sábado, 1 de julho de 2023

Merval Pereira - Condenação rigorosa, como necessário

O Globo

Inelegibilidade é fundamental para que o estado democrático seja cada vez menos relativizado

A inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro é um fato marcante da nossa história política recente, uma história que conta com várias crises, impeachments, tentativas de golpe, ou golpe propriamente dito.

Os argumentos dos ministros Raul Araújo e Kassio Nunes Marques a favor do ex-presidente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) refletem uma atitude leniente em relação ao seu comportamento político nos últimos 35 anos que, se prevalecesse agora, permitiria que Bolsonaro continuasse sua carreira destruidora, que deveria ter sido interrompida há muito tempo.

Assim como passou 30 anos como vereador, deputado estadual e deputado federal cometendo barbaridades sem que fosse punido porque era considerado um membro desimportante do baixo clero, agora seria absolvido pelo TSE porque seus crimes não deram certo: o golpe fracassou, a TV Brasil não tem audiência, sua opinião pessoal quanto às urnas foi derrotada no Congresso.

Vera Magalhães - Direita e esquerda se reorganizam

O Globo

De um lado, haverá uma briga pelo passe de Tarcísio; do outro, PT tentará avançar entre eleitores não extremistas do ex-presidente

O rápido isolamento de Jair Bolsonaro, tornado inelegível seis meses depois de deixar o poder, é nítido para quem conversa com seus principais aliados e não se atém a olhar seus posts condoídos de solidariedade.

Entre os que posam de inconformados há desde antigos colaboradores que, no processo, trataram de se afastar do ex-chefe dizendo não ter tido nada a ver com a fatídica reunião com embaixadores em julho do ano passado, até candidatos a herdeiros de seu espólio eleitoral que já esfregam as mãos.

Mas ninguém pode correr o risco de denotar algum alívio ou ansiedade em público, porque o moedor de carne bolsonarista que já triturou tantos antigos aliados ainda é forte nos submundos do Telegram e nas redes sociais.

Carlos Andreazza - Bolsonaro depois do TSE

O Globo

Julgamento no Tribunal Superior Eleitoral determinou por 5x2 a inelegibilidade do ex-presidente

Jair Bolsonaro está inelegível. Resultado declarado. Abusou do poder político ao promover encontro com diplomatas estrangeiros, às vésperas da eleição de 22, para mentir — inclusive deturpando relatório da Polícia Federal — e atacar o sistema eleitoral. O poder simbólico — e influente — do presidente da República, chefe de Estado, usado, manipulado, para degradar a confiança, a rigor, na República. Ponto final.

O que virá agora?

Ao votar, o relator Benedito Gonçalves trabalhou pelo alargamento da marcação jurídica a Jair Bolsonaro.

O que virá? Há quem aposte na acomodação; a inelegibilidade sendo a punição máxima, retirado Bolsonaro das urnas por oito anos.

Pablo Ortellado - Bolsonarismo sem Bolsonaro?

O Globo

É um fenômeno social, e não meramente eleitoral

Com a inelegibilidade de Bolsonaro, o campo político que hoje orbita em torno dele precisará não apenas de um novo candidato para 2026, como de um novo nome. Tem sido chamado de “bolsonarismo” um pouco por conveniência, mas, se refletirmos bem, o nome nunca foi adequado, pois sugere que o vigoroso movimento da sociedade a sustentá-lo se esgota na expressão eleitoral. O que chamamos hoje de bolsonarismo foi se formando antes de Bolsonaro e provavelmente sobreviverá a ele. É um fenômeno social, e não meramente eleitoral. Que outro nome podemos adotar agora que Bolsonaro está impedido de concorrer?

A candidatura Bolsonaro começou a germinar muito antes de 2018. Podemos tomar as mobilizações anti-Dilma de 2015 e 2016 como ponto de partida, já que os grupos que convocavam essas manifestações terminaram apoiando Bolsonaro em 2018. E olhar ainda para a mobilização das igrejas católica e evangélicas em 2014 e 2015 contra o uso do termo “gênero” nos planos de educação (nacional, depois estaduais e municipais) e para toda a campanha contra a “ideologia de gênero” que se estruturou desde então, cujas principais lideranças apoiaram Bolsonaro em 2018.

Oscar Vilhena Vieira* - A regra da lei e o mercado eleitoral

Folha de S. Paulo

Autoridade não se confunde com popularidade

A autoridade do Judiciário deriva da sua capacidade de aplicar o direito de forma coerente, consistente e imparcial. Autoridade não se confunde com popularidade. Muitas vezes, ao corretamente aplicar a lei, a Justiça atrai para si enorme ressentimento e isso é parte do jogo.

