O QUE PENSA A MÍDIA
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Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 19 de julho de 2008
RIO EM DEBATE: RELATO DE UMA JORNADA
Maria Alice Rezende de Carvalho1
Na manhã do dia 16 de junho reuniram-se no IUPERJ cerca de 30 pessoas interessadas em conhecer aspectos da cidade do Rio de Janeiro postos em discussão pela cientista política e vereadora (PV) Aspásia Camargo, pelo economista Mauro Osório, da Faculdade de Direito da UFRJ, e pelo Coordenador do CEDES Luiz Werneck Vianna. No mesmo dia, à tarde, com público igual, foram palestrantes o titular do Juizado Especial Criminal de São Gonçalo, Dr. Marcelo Anátocles, o Prof. Luiz César Queiroz Ribeiro (IPPUR, UFRJ) e, do CEDES, o Prof. Marcelo Burgos.
O evento foi aberto oficialmente por mim, destacando como objetivo central do encontro o de testar a viabilidade da produção coletiva de um novo diagnóstico sobre o Rio de Janeiro, que tivesse, em relação ao diagnóstico elaborado nos anos de 1980, a mesma abrangência social e similar consenso político, a fim de que pudesse orientar as intervenções públicas e cidadãs no âmbito da cidade.
Considero que, durante os anos de 1980, após uma longa trajetória de debates sobre o Rio de Janeiro, afirmou-se a perspectiva de integração favela-asfalto com vistas à democratização do espaço urbano, o que se materializou em projetos como o Favela-Bairro, até hoje em vigência. Contudo, trinta anos depois, a cidade se tornou exigente de uma nova imaginação pública que a enuncie em termos diversos, pois é outra a tematização proposta por seus atores, e outro, certamente, o repertório intelectual disponível.
Nesse sentido, embora reconhecendo a singeleza de um evento como aquele, e o fato de que o CEDES poderá cumprir papel relevante na animação desse debate, mas não poderá operá-lo sozinho, finalizei minha intervenção com o convite para que todos os presentes, sobretudo os palestrantes, levassem a sério a construção de um fórum permanente sobre o Rio.
A primeira intervenção foi a da Vereadora Aspásia Camargo, cujo relatório da CPI SOBRE A DESORDEM URBANA, conduzida sob sua coordenação, era aguardado com interesse.
Aspásia ponderou, primeiramente, sobre os limites do seu trabalho, já que “desordem urbana” diz respeito a um conjunto de problemas de competência estritamente local. Desse conjunto estão excluídos, portanto, temas como a violência ou o desemprego, cujos efeitos sobre o Rio de Janeiro são nefastos e terríveis, mas não podem ser tratados pelas autoridades urbanas.
Assim, para Aspásia, “desordem urbana é um termo que se incorporou recentemente ao vocabulário político para designar a imissão e cumplicidade do poder público diante da ocupação irregular e crescente dos espaços públicos, lesiva à vida cotidiana e aos interesses dos cidadãos. Os tipos de comportamento ilegal que o termo comporta são os mais variados, incluindo a ocupação de calçadas por bares, boates e restaurantes, o barulho excessivo e a poluição sonora em bairros residenciais, os megashows que estão destruindo Copacabana, as máfias de flanelinhas, a favelização dos bairros da cidade, com a presença de práticas informais que vão dos lava-jatos aos pontos de venda de drogas ”.
A vereadora considera que esse cenário de precarização da cidade é muitíssimo ampliado pelos malefícios econômicos que provoca, com a redução do turismo, do funcionamento do comércio, da presença das sedes de companhias nacionais e internacionais no Rio de Janeiro e com a deterioração do nosso patrimônio cultural e urbanístico.
Como causas de todo o descalabro que se abateu sobre o Rio, a relatora cita: (a) a legislação por decreto, que se tornou uma prática no Rio e concentra cada vez mais poderes nas mãos do Prefeito; (b) a cumplicidade dos agentes do controle urbano com uma política centralizada que emana da Secretaria de Governo e do próprio Prefeito; (c) as práticas discricionárias de licenciamento, que protegem determinados agentes econômicos em detrimento de outros e favorecem o “jeitinho”, as cobranças ilegais de propinas etc.; (d) a inexistência de um Código de Postura Urbana adequado e transparente, de que possa se socorrer o cidadão.
Portanto, a vereadora considera que as causas imediatas do nosso infortúnio dizem respeito à concentração de poderes nas mãos do Prefeito, que administra concessões e licenciamentos de modo arbitrário e imprevisível. Mas, segundo Aspásia, no fundo dessa cultura persistiria um “populismo moribundo, que despreza a economia e amaldiçoa o lucro e as atividades produtivas”.
O diagnóstico do economista Mauro Osório, especialista em planejamento urbano, seguiu de perto as proposições da Vereadora. Segundo Osório, alguns economistas importantes têm dirigido sua atenção para o tema do crescimento urbano.
Por que, afinal, algumas cidades prosperam e outras não? Douglass North, prêmio Nobel de Economia, foi convocado ao debate. Segundo North, há determinados “marcos de poder” que favorecem as cidades e outros que as prejudicam. No caso do Rio de Janeiro, para Osório, o marco de poder ainda em vigência seria o que se organizou nos anos de 1970, em torno do clientelismo e do fisiologismo. Esse paradigma, portanto, não foi quebrado “e todos os governantes que chegam ao poder após o segundo governo Chagas Freitas ou entram articulados com esse marco ou dele se tornam prisioneiros”.
A história do Estado do Rio de Janeiro e de sua capital, segundo o analista, não são inocentes em relação aos problemas urbanos contemporâneos. “Nos anos de 1960, diz Osório, existiam duas lógicas na política fluminense: uma nacional e radicalizada, com base na qual o carioca votava referenciado no debate nacional, e uma lógica fragmentária, que passava pela Câmara dos Vereadores, que tinha pouco poder de fato. Quando ocorrem as cassações no Rio, vão-se a esquerda e a direita, pois a UDN, que aqui era lacerdista, vai de roldão. Tal situação gerou um vazio político na cidade, ocupado por Chagas Freitas, então deputado federal, dono do principal jornal popular e presidente do Sindicato Patronal de Jornais e Revistas da cidade nos anos 50 e 60.”
