quarta-feira, 8 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Elaboração do Enem exige filtro mais rigoroso

O Globo

Questões enviesadas sobre agronegócio e erro de ortografia revelam no mínimo desleixo

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que reúne 374 parlamentares, emitiu nota denunciando duas questões do primeiro dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado no último domingo. Na opinião da bancada ruralista, as perguntas têm “cunho ideológico, sem critério científico ou acadêmico”, por isso deveriam ser anuladas. Embora a denúncia possa parecer exagerada, ela deveria provocar uma reflexão sobre como são elaboradas as provas do Enem. Não há dúvida de que no mínimo houve desleixo, pois outra questão citava um texto reproduzido com um erro grosseiro de ortografia.

Desde que foi criado, em 1998, o Enem se tornou foco de todo tipo de controvérsia: vazamento de questões (houve novamente neste ano), gabarito errado, falhas na impressão dos cadernos, citações incorretas e avaliações negligentes de redações. Em 2015, um trecho da pensadora francesa Simone de Beauvoir sobre o feminismo já fora alvo de críticas de conservadores.

Vera Magalhães - Tributária é cavalo encilhado para Lula

O Globo

A sinalização dada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que deverá ser confirmada pelo plenário da Casa, ao aprovar uma reforma tributária complexa, cujos detalhes ficarão para um futuro algo remoto e com mais exceções do que todos gostariam é a mesma que a Câmara já indicava no primeiro semestre: independentemente da fome por cargos e emendas, o Congresso é majoritariamente inclinado a dar suporte à agenda econômica do governo.

Do governo, não. De Fernando Haddad. As recentes manifestações do presidente Lula e a revelação dos bastidores de como a meta fiscal passou a ser bombardeada por setores relevantes do Executivo, a começar da Casa Civil, evidencia que, hoje, o ministro da Fazenda brande sozinho a cartilha da responsabilidade fiscal, e está isolado na percepção de que o sucesso do governo dependerá muito da performance da economia, indissociáveis a primeira e a segunda.

Isso não se dá exatamente por vocação liberal ou republicanismo dos parlamentares. Em parte, o apoio a projetos como a tributária advém de uma percepção que acabou se massificando de que "o momento chegou". É bom para Haddad que o timing coincida com o seu.

Luiz Carlos Azedo - Contribuintes vão pagar pelos muitos subsídios e exceções da reforma

Correio Braziliense

Devido às mudanças no Senado, que criará 10 exceções a serem regulamentadas, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quer “fatiar” a reforma tributária

Brasileiro ilustre, o geógrafo Milton Santos (1926-2001) era um especialista nas relações entre o atual modelo de globalização e as periferias do mundo e sua economia. Seu olhar sobre esse modelo de desenvolvimento era muito focado na compreensão das desigualdades e da exclusão social. Por isso, sua geografia desenvolveu novos conceitos sobre espaço, lugar, paisagem e região, nos quais o fator humano era central. Com 40 livros publicados e 20 títulos de doutor honoris causa, o geógrafo continua sendo uma referência mundial nas ciências sociais.

Os conceitos de Santos nos permitem ligar dois assuntos que estão na ordem do dia aqui no Brasil: o apagão provocado pelas chuvas em São Paulo e a reforma tributária em aprovação pelo Congresso. São exemplos de captura das políticas públicas por grandes interesses privados, em detrimento do que o professor Santos chamava de “vida banal” da população, ou seja, o cotidiano dos cidadãos. Nas periferias, isso tem o agravante da presença do tráfico de drogas e das milícias no espaço vazio criado pela ausência de políticas públicas eficientes e inclusivas.

Roberto DaMatta -O cru e o cozido da política

O Globo

Nas campanhas tudo se discute, menos a pedra fundacional da nação: o modelo elitista edificado na casa, jamais na comunidade

No nosso teatro público, o “político” faz o cru virar cozido. Tudo o que depende de respeito impessoal — este cru contido na lei que é a alma da cidadania e do igualitarismo democrático — é devidamente cozido em fogo brando depois que o “candidato” se transforma em “eleito”, é investido e personaliza um cargo público.

O cru está para o cozido assim como o candidato está para o eleito. A transformação de um no outro é obra da culinária “política”. Um cozimento rápido, rasteiro e revolucionário, pois leva o sujeito que quer se eleger a prometer mudanças ao governista reacionário, avesso a qualquer avanço.