Ao tomar decisões que impõem penas ou asseguram direitos às pessoas, juízas e juízes devem se esforçar para expressar, da forma mais coerente possível, aquilo que está previamente estabelecido pela lei; devem cuidar para que o julgamento de um caso concreto seja consistente com o julgamento de outros casos semelhantes, para que a aplicação da lei não se transforme em uma loteria; por fim —e esse é o processo mais difícil— devem se policiar para que suas próprias preferências e paixões, conscientes ou inconscientes, não interfiram no resultado de suas decisões.

Dora Kramer - Cadê o centro?

Folha de S. Paulo

Políticos representantes desse contingente até agora não se apresentaram ao jogo

As eleições municipais e presidencial já mobilizam as chamadas bolhas da política. Na esquerda consolida-se para 2026 a ideia da reeleição do presidente Luiz Inácio da Silva e na direita articula-se a substituição de Jair Bolsonaro, inclusive com testes na apresentação de nomes de possíveis candidatos.

Um personagem, no entanto, está fora dessa movimentação. É o centro, assim entendido como a representação de um desejo da maioria apontada pelas pesquisas de opinião (57%) por uma alternativa aos dois campos hoje oponentes e tidos como extremados.

Hélio Schwartsman - Bolsonaro inelegível é a democracia se defendendo de ataques

Folha de S. Paulo

Decisão do TSE foi correta porque ex-presidente é insofismavelmente golpista

Como se esperava, o TSE tornou Jair Bolsonaro inelegível por oito anos. Foram cinco votos contra dois. O que isso significa para a democracia?

Considero a decisão da corte eleitoral correta, mas daí não decorre que ela não encerre problemas. O mais grave, creio, é que ela debilita um dos pilares da democracia, que é dar a todos os grupos existentes na sociedade a oportunidade de disputar eleições e eventualmente chegar ao poder. É essa possibilidade que faz com que democracia sirva para evitar a violência política. Pelo menos para os principais atores, é preferível passar um período na oposição e um dia talvez voltar ao comando a agarrar-se ao poder pela força, situação em que correria riscos existenciais em caso de derrota.

Alvaro Costa e Silva - Bolsonaro: inelegível, mas imutável

Folha de S. Paulo

Condenação vai alimentar ainda mais seu radicalismo

Batido o martelo da inelegibilidade, Bolsonaro terá de fazer uma espécie de harmonização facial, trocando o radicalismo político pela moderação. Será possível? Se ele conseguir, veremos um milagre, um escorpião desnaturado que não pica mais o sapo na travessia do rio.

Mais uma vez, ressalte-se: o único responsável pela condenação no TSE foi o próprio Jair Messias Bolsonaro, autor da brilhante ideia de convocar a reunião com os diplomatas e que, mesmo desaconselhado, levou o plano adiante. Não houve ofensa no julgamento, como querem os bolsonaristas, tampouco conspiração entre os Poderes. Ao contrário: entre julho de 2021 e agosto de 2022, pouco depois do encontro no Palácio da Alvorada, o Judiciário alertou o ex-presidente ao menos 31 vezes sobre a punição por ataques ao sistema eleitoral. Ele não quis ouvir, mais interessado em manter alta a temperatura golpista.

Bolívar Lamounier* - O valor da ambição prática

O Estado de S. Paulo

Temos de pensar, no Brasil, em iniciativas de larga escala, que redundem em avanços palpáveis num curto lapso de tempo

Se o prezado leitor acredita que a abundância de recursos naturais será suficiente para levar o Brasil ao paraíso do bem-estar, parabéns, é um otimista.

Otimismo não paga imposto; não se preocupe em poupálo. Mas lembrem-se de que já experimentamos vários modelos e nos especializamos em dar com os burros n’água. Atualmente, estamos afundados no que os economistas chamam de “armadilha do baixo crescimento”. Uma exceção aos nossos sucessivos fracassos é a exportação de commodities para a China, mas, atenção, commodities não criam empregos. Os fios de esperança que mantêm vivos os nossos quase 10 milhões de desempregados são a indústria e o setor de serviços. A indústria, que outrora atingia 27% do Produto Interno Bruto (PIB), hoje não passa de 11%. E os serviços (falo de restaurantes, hotelaria, atividades ligadas ao turismo) que mantenham ligadas as suas antenas, porque a fúria arrecadatória do governo não vai parar tão cedo. O governo precisa dela para prover os auxílios-emergência sem os quais nosso quadro social ficaria deveras macabro.

