sábado, 13 de novembro de 2021

Cristina Serra - Bolsonaro aparelha o Judiciário

Folha de S. Paulo

Ele vai nomear nada menos que 75 desembargadores para TRFs

Está em curso uma operação de aparelhamento do Judiciário pelo bolsonarismo, conforme alertou a colunista Mônica Bergamo nesta Folha.

Bolsonaro vai nomear nada menos que 75 desembargadores para os seis tribunais regionais federais, cortes subordinadas apenas ao STF e ao STJ no ordenamento da Justiça no Brasil. É um aumento de 50% em relação às vagas atuais.

Tamanho assalto será possível graças a dois projetos de iniciativa do Superior Tribunal de Justiça, aprovados por Câmara e Senado, que tramitaram com inusual rapidez durante a pandemia, sem ter qualquer urgência e bem longe de uma discussão sobre a real necessidade de expansão da estrutura existente. Um dos projetos aumentou o número de vagas em cinco TRFs. O segundo criou o TRF da 6ª região, exclusivo para o estado de Minas Gerais, que terá, de saída, 18 desembargadores.

Demétrio Magnoli - As vidas negras que não importam

Folha de S. Paulo

Polícia de Minneapolis, onde George Floyd foi assassinado, não será reformada

As taxas de homicídios nas grandes cidades dos EUA cresceram 30% em 2020 e, novamente, 24% nos primeiros meses de 2021. As taxas de aprovação do governo Biden retrocedem desde julho, caíram para zona negativa em agosto e, agora, situam-se ao redor de meros 43%. Inexiste correlação estatística direta entre os dois fenômenos, mas o primeiro, filtrado pelo discurso político, ajuda a iluminar o segundo.

"Cortem o financiamento da polícia" –o lema foi erguido pelo movimento Black Lives Matter ("Vida Negras Importam") durante as manifestações de protesto pelo assassinato de George Floyd, em Minneapolis, e adotado pela ala esquerda do Partido Democrata.

Nas eleições de 2020, Biden obteve mais de 70% dos votos na cidade que foi palco do crime notório. Há pouco, porém, a mesma cidade rejeitou em plebiscito uma proposta de substituição do departamento de polícia por um Departamento de Segurança Pública.

Uma folgada maioria de 56% votou contra a nova agência que "se necessário, poderia incluir" policiais. "O Império contra-ataca", tuitou D.A. Bullock, cineasta e ativista do movimento negro. De fato, porém, a proposta foi derrotada tanto nos bairros afluentes, majoritariamente brancos, quanto nos pobres, habitados por negros e latinos, onde se concentra a violência por armas de fogo. Nicole Drillard, que é negra e teme as arbitrariedades cometidas por policiais, explicou seu voto: "Precisamos de alguém para chamar –e, se não for a polícia, quem será? Já não temos policiais suficientes nas ruas."

Vários autores* - Desemprego e desindustrialização

Folha de S. Paulo

Retirada de direitos não traz modernização, mas sim políticas de fomento

Ao sancionar a reforma trabalhista em 13 de julho de 2017, o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o então deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN) posaram em frente a um painel onde se lia: "Modernização trabalhista, direitos garantidos e novas oportunidades". Mais de quatro anos depois, entretanto, o Brasil sofre com baixo crescimento econômico, com a contínua retirada de direitos e confirma sua condição de exportador de matéria-prima.

Muito já foi dito sobre os graves prejuízos que a reforma de 2017 impôs aos trabalhadores. Agora vamos tratar de outro ponto que mostra que a reforma não entregou o que prometeu: a desindustrialização.

O ambiente econômico caminha hoje no sentido contrário ao da propalada modernização, como mostram diversos estudos.

Dados da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido) mostram que entre 2005 e 2020 o Brasil passou do 9º para o 14º lugar no ranking de industrialização global.

Carlos Alberto Sardenberg - O auxílio eleitoreiro

O Globo

O Bolsa Família tem origem bem definida no Brasil. Nasceu em 1994, na cidade de Campinas, lançado pelo prefeito Magalhães Teixeira (conhecido como Grama), do PSDB. O nome era Programa de Renda Mínima, com foco bem determinado.

Pagava, em dinheiro, um complemento para famílias consideradas miseráveis. Para receber o dinheiro, a família deveria manter os filhos na escola, com bons resultados, receber os funcionários da Assistência Social em suas casas periodicamente e frequentar cursos profissionalizantes, entre outras obrigações.

