brasil e por toda a humanidade. A internet, a robótica, a micro-eletrônica, as tecnologias de informação, os novos materiais e as energias renováveis entraram definitivamente nas nossas vidas, transformando as relações sociais estabelecidas, modificando a maneira de ser e estar das pessoas em sociedade.

Entrevista | A grande crise do Ocidente

Sociedades desorientadas e altamente polarizadas podem alimentar a ‘tentação chinesa’

Por Assis Moreira / Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Ex-secretário-geral adjunto da Organização das Nações Unidas (ONU) e chefe das operações de manutenção da paz entre 2000 e 2008, o diplomata francês Jean-Marie Guéhenno publica um novo livro, intitulado “Le premier XXIe siècle, de la globalisation à l’émiettement du monde” (O primeiro século XXI, da globalização à pulverização do mundo, Flammarion), no qual avalia que o Ocidente democrático atravessa sua crise mais grave desde o fim da Guerra Fria.

Especialista de relações internacionais e questões de defesa e hoje professor na Universidade Columbia, de Nova York, Guéhenno observa que o período atual tem, em todo o caso, pouco a ver com a precedente Guerra Fria, e o sucesso chinês coloca o Ocidente capitalista numa situação bem diferente em comparação à confrontação com a União Soviética.

Para ele, o medo cresce em sociedades desorientadas e extremamente polarizadas, e isso pode alimentar a chamada “tentação chinesa”, a atração pelo modelo chinês. Guéhenno avalia que a ditadura chinesa parece tentar indivíduos em vários países, com seu sucesso material que fascina e sua capacidade de manter uma certa harmonia da sociedade. Usando o poder das novas tecnologias, a China procura passar da ditadura repressiva - descrita por George Orwell, baseada no terror - à ditadura preventiva descrita por Aldous Huxley, baseada num controle dos espíritos em que a pessoa não se sente em prisão.

Mas, para o autor, a verdadeira ameaça está no interior das sociedades ocidentais, na sua fragmentação crescente, que não se sabe ainda como superar.

Guéhenno aborda o que chama de ilusão da nova ordem mundial, o indivíduo perante a sociedade, a crise da política tradicional, a nova política e novos nacionalismos, o poder das grandes companhias digitais, o futuro da guerra em sociedades pulverizadas.

No capítulo sobre a nova política, Guéhenno destaca como certos líderes não procuram mais o terreno comum na política, para superar diferenças e agregar pelo compromisso eleitores diversos. Ao contrário, procuram aprofundar as clivagens. Pela brutalidade da linguagem e dos atos, o partido acentua o que o diferencia de seu adversário. Não ofender é visto como começar a mentir. Não tenta sequer se fazer “respeitável”, seguindo a lógica de partidos fascistas.

Guéhenno nota que nesse cenário a diferença entre o fato e a ficção, entre o verdadeiro e o falso, não existe mais. Destaca o cinismo de líderes que fazem as pessoas acreditarem nas declarações mais absurdas um dia, certos de que podem dizer todo o contrário no dia seguinte como uma espécie de habilidade tática superior na política.

Assim, o espaço compartilhado da razão, que desde a antiguidade foi a base do debate democrático, se fragmenta numa multitude de ilhas de certezas incompatíveis e irreconciliáveis, observa Guéhenno.

Trechos da entrevista:

Nem Keynes nem Friedman

Joe Biden quer iniciar nova era na política econômica

Fazem parte dos planos que somam US$ 3 trilhões o fortalecimento do poder de barganha do trabalho e a valorização da economia dos cuidados: atenção à saúde, à infância e aos idosos

Por Diego Viana / Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

ousadia dos planos econômicos de Joe Biden surpreendeu adversários e aliados. Considerado um membro da ala mais moderada do Partido Democrata, Biden propôs três grandes projetos que, somados, atingem US$ 6 trilhões. A magnitude do projeto provocou temores de retorno da inflação e má alocação de recursos, mas o presidente dos EUA já declarou em mais de uma ocasião que está disposto a errar pelo excesso, não pela falta.

Embora expresse um volume de investimentos que não se via desde a Guerra Fria, o impacto da chamada Bidenomics vai além dos gastos com infraestrutura, energia e formação da mão de obra. Fazem parte dos planos o fortalecimento do poder de barganha do trabalho e a valorização da economia dos cuidados: atenção à saúde, à infância e aos idosos. Influenciado pela popularidade, sobretudo entre jovens, da ala esquerda do Partido Democrata, Biden se propõe a inaugurar uma nova era na história econômica americana.

