quarta-feira, 9 de julho de 2008

POESIA DO DIA



A ROSA DE HIROXIMA




Pensem nas crianças

Mudas telepáticas

Pensem nas meninas

Cegas inexatas

Pensem nas mulheres

Rotas alteradas

Pensem nas feridas

Como rosas cálidas

Mas oh não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa de Hiroxima

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A anti-rosa atômica

Sem cor sem perfume

Sem rosa sem nada.

Quem é:
Diplomata, poeta, compositor, nasceu em 19/10/1913 e morreu em 9/7/1980.
O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1021&portal=

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


LEMBRAI-VOS DE 1932
Luiz Carlos Azedo


O movimento gerou um bairrismo que acabou se voltando contra os paulistas, não foi capaz de unir São Paulo em torno de um mesmo projeto político

Virou lugar comum atribuir a São Paulo os desencontros da política nacional. O povoado foi fundado em 1553, por jesuíta Manoel do Nóbrega. Com a ajuda de José de Anchieta, do polígamo João Ramalho e de seu sogro, o cacique Tibiriçá, o povoado nasceu à margem do projeto oficial de colonização comandado por Mem de Sá e à revelia do Bispo Sardinha, aquele que foi comido pelos caetés (ou tupinambás, há controvérsias). Mas tornou-se o epicentro da vida econômica e social brasileira a partir da década de 50. Hoje, São Paulo supostamente decide os destinos políticos e sociais pela força do seu poder econômico e de seus 28 milhões de eleitores, ou seja, 22% dos 125 milhões de cidadãos aptos a participarem das eleições no país.


Duas derrotas


Manoel da Nóbrega queria interiorizar a empresa colonial, motivou a saga dos bandeirantes em busca das minas de ouro e diamantes e do contrabando na Bacia do Prata. O Tietê ajudava, rumava para o sertão. A primeira confusão foi a Guerra dos Emboabas (1707-1709), uma disputa pelo controle das jazidas de ouro das Minas Gerais. Comandados por Borba Gato, os bandeirantes queriam exclusividade para explorar as minas que haviam descoberto. Houve reação dos portugueses e imigrantes das demais partes do Brasil, sobretudo os baianos, pejorativamente apelidados de “emboabas” ( em tupi, aves pernaltas) por causa das pederneiras. Os bandeirantes foram derrotados num banho de sangue.


A segunda grande derrota dos paulistas foi Revolução Constitucionalista de 1932, que hoje é comemorada com toda pompa. É apresentada como se fosse um embate entre “constitucionalistas” e “fascistas”. A polarização militar eclodiu em 9 de Julho — e durou até 2 de outubro —, quando o país ainda vivia a ressaca da Revolução de 1930. Iniciou a radicalização política que resultou na Intentona Comunista de 1935, comandada pelo capitão Luís Carlos Prestes, e no Estado Novo, em 1937, que consolidou a ditadura Vargas. No fim da República Velha, a elite tradicional paulista, apesar de poderosa, estava isolada. Enfrentava a oposição das camadas médias, dos tenentes e das demais oligarquias do país, inclusive de Minas Gerais, com quem compartilhara o poder durante décadas.


Quem ganhou?


A destituição de Washington Luís gerou um “vazio de poder”, ocupado pelo projeto centralizador e ditatorial de Getúlio Vargas, que atraiu o apoio de militares e trabalhadores com um discurso nacionalista e populista. O Congresso Nacional, as assembléias e os partidos foram fechados. Os governadores foram depostos e substituídos por interventores, em sua maior parte tenentes que abandonaram o discurso liberal. Por isso, a Revolução Constitucionalista foi um movimento armado de São Paulo em defesa da democracia.

A defesa da Constituição de fato unia os paulistas. As oligarquias do PRP, o Partido Democrático, os comunistas e intelectuais paulistas, em torno da mesma palavra de ordem, defendiam interesses divergentes. O levante militar foi derrotado pelas forças federais e caracterizado como uma reação conservadora, que a antiga União Democrática Nacional (UDN) se encarregou de representar até 1964. Os paulistas foram irremediavelmente divididos pela Era Vargas. A década de 1930 acabou marcada pela reorganização do Estado, fruto da crise do poder oligárquico, o surgimento de novas camadas sociais e a urbanização, no contexto da reordenação da economia mundial após a recessão de 1929 e da II Grande Guerra. Quem saiu ganhando? As oligarquias, o novo empresariado ou a massa trabalhadora? É difícil avaliar.


