domingo, 14 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Um roteiro para a pacificação do País

Por O Estado de S. Paulo

Erra quem pensa que a pacificação virá com a anistia a golpistas, mas também quem crê que basta a punição dos inconformados com a democracia para superar as tensões. É preciso mais

“A pacificação do País depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições”, disse o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no introito do julgamento da Ação Penal 2.668, sobre o atentado à ordem constitucional democrática, cujo principal réu era o ex-presidente Jair Bolsonaro. “Nós precisamos de pacificação. E o Congresso pode fazer gestos por essa pacificação”, pregou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, convertido em principal porta-voz da tese bolsonarista segundo a qual a anistia a Bolsonaro terá o condão de “pacificar” o Brasil.

Como em muitos momentos de tensão observados na história brasileira, fala-se muito em “pacificação”, “união” ou “solução política” como forma de mudar um estado de crispação, virulência e conflito institucional. Não se questiona tal desejo, mas o problema é de outra ordem: nenhuma receita de paz social vai prosperar caso se concentre em um só lado da história. De fato, não há paz fora do império da lei, tampouco sob a confusão premeditada entre pacificação e impunidade. Mas, admitindo-se que seja necessário pacificar o País, o que de resto é discutível, erra quem pensa que essa pacificação virá com a anistia, e erra também quem acredita que a pacificação se resume à punição dos inconformados com a democracia. É preciso mais.

Sem anistia. Por Merval Pereira

O Globo

A anistia seria uma derrota do estado de direito diante da exigência de um grupo político condenado justamente por ter atentado contra a democracia

Não há razão para anistiar o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus companheiros de aventura golpista, sobretudo porque a reivindicação vem a bordo de uma chantagem política baseada na ameaça de um governo estrangeiro. A anistia, assim, seria uma derrota do estado de direito diante da exigência de um grupo político condenado justamente por ter atentado contra a democracia. Seria uma incoerência em si mesma uma decisão nesse sentido, que destoaria dos demais processos históricos anteriores, quando a anistia sempre foi dada como maneira de pacificação por parte do governo legitimamente eleito, ou, como no caso da anistia no golpe militar de 1964, da ditadura agonizante que buscava salvar os seus diante da tendência majoritária no país contrária à sua permanência.

Tanto que a extinção do AI-5 já havia sido decretada e, em seguida, a eleição, mesmo indireta, garantiu o fim da ditadura elegendo Tancredo Neves presidente da República. Em todos os casos, a anistia veio como um gesto de pacificação de governos legítimos ou de ditaduras decadentes. Agora, os perdedores querem anistia para continuar a ameaçar a democracia, aproveitando-se dela para tentar desmontar o estado de direito por dentro.

O país e o julgamento. Por Míriam Leitão

O Globo

A democracia não se vinga, mas não pode ignorar o que deu errado no passado, nem deixar de almejar um futuro diferente para as próximas gerações

A democracia não se vinga, mas deve se proteger. Durante mais de um século, esteve frágil diante dos atentados, por um erro plantado no berço da República: a pretensão de que os militares seriam os tutores do poder civil. De tempos em tempos, os que têm as fardas e as armas, fornecidas pelos cofres públicos, assombraram o país ou tomaram o poder diretamente. Sou da geração que pagou o preço mais alto. Pela primeira vez, temos a chance de construir um pacto novo, no qual os militares terão seu papel, sempre essencial, mas jamais para exercer o poder.

A poesia de Affonso Romano de Sant’anna foi trazida aos autos, no voto da ministra Cármen Lúcia que condenou os réus. No poema “Que país é este?”, há versos que parecem simples e são definitivos. “Uma coisa é um país, outra um regimento”.

O ministro Luiz Fux ficou sozinho no seu voto divergente. A democracia sempre aceitará os divergentes, mas o erro do ministro foi ver fatos isolados, onde havia um plano. Ele foi executado à luz do dia, gritado nos palanques de avenidas, analisado em reuniões ministeriais, dito em datas nacionais, escrito em documentos. O mais macabro dos papéis descobertos pela Polícia Federal foi impresso no Palácio do Planalto, e trazia o nosso verde-amarelo entregue a um punhal.

