segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

PEC dos Militares representa passo na direção correta

O Globo

Medida combate politização das Forças Armadas, mas não disciplina polícia nem acesso a cargos civis

Com a retomada dos trabalhos no Congresso, ganhou destaque no Senado a Proposta de Emenda à Constituição conhecida como PEC dos Militares. De autoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), o texto altera as regras para integrantes da ativa das Forças Armadas concorrerem em eleições. Se aprovada, os militares que decidirem buscar uma vaga no Legislativo ou Executivo passarão para a reserva no momento da candidatura. Dado o histórico do governo Jair Bolsonaro, com militarização de cargos civis, politização dos quartéis e tentativa de golpe, a medida seria um avanço institucional. Mas, embora seja um passo necessário, o alcance precisaria ser ampliado para surtir o efeito pretendido.

Miguel de Almeida - O sopão bolsonarista

O Globo

Vladimir Herzog, jornalista e também dramaturgo, em menos de 24 horas foi torturado e morto

Quase 50 anos nos separam da manifestação (com nossos recursos) em apoio ao golpista Bolsonaro e a missa em memória de Vladimir Herzog (1937-1975). Celebrada na Catedral da Sé, em São Paulo, em protesto pelo assassinato do jornalista nos porões do DOI-Codi, um centro de tortura, ela marca o início da queda da ditadura militar. Milhares de pessoas, dentro e fora da igreja, vigiadas pelos arapongas de sempre, com ostensivas viaturas policiais no entorno, protestaram contra o arbítrio do regime.

Trata-se de momento seminal e fundador na História brasileira, visto como o dia em que foi deixado de lado o medo de enfrentar as forças da repressão. Até então, dezenas de adversários da ditadura haviam sido mortos, torturados ou “desaparecidos” — e as reações ainda não tinham alcançado dimensão pública. Com a censura imposta à imprensa, poucas informações alcançavam a população. Celebrada em ato ecumênico, trazia no altar o rabino Henry Sobel, o pastor presbiteriano Jaime Wright e o arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. Como diz no documentário “Coragem”, de Ricardo Carvalho, disponível no YouTube, o cardeal Arns resumiu a intenção da luta que ganhava as ruas:

— Os militares não mandam na nossa liberdade.

Fernando Gabeira - A guerra que mata e os jogos verbais

O Globo

Apesar do discurso de frente ampla, a esquerda apresenta uma política bem mais próxima de uma visão partidária

A frase que Lula disse na Etiópia repercutiu fortemente durante toda a semana. Tão fortemente que não há muito mais o que falar, exceto extrair algumas lições sobre nossa pátria amada, salve, salve.

Ouvi um repórter anunciar que a reunião do G20 trataria de três temas: as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza e o embate diplomático entre Brasil e Israel. Meu Deus, pensei, como podem colocar no mesmo plano duas guerras reais, com gente morrendo ou sendo mutilada, com uma disputa verbal entre duas chancelarias?

Claro que o G20 não abordou o tema, mas o tom das reportagens deixa bem claro como superestimamos as situações em que o Brasil é protagonista.

Duas repercussões políticas também me impressionaram. De um lado, deputados propondo o impeachment de Lula por causa de sua frase. De outro, a declaração de Celso Amorim de que a fala de Lula sacudiu o mundo e potencialmente ajudaria a acabar com a guerra.

Irapuã Santana - Projeção e maniqueísmo

O Globo

Será que a pessoa em quem votamos eventualmente não errará? Será que ela errar faz automaticamente com que estejamos errados?

A declaração do presidente Lula na Etiópia a respeito do que vem acontecendo na Faixa de Gaza abriu espaço para mais uma grande briga política no Brasil.

Existem muitas denúncias sobre como o primeiro-ministro de Israel vem agindo, inclusive na própria comunidade judaica. É, pois, razoável falar em crimes de guerra cometidos pelo governo israelense.

Se parasse por aí, Lula não estaria sozinho, considerando que outros líderes mundiais também vêm repudiando o ocorrido. No entanto ele foi além e declarou:

— O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler resolveu matar os judeus.

Nesse momento, ele se isolou.

Guga Chacra fez uma observação interessante sobre o caso ao afirmar que Lula “não escolheu o genocídio armênio, ele não escolheu o genocídio de Ruanda. Tivemos massacres na guerra da Bósnia, na guerra de Kosovo, teve a invasão dos Estados Unidos ao Iraque, a guerra da Síria, a guerra da Rússia, a invasão da Rússia à Ucrânia. Ele coloca como se fosse algo único. Não é algo único, de forma alguma”.

Marcus André Melo - Antiviralatismo desvairado

Folha de S. Paulo

País tem vantagem no plano internacional devido ao lugar na política global da mudança climática, mas comete sucessivos fiascos em grandes conflitos mundiais

Não é a primeira nem a segunda vez que o presidente Lula comete erros estapafúrdios e faz comparações bizarras. Em 2009, quando Mahmoud Ahmadinejad foi reeleito, em um contexto em que dezenas de candidatos foram impedidos de se candidatarem e o abuso de poder deflagrou protestos naquele país e fora dele, Lula afirmou que não era "a primeira vez que um partido de oposição que perde reclama muito". E comparou a teocracia iraniana com os EUA: "não podemos esquecer nunca da primeira eleição do presidente Bush. As pessoas acataram os resultados apesar das dúvidas".