Baseava-se em estudos desenvolvidos no âmbito do Banco Mundial, cujo objetivo era saber por que as famílias permaneciam pobres ao longo de gerações. A resposta: porque as crianças não iam à escola, já que precisavam ajudar os pais no trabalho. Daí a ideia óbvia: pagar para que as crianças frequentassem a escola e os postos de saúde.

Frequentando a escola, obtendo uma profissão, os pobres escapariam da pobreza. Aplicado em vários países em desenvolvimento, o programa foi um enorme sucesso.

Inclusive em Campinas, fazendo do prefeito Grama um nome nacional. Em 1995, o então governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque, do PT, antigo defensor da ideia, criou o Bolsa Escola. Assegurava um salário mínimo a cada família carente em que todas as crianças entre 7 e 14 anos fossem matriculadas na escola pública.

Finalmente, em 2001, já no governo FH, Ruth Cardoso liderou o Bolsa Escola nacional e iniciou o movimento de unificação dos programas de distribuição de renda e combate à fome. Ao final da administração tucana, havia três programas principais, o Bolsa Escola, o Auxílio Gás e o Cartão Alimentação, beneficiando perto de 5 milhões de famílias.

Pablo Ortellado - Precisamos escutar

O Globo

Há algumas semanas, uma ativista de direita que protestava contra o passaporte da vacina na Câmara Municipal de Porto Alegre foi acusada de racismo por dizer que uma vereadora negra era sua “empregada”. Seu grupo foi acusado de apologia ao nazismo por carregar um cartaz com uma suástica. Não foi apenas o ativismo de esquerda que difundiu a acusação. Reportagens na maioria dos grandes veículos de imprensa também o fizeram.

Quem assistir ao vídeo com a cena, porém, verá que a ativista diz: “Eu sou o povo” e, em seguida, “tu é minha empregada”, querendo dizer que os políticos são — ou deveriam ser — funcionários do povo. Fotos do dia mostram que a suástica do cartaz não era apologia, mas crítica: estava ali para dizer que o passaporte da vacina era uma política nazista (e, por ser nazista, não deveria ser adotado).

A oposição às políticas sanitárias é uma postura muito equivocada e perigosa, na opinião deste colunista. Mas isso não dá o direito de distorcer as posições de quem a adota — se é que o que aconteceu foi uma distorção deliberada das posições dos ativistas antivacina.

Dada a dimensão da confusão, estou convencido de que nós, progressistas e oposicionistas, simplesmente não conseguimos mais escutar os bolsonaristas e, independentemente do que dizem, ouvimos apenas aquilo que nosso preconceito indica. E isso é um problema grave, porque os bolsonaristas são um terço da cidadania brasileira.

Claudio Ferraz - A volta do discurso anticorrupção

O Globo

Corrupção não é doença, é sintoma. Para colocar o Brasil no caminho do desenvolvimento econômico, é preciso haver mudanças institucionais

Na eleição de 2018, o resultado da operação Lava-Jato levou muitos eleitores a votarem contra os políticos incumbentes, elegendo o presidente Bolsonaro e gerando uma das maiores renovações legislativas da História brasileira. Com a entrada de Sérgio Moro na corrida presidencial, e a participação de Luiz Inácio Lula da Silva, o combate à corrupção voltará novamente ao centro do debate eleitoral.

Infelizmente isso será contraproducente. Não digo isso por achar que o combate à corrupção é pouco importante ou por achar que o PT e o Lula não tiveram nenhuma culpa no escândalo do mensalão.

Mas acho que será um erro focar o debate eleitoral em corrupção. Depois de muitos anos estudando o tema, tenho certeza de que, apesar de importante, a corrupção não é o grande determinante do atraso econômico e social brasileiro. É claro que muitos dos países mais pobres do mundo são também os mais corruptos, segundo o Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional.

Essa relação também existe se olharmos para a pesquisa do Banco Mundial de Empresas onde os países mais pobres têm uma maior proporção de firmas que reportam pagamentos de propinas. Mas isso não significa que uma redução da corrupção nesses países fará com que eles comecem a crescer de formas sustentável imediatamente. As instituições que causavam a corrupção continuarão lá e seguirão sendo uma barreira ao crescimento.

Adriana Fernandes - Reviravolta com Gilmar Mendes?

O Estado de S. Paulo

No meio jurídico, o voto já levanta polêmica, inclusive pela possibilidade de mudar a eleição

No cabo de guerra no Congresso, há senadores que querem derrubar a PEC dos precatórios. E há senadores não alinhados com o governo que querem mudar o coração do texto, que chegou da Câmara com polêmica, contestações jurídicas e relatos estarrecedores de compra de votos.