A revolução de 1932 gerou um bairrismo que acabou se voltando contra os paulistas, não foi capaz de unir São Paulo em torno de um projeto político nacional. Com exceção da eleição de Jânio Quadros, em 1960, quando o PTB e o movimento sindical rifaram o general Lott e fizeram a dobradinha Jan-Jan (Jango na vice), São Paulo jamais marchou em bloco nas eleições presidenciais. Foi assim na vitória de Collor, que derrotou Ulisses Guimarães, Mário Covas e Lula em São Paulo. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso, cujos dois mandatos presidenciais não impediram a ascensão de Lula à Presidência. Está sendo assim com o governador José Serra, candidato à sucessão de Lula, que rachou o PSDB e se vê diante da ameaça de uma espetacular recuperação do PT nas eleições das grandes cidades paulistas, a começar pela capital. A divisão do país começa em São Paulo.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


O NOVE DE JULHO
José Serra


Recordar 1932 não é só remexer no velho baú da história. É mais que isso: é uma bela data da história do Brasil e de São Paulo

NA MINHA infância e adolescência, a Revolução Constitucionalista de 1932 era algo muito presente. Eu conhecia pessoas e tinha professores que haviam apoiado o movimento e até participado dos combates. No colégio estadual em que estudava, eram feitos trabalhos e exposições. A bandeira paulista era hasteada com orgulho. Até competições esportivas aconteciam, como a Volta Ciclística 9 de Julho, quando dezenas de ciclistas percorriam o Estado durante quase um mês.

As gerações foram se sucedendo, e a revolução foi caindo no esquecimento. Além do tempo, a ditadura pós-1964 contribuiu para esse apagamento histórico, pois não tinha nenhuma afinidade eletiva com a defesa das liberdades democráticas e de um regime constitucional. A comemoração do 9 de Julho foi se transformando em um ato desprovido de sentido, e o movimento de 1932, empurrado para uma espécie de limbo da história.

O fato é que a abordagem do significado histórico da revolução de 1932 -que representou a maior guerra já havida dentro do território brasileiro- ficou, numa primeira fase, prisioneira de uma armadilha ideológica.

Uns a identificaram com um suposto separatismo, coberto de antivarguismo, e um movimento saudoso da Primeira República. Outros, embora defendessem o 9 de Julho, o fizeram com teses reacionárias, o que facilitou a demonização do movimento. Mas a retomada de seus valores originários -a democracia e a liberdade-, dentro de suas complexidades e ambigüidades, tem merecido, felizmente, maior ênfase em anos recentes.

No seu início, o movimento não ficou restrito a São Paulo: contava com apoio em outros Estados. Mas as hesitações, de um lado, e a rápida ação do governo federal, do outro, acabaram isolando-o militarmente. Iniciada a guerra, as oposições civis nesses Estados foram silenciadas. Os interventores, nomeados pelo poder central, podiam ser demitidos a qualquer hora.

O isolamento paulista acabou permitindo que lhe fosse pespegada a pecha de "separatista". Em momento nenhum, porém, os líderes constitucionalistas apresentaram proposta nesse sentido. A ênfase do movimento foi a defesa intransigente da "reconstitucionalização" do país e a convocação de eleições livres, com voto secreto. O Brasil vivia sob um regime de exceção, a Constituição estava suspensa, o Judiciário, sem autonomia, e o Legislativo, desativado.

A promessa de convocação das eleições para a Assembléia Constituinte estava sob ameaça constante dos setores governamentais mais autoritários. Dizia-se a todo o momento que o calendário eleitoral proposto em fevereiro de 1932 não seria cumprido.

Os "tenentistas" de 1930 tinham plena consciência de que sua força política dependia da permanência do regime de exceção. A legalidade constitucional contrariaria seus propósitos, pois protegeria a liberdade de opinião, de organização partidária e de imprensa -muitos jornais tiveram suas sedes empasteladas, a exemplo do "Diário Carioca", em 1932.