Deborah Bizarria - O que motiva os protestos

Folha de S. Paulo

Não são apenas os fatores econômicos que levam as pessoas a se manifestarem

A partir da manifestação convocada por Jair Bolsonaro (PL) para este domingo (25), na avenida Paulista, dei-me conta de que políticos e lideranças sociais têm conseguido levar cada vez mais pessoas às ruas. Na última década, o Brasil tem testemunhado um aumento no número e na escala de protestos. Desde 2013, vimos movimentos estudantis, greves e protestos contra e a favor dos governantes do momento ou em torno de outras figuras políticas destacadas.

Esse panorama não é exclusividade brasileira, conforme apontado pelo estudo de Davide Cantoni e outros autores, que contou com assistência do pesquisador brasileiro William Radaic. A pesquisa analisou dados sobre 1,2 milhão de eventos de protesto em 218 países, cobrindo um período de 1980 a 2020. Esse volume de informação não só destaca sua onipresença como fenômeno mundial como aponta para a complexidade de suas causas e consequências. Através da análise estatística e do exame de literatura existente, desvendaram os padrões subjacentes aos atos, explorando tendências temporais, padrões geográficos e a relação com variáveis econômicas e sociais.

Igor Gielow - Ato grande e previsível mostra Bolsonaro sem armas para a briga

Folha de S. Paulo

Tarcísio comete ato falho de gosto duvidoso e diz que ex-presidente não é mais um CPF

Quando convocou o ato para se defender das acusações de ter tramado um golpe para se manter no poder, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deixou claro que tudo o que lhe interessava seria "a foto". Neste domingo (25), repetiu o enunciado.

E o conseguiu, como seria previsível para alguém que tem 25% da população bolsonarista convicta, uma fatia que não mudou de lugar durante um ano de revelações deletérias acerca de como seu grupo político de fato buscou rasgar a Constituição em nome do chefe.

Apesar da previsível multidão na avenida Paulista, um lugar conhecido por pontos comerciais em que pessoas fazem filas para tirar uma foto que durará dois segundos em rede social, Bolsonaro demonstrou neste domingo a exaustão de seus recursos.

radicalismo do 7 de setembro de 2021, quando no poder de fato instigou uma ruptura tão séria que a política tradicional remanescente, leia-se centrão, veio em seu socorro só para se ver agora na mira da Justiça, foi um eco distante.

Maria Cristina Fernandes - Ato de Bolsonaro na Paulista traz disputa por espólio e vírus resistente do negacionismo

Valor Econômico

No alto do pódio da disputa pelo espólio ficou ex-primeira-dama Michele Bolsonaro

ato em que Jair Bolsonaro carregou nas tintas de mártir, pedindo anistia para os presos do 8 de janeiro e reconhecendo a minuta golpista que poderá levá-lo à prisão, evidenciou tanto a disputa por seu espólio quanto a tentativa do ex-presidente de pegar carona numa “pacificação”, capaz de “passar uma borracha no passado”.

No alto do pódio da disputa pelo espólio ficou ex-primeira-dama Michele Bolsonaro com sua fala emocionada de fé e família para enfrentar a injustiça, ante um público mais velho, afluente e a exibir símbolos evangélicos, como as bandeiras de Israel e do leão de judá (metáfora bíblica de Cristo), vendidas por R$ 60.

Dos quatro governadores presentes – Jorginho Mello (SC), Romeu Zema (MG), Tarcísio Freitas (SP) e Ronaldo Caiado (GO) – o último é o mais focado. Sua determinação não deixa dúvidas de que a direita vai se dividir.

Bruno Carazza* - Bolsonarismo: forte no zap e nas ruas, fraco no Congresso

Valor Econômico

Sem mandato e inelegível, proposta de anistia de Bolsonaro é inviável

O bolsonarismo é um fenômeno que começou nas redes sociais e tomou as ruas. Líder de forte apelo popular, mais uma vez Jair Bolsonaro demonstrou força ao atrair milhares de pessoas vestidas de verde e amarelo no ato de ontem na Avenida Paulista.

Convocados logo após as ações da Polícia Federal no âmbito da Operação Tempus Veritatis, que investiga a participação do ex-presidente, integrantes de seu governo e membros das Forças Armadas no planejamento de um golpe e na organização dos atos democráticos de 8 de janeiro de 2023, seus apoiadores marcaram presença em peso.

O evento contou ainda com a participação de políticos bolsonaristas, além dos governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos), Romeu Zema (Novo), Ronaldo Caiado (União Brasil) e Jorginho Melo (PL).