Duas PECS foram apresentadas – dos senadores José Aníbal (PSDB) e Oriovisto Guimarães (PSDB) – em cima da hora com soluções diferentes para conseguir espaço no Orçamento ao programa do governo após o fim do auxílio emergencial.

As duas propostas entraram no sistema do Senado dois dias depois da votação da Câmara. Dado o pouco tempo que resta, além da pressão social sufocante por uma solução para o Auxílio Brasil diante das filas que se formam em todo o País, era de se esperar que essas propostas já tivessem sido apresentadas, disparando um debate antes da votação da Câmara.

João Gabriel de Lima - Amazônia dá relevância ao Brasil no mundo

O Estado de S. Paulo

A Amazônia foi assunto central na COP-26. Precisamos dela para ter alguma relevância no mundo

Uma campanha agressiva realizada em 2006 teve função civilizatória no Brasil. Na ocasião, o Greenpeace divulgou um estudo mostrando como a produção brasileira de soja contribuía para o desmatamento na Amazônia. Foi o ponto de partida para um pacto chamado “moratória da soja”, em que empresas produtoras de alimentos, como a Cargill, e cadeias de lanchonetes, como o Mcdonald’s, se comprometeram, respectivamente, a não desmatar e a não mais comprar insumos oriundos do desmatamento.

Deu certo. A agricultura brasileira da soja passou a crescer por aumento de produtividade. Quando precisou se expandir, segundo estudo da rede acadêmica Climate Policy Initiative, foi sobre pastagens, e não florestas. “A agricultura brasileira não precisa de novas terras, e ganhamos mais com a floresta em pé”, diz o economista Juliano Assunção, um dos autores do estudo. Ele é o entrevistado do minipodcast da semana.

Apenas em uma das cinco regiões do Brasil esse padrão não se verifica: o Norte, justamente onde se situa a maior parte da Amazônia. “Lá não se cortam árvores para instalar agricultura ou pecuária relevante. É crime mesmo, que tem que ser combatido”, diz Assunção. O estudo mostra que o desmatamento – que nesta semana bateu novo recorde, segundo dados do Inpe – não gerou nenhuma atividade econômica importante na região. “Na Indonésia se desmata para produzir óleo de palma. No Brasil, o criminoso coloca bois em áreas griladas para fingir que tem alguma atividade econômica, mas não gera riqueza nem emprego”, afirma Assunção.

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira * - Retorno do mal como banalidade

O Estado de S. Paulo

Os que propagam o negativismo e a destruição, atualmente, agem como Eichmann, não se sentem responsáveis

A banalidade do mal é o subtítulo de uma obra de Hannah Arendt que reúne várias reportagens a respeito do julgamento do criminoso de guerra Adolf Eichmann, um dos responsáveis pelo extermínio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

Após ter sido capturado em Buenos Aires, no ano de 1960, pelo serviço secreto israelense, o carrasco foi submetido a julgamento, condenado e executado em 1962.

Hannah Arendt, filósofa, escritora e jornalista, foi destacada pela revista New Yorker para acompanhar e fazer reportagens sobre o julgamento. As suas matérias foram reunidas no livro Eichmann em Jerusalém – uma reportagem sobre a banalidade do mal.

Os escritos de Hannah provocaram uma reação incandescente de seus conterrâneos, que chegaram a considerá-la persona non grata em Israel. Hannah colocou em dúvida a legitimidade do julgamento, do tribunal e do procedimento judicial adotado. Ademais, ela chamou a atenção para os Conselhos Judaicos da Europa em razão de sua inércia diante da perseguição nazista.

No entanto, a causa principal da reação contra os seus escritos foi a análise que fez do comportamento do acusado, Eichmann, e do próprio fenômeno do mal.

Marcus Pestana* - Um fantasma ameaça a administração pública

Há uma demanda generalizada na sociedade brasileira por qualidade, agilidade e eficiência na execução das políticas públicas. A percepção predominante é que o Estado brasileiro cobra muito e entrega pouco. E ainda por cima, vivemos uma brutal crise fiscal.

Para piorar, ocorre o chamado “apagão das canetas”. Diante da radicalização da atuação dos instrumentos de controle (Controladorias, Ministério Público, Tribunais de Contas), os gestores, a quem cabe operacionalizar as políticas públicas, se retraem e, intimidados, deixam de agir, tomar decisões, inovar, ousar em busca de soluções para problemas complexos e, assim, atender às expectativas da sociedade.