Julgamento dá orgulho. Por Dorrit Harazim

O Globo

Cármen Lúcia foi concisa, de clareza não entediante e natural, o que é raridade entre as disputas por holofotes do colegiado

Dependendo do que cada um faz da própria vida, 27 anos é uma medida de tempo que se esgota rápido. Tomem-se gigantes da cultura musical como Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Brian Jones, Kurt Cobain, Amy Winehouse. Cada um escolheu um viver em intensidade máxima, acelerada, que durou 27 anos. Morreram prematuramente de forma trágica, deixando órfãs suas legiões de seguidores. No outro extremo está Jair Bolsonaro. A sentença de 27 anos e três meses de prisão, mesmo se algum dia reduzida para um sexto da pena ou aliviada para prisão domiciliar, encontra um homem condenado a um perpétuo vazio. O vazio da desumanidade que semeou.

Há coisas mais urgentes do que perdoar golpistas. Por Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Anistiá-los pode ser um incentivo a novas barbaridades, talvez tão graves quanto ou piores do que a anterior

Monteiro Lobato teria provavelmente gostado e, talvez, sentido inveja. Mas seu conto Júri na Roça, de 1909, com a descrição de um sujeito encantado pelo espetáculo de um tribunal, foi tão bom, ou quase tão bom, quanto o início do julgamento dos envolvidos na bagunça de janeiro de 2023. Nenhum conto de Lobato, no entanto, consome tanto tempo quanto a fala mais longa daquele começo de trabalho no Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, nenhum conto chega a ser tão espantoso. Naquela notável série de depoimentos, chegou-se a pôr em dúvida a tentativa de golpe da extrema direita, embora tenha sido tão escancarada quanto o desfile de um bloco de carnaval. Mas esse fato, se alguma dúvida fosse defensável, seria de fácil verificação.

Turbulentos 12 meses à frente. Por Pedro S. Malan

O Estado de S. Paulo

Julgamentos, delitos, penas, impunidades e anistias são temas que estarão presentes nos debates que se estenderão até ao menos as eleições de 2026

As questões sobre julgamentos, delitos, penas, impunidades e anistias, ora dominando amplo espaço no debate público no Brasil, foram tratadas por um pequeno e grande clássico por Cesare Beccaria, publicado em 1764, que retém surpreendente atualidade. Diz o autor de Dos delitos e das penas: “Eu não encontro exceção alguma ao axioma geral de que todo cidadão deve saber quando é culpado ou inocente”. Porém, há simulações e dissimulações e há delitos para os quais sociedades organizadas preveem penalidades. “(...) A finalidade destas é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo.” Para que cada pena não seja uma violência contra um cidadão privado, esta “deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima possível nas circunstâncias dadas, proporcional aos delitos e ditada pelas leis”. E, em observação crucial para os dias que correm entre nós: “Mostrar aos homens que os delitos podem ser perdoados e que a pena não é sua inevitável consequência é fomentar a ilusão da impunidade e fazer crer que as condenações não perdoadas, embora pudessem sê-lo, são antes abusos de força que emanações da justiça”.

Trump, Bolsonaro e Tarcísio são o tripé da oposição a Lula em 2026. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Governador de SP já se coloca como “herdeiro” do espólio eleitoral de Bolsonaro, ainda que os filhos legítimos pleiteiem a candidatura de um deles. O ex-presidente continuará sendo um grande eleitor

Apesar de condenado a 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro (PL) continua sendo o eixo da base eleitoral da oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ao seu lado, mais duas lideranças convergem para formar um tripé difícil de ser batido: o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), potencial candidato em 2026, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cuja política externa pressiona o governo brasileiro com tarifas de até 50% sobre exportações e sanções contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