Reparem: o “candidato” é sempre um revoltado que surpreende porque vai, digamos, redimir as tais contas públicas sempre desajustadas. Mas, uma vez “eleito” e enfaixado, as brasas da política iniciam o cozimento, e logo ele muda e volta ao programa onipotente dos populismos.

A mestra ou responsável por essa mudança é uma velha atriz: a “política”. Essa arte de cozinhar em fogo lento que nós, os comuns, tachamos de “jeitinho”, “jogada”, “roubalheira” ou “malandragem”. Não deixa de ser lamentável que esse instrumento de paz e progresso, a Política (com P maiúsculo), tenha seu lado de tramoia e engano.

Bernardo Mello Franco – Saída à portuguesa

O Globo

Portugal acordou ontem com um escândalo no coração do governo. A polícia prendeu o chefe de gabinete do primeiro-ministro António Costa, do Partido Socialista. Ele entrou na mira de uma investigação que apura ilegalidades na exploração de lítio e na produção de hidrogênio verde.

Os agentes fizeram buscas em dois ministérios e no Palácio de São Bento, residência oficial do premiê. No início da tarde, Costa convocou a imprensa para um pronunciamento. Disse ser inocente, mas renunciou ao cargo que ocupava desde 2015.

“A dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeita sobre a sua integridade, a sua boa conduta e muito menos com a suspeita da prática de qualquer ato criminoso. Por isso, obviamente, apresentei a minha demissão”, afirmou.

Fernando Exman - O velho jeito de Lula gerar debates no governo

Valor Econômico

Executivo tenta reduzir os danos colaterais da declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Todo mundo sabia, em Brasília e no mercado, que o debate sobre a revisão da meta fiscal de 2024 ocorreria em algum momento. “Uma coisa é a meta, outra é o resultado”, diziam fontes oficiais e agentes do setor financeiro, referindo-se ao ambicioso objetivo de zerar o déficit no ano que vem. Esperava-se, contudo, um movimento mais organizado por parte do governo. E que a discussão fosse conduzida de forma a assegurar a credibilidade da política fiscal.

Mas até agora o Executivo tenta reduzir os danos colaterais da declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Nós dificilmente chegaremos à meta zero, até porque eu não quero fazer cortes em investimentos e obras. A gente não precisa disso [meta fiscal zero]”, disse Lula no dia 27 de outubro, em café com jornalistas no Palácio do Planalto. “Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo um corte de bilhões nas obras. Se o Brasil tiver o déficit de 0,5% o que é? 0,25% o que é? Nada. Vamos tomar a decisão correta e nós vamos fazer aquilo que vai ser melhor para o Brasil”, completou.

Tiago Cavalcanti* - Uso e abuso da natureza

Valor Econômico

É essencial ter uma visão estratégica da preservação dos ativos naturais, inclusive para proteger nossa maior vantagem comparativa, o agronegócio

Cada vez mais temos a nossa disposição um amplo volume de informações para conduzir análises científicas e auxiliar na tomada de decisões de governos e instituições privadas. Há um número crescente de fontes disponíveis, contendo dados detalhados de variáveis tradicionais, como renda, emprego e preços, bem como de novas variáveis, como comentários postados nas redes sociais, informações pessoais coletadas por aplicativos em nossos celulares e mapas de uso da natureza.

Organizar todas essas informações e derivar estatísticas relevantes para governos, empresas ou instituições de pesquisas são funções desempenhadas por cientistas de dados e especialistas em “Big Data”. Este é um campo que tem experimentado crescimento em diversas áreas, como saúde, educação, finanças e advocacia, possuindo a capacidade de aprimorar os processos produtivos e aumentar a produtividade.

Lu Aiko Otta - Nova oportunidade de negócio com os EUA

Valor Econômico

Agenda da sustentabilidade não pode ser mais uma oportunidade perdida pelo Brasil

Brasil e Estados Unidos deveriam negociar acordos de cadeias de fornecimento, disse a esta coluna o CEO da Amcham, Abrão Neto. Ainda não há decisão a respeito. No entanto, ele considera que essa seria a melhor forma de produzir resultados práticos a partir dos interesses comuns aos dois países em áreas como segurança alimentar, preservação ambiental e transição energética.

Além disso, os acordos facilitariam a empresas brasileiras ter acesso aos fartos recursos que a administração do presidente dos EUA, Joe Biden, colocou em suas políticas industriais. Em dez anos, serão investidos mais de US$ 1 trilhão, o que fortalecerá a produção norte-americana e elevará a demanda por novos fornecedores.