Até então, em 110 anos de vida independente, o Brasil não vivera um regime de plena democracia representativa. No Segundo Reinado, tivéramos um parlamentarismo limitado, e grande parte da população livre era excluída das eleições. A Primeira República ampliara o censo eleitoral, mas sem adotar o voto secreto, facilitando fraudes eleitorais e desconhecendo direitos da oposição. Os acontecimentos de 1932, portanto, expressaram a continuidade da ruptura com a velha ordem -um brado contra as promessas não cumpridas, anunciadas em 3/10/30, no bojo da revolução que encerrara a República Velha.

É claro que existiam contradições, ambigüidades, no interior do movimento de 32 -setores mais conservadores se opunham a mudanças políticas que estavam ocorrendo. Não havia uma visão monolítica. Mas a hegemonia era exercida por setores identificados com valores democráticos, com a modernidade de então, e isso explica o amplo apoio obtido em todas as camadas sociais.

O livro "1932: Imagens de uma Revolução", do historiador Marco Villa, mostra, nos documentos e nas fotografias de passeatas, atos públicos e campos de batalha, a ampla configuração social e étnica dos participantes do movimento.

Boris Fausto, na introdução ao livro de Villa, aponta uma característica curiosa dos textos escritos no calor da hora da guerra paulista: "A voz amplamente dominante é a dos vencidos, e não a dos vencedores (...) Se [o movimento revolucionário] não passou, para os vencedores, de uma trágica rebeldia, foi, para os vencidos, um exemplo de participação dos cidadãos em defesa dos mais altos ideais". E se acabou obtendo a vitória na derrota, pois se impossibilitou que o vencedor postergasse o calendário eleitoral, garantindo-se as eleições de maio de 1933 para a instalação da Assembléia Nacional Constituinte.

O comandante militar da revolução foi um gaúcho, o general Bertoldo Klinger. No Vale do Paraíba, as tropas foram lideradas por um carioca, o coronel Euclydes Figueiredo. Havia batalhões com mineiros, baianos, pernambucanos. A participação da juventude dava ao movimento um ar de esperança na construção de um país democrático. Mais uma vez, estava sendo jogada a sorte do Brasil. Após a independência e a República, o desafio era o compromisso intransigente e inegociável com a democracia.

Enganam-se os que imaginam que recordar 1932 é simplesmente remexer no velho baú da história. É muito mais que isso: é uma bela data da história do Brasil e de São Paulo. Seus sinônimos são a liberdade, o voto secreto, a eleição livre, a independência dos três Poderes, a Constituição.


JOSÉ SERRA , 66, é o governador de São Paulo.

DEU EM O GLOBO

O TEATRO DO DOUTOR CABRAL CUSTA CARO
Elio Gaspari

O que há no Rio de Janeiro não é uma crise da política de enfrentamento do governador Sérgio Cabral, é a crise da marquetagem do doutor Cabral. Montou-se um teatro, como se a política de segurança pública da cidade fosse um seriado de televisão. A bem da justiça, reconheça-se que nessa arte Cabral não é o único diretor de cena. É apenas o de maior desempenho.

Em menos de um mês a cidade teve três crimes chocantes. Todos envolveram agentes da ordem e neles se misturaram elitismo, demofobia e inépcia. O que faltou foi polícia.

Primeiro foi a chacina da Mineira. Um tenente e dez militares do Exército entregaram três cidadãos a uma quadrilha de traficantes e assassinos. À primeira vista, havia no Morro da Providência uma ação federal de segurança. Coisa de Nosso Guia. Muita gente boa parecia viver seu momento Tropa-de-elite: afinal o Exército subira o morro.

Teatro. O Exército dava segurança aos trabalhadores das empreiteiras (em cujo plantel o "movimento" tinha uma cota). Há dezenas de obras sem Exército nos morros do Rio. Se isso fosse nada, o desfile era parte do book do senador Marcelo Crivella.

O Comando do Leste confunde cidadãos com "elementos", mas vá lá. Difícil será entender por que escalava para o Morro da Providência um jovem tenente que morava nas fímbrias das favelas Águia de Ouro e Fazendinha, em Inhaúma. Um primo de sua mulher já estivera preso por tráfico de drogas. Não se deve julgar um oficial saído da Academia das Agulhas Negras pelo seu padrão residencial, muito menos pela parentela. No entanto, uma boa política de recursos humanos recomendaria, em benefício do jovem tenente, que ficasse longe do morro.