Para Mauro Osório, assim como para a Vereadora Aspásia, a saída da cidade se encontra na superação desse paradigma clientelista e fisiológico, mediante o encontro da cidade com as principais entidades empresariais. Trata-se, pois, de uma renovação da vida urbana, com a conclamação ao debate de novos atores, até aqui pouco comprometidos com sua projeção.
Por fim, falou Werneck Vianna, para quem a cidade do Rio de Janeiro não conheceu a função ético-pedagógica de um patriciado rural, tal como ocorreu em outros contextos de modernização capitalista. Sem elites, sem autonomia política, por força da nossa condição de Distrito Federal com prefeitos nomeados e uma atividade de vereança subordinada ao Senado, sem mais, a partir de 64, a vertebração que a relação PTB/PCB conferia à cidade, o Rio está carente de política.
Na face terrível ostentada pela cidade – violência, crime, feudalização do território, apropriação privatista de recursos de poder etc. – Werneck vê um método.
“Não há caos nessa cidade. Há uma estrutura de poder que comanda essa Nápoles”.
É isso que permite pensar uma forma de intervenção que desmonte essa estrutura e libere as forças mais enérgicas da cidade: os jovens, os empreendedores, os intelectuais da cidade.
Portanto, para Werneck, a questão não se coloca apenas no plano de uma reorientação das atividades econômicas locais, com a correspondente valorização dos interesses e entidades empresariais. A questão é política, sobretudo.
Á tarde, os trabalhos foram reiniciados com a intervenção do juiz Marcelo Anátocles, há 10 anos trabalhando em São Gonçalo, no Juizado Especial Criminal. Sua intervenção centrou-se no tema da construção daquele espaço institucional e das dificuldades que o próprio Poder Judiciário manifesta quando se trata de valorizá-lo. De qualquer modo, Anátocles reafirma a idéia de que a democratização do acesso à justiça é parte integrante, senão a mais relevante, do processo de pacificação social das cidades.
Sua principal contribuição ao debate consistiu na defesa de uma “prática pública” por parte do juiz dos Juizados, que reconheça o entorno e interaja com ele. Nesse ponto pode-se dizer que suas intuições são muito próximas daquelas que o Prof. Marcelo Burgos vem chamando de “justiça de vizinhança” e que dizem respeito ao conjunto de instituições formais e informais que, em um contexto de proximidade, selam as chances de que diferentes atores, com distintos interesses, se reconheçam como parceiros na construção do bem comum.
Esse, aliás, o mote da intervenção de Marcelo Burgos. Segundo ele, é irônico que uma cidade que tanto representou o espírito que animou a Constituição de 1988, vinte anos depois da sua promulgação pareça ser das mais distantes do ideário de 88.
“Com índices insuportáveis de violência, uma sociabilidade marcada pela baixa civilidade, e politicamente loteado em territórios dominados por “donos do pedaço”, o Rio pouco conseguiu se beneficiar dos incentivos à participação democrática inscritos em uma Constituição de notável inspiração municipalista.”
De positivo, contudo, Marcelo ressalta o fato de que, “não por acaso, o Rio de Janeiro é uma das cidades onde os mecanismos de judicialização da política e da vida social – última retaguarda da democracia constitucional – mais vêm sendo utilizados,através do recorrente recurso ao Tribunal de Justiça para a apreciação de ações diretas de inconstitucionalidade questionando normas aprovadas pela Câmara, do uso intensivo de ações populares e civis públicas interpelando a improbidade administrativa e a omissão do poder público, da presença marcante do Ministério Publico na regulação de conflitos da cidade, em áreas como meio ambiente, e direitos de minorias e de segmentos fragilizados como crianças e idosos, e, ainda, da crescente dependência da ação fiscalizadora da representação política exercida pelo Tribunal Regional Eleitoral.” Portanto, na ausência da política, de uma política democrática que não abandone a cidade e o cidadão no descalabro em que se encontram, os mecanismos de judicialização têm operado e deverão continuar operando, até que se possa recompor o tecido da política.
Por fim, Luiz César Queiroz Ribeiro falou do impasse que reconhece para os atores urbanos contemporâneos. De um lado é preciso aprofundar as conquistas democráticas e conceder voz aos atores emergentes. Mas, por outro, é necessário recolocar na agenda pública carioca uma saída economicamente viável para o Rio.
Sem esse debate, diz Luiz César, será impossível projetar a nossa sobrevivência nas próximas décadas. Portanto, para Luiz César política e economia são dimensões igualmente prioritárias e, com essa sugestão o debate transcorreu por toda a tarde, aquecendo a proposta de um fórum que permitisse o detalhamento de todas aquelas proposições.
1 Professora do Departamento de Sociologia da PUC-Rio e membro da coordenação do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES/IUPERJ).
Maria Alice Rezende de Carvalho1
Na manhã do dia 16 de junho reuniram-se no IUPERJ cerca de 30 pessoas interessadas em conhecer aspectos da cidade do Rio de Janeiro postos em discussão pela cientista política e vereadora (PV) Aspásia Camargo, pelo economista Mauro Osório, da Faculdade de Direito da UFRJ, e pelo Coordenador do CEDES Luiz Werneck Vianna. No mesmo dia, à tarde, com público igual, foram palestrantes o titular do Juizado Especial Criminal de São Gonçalo, Dr. Marcelo Anátocles, o Prof. Luiz César Queiroz Ribeiro (IPPUR, UFRJ) e, do CEDES, o Prof. Marcelo Burgos.
O evento foi aberto oficialmente por mim, destacando como objetivo central do encontro o de testar a viabilidade da produção coletiva de um novo diagnóstico sobre o Rio de Janeiro, que tivesse, em relação ao diagnóstico elaborado nos anos de 1980, a mesma abrangência social e similar consenso político, a fim de que pudesse orientar as intervenções públicas e cidadãs no âmbito da cidade.