É evidente, que diante de sucessivos escândalos de corrupção, a sociedade buscou aprimorar os mecanismos de combate à malversação de recursos públicos e de preservação da moralidade. Mas boa parte da ineficiência governamental se deve aos excessos cometidos na aplicação de sanções, nos prazos dilatados de inquéritos e prescrição, na caracterização da improbidade administrativa e na discussão das responsabilidades individuais e da existência ou não de ato doloso.

José Álvaro Moisés* - Candidatos do PSDB erram ao discursar para a militância

O Estado de S. Paulo

Diante da crise atual, só ganhará consistência e viabilidade quem lograr representar uma alternativa real para o conjunto do País

PSDB é muitas vezes criticado por ficar em cima do muro, o que nem sempre é verdade, mas o debate entre os candidatos que disputam as prévias do dia 21 produziu um cenário no mínimo paradoxal. Por um lado, o partido adotou um método democrático – anti-oligárquico – de escolha de candidatos, o que o distingue de todos os demais partidos; mas, por outro, adotou um tom discursivo para se apresentar aos seus filiados e apoiadores que implica em uma armadilha, qual seja, a de ficar falando mais para dentro, para a militância, do que para fora, para o conjunto da Nação. É um sinal limitador.

A resposta a essa crítica é que as prévias do dia 21 são exatamente isso, uma disputa interna pela preferência dos militantes e apoiadores. Mas isso é um equívoco grave porque a crise de lideranças políticas que o País vive – de que foram expressão os escassos 4% que o candidato do partido obteve em 2018 – não tem possibilidade de se resolver nas estruturas fechadas de um único partido ou de uma facção. Só ganhará consistência e viabilidade quem lograr representar uma alternativa real para o conjunto do País em face do marasmo e da sensação de falta de rumos que o acomete. É assim que poderá empolgar o partido. 

Dora Kramer - Jogo de amarelões

Revista Veja

Além dos convertidos, difícil que alguém hoje saiba citar razões para escolher esse ou aquele pretendente da chamada terceira via

Nunca, desde a redemocratização, uma eleição presidencial foi igual a outra no Brasil. Cada qual teve características próprias. As peculiaridades estiveram presentes até mesmo naquelas em que o(a) chefe da nação foi reeleito(a). É assim, as condições objetivas mudam, as estratégias das campanhas se adaptam a elas e os discursos dos candidatos seguem as demandas do eleitorado.

Em 2022 também tudo será bem diferente do que foi em 2018, a começar pela duração da campanha. No oficial, são 45 dias. No paralelo, porém, é muito mais longa que as anteriores, pois começou quando Jair Bolsonaro, ainda no primeiro ano de governo, pôs a candidatura da reeleição na rua.

A prevista radicalização não chega a ser um dado novo, mas não faltam ineditismos como o fato de o embate reunir o atual e um ex-presidente da República. Acrescente-se à lista o bate-cabeça da oposição aos dois.

O maior problema desse campo nem é o mar de pretendentes, mas o deserto de ideias. Bem ou mal, nas eleições anteriores havia um conceito por trás das candidaturas.

Em 1998, Fernando Henrique Cardoso já não contava com o impacto positivo do Plano Real que o elegeu em 1994 e, em meio a uma crise econômica, precisou se valer do receio da sociedade de perder os ganhos obtidos com o fim da inflação.

Matheus Leitão - Nova pesquisa dá choque de realidade na terceira via

Revista Veja

Vox Populi confirma, até o momento, a incapacidade daqueles que se colocam entre Lula e Bolsonaro 

Mesmo com as eleições presidenciais ainda distantes, o cenário eleitoral vai se confirmando a cada nova rodada de entrevistas

Um levantamento divulgado pelo Vox Populi nesta quinta, 11, mostra que o ex-presidente Lula continua na liderança isolada da disputa, confirma a dificuldade que uma terceira via terá para se consolidar e mostra que o presidente Jair Bolsonaro permanece perdendo força.

A pesquisa traz, de forma inédita, um cenário sem Bolsonaro na disputa presidencial. Segundo o levantamento, numa simulação com o atual presidente, ele teria 21% das intenções de voto e Lula teria 44%. Em seguida, aparecem Ciro Gomes, com 4% dos votos, e Datena e Sérgio Moro com 3% dos votos.