Dias depois, o guarda-costas do filho de uma procuradora matou um jovem com um tiro no peito numa briga de porta de boate. O assassino é um PM que trabalha há oito anos na segurança de procuradores do Estado. Ele estava há sete com a família. Nenhum serviço policial sério mantém agentes numa atividade desse tipo durante oito anos. Um guarda-costas com sete anos de casa não é mais um agente policial, é um agregado.

Tanto no Morro da Providência como na porta da boate Baronetti os crimes foram antecedidos por falhas de gente que está em cargos de comando ou chefia.

Os PMs que mataram o menino João Roberto Amorim Soares achavam que estavam numa cena de enfrentamento, na qual só um lado atira.

Decidiram que havia bandidos no carro da família Soares, assim como o tenente da Providência decidiu que a galera da Mineira deveria dar um "susto" na sua carga. O enfrentamento dessa gente não é com os bandidos. É com o "outro", um cidadão que repentinamente perde seus direitos em nome de um estado de emergência produzido pela administração do medo a serviço da marquetagem política.

Nenhuma pessoa de bom senso pode achar que está mais segura numa cidade onde um coronel da PM (Marcus Jardim) disse que 2007 deveria ser "o ano dos três Ps: Pan, PAC e Pau". Esse mesmo representante das forças da ordem presenteou um funcionário da ONU com uma miniatura do "Caveirão". É perigosa qualquer cidade onde o governador diga que uma favela é "fábrica de marginais".

Acreditar que os enfrentamentos da polícia de Sérgio Cabral têm algo a ver com uma política de segurança pública é correr atrás do papel de bobo.

ELIO GASPARI é jornalista.

DEU NO JORNAL DO BRASIL

A REFORMA POLÍTICA PARA OS OUTROS
Villas-Bôas Corrêa

Equilibrado na corda bamba amarrada em índices contraditórios que confirmam os recordes crescentes da popularidade do presidente Lula e advertem para os saltos da renascente inflação a arranhar em 9,1%, a renda das famílias espremidas entre 1 e 2,5 salários mínimos – segundo os cálculos da Fundação Getúlio Vargas para os últimos 12 meses – o governo deu meia-trava para uma reavaliação da tática política e abrir a picada para novos caminhos.

Na reunião do G8, na longínqua Rusutsu, no Japão, o veto dos Estados Unidos e da Itália, barrou a inclusão dos emergentes do G5, compostos por países de grande população, entre os quais o Brasil, além da China, Índia, África do Sul e México no seleto grupo dos sete países mais ricos e da Rússia.

Na retaguarda brasiliense, com o início da campanha para as eleições de prefeitos e vereadores em outubro, Lula despertou para a urgência de sacudir a poeira do imobilismo e armar as estratégias para a temporada que se anuncia com indicadores de turbulências.

A bagunça do quadro partidário, com a inconsistência de legendas sem programas ou compromissos ideológicos que se embaralham nas mais extravagantes e incoerentes alianças municipais, abriu os olhos presidenciais e arregalou as butucas de ministros para a saída mágica da ressurreição da reforma política, que dorme o sono de anos de esquecimento nas gavetas do Congresso e no arquivo morto do Palácio do Planalto.

Da paralisia ao açodamento já se anunciam as primeiras medidas. Lula, com a alma nova depois da reconciliação com o seu antecessor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, resolveu convidar todos os ex-presidentes para recolher os conselhos da experiência. Cientistas políticos, representantes da OAB, do Judiciário serão convocados a oferecer sugestões.

Nem só de flores o governo enfeita a mesa do debate sobre a renegada. O ministro Tarso Genro, da Justiça, promete o empenho em tempo integral para compor o maior acordo possível e juntar na bancada reformista representantes do governo e da oposição.

Trata-se de uma virada completa, a mudança da água para o vinho. E com a singularidade do seu lançamento no mais impróprio dos momentos, no começo da campanha para a eleição municipal que mobiliza os governos estaduais, além se senadores e deputados federais.

O tranco da realidade repõe as coisas na mediocridade da rotina. O próprio ministro Tarso Genro se incumbe de furar o balão, com o adendo lançado nas inconfidências encomendadas, como a pedra que se joga na água para assustar os peixes: para facilitar a aprovação da reforma política, uma das idéias que faísca como brilhante em anel de milionário é fixar a entrada em vigor para três eleições depois da sua aprovação.