Considero que, durante os anos de 1980, após uma longa trajetória de debates sobre o Rio de Janeiro, afirmou-se a perspectiva de integração favela-asfalto com vistas à democratização do espaço urbano, o que se materializou em projetos como o Favela-Bairro, até hoje em vigência. Contudo, trinta anos depois, a cidade se tornou exigente de uma nova imaginação pública que a enuncie em termos diversos, pois é outra a tematização proposta por seus atores, e outro, certamente, o repertório intelectual disponível.
Nesse sentido, embora reconhecendo a singeleza de um evento como aquele, e o fato de que o CEDES poderá cumprir papel relevante na animação desse debate, mas não poderá operá-lo sozinho, finalizei minha intervenção com o convite para que todos os presentes, sobretudo os palestrantes, levassem a sério a construção de um fórum permanente sobre o Rio.
A primeira intervenção foi a da Vereadora Aspásia Camargo, cujo relatório da CPI SOBRE A DESORDEM URBANA, conduzida sob sua coordenação, era aguardado com interesse.
Aspásia ponderou, primeiramente, sobre os limites do seu trabalho, já que “desordem urbana” diz respeito a um conjunto de problemas de competência estritamente local. Desse conjunto estão excluídos, portanto, temas como a violência ou o desemprego, cujos efeitos sobre o Rio de Janeiro são nefastos e terríveis, mas não podem ser tratados pelas autoridades urbanas.
Assim, para Aspásia, “desordem urbana é um termo que se incorporou recentemente ao vocabulário político para designar a imissão e cumplicidade do poder público diante da ocupação irregular e crescente dos espaços públicos, lesiva à vida cotidiana e aos interesses dos cidadãos. Os tipos de comportamento ilegal que o termo comporta são os mais variados, incluindo a ocupação de calçadas por bares, boates e restaurantes, o barulho excessivo e a poluição sonora em bairros residenciais, os megashows que estão destruindo Copacabana, as máfias de flanelinhas, a favelização dos bairros da cidade, com a presença de práticas informais que vão dos lava-jatos aos pontos de venda de drogas ”.
A vereadora considera que esse cenário de precarização da cidade é muitíssimo ampliado pelos malefícios econômicos que provoca, com a redução do turismo, do funcionamento do comércio, da presença das sedes de companhias nacionais e internacionais no Rio de Janeiro e com a deterioração do nosso patrimônio cultural e urbanístico.
Como causas de todo o descalabro que se abateu sobre o Rio, a relatora cita: (a) a legislação por decreto, que se tornou uma prática no Rio e concentra cada vez mais poderes nas mãos do Prefeito; (b) a cumplicidade dos agentes do controle urbano com uma política centralizada que emana da Secretaria de Governo e do próprio Prefeito; (c) as práticas discricionárias de licenciamento, que protegem determinados agentes econômicos em detrimento de outros e favorecem o “jeitinho”, as cobranças ilegais de propinas etc.; (d) a inexistência de um Código de Postura Urbana adequado e transparente, de que possa se socorrer o cidadão.
Portanto, a vereadora considera que as causas imediatas do nosso infortúnio dizem respeito à concentração de poderes nas mãos do Prefeito, que administra concessões e licenciamentos de modo arbitrário e imprevisível. Mas, segundo Aspásia, no fundo dessa cultura persistiria um “populismo moribundo, que despreza a economia e amaldiçoa o lucro e as atividades produtivas”.
O diagnóstico do economista Mauro Osório, especialista em planejamento urbano, seguiu de perto as proposições da Vereadora. Segundo Osório, alguns economistas importantes têm dirigido sua atenção para o tema do crescimento urbano.
Por que, afinal, algumas cidades prosperam e outras não? Douglass North, prêmio Nobel de Economia, foi convocado ao debate. Segundo North, há determinados “marcos de poder” que favorecem as cidades e outros que as prejudicam. No caso do Rio de Janeiro, para Osório, o marco de poder ainda em vigência seria o que se organizou nos anos de 1970, em torno do clientelismo e do fisiologismo. Esse paradigma, portanto, não foi quebrado “e todos os governantes que chegam ao poder após o segundo governo Chagas Freitas ou entram articulados com esse marco ou dele se tornam prisioneiros”.
A história do Estado do Rio de Janeiro e de sua capital, segundo o analista, não são inocentes em relação aos problemas urbanos contemporâneos. “Nos anos de 1960, diz Osório, existiam duas lógicas na política fluminense: uma nacional e radicalizada, com base na qual o carioca votava referenciado no debate nacional, e uma lógica fragmentária, que passava pela Câmara dos Vereadores, que tinha pouco poder de fato. Quando ocorrem as cassações no Rio, vão-se a esquerda e a direita, pois a UDN, que aqui era lacerdista, vai de roldão. Tal situação gerou um vazio político na cidade, ocupado por Chagas Freitas, então deputado federal, dono do principal jornal popular e presidente do Sindicato Patronal de Jornais e Revistas da cidade nos anos 50 e 60.”
Para Mauro Osório, assim como para a Vereadora Aspásia, a saída da cidade se encontra na superação desse paradigma clientelista e fisiológico, mediante o encontro da cidade com as principais entidades empresariais. Trata-se, pois, de uma renovação da vida urbana, com a conclamação ao debate de novos atores, até aqui pouco comprometidos com sua projeção.
Por fim, falou Werneck Vianna, para quem a cidade do Rio de Janeiro não conheceu a função ético-pedagógica de um patriciado rural, tal como ocorreu em outros contextos de modernização capitalista. Sem elites, sem autonomia política, por força da nossa condição de Distrito Federal com prefeitos nomeados e uma atividade de vereança subordinada ao Senado, sem mais, a partir de 64, a vertebração que a relação PTB/PCB conferia à cidade, o Rio está carente de política.
Na face terrível ostentada pela cidade – violência, crime, feudalização do território, apropriação privatista de recursos de poder etc. – Werneck vê um método.
“Não há caos nessa cidade. Há uma estrutura de poder que comanda essa Nápoles”.
É isso que permite pensar uma forma de intervenção que desmonte essa estrutura e libere as forças mais enérgicas da cidade: os jovens, os empreendedores, os intelectuais da cidade.