Elio Gaspari - A bomba de Israel saiu do armário

O Globo

O ministro foi afastado, mas sua fala redesenhou a guerra

Numa breve entrevista a uma rádio israelense, o ministro Amichai Eliyahu, encarregado dos assuntos de Jerusalém, disse que jogar uma bomba atômica na Faixa de Gaza é “um caminho”. Foi logo suspenso pelo primeiro-ministro Netanyahu, e o líder da oposição, Yair Lapid, pediu sua demissão. Eliyahu explicou que falou na bomba “metaforicamente”. Tudo bem, mas falou. Jogar uma bomba atômica em Gaza seria maluquice, mas Eliyahu tirou do armário o poderio nuclear israelense.

Para sair da teoria e das metáforas, hoje, num cenário de envolvimento do Irã na guerra, o quadro seria outro, e todos os envolvidos no conflito sabem disso.

Desde as explosões de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, militares e civis já cogitaram o uso de artefatos nucleares em campos de batalha. Entre 1950 e 1968, três presidentes americanos (Harry Truman, Dwight Eisenhower e Lyndon Johnson) recusaram pelo menos uma dúzia de pedidos para lançar bombas na Coreia, na China e no Vietnã.

Martin Wolf* -Vitória de Trump mudaria o mundo

Financial Time /Valor Econômico

Triunfo de Trump significaria que os EUA não estão mais comprometidos com as regras da democracia

Em 19 de novembro de 1919, o Senado dos Estados Unidos rejeitou o Tratado de Versalhes. Com essa decisão, os EUA retiraram seu poderio da manutenção do que tinha sido acordado com o fim da Primeira Guerra Mundial e deixaram essa tarefa para os britânicos e franceses, que não tinham nem a vontade nem os meios para levá-la adiante. A Segunda Guerra Mundial veio na sequência. Depois desse conflito, os EUA tiveram um papel muito mais produtivo. Hoje o mundo ainda é, em muitos aspectos, aquele que os EUA criaram. Mas esse será o caso por quanto tempo mais? E o que pode se seguir a isso? O resultado das próximas eleições presidenciais pode responder a essas questões, não apenas de forma decisiva, mas, lamentavelmente, de maneira muito ruim.

Pesquisas recentes indicam que o desempenho do presidente Joe Biden tem a desaprovação de quase 55% dos eleitores dos EUA. Elas também sugerem que hoje, a um ano das eleições, o ex-presidente Donald Trump está ligeiramente à frente de Biden nas pesquisas em que só os dois aparecem como opções. Por fim, elas apontam que Trump está à frente de Biden em cinco dos seis Estados “indecisos” mais importantes. Considerando-se tudo, uma vitória de Trump é clara e perturbadoramente plausível.

Paulo Delgado* - O ardil do terror

O Estado de S. Paulo

Em todo conflito há vilões e mocinhos, mas neste o ardil pega-trouxa do Hamas se superou ao arrastar parte do mundo para limpar sua sujeira

Nenhuma habilidade no uso da opinião esconde o insulto que é procurar explicação para o terror. Comprar sua versão no mercado da liberdade para desadmirar Israel poderá ser o maior feito do Hamas, se a indolência das nações democráticas continuar vestindo a roupa do interesse bordada com implicações morais. Qual o sistema político formulado pelo fanático? Somente um, o fanatismo.

A autoinvenção do terror quer reverter a seu favor a história do povo mais estigmatizado da Terra. O circo da acrobacia ideológica quer ser pró-palestina com sentimentos antiamericanos e antijudaicos. Num mundo de palavras doentes e verdades escondidas, a crônica da guerra não é boa. Reforçada pela diplomacia enlanguescida que não culpa o Hamas pelo caos, prejudica o Estado Palestino e humaniza o terror para recebê-lo na irmandade dos civilizados.

Quando o filósofo Jean-Paul Sartre criou o grupo Socialismo e Liberdade para organizar a resistência da França contra a ocupação nazista, convidou o escritor André Malraux para se unir a eles. Mudou a forma de agir ao ouvir do grande humanista e futuro ministro da Cultura de Charles De Gaulle: “O que precisamos para combater Hitler são tanques russos e aviões americanos, não um grupo de intelectuais bem intencionados”. A ação conjunta dos Aliados contra o terror pôs fim à Segunda Guerra Mundial.