Francamente, depois de tantas potocas, das muitas promessas em todas as campanhas, sempre adiadas e jamais cumpridas, a estapafúrdia sugestão de uma mobilização nacional para aprovar a reforma política para depois de três eleições presidenciais, ou 12 anos é uma patusca e leviana manobra diversionista.

O governo propõe a reforma política para os outros. Para ele, continua a orgia dos senadores e deputados sem votos, eleitos na garupa do candidato para valer; nas mordomias, mutretas e das CPIs para apurar os escândalos que não mandam ninguém para a cadeia da crise moral e ética que respinga nos três poderes.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


AS BALEIAS SE MOVEM. DEVAGAR
Clóvis Rossi


HOKKAIDO - O G5, um informal clube das grandes economias ditas emergentes (Brasil, China, Índia, África do Sul e México, que somam 42% da população e 12% da economia mundial), está ensaiando deixar de ser o convidado de pedra do mundo rico nas cúpulas do G8, que reúne os sete países mais ricos do planeta e a Rússia, agregada por ter deixado de ser comunista.


Ontem, o time do G5 reuniu-se no Grand Hotel de Sapporo, a uns 200 quilômetros do Windsor Spa Hotel, no qual terminava a cúpula do G8. Hoje, os emergentes saem de Sapporo para o luxuoso Windsor, para dialogar com os ricos, mas sem poder influir nas decisões destes, na medida em que o comunicado final do G8 já foi divulgado.


De todo modo, o G5 começou a estudar a hipótese de se reunir meses antes das cúpulas do G8, exatamente para dar tempo de preparar posições conjuntas e fazê-las chegar aos ricos na esperança de influenciar suas tomadas de posição. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ofereceu o Brasil como sede desse encontro.


Na prática, o que se está vendo é uma coreografia de poder na governança global. Líderes como o presidente francês Nicolas Sarkozy já perceberam o óbvio: não adianta tomar decisões que não comprometam pelo menos China e Índia, com suas populações superiores a 1 bilhão de pessoas, as únicas que superam essa marca. Mas a engrenagem mundial move-se lentamente, muito mais lentamente do que as crises. Por isso, o G5 vai continuar jogando numa, digamos, segunda divisão pelo menos até o próximo encontro dos dois Gs, já marcado para a Sardenha, na Itália.


Pior: fica adiada indefinidamente a hipótese de uma ação coordenada entre esses 13 países para enfrentar o desafio do presente (a disparada de preços do petróleo e dos alimentos) e do futuro (o aquecimento global).

DEU NO VALOR ECONÔMICO


O PARADOXO DE URIBE
Cláudio Gonçalves Couto


A libertação de Ingrid Betancourt do cativeiro em que era mantida pelas Farc foi, inegavelmente, uma retumbante vitória do presidente colombiano, Álvaro Uribe, e uma acachapante derrota da guerrilha. Esta já vinha bastante debilitada nos últimos tempos em virtude de três fatores indissociáveis: (1) a forte ofensiva militar que o governo da Colômbia tem promovido contra ela desde o início da administração de Uribe; (2) a perda de seus principais líderes, alguns deles mortos em ações inseridas no bojo da própria ofensiva militar; (3) a desmoralização do movimento perante a população colombiana e no exterior. Esta desmoralização, por sua vez, é uma decorrência tanto da perda de sentido de movimentos armados desse tipo num contexto de difusão de regimes democráticos mundo afora, quanto dos expedientes específicos de que lançam mão as Farc para atingir seus objetivos: o seqüestro de civis e o estabelecimento de laços com o narcotráfico.

Deste modo, o resgate de Betancourt e outros quatorze seqüestrados - sejam lá quais tenham sido os verdadeiros expedientes de que lançou mão o governo colombiano para sua consecução - não pode ser compreendido senão num contexto de debilitação constante da organização que os mantinha reféns. Alguns falam na mobilização de milhões de dólares para subornar guerrilheiros venais; outros apontam uma conspiração que já se havia armado há mais tempo, aguardando apenas o momento propício para o bote; é há ainda quem, num arroubo de formalismo jurisdicista, chegue até mesmo a criticar a farsa do helicóptero militar pintado de branco como forma de enganar guerrilheiros incautos, apontando-a como uma violação de leis internacionais que regulam conflitos armados; sem mencionar, claro, as justificáveis suspeitas de que tenha havido participação militar americana no episódio, apesar das negativas oficiais colombianas (o embaixador americano em Bogotá falou em sentido contrário a elas). Tudo isto é de somenos importância diante de um fato irretorquível: o presidente Uribe tem tido sucesso em sua empreitada de derrotar as Farc por meio da força.