Portanto, para Werneck, a questão não se coloca apenas no plano de uma reorientação das atividades econômicas locais, com a correspondente valorização dos interesses e entidades empresariais. A questão é política, sobretudo.
Á tarde, os trabalhos foram reiniciados com a intervenção do juiz Marcelo Anátocles, há 10 anos trabalhando em São Gonçalo, no Juizado Especial Criminal. Sua intervenção centrou-se no tema da construção daquele espaço institucional e das dificuldades que o próprio Poder Judiciário manifesta quando se trata de valorizá-lo. De qualquer modo, Anátocles reafirma a idéia de que a democratização do acesso à justiça é parte integrante, senão a mais relevante, do processo de pacificação social das cidades.
Sua principal contribuição ao debate consistiu na defesa de uma “prática pública” por parte do juiz dos Juizados, que reconheça o entorno e interaja com ele. Nesse ponto pode-se dizer que suas intuições são muito próximas daquelas que o Prof. Marcelo Burgos vem chamando de “justiça de vizinhança” e que dizem respeito ao conjunto de instituições formais e informais que, em um contexto de proximidade, selam as chances de que diferentes atores, com distintos interesses, se reconheçam como parceiros na construção do bem comum.
Esse, aliás, o mote da intervenção de Marcelo Burgos. Segundo ele, é irônico que uma cidade que tanto representou o espírito que animou a Constituição de 1988, vinte anos depois da sua promulgação pareça ser das mais distantes do ideário de 88.
“Com índices insuportáveis de violência, uma sociabilidade marcada pela baixa civilidade, e politicamente loteado em territórios dominados por “donos do pedaço”, o Rio pouco conseguiu se beneficiar dos incentivos à participação democrática inscritos em uma Constituição de notável inspiração municipalista.”
De positivo, contudo, Marcelo ressalta o fato de que, “não por acaso, o Rio de Janeiro é uma das cidades onde os mecanismos de judicialização da política e da vida social – última retaguarda da democracia constitucional – mais vêm sendo utilizados,através do recorrente recurso ao Tribunal de Justiça para a apreciação de ações diretas de inconstitucionalidade questionando normas aprovadas pela Câmara, do uso intensivo de ações populares e civis públicas interpelando a improbidade administrativa e a omissão do poder público, da presença marcante do Ministério Publico na regulação de conflitos da cidade, em áreas como meio ambiente, e direitos de minorias e de segmentos fragilizados como crianças e idosos, e, ainda, da crescente dependência da ação fiscalizadora da representação política exercida pelo Tribunal Regional Eleitoral.” Portanto, na ausência da política, de uma política democrática que não abandone a cidade e o cidadão no descalabro em que se encontram, os mecanismos de judicialização têm operado e deverão continuar operando, até que se possa recompor o tecido da política.
Por fim, Luiz César Queiroz Ribeiro falou do impasse que reconhece para os atores urbanos contemporâneos. De um lado é preciso aprofundar as conquistas democráticas e conceder voz aos atores emergentes. Mas, por outro, é necessário recolocar na agenda pública carioca uma saída economicamente viável para o Rio.
Sem esse debate, diz Luiz César, será impossível projetar a nossa sobrevivência nas próximas décadas. Portanto, para Luiz César política e economia são dimensões igualmente prioritárias e, com essa sugestão o debate transcorreu por toda a tarde, aquecendo a proposta de um fórum que permitisse o detalhamento de todas aquelas proposições.
1 Professora do Departamento de Sociologia da PUC-Rio e membro da coordenação do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES/IUPERJ).
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O TERCEIRO MANDATO JÁ COMEÇOU
Vinicius Mota
Vinicius Mota
SÃO PAULO - O lulismo continuará no poder em 2011, não importa o vencedor das eleições presidenciais do ano anterior. Quem busca elucidar esse enigma nas movimentações de granadeiros petistas de baixa patente, como o folclórico deputado Devanir Ribeiro, erra o alvo.
A resposta está diante dos olhos, em operações como a compra da Brasil Telecom pela Oi, financiada e permitida por um mutirão governista capitaneado pelo Planalto.
Com R$ 4,3 bilhões do Banco do Brasil e R$ 2,6 bilhões do BNDES, mais da metade da necessidade de capital para a transação será garantida pela gestão Lula. O governo também entra com mão-de-obra normativa -vai mudar o decreto que impede fusões- e a boa vontade de acionistas como fundos de pensão e, de novo, o BNDES.
Tanto empenho há de ser recompensado. A influência, no "big business" telefônico, de diversos núcleos políticos e quadros partidários hoje no governo vai perdurar por longos anos. Na dúvida, consultem-se diretorias e conselhos administrativos e fiscais de grandes empresas beneficiárias das privatizações, da política de juros ou da normatização ("regulação") dos anos FHC. Muitos fernandistas estão firmes em seu quarto mandato.
A queda de Palocci, adepto das relações preferenciais com os bancos, coincidiu com uma mudança de estilo do governo Lula nesse quesito. O apetite para intervir em grandes negócios público-privados deu um salto sob Dilma Rousseff, mãe do PAC e musa dos empreiteiros.
O governo patrocina a reorganização do capital na telefonia, na petroquímica e em outros setores da economia, aprofundando e estendendo no tempo a confluência estatal, sindical e partidária no mundo dos negócios. A simbiose crescente entre principais partidos, sindicatos e empresas do país, sob fiança do erário, é a principal ameaça à capacidade do Estado de arbitrar conflitos a favor do interesse público.
DEU NO JORNAL DO BRASIL
CAMPANHA NÃO SUSTENTA GOVERNO
Villas-Bôas Corrêa
Desta vez nada deu e continua não dando certo. O presidente Lula ajeitou a sua agenda para uma meia trava na ostensiva campanha eleitoral em que se empenhava praticamente em tempo integral, aproveitando o pretexto ou a desculpa – tão falsa como as explicações policiais sobre o mega-escândalo que envolve meio mundo nas trampas da turma do Banco Opportunity – de acompanhar as obras do Plano de Aceleração do Crescimento, o pobrezinho do PAC largado às traças, ao mesmo tempo em que apresentava ao distinto eleitorado a sua candidata para sucedê-lo, a ministra Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, para a ainda distante eleição de 2010.