João Gabriel de Lima* - Boa notícia para a direita

O Estado de S. Paulo

É hora de se afastar dos radicais que espalham mentiras e instigam brasileiros contra brasileiros

O slogan daquela funerária do interior – “Você não sabe quando, mas você sabe onde” – assombrou o ex-presidente Jair Bolsonaro nas últimas semanas. O “onde” era o Tribunal Superior Eleitoral, que fatalmente decretaria a inelegibilidade do ex-presidente. Só não se sabia “quando” – acabou sendo ontem. A perda de protagonismo de Bolsonaro é uma boa notícia para a direita brasileira, ao menos aquela que se apresenta como “liberal” ou “conservadora”.

Conservadores, por definição, defendem as instituições. Os que são verdadeiramente conservadores ficaram chocados com o vandalismo golpista no 8 de Janeiro. Liberais, como o nome diz, defendem a liberdade, coletiva e individual –, o que leva os liberais autênticos a repudiar a agenda retrógrada do bolsonarismo. Não à toa, uma pesquisa recente mostrou que a maioria dos eleitores não vê mais Bolsonaro como o líder da direita. Prefere outro nome.

Eliane Cantanhêde - Futuro da direita depende de Lula

O Estado de S. Paulo

Esquecimento Assim como Bolsonaro vai ficando no passado, a direita quer esquecer os ataques à democracia

Com o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível até 2030, os partidos de direita e os mundos político e econômico já começam a virar uma página e abrir a próxima, onde pululam opções para assumir um espólio poderoso: os 57 milhões de votos de Bolsonaro nas eleições de 2022.

O nome mais forte é o do governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas, mas um novo acaba de ser lançado nos bastidores: o da ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina, alavancada pelo agronegócio e com apoio em setores das Forças Armadas. O temor, porém, é de que o lançamento muito cedo possa atrair chuvas e trovoadas antes do tempo.

Marcus Pestana* - A economia brasileira em compasso de espera

De 1930, após a crise de 29 e a chegada de Vargas ao poder, a 1980, com o segundo choque do petróleo e a disparada dos juros internacionais, o Brasil teve um crescimento econômico exuberante de 7% ao ano em média. Fomos um dos mais exitosos exemplos de industrialização tardia induzida pelo Estado, na periferia do capitalismo. Falava-se no milagre brasileiro só comparável ao japonês. Neste processo de desenvolvimento destacaram-se os períodos dos governos Vargas, JK e Geisel. O Brasil era visto como o país do futuro.

De uma economia agroexportadora, ancorada na cafeicultura, migramos celeremente, em 50 anos, para uma sociedade urbana-industrial de economia diversificada. Todos os instrumentos – fiscais, cambiais, creditícios, monetários, de comércio exterior – foram acionados e se somaram aos investimentos públicos, do governo e de empresas estatais, e do empresariado nacional e estrangeiro, em nome da superação do atraso e de garantir um lugar ao Brasil entre as grande potências do Século XXI.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Decisão do TSE abre caminho à direita civilizada

O Globo

Com Bolsonaro inelegível, rearranjo de forças políticas traz oportunidade para quem tenta romper polarização

Era previsível a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que condenou, por cinco votos a dois, o ex-presidente Jair Bolsonaro por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, no episódio em que reuniu embaixadores no Palácio da Alvorada, em 18 de julho do ano passado, para atacar o sistema eleitoral brasileiro e impulsionar sua candidatura à Presidência. Diante do desprezo pelas instituições e do vale-tudo para derrotar o petista Luiz Inácio Lula da Silva, não havia outro desfecho possível. Nem o próprio Bolsonaro, nem seus advogados, nem seus mais fiéis aliados imaginavam que ele fosse escapar de ficar inelegível por oito anos.

Nos últimos dias ele vinha tentando minimizar o encontro com os embaixadores, insinuando tratar-se de episódio de rotina, sem caráter eleitoral. Seus argumentos foram desmontados pelos ministros Benedito Gonçalves (relator do processo), Floriano de Azevedo Marques, André Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes (presidente do TSE). Todos entenderam que a reunião não teve outro propósito além do eleitoral. Sem nenhuma prova para embasar suas acusações, Bolsonaro atacou o sistema eletrônico de votação com o objetivo nítido de semear falsas dúvidas junto ao eleitorado e de preparar o terreno para contestar a vitória provável do adversário.