A vitória de Uribe tem um alcance muito mais importante do que a mera debilitação de um grupo verdadeiramente criminoso - pois que se respalda num discurso de reivindicação de legitimidade política para o uso da força, mas que na verdade tem-se mantido vivo em decorrência de práticas que o colocam ao lado de meliantes comuns. Ora, os reféns políticos das Farc - incluídos aqueles agora libertados - não passam de 50. Já os seqüestrados comuns - com fins de extorsão das famílias - são mais de 700. Como neste caso não se pode falar em algo minimamente próximo de "prisioneiros políticos" ou "prisioneiros de guerra", torna-se difícil categorizar a ação da guerrilha de outra forma que não seja como meramente criminosa. O mesmo vale no que concerne ao envolvimento dos guerrilheiros com o tráfico de armas e drogas.

Derrota das Farc é uma vitória da soberania

Todavia, a ação de Uribe tem mais importância do que a derrota de um bando de meliantes porque, a despeito de seu banditismo, as Farc há muitos anos impedem o pleno exercício da soberania pelo Estado colombiano - por deter o monopólio do uso (reivindicado como) legítimo da força em vasta parte do território daquele país. Caso venha a derrotar de forma definitiva os narcoguerrilheiros, o presidente Uribe tornará viável, após muitas décadas, o exercício da soberania estatal. Considerando este fato, torna-se realmente curioso que alguns critiquem a estratégia colombiana de aceitação da ajuda militar americana como uma perigosa concessão ao "imperialismo" estadunidense. Ora, o imperialismo é algo indesejável na medida em que leva à violação da soberania nacional; mas, na medida em que o "imperialismo" surge como força auxiliar na luta pelo restabelecimento do poder soberano solapado pela ação de guerrilheiros ao longo de anos, fica claro que o perigo real é outro.

Sendo assim, se de fato vencer ou, ao menos, estabelecer as condições efetivas para uma eventual vitória final, como parece ser o caso, Uribe lançará as bases para que o Estado colombiano se estabeleça de forma definitiva em toda a amplitude de seu território. Isto, por si só, já lhe garantiria o título histórico nada desprezível de "estadista" - se por isto entendermos uma definição para aqueles que constroem, ou reconstroem, Estados.

Todavia, nem tudo são flores. Surfando na onda da imensa popularidade auferida com suas seguidas vitórias contra as Farc (além do bom momento econômico vivido pela Colômbia e da redução da criminalidade urbana), Uribe também lança as bases para um projeto pessoal de poder que não é nada atraente - ao menos de uma perspectiva preocupada com a democracia. Não há democracia plena sem um Estado efetivo, mas um Estado efetivo, por si só, não é condição suficiente para a democracia. Outros estadistas, na América Latina e alhures (vejam-se os casos de Vargas, Bismarck, Atatürk etc.), ao mesmo tempo em que erigiram Estados, fizeram-no sem dar a menor importância à construção de instituições democráticas - muito pelo contrário. Cada um deles, a seu modo, procurou reforçar o próprio poder como forma de viabilizar a continuidade de sua portentosa obra, mas também para assegurar simplesmente a sua própria condição de governante inconteste.

Comparado aos grandes construtores de Estados que a história nos legou, Uribe vive uma situação potencialmente menos perigosa para a democracia: a Colômbia é, dentre os países latino-americanos, um dos que têm regimes competitivos mais longevos - ao lado da Costa Rica e da Venezuela. Todavia, isto por si só não é garantia de que a democracia perdure ou de que não sofra fortes abalos - como mostra o exemplo venezuelano, com Chávez. Aliás, por ironia, é justamente a popularidade do presidente que parece ser a principal fonte da ameaça ao "governo do povo": hoje, 79% dos colombianos apoiariam um terceiro mandato para o presidente colombiano. Paradoxalmente, se isto vingar, Uribe pode começar a desconstruir por uma via o que tão bem sucedidamente vem construindo por outra: o fortalecimento do Estado democrático na Colômbia.

Cláudio Gonçalves Couto é professor de Ciência Política da PUC-SP e da FGV-SP. A titular da coluna, às quartas-feiras, Rosângela Bittar, está em férias