As coisas não correram como o esperado. Mas, o giro pelos muitos cantos do mundo garantiu boa cobertura na imprensa, com o exotismo da presença presidencial em paises sempre esquecidos, bem explorado pelas redes de TV e nas fotos de jornais e revistas.
Na retaguarda a campanha começou mal e continua como cabra-cega, sem rumo. A sacudidela com o tempero do azar está a exibir mazelas que ninguém queria enxergar, embora à vista na decadência galopante das grandes e médias cidades, na crise ética que corrói como ferrugem a respeitabilidade dos três poderes e assume a dimensão de escândalo no pior Congresso das últimas décadas.
Falta tudo para que a campanha para a eleição de prefeitos e vereadores salte a cerca da província e alcance a desejada projeção nacional. Engambelar o eleitor com a atividade de candidatos em visitas a bairros e subúrbios, distribuindo brindes e prospectos de propaganda, com a verônica em foto caprichada e os retoques que escondem rugas, disfarçam a calvície e as sobras que estufam a barriga ajuda a eleição dos mais afortunados.
É pouco, quase nada. Campanha eleitoral para valer exige partidos fortes, nítidos, com as marcas que o definem e que estimulem a desejada bipolarização na reta da chegada. Ou desde o começo, se o eleitor é da raça que acompanha a atividade política com a atenção de quem sabe da sua importância para a população que dele, de alguma maneira, depende.
Este Congresso que está nos presenteando com a folga do seu curto recesso até o fim do mês parece apostar com o governo o campeonato da incompetência obtusa e suicida. O presidente Lula, antes de recuperar o fôlego, mergulhou às cegas no suspeito desarranjo nas investigações da Polícia Federal sobre as trampas que envolvem bilhões e um elenco de primeiro time na arte de ganhar dinheiro sem suar a camisa. O encontro, no Palácio do Planalto, de Lula com o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, com a presença do ministro Tarso Genro, da Justiça passou para o país a desconfortável sensação de um governo perdido e que bate cabeça nos atalhos do absurdo.
A inflação mostra a sua face com a volta das maquinetas de remarcação de preços, retiradas do baú e em plena atividade, à vista da freguesia atordoada, a refazer as contas das despesas. Ainda não é a indignada decepção de quem descobre que foi enganado. Mas, o claro soar da estridência do alarme.
O cenário está sendo montado para uma recaída da população no depressivo desligamento da campanha, com as exceções conhecidas das cidades em que as rivalidades locais abafem o abatimento com a sensação de mais um logro. Nada pior do que a cólera do povo que se volta contra o governo, com o descrédito da democracia. E é um erro tático irreparável. A indignação precisa ser dirigida para o exemplar corretivo dos que enganaram o eleitor. E o voto é a arma não apenas eficaz, mas a única que o eleitor dispõe para punir os que o tapearam.
Não é tão difícil identificar os patranheiros que o enganaram, os desonestos envolvidos em CPIs, escândalos e roubalheiras e, como quem cata o diamante no garimpo, descobrir o candidato que mereça o seu voto. Se o conselho de velho repórter, que não é e nunca foi candidato a nada, tem algum crédito, sigam as duas regras de ouro: votem, não desperdicem a oportunidade de mandar o seu recado, mas votem com raiva. Com toda a raiva acumulada em anos, décadas de humilhação. Votem em quem mereceu o seu voto. E mandem os patifes para o inferno. Ou votem no novo que justifique a sua confiança.
Villas-Bôas Corrêa
Desta vez nada deu e continua não dando certo. O presidente Lula ajeitou a sua agenda para uma meia trava na ostensiva campanha eleitoral em que se empenhava praticamente em tempo integral, aproveitando o pretexto ou a desculpa – tão falsa como as explicações policiais sobre o mega-escândalo que envolve meio mundo nas trampas da turma do Banco Opportunity – de acompanhar as obras do Plano de Aceleração do Crescimento, o pobrezinho do PAC largado às traças, ao mesmo tempo em que apresentava ao distinto eleitorado a sua candidata para sucedê-lo, a ministra Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, para a ainda distante eleição de 2010.
As coisas não correram como o esperado. Mas, o giro pelos muitos cantos do mundo garantiu boa cobertura na imprensa, com o exotismo da presença presidencial em paises sempre esquecidos, bem explorado pelas redes de TV e nas fotos de jornais e revistas.
Na retaguarda a campanha começou mal e continua como cabra-cega, sem rumo. A sacudidela com o tempero do azar está a exibir mazelas que ninguém queria enxergar, embora à vista na decadência galopante das grandes e médias cidades, na crise ética que corrói como ferrugem a respeitabilidade dos três poderes e assume a dimensão de escândalo no pior Congresso das últimas décadas.
Falta tudo para que a campanha para a eleição de prefeitos e vereadores salte a cerca da província e alcance a desejada projeção nacional. Engambelar o eleitor com a atividade de candidatos em visitas a bairros e subúrbios, distribuindo brindes e prospectos de propaganda, com a verônica em foto caprichada e os retoques que escondem rugas, disfarçam a calvície e as sobras que estufam a barriga ajuda a eleição dos mais afortunados.
É pouco, quase nada. Campanha eleitoral para valer exige partidos fortes, nítidos, com as marcas que o definem e que estimulem a desejada bipolarização na reta da chegada. Ou desde o começo, se o eleitor é da raça que acompanha a atividade política com a atenção de quem sabe da sua importância para a população que dele, de alguma maneira, depende.
Este Congresso que está nos presenteando com a folga do seu curto recesso até o fim do mês parece apostar com o governo o campeonato da incompetência obtusa e suicida. O presidente Lula, antes de recuperar o fôlego, mergulhou às cegas no suspeito desarranjo nas investigações da Polícia Federal sobre as trampas que envolvem bilhões e um elenco de primeiro time na arte de ganhar dinheiro sem suar a camisa. O encontro, no Palácio do Planalto, de Lula com o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, com a presença do ministro Tarso Genro, da Justiça passou para o país a desconfortável sensação de um governo perdido e que bate cabeça nos atalhos do absurdo.