Marcelo Godoy - A ameaça bélica que vem da Venezuela

O Estado de S. Paulo

Regime de Maduro quer anexar metade da Guiana e vira dor de cabeça para os EUA e para Lula

São cinco perguntas. Elas serão respondidas no dia 3 de dezembro pelos venezuelanos no referendo convocado pelo regime de Maduro para saber se o país deve anexar pouco mais da metade da vizinha Guiana. No momento em que o mundo vive as guerras da Ucrânia e de Gaza e assiste à ameaça chinesa a Taiwan, a Venezuela leva adiante o plano de tomar o território de Essequibo, uma área de 159 mil km² rica em petróleo e minérios.

Trata-se de uma disputa territorial que tem origem no século 19, quando a Inglaterra reclamou a região como parte de sua Guiana. Uma arbitragem internacional patrocinada pelos EUA lhe deu razão. O resultado foi contestado pela Venezuela e nova discussão ocorreu em 1966, quando a Guiana se tornou independente. Tudo foi retomado agora por Maduro.

Wilson Gomes* - O fim do Foro de Teresina e o que pensar sobre isso

Folha de S. Paulo

Um podcast assim é como um romance: cria apego, vínculo emocional, amigos íntimos

De repente, do riso fez-se o pranto. Acabou o Foro de Teresina, um dos podcasts de política mais amados pelos brasileiros, deixando um nó na garganta, desses de fim de histórias de amor. Para mim, o episódio de despedida do programa, na voz de Fernando de Barros e Silva, poderia ter ao fundo um desses deliciosos boleros de sabor almodovariano. "Lo nuestro se acabó y te arrepentirás/ De haberle puesto fin a un año de amor." E corta para Luz Casal, em "De Salto Alto", a desnudar a alma dos teresiners enlutados: "Te has parado a pensar lo que sucederá/ Todo lo que perdemos y lo que sufrirás?".

Não subestimem a importância do luto que se segue ao fim de algum produto cultural cujo consumo se dá por imersão. Leitores conhecem bem essa sensação de angústia ao terminar um romance longo que nos transportou para o seu universo. Aliás, nem se trata de consumo, mas de apreciação e de envolvimento, de uma relação em que os nossos sentimentos e a nossa imaginação estão tão implicados quanto a nossa mente. Sentimos falta das conversas, das pessoas, daquele mundo tão familiar, da dinâmica dos afetos, da companhia, de tudo.

Vinicius Torres Freire - A Enel e a fiscalização pífia das empresas privadas

Folha de S. Paulo

CPIs, agências reguladoras e outras instituições de controle rendem quase nada

No domingo à noite, parado em um sinal da Faria Lima, vejam só, o passageiro do carro ao lado abre o vidro para perguntar se havia um posto de combustível por ali. Sim, pertinho. Não estavam sem gasolina. Precisavam de diesel para um gerador, pois estavam sem eletricidade na pequena empresa deles. "Prejuízo feio, tudo estragando", disseram.

Que pobreza. E a gente mal fala dos oito mortos. Que desgraça.

São histórias banais, pois comuns de milhões de pessoas e comércios que tiveram transtornos diversos e prejuízos, sem eletricidade. Sem luz talvez fiquemos por mais tempo.

Hélio Schwartsman - Planos morais

Folha de S. Paulo

Não é tão difícil assim condenar terror do Hamas e resposta de Israel

Vamos lá, pessoal, não é tão difícil assim. Dá para condenar os brutais ataques terroristas do Hamas e, ao mesmo tempo, criticar a resposta israelense, que vem causando um morticínio entre palestinos. Os planos morais em que atuam um e outro não são idênticos, mas, para quem morre no processo, o resultado é rigorosamente o mesmo.

Por mais justa que seja a sua causa, ela não lhe dá o direito de entrar no território inimigo e assassinar civis desarmados, incluindo crianças, a sangue-frio. A violação moral do Hamas no 7 de outubro é incontestável, quer você abrace éticas deontológicas, da virtude ou consequencialistas. Se o ataque tivesse tido como alvo apenas militares e colonos armados, ele ainda poderia ser descrito como ato de resistência. Não foi o caso.

Poesia | Ode ao dia feliz - Um poema de Pablo Neruda

 

Música | Canção Pros Amigos com Lucy Rodrigues