Em abril do ano passado, ainda pré-candidato à presidência, Biden declarou que “já não é mais Milton Friedman quem dá as cartas”. O democrata se referia à forte influência que o economista liberal, ferrenho opositor de gastos sociais, exerce, desde fins da década de 1970, na política americana e na produção acadêmica em economia. No entanto, o que não foi respondido naquele momento é quem dá as cartas que já não cabem a Friedman.

O baralho dos elementos que constituem esse carteado econômico tem naipes de diferentes origens. Por um lado, toma emprestado referências do New Deal da década de 1930 e do capitalismo administrado do pós-guerra. Por outro, alimenta-se de problemas emergentes, como clima, desigualdade e a economia do cuidado. O contexto histórico das propostas também é inédito, resultado da combinação de crise climática, concorrência pela hegemonia geopolítica e transformação demográfica.

O comentarista econômico Noah Smith, da Bloomberg, escreve que “todo novo presidente chega com uma lista de iniciativas, mas a cada três ou quatro décadas um deles traz uma filosofia nova. O teor, ritmo e escopo do plano de Biden sugerem que estamos entrando em um novo paradigma, como com Franklin Roosevelt, em 1933, e Ronald Reagan, em 1981”.

Os dois presidentes citados traduzem as mais radicais transformações da política econômica americana no último século. O nome de Roosevelt, que assumiu em plena Grande Depressão, ficaria ligado ao capitalismo regulado, inspirando a era conhecida como fordista-keynesiana.

O papel de John Maynard Keynes na configuração dessa era foi mostrar que é possível à economia encontrar equilíbrios que não coincidem com o pleno emprego; então, em momentos de crise, a intervenção do governo pode manter a máquina em movimento. Já Reagan, que se tornou presidente após uma década de inflação alta e crescimento pífio, representa a volta do liberalismo ao poder, cortando gastos sociais e promovendo a autorregulação do mercado. O economista que simboliza essa virada é aquele que, segundo Biden, não dá mais as cartas: Milton Friedman.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A punição depois da CPI da Covid

O Globo

Não é trivial a coleção de fatos apurados pela CPI da Covid. Não se trata, como no passado, apenas de investigar corrupção, enfraquecer adversários e aproveitar os holofotes — embora tais ingredientes também estejam presentes. Desta vez, o inquérito dos senadores se debruçou sobre um evento singular: o morticínio de 600 mil brasileiros na pandemia. Nunca houve CPI como esta. À medida que os trabalhos se aproximam do desfecho, o desafio do relatório final é atribuir as responsabilidades e configurar os crimes diante de fatos chocantes e revoltantes por si sós. Eis os principais:

1) O presidente Jair Bolsonaro desprezou as normas sanitárias e pôs em risco a saúde da população, ao promover e participar de dezenas de aglomerações, desdenhar o uso de máscaras e o distanciamento social, recomendados pelo consenso científico;

2) O governo federal sabotou medidas de prevenção e defendeu a ampliação do contágio — portanto, das mortes — como forma de atingir mais rápido a “imunidade de rebanho”;

3) Desde o início da pandemia, Bolsonaro criou um gabinete paralelo de aconselhamento, à revelia dos organismos oficiais, formado por pseudocientistas, empresários e políticos alinhados ideologicamente;

4) O governo federal tentou manipular o número de mortes para reduzir o impacto público da pandemia;

5) Bolsonaro e o governo incentivaram a produção e distribuição de milhões de comprimidos de cloroquina e do “kit Covid” para o “tratamento precoce” com drogas ineficazes, temas de propaganda oficial;

6) Empresários próximos ao governo financiaram uma campanha de desinformação que pôs em risco a saúde pública, com foco em teses descabidas como “imunidade de rebanho”, “tratamento precoce”, “isolamento vertical” e mentiras contra as vacinas;

7) O governo desdenhou ofertas de vacinas que poderiam ter evitado centenas de milhares de mortes;

8) Representantes do governo participaram de esquemas para importar vacinas de intermediários suspeitos em troca de propina. Informado sobre um dos esquemas, Bolsonaro nada fez;

9) No auge da tragédia no Amazonas, o Ministério da Saúde ignorou os hospitais em colapso sem oxigênio, enquanto enviava cloroquina ao estado;

10) O governo foi omisso diante da população indígena. O resultado foi mais contágio e mais mortes;

11) Pacientes do Amazonas e do Rio Grande do Sul foram usados sem consentimento como cobaias em testes pseudocientíficos sem aval dos organismos éticos competentes;

12) Acusações de uso de cobaias humanas sem consentimento e fraudes se estendem à operadora de saúde Prevent Senior, cujo corpo técnico foi vinculado ao gabinete paralelo de aconselhamento a Bolsonaro.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


Música | Samba da Mangueira 2022