A inflação mostra a sua face com a volta das maquinetas de remarcação de preços, retiradas do baú e em plena atividade, à vista da freguesia atordoada, a refazer as contas das despesas. Ainda não é a indignada decepção de quem descobre que foi enganado. Mas, o claro soar da estridência do alarme.
O cenário está sendo montado para uma recaída da população no depressivo desligamento da campanha, com as exceções conhecidas das cidades em que as rivalidades locais abafem o abatimento com a sensação de mais um logro. Nada pior do que a cólera do povo que se volta contra o governo, com o descrédito da democracia. E é um erro tático irreparável. A indignação precisa ser dirigida para o exemplar corretivo dos que enganaram o eleitor. E o voto é a arma não apenas eficaz, mas a única que o eleitor dispõe para punir os que o tapearam.
Não é tão difícil identificar os patranheiros que o enganaram, os desonestos envolvidos em CPIs, escândalos e roubalheiras e, como quem cata o diamante no garimpo, descobrir o candidato que mereça o seu voto. Se o conselho de velho repórter, que não é e nunca foi candidato a nada, tem algum crédito, sigam as duas regras de ouro: votem, não desperdicem a oportunidade de mandar o seu recado, mas votem com raiva. Com toda a raiva acumulada em anos, décadas de humilhação. Votem em quem mereceu o seu voto. E mandem os patifes para o inferno. Ou votem no novo que justifique a sua confiança.
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
GOVERNO TENTA REEDITAR A CLÁUSULA DE BARREIRA
Daniel Pereira Da equipe do Correio
Daniel Pereira Da equipe do Correio
Regra que condiciona a liberação de recursos públicos ao número de votos conquistados pelos partidos é um dos itens da reforma política
Na ofensiva que promete deflagar, depois das eleições, pela aprovação da reforma política, o governo tentará ressuscitar a chamada cláusula de barreira em seu formato original. A regra condiciona a liberação de recursos públicos e o direito a tempo de televisão e rádio ao desempenho dos partidos nas urnas. Na prática, tenta reduzir o número de legendas existentes no país e, assim, tornar mais fácil a governabilidade — ou seja, a relação entre o presidente da República e as siglas com mandatos no Congresso. Hoje, são 27 os partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Do total, 14 estão aliados de forma oficial a Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, a aprovação da cláusula de barreira é uma meta de curto prazo. A idéia do governo é incluí-la na Constituição. Assim, seria mais difícil o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubá-la, como fez em dezembro de 2006 ao analisar uma lei sobre o assunto. Na época, o STF julgou ações protocoladas por partidos de pequeno e médio portes, que alegavam ser prejudicados pela regra. A tendência é que reajam da mesma maneira quando a proposta voltar ao Congresso. Para vencer a disputa, o governo conta com o apoio das maiores siglas do país, as quais serão beneficiadas com a iniciativa.
Múcio nega que o objetivo seja facilitar a governabilidade. Afirma que a cláusula de barreira, associada à fidelidade partidária, dará identidade às legendas. “Não é nem para negociar, é para saber o pensamento do partido. Eu acho os partidos hoje muito parecidos, e o eleitor não se vincula a eles”, diz o ministro. “O clube de futebol, por ter bandeira, hino, camisa, forma de jogar, quando o jogador sai a torcida lamenta, mas fica. O partido é como se fosse uma torcida por jogadores isolados. Quando o jogador sai, a torcida vai atrás. Precisamos fortalecer os partidos.”
Primeiro round
Aprovada em 1995 com vigência plena a partir das eleições de 2006, a lei sobre cláusula de barreira dizia que só os partidos que conquistassem 5% dos votos para deputado federal em todo o país e, ao mesmo tempo, 2% dos votos para deputado federal em pelo menos nove unidades da Federação teriam direito a uma série de benefícios. Entre eles, um programa semestral em rede nacional de rádio e televisão, com duração de 20 minutos, e participação garantida no rateio de 99% dos recursos do fundo partidário, orçado em R$ 135 milhões neste ano. Em 2002, só PMDB, PT, PSDB, DEM, PSB, PDT e PP cumpriram tais exigências.
Pela legislação, as siglas com desempenho eleitoral abaixo do fixado dividiriam o 1% restante do fundo partidário e teriam dois minutos por semestre em rede nacional de rádio e TV. Contrariadas com o modelo, legendas de médio e pequeno portes recorreram ao Supremo. Venceram a disputa numa decisão unânime. Ao seguir o voto do relator, ministro Marco Aurélio de Mello, o plenário do tribunal disse que a cláusula impede a pluralidade partidária e a difusão de diferentes correntes de pensamento. Alguns ministros, como Cármem Lúcia, tacharam-na de “cláusula de exclusão”.
A derrota esmagadora no precedente não mudará os planos do governo. A área técnica alega que o STF não terá como derrubar uma emenda constitucional, juridicamente mais forte do que uma lei ordinária. Já os operadores políticos afirmam que o poder público não pode mais alimentar a sobrevivência de siglas sem representatividade, as quais, muitas vezes, vivem apenas para alugar seu espaço na mídia a políticos e legendas de maior expressão. O Planalto reconhece que PCdoB, PV e PPS, por exemplo, não fazem parte do grupo que se pretende expurgar.
Por isso, promete empenho para preservá-los. Para tanto, é possível que seja reeditada a idéia da federação de partidos. Ela abre a possibilidade de agremiações associadas, e não apenas siglas de forma isolada, superarem o número mínimo de votos exigidos pela cláusula de barreira.
Entrevista - José Múcio Monteiro
Fidelidade também na pauta do Planalto
Além da cláusula de barreira, o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, informa ser prioridade para o governo a regulamentação da fidelidade partidária. A meta é assegurar a possibilidade de o político trocar de partido, respeitadas determinadas regras, sem correr o risco de perder o mandato. Múcio não diz qual receita será adotada. Se prevalecer a proposta em tramitação na Câmara, detentores de cargos eletivos terão direito de mudar de legenda nos meses de setembro do ano anterior ao da realização de eleições.