Ricardo Rangel - Dane-se o país

Revista Veja

Emendas ao Orçamento permitem barganha ilegítima e corrupção

Alegria de brasileiro dura pouco: o país ainda comemorava a decisão do STF de proibir o orçamento secreto quando veio a notícia de que a Câmara havia dobrado a aposta e aprovado a PEC dos Precatórios (ou do Calote, ou dos Predatórios) em segundo turno.

A PEC oficializa o calote: o governo deve, sabe que deve, a Justiça manda pagar, mas, sabe como é, a conta é meio salgada, então o governo avisa que não vai dar para pagar tudo, não. Paga uma parte agora e o resto depois. Se ou quando pagará o resto, não se sabe: ele será acrescido de juros e se somará aos precatórios que fatalmente virão no futuro, de modo que a dívida tende a crescer continuamente (os precatórios de baixa prioridade ficarão para as calendas gregas, e dane-se o credor). Bolsonaro será o presidente que acabou com a bola de neve da Previdência, mas criou a bola de neve dos precatórios.

Ricardo José de Azevedo Marinho* - O Sorriso do Jaguar

Em julho de 1986 Salman Rushdie, atendendo a um convite, viaja para Manágua (capital da Nicarágua). Várias semanas depois da viagem, ele ficou tão afetado pelo que vira que não conseguia parar de pensar e de falar sobre a Nicarágua. Como literato a forma de lidar com essa sensação era escrever. E assim nasceu O Sorriso do Jaguar: uma Viagem pela Nicarágua (Editora Guanabara) publicado em 1987.

Para Salman, os melhores momentos ocorreram ao ser entrevistado por Bianca Jagger, uma nicaraguense, para a revista “Interview”. Toda vez que ele se referia a um nicaraguense conhecido, de esquerda ou de direita, Bianca comentava, vagamente, em tom neutro: “Ah, sim, a gente namorou, faz tempo”. Essa era a verdade a respeito da Nicarágua. Era um país pequeno, com uma classe dominante minúscula. Os combatentes, dos dois lados, tinham todos frequentado a escola juntos, eram membros daquela classe dominante e um conhecia a família do outro, ou até, quanto aos Chamorro, vinham da mesma família; e todos tinham namorado uns com os outros. A versão de Bianca dos eventos, não escrita, seria mais interessante (e, com certeza, mais picante) do que a dele.

Por ocasião do lançamento do livro nos Estados Unidos da América, um apresentador de um programa de entrevistas, a quem desagradara sua oposição ao bloqueio contra a Nicarágua e ao apoio de Reagan aos “contras”, que tentavam derrubar o governo sandinista, perguntou-lhe: “Senhor Rushdie, até que ponto o senhor é um inocente comunista útil?”. Com uma gargalhada — o programa era ao vivo —, Salman aborreceu o apresentador mais do que com qualquer outra resposta que tivesse dado. Mas aqui começa o espinhoso problema da definição de crimes e presos políticos.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Mais uma ‘última chance’

O Estado de S. Paulo

Apesar dos avanços da COP, negociações sobre o apoio aos pobres, o preço do carbono e investimentos em inovação deixaram a desejar

Apesar dos avanços, COP26 deixou a desejar em algumas negociações.

As expectativas para a 26.ª Conferência Climática (COP-26) foram altas como nunca. A conclusão foi nebulosa como sempre. Não cabe menosprezar os raios de esperança, como os acordos de redução do metano e do desmatamento, o compromisso da Índia com a neutralidade de carbono ou a cooperação entre EUA e China.

Apesar da sombra de Bolsonaro, a participação do Brasil foi razoavelmente positiva. Os ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores, ao contrário de seus predecessores, foram diplomáticos e propositivos. Lideranças públicas e civis apresentaram compromissos e conquistas. As metas mais relevantes – a redução de 30% das emissões de metano e o desmatamento zero até 2030 – são desafiadoras, mas factíveis: a preservação exige fiscalização, repressão e opções de crescimento sustentável a populações de zonas florestais; o Brasil já desenvolve tecnologias agrícolas aptas a reduzir o metano sem impactar a criação de gado ou seu preço.

O último ponto é importante, porque o maior desafio das políticas climáticas é maximizar a redução das emissões minimizando seu custo social. Hoje, é impossível cortar combustíveis fósseis sem encarecer a energia. As pessoas estão dispostas a pagar a descarbonização da economia com menos crescimento. Mas quanto?

Poesia | João Cabral de Melo Neto - A educação pela pedra

“Uma educação pela pedra: por lições;
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma”.

Música | Marisa Monte - Carinhoso (Pixinguinha/João De Barro)