Eliane Cantanhêde – Candidato ou não, ex-presidente move multidões e divide o País

O Estado de S. Paulo

Uma mostra de que o bolsonarismo vive

O ato deste domingo na Avenida Paulista confirma o que todos sabiam: o ex-presidente Jair Bolsonaro tem base popular, move multidões e divide o País ao meio, como já mostraram os votos de 2022. Isso, porém, não muda a realidade e as investigações da Polícia Federal e da Justiça contra Bolsonaro, seus generais, minutas de intervenção no TSE, anúncio de estado de sítio e a longa preparação de um golpe, que, frustrado, virou a invasão e depredação das sedes dos três Poderes.

Compareceram ao ato de domingo os governadores da linha de frente do bolsonarismo, como Tarcísio de Freitas, anfitrião, Ronaldo Caiado, de Goiás, Jorginho Mello, de Santa Catarina, e Romeu Zema, de Minas Gerais. Ok. O passado diz bastante do que eles foram fazer lá e o futuro dirá se a presença valeu a pena. No fim das contas, a história colocará tudo isso em contexto.

Diogo Schelp - Manifestação coreografada

O Estado de S. Paulo

Ato serviu para apertar os laços de lealdade que prendem alguns políticos a Bolsonaro

“Essa fotografia vai rodar o mundo”, disse Jair Bolsonaro em seu discurso diante de milhares de apoiadores na Avenida Paulista, ontem. A frase, com toda sua frivolidade, resume bem o que foi o ato. Primeiro, por expressar o quanto Bolsonaro anseia por ser reconhecido como um ator imprescindível da política nacional. Segundo, por expor que o real objetivo ali era o de produzir uma prova visual irrefutável da sua força política. E, terceiro, por sintetizar a ausência de conteúdo do seu discurso.

A manifestação coreografada cumpriu seu objetivo. Conseguiu confirmar que nenhum outro político no Brasil consegue mobilizar as massas com a mesma facilidade. Demonstrou a obediência dos apoiadores, que cumpriram a determinação de não exibir cartazes com mensagens golpistas e que foram capazes de se conter nas palavras de ordem contra o ministro Alexandre de Moraes, mesmo quando o pastor Silas Malafaia gritou que ele tinha sangue nas mãos pela morte na prisão de um dos réus do 8 de Janeiro.

Denis Lerrer Rosenfield* - Israel e os evangélicos

O Estado de S. Paulo

Se o governo petista seguir a via de expulsão do embaixador de Israel e de rompimento diplomático, o suicídio político estará consumado

Para além da indignidade moral do presidente Lula, abraçando teses antissemitas, revela-se uma monumental burrice político-eleitoral. Ganha ele a reprovação de ampla maioria da população brasileira, assim como consegue alienar-se do eleitorado evangélico que nele não se reconhece.

Do ponto de vista moral, sua conduta foi abominável ao equipar a autodefesa de Israel aos crimes de genocídio cometidos por Adolf Hitler. Israel foi agredido, atacado, por uma organização terrorista que, em poucas horas, conseguiu assassinar 1.200 pessoas em kibutzim e numa festa rave, para além dos sequestrados em seu poder, hoje mantidos em situações terríveis. Ao responder, visou ao Hamas, e não à população palestina, utilizada pelos terroristas como escudo humano. Numa guerra urbana e, mais especificamente, subterrânea, é muito difícil discernir um civil de um combatente. Que o digam os russos na Chechênia e os americanos em Mossul e Faluja. É certamente lamentável, mas fruto deste tipo de guerra.

Orlando Thomé Cordeiro - Eleições municipais e as redes sociais

Correio Braziliense

Conquistar voto é uma tarefa árdua que depende de muito trabalho desde o período da pré-campanha. Não tem solução mágica

Eu quero entrar na rede
Promover um debate
Juntar via internet
Um grupo de tietes de Connecticut

Esses versos são da música Pela Internet, do genial Gilberto Gil, lançada em 1996, há 28 anos. Ele foi o primeiro artista brasileiro a transmitir um show ao vivo pela internet. Naquele tempo, a internet era vista como o grande ambiente para promover debates, conversas, compartilhar conhecimentos. Com o passar dos anos, o modelo de negócio das big techs acabou provocando uma deformação do papel inicialmente sonhado.

Como é de conhecimento público, a primeira utilização das redes sociais diretamente para a ação política foi na campanha de Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos em 2008, uma estratégia absolutamente decisiva para sua vitória. De lá pra cá, tornou-se obrigatório atuar nesse universo em qualquer disputa eleitoral.

Outro ponto de inflexão nessa trajetória acontece em 2016, nas campanhas vitoriosas conduzidas pelos estrategistas que assessoraram os defensores do Brexit e a candidatura de Donald Trump, muito bem retratadas no livro Os Engenheiros do Caos, de Giuliano da Empoli. Sobre o tema, reproduzo a seguir o que escrevi na coluna publicada em 6/3/2020:

Poesia | Presságio, de Fernando Pessoa

 

Música | Francis Hime e Lenine - Corpo Feliz