Além da cláusula de barreira, o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, informa ser prioridade para o governo a regulamentação da fidelidade partidária. A meta é assegurar a possibilidade de o político trocar de partido, respeitadas determinadas regras, sem correr o risco de perder o mandato. Múcio não diz qual receita será adotada. Se prevalecer a proposta em tramitação na Câmara, detentores de cargos eletivos terão direito de mudar de legenda nos meses de setembro do ano anterior ao da realização de eleições.
Por que o governo decidiu apresentar uma proposta de reforma política ao Congresso?
Na realidade, o governo não decidiu apresentar uma proposta de reforma política ao Congresso. O governo resolveu ajudar na discussão. Por isso, juntará todas as propostas que estão aí, a do Congresso, que já foi discutida, a da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Na primeira vez que apresentaram a proposta de reforma política, o governo não participou. Desta vez, o Executivo quer colaborar.
Há uma década esse assunto está no Congresso e não avança. Por que o senhor acha que agora será diferente?
Nós não podemos, por conta das dificuldades que enfrentamos há uma década, perder o estímulo, porque a cada dia que passa todo mundo acha que é necessário fazermos alguns aprimoramentos. Evoluímos em alguns pontos. Na questão de mudança partidária, no passado se podia sair de qualquer maneira (a qualquer hora). Agora, não pode sair de maneira nenhuma, com essa interpretação da Justiça de que o mandato é do partido, e não do parlamentar. Qual é a janela para alguém não ficar a vida toda vinculado a um partido? Precisamos avançar na questão da cláusula de barreira. Já avançamos no passado, mas não cuidamos de colocá-la na Constituição e ela caiu. Isso tudo é para discussão. A novidade é que o Executivo quer participar da discussão.
Além da fidelidade partidária e da cláusula de barreira, quais outras medidas são fundamentais?
Acho que esses dois pontos são os mais maduros e de mais curto prazo. Os outros são discussões mais profundas. Tem uma pesquisa que diz que nenhum país está satisfeito com o seu modelo. Quem tem voto em lista quer mudar, quem tem voto distrital quer deixar de ser distrital. De maneira que nós temos de adaptar à realidade brasileira.
Qual é o objetivo da reforma política?
É adaptar as condições eleitorais, os partidos, ao próprio tempo. A questão do suplente de senador, a questão dos vices, o número de senadores e deputados… O mundo ficou menor, as distâncias se encurtaram. Com a comunicação, as pessoas se aproximaram mais. Todos os países estão procurando se aprimorar.
É adaptar as condições eleitorais, os partidos, ao próprio tempo. A questão do suplente de senador, a questão dos vices, o número de senadores e deputados… O mundo ficou menor, as distâncias se encurtaram. Com a comunicação, as pessoas se aproximaram mais. Todos os países estão procurando se aprimorar.
A reforma também tornaria mais fácil a negociação com o Congresso, hoje feita com dezenas de partidos e num cenário de infidelidade?
Não é nem para negociar, é para saber o pensamento do partido. Qual é a bandeira dos partidos? O deputado mudou de um partido por conveniências pessoais e eleitorais ou por algum viés ideológico que o partido tem? Eu acho os partidos hoje muito parecidos, e o eleitor não se vincula a eles. Eu comparo sempre com um clube de futebol. O clube de futebol, por ter bandeira, hino, camisa, forma de jogar, quando o jogar sai a torcida lamenta, mas fica. O partido é como se fosse uma torcida por jogadores isolados. O resultado não é do conjunto. No partido, quando o jogador sai, a torcida vai atrás. O que precisamos é fortalecer os partidos.
Quer dizer, os partidos são parecidos por não ter identidade?
Exatamente.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
QUATRO HORAS EM QUATRO MINUTOS
Editorial (O Estado de S. Paulo)
Ontem fez uma semana desde que, em visita a Timor Leste, o presidente Lula se saiu com este primeiro - e que deveria ter sido o único - comentário sobre a Operação Satiagraha: “O dado concreto é que a Polícia Federal (PF) tem prestado serviços relevantes. Só tem um jeito de as pessoas não serem molestadas pela polícia no País: andarem direito. Quem achar que pode praticar malversação dos recursos públicos, fazer lavagem de dinheiro ou outra coisa qualquer, e que não vai ser incomodado, só se nós não soubermos. Se soubermos, todos terão que pagar um preço porque o País tem leis.” Era como se tivesse dado o assunto por encerrado, com a mesma atitude de distanciamento assumida quando vieram a público outras investigações envolvendo figurões suspeitos de não andar direito. Se o País tem leis e as instituições funcionam - foi a mensagem implícita -, ao presidente cabe apenas consignar essa virtuosa realidade, deixando as coisas seguirem o seu curso natural.
Naquela mesma sexta-feira, porém, este jornal revelou que em 29 de maio a Polícia Federal gravou um telefonema de um dos advogados do banqueiro Daniel Dantas, o ex-parlamentar petista Luiz Eduardo Greenhalgh, para o chefe de gabinete do Planalto, Gilberto Carvalho. Na conversa, este se compromete a procurar o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, como fizera com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência - sempre a pedido de Greenhalgh -, para esclarecer se a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) investigava o lugar-tenente de Dantas, Humberto Braz. Divulgado o diálogo, Carvalho negou que tivesse levado o assunto adiante. Ainda assim, a mera promessa sugere que o mais próximo colaborador de Lula, à vontade com um companheiro, não se pautou pelo princípio da separação entre interesse público e interesses privados - e que interesses!
De toda maneira, a exposição de Carvalho enfureceu o presidente, trouxe “para dentro do palácio”, nas palavras de um ex-ministro, o problema dos vazamentos de material sob segredo de Justiça - como os transcritos de telefonemas monitorados - e selou a sorte do delegado Protógenes Queiroz, o responsável pela Satiagraha. Ele já estava na mira do diretor da PF por não tê-lo avisado de suas iniciativas, a mais grave das quais foi envolver informalmente a Abin na operação. Não havia duas opiniões nem sobre a necessidade de remover o delegado nem sobre a conveniência de maquiar a remoção, para que não fosse entendida como tentativa de esfriar uma investigação sobre as estripulias de um potentado dos negócios malquisto pela opinião pública. Faltou combinar com os russos, diria Garrincha. Protógenes não só se recusou a oferecer espontaneamente a cabeça ao cutelo, mas fez saber que fora pressionado a se imolar.
Confrontado com o que os seus assessores lhe disseram ser um difuso sentimento de desconfiança, na sociedade, sobre as verdadeiras razões da saída do delegado, Lula recorreu a um desastroso estratagema para salvar a face: investiu rombudamente contra o policial, a quem acusou de “vender insinuações” - ou seja, a verdade dos fatos - e de ser relapso, ainda por cima. “Ninguém pode fazer o trabalho que ele fez por quatro anos e, na hora de terminar o relatório, dizer que vai embora”, o descompôs o presidente. “Tem que ficar no caso.” De novo, não pegou. Diante disso, Lula tirou da manga, imaginando que fosse um ás, o que se revelaria um pífio dois de paus: ordenou que a PF divulgasse a gravação da reunião interna convocada exatamente para tirar Protógenes, a fim de respaldar a patranha de que ele saiu porque quis (a pretexto de concluir um curso). E assim se fez, dando novo significado à expressão “tiro no pé”.
O que a PF liberou foi um áudio selecionado a dedo de menos de 4 minutos de uma reunião que durou cerca de 4 horas. Tudo mais seria confidencial. Nele se ouve o delegado dizer que “falhou”, “criou um grande problema” para os colegas e que não pretende retomar a operação “até mesmo depois da academia”. Ele teria afirmado a amigos, porém, que a fita “adulterou” o que aconteceu ao longo da reunião. É plausível. O Planalto, em suma, perdeu a parada. Protógenes, com todas as suas falhas, sai como vítima, e Lula, como o algoz que o puniu por ter mostrado a intimidade do governo.
Editorial (O Estado de S. Paulo)
Ontem fez uma semana desde que, em visita a Timor Leste, o presidente Lula se saiu com este primeiro - e que deveria ter sido o único - comentário sobre a Operação Satiagraha: “O dado concreto é que a Polícia Federal (PF) tem prestado serviços relevantes. Só tem um jeito de as pessoas não serem molestadas pela polícia no País: andarem direito. Quem achar que pode praticar malversação dos recursos públicos, fazer lavagem de dinheiro ou outra coisa qualquer, e que não vai ser incomodado, só se nós não soubermos. Se soubermos, todos terão que pagar um preço porque o País tem leis.” Era como se tivesse dado o assunto por encerrado, com a mesma atitude de distanciamento assumida quando vieram a público outras investigações envolvendo figurões suspeitos de não andar direito. Se o País tem leis e as instituições funcionam - foi a mensagem implícita -, ao presidente cabe apenas consignar essa virtuosa realidade, deixando as coisas seguirem o seu curso natural.
Naquela mesma sexta-feira, porém, este jornal revelou que em 29 de maio a Polícia Federal gravou um telefonema de um dos advogados do banqueiro Daniel Dantas, o ex-parlamentar petista Luiz Eduardo Greenhalgh, para o chefe de gabinete do Planalto, Gilberto Carvalho. Na conversa, este se compromete a procurar o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, como fizera com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência - sempre a pedido de Greenhalgh -, para esclarecer se a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) investigava o lugar-tenente de Dantas, Humberto Braz. Divulgado o diálogo, Carvalho negou que tivesse levado o assunto adiante. Ainda assim, a mera promessa sugere que o mais próximo colaborador de Lula, à vontade com um companheiro, não se pautou pelo princípio da separação entre interesse público e interesses privados - e que interesses!
De toda maneira, a exposição de Carvalho enfureceu o presidente, trouxe “para dentro do palácio”, nas palavras de um ex-ministro, o problema dos vazamentos de material sob segredo de Justiça - como os transcritos de telefonemas monitorados - e selou a sorte do delegado Protógenes Queiroz, o responsável pela Satiagraha. Ele já estava na mira do diretor da PF por não tê-lo avisado de suas iniciativas, a mais grave das quais foi envolver informalmente a Abin na operação. Não havia duas opiniões nem sobre a necessidade de remover o delegado nem sobre a conveniência de maquiar a remoção, para que não fosse entendida como tentativa de esfriar uma investigação sobre as estripulias de um potentado dos negócios malquisto pela opinião pública. Faltou combinar com os russos, diria Garrincha. Protógenes não só se recusou a oferecer espontaneamente a cabeça ao cutelo, mas fez saber que fora pressionado a se imolar.
Confrontado com o que os seus assessores lhe disseram ser um difuso sentimento de desconfiança, na sociedade, sobre as verdadeiras razões da saída do delegado, Lula recorreu a um desastroso estratagema para salvar a face: investiu rombudamente contra o policial, a quem acusou de “vender insinuações” - ou seja, a verdade dos fatos - e de ser relapso, ainda por cima. “Ninguém pode fazer o trabalho que ele fez por quatro anos e, na hora de terminar o relatório, dizer que vai embora”, o descompôs o presidente. “Tem que ficar no caso.” De novo, não pegou. Diante disso, Lula tirou da manga, imaginando que fosse um ás, o que se revelaria um pífio dois de paus: ordenou que a PF divulgasse a gravação da reunião interna convocada exatamente para tirar Protógenes, a fim de respaldar a patranha de que ele saiu porque quis (a pretexto de concluir um curso). E assim se fez, dando novo significado à expressão “tiro no pé”.
O que a PF liberou foi um áudio selecionado a dedo de menos de 4 minutos de uma reunião que durou cerca de 4 horas. Tudo mais seria confidencial. Nele se ouve o delegado dizer que “falhou”, “criou um grande problema” para os colegas e que não pretende retomar a operação “até mesmo depois da academia”. Ele teria afirmado a amigos, porém, que a fita “adulterou” o que aconteceu ao longo da reunião. É plausível. O Planalto, em suma, perdeu a parada. Protógenes, com todas as suas falhas, sai como vítima, e Lula, como o algoz que o puniu por ter mostrado a intimidade do governo.
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