O cenário é sem precedentes. Pela primeira vez, um ex-presidente e generais de alta patente foram condenados por tentativa de golpe, enquanto a Casa Branca intervém diretamente na vida política brasileira. Tarcísio já se coloca como “herdeiro” do espólio eleitoral de Bolsonaro, ainda que os filhos legítimos pleiteiem a candidatura de um deles. Apesar das pressões, Lula, o Senado e mesmo a Câmara (ainda) resistem à ofensiva para aprovação de uma anistia ampla, geral e irrestrita pelo Congresso, que devolva a liberdade e a elegibilidade ao ex-presidente, cada qual com suas razões. Isso significaria perigosa deriva institucional, antes mesmo das eleições.

Anistia para Bolsonaro? Por Alberto Zacarias Toron

Correio Braziliense

A questão que se coloca é a de se saber se é constitucional a concessão de anistia para os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado

Em boa hora, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que os atos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023 e mais aqueles outros narrados com riqueza de detalhes na denúncia do procurador-geral da República representaram uma tentativa de golpe de Estado. Não foram apenas vidraças quebradas, plenários destruídos ou uma escultura manchada por uma frase escrita com um batom. O próprio presidente eleito seria assassinado e um ministro do STF foi vigiado com o mesmo objetivo, além disso, o que não é pouco, o roteiro criminoso previa prisões de outras autoridades.

As instituições democráticas, no entanto, resistiram e prevaleceram. Pessoas foram processadas, condenadas e presas. Agora foi a vez do núcleo dirigente da trama golpista. As penas foram elevadíssimas, e isso pode funcionar como combustível para o movimento por uma anistia que, aliás, era anterior à própria condenação do ex-presidente, de alguns de seus ministros e de outros altos dirigentes de órgãos do Estado.

Estabelecida essa premissa, a questão que se coloca é a de se saber se é constitucional a concessão de anistia para os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

A segurança pública como direito universal. Por Raul Jungmann

Correio Braziliense

A segurança pública deve ser tratada como um direito de todos, com fontes de financiamento estáveis e com a União na liderança do sistema

A operação integrada da Polícia Federal, do Ministério Público de São Paulo e da Receita Federal, no coração financeiro de São Paulo, oferece lições profundas. Entre elas, destaca-se a constatação de que o ciclo da segurança pública, tradicionalmente tratado como um serviço voltado apenas para as populações mais vulneráveis, chegou ao fim.

Muitos já comentaram a operação que ficou conhecida como Faria Lima, em referência à avenida que simboliza o mercado financeiro e a elite brasileira. No entanto, há um outro efeito que merece destaque: a necessidade urgente de tratar a segurança pública como um direito universal do cidadão, assim como ocorre com a saúde e a educação.

A anistia e o começo da eleição de 26. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Entre dissimulações e impaciências, centrões querem decidir o que fazer do capitão das trevas

Líderes da Câmara decidem na terça se vai ser votado algum projeto de anistia para Jair Bolsonaro e cúmplices e, também, como vai tramitar o projeto do governo de isenção do Imposto de Renda, central para a hipótese de Lula 4. A eleição começa.

Quanto ao destino da anistia, o cenário é de névoa, pois faltam lideranças maiores e organização; há dissimulação dentro das direitas.

A extrema direita, PL e alguns agregados, em tese quer que seja pautado o pedido de urgência de um projeto de anistia total, algo que permitisse a candidatura de Bolsonaro. Ainda na semana que vem seria votado o mérito; querem aprovação rápida o bastante para evitar a prisão. Parece delirante, mas tenham em mente o que é este Congresso.

Jair Bolsonaro vai ser preso. Por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Com exceção de Fux, STF julgou como Ulysses Guimarães em ação na qual a única coisa que não era difícil era a análise jurídica

STF julgou como Ulysses Guimarães. Agora Jair Bolsonaro será preso, como Brilhante Ustra deveria ter sido.

Por STF, naturalmente, me refiro a Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Votaram de maneira parecida e com técnica impecável, o que não surpreende: a única coisa que não era difícil nesse julgamento era a análise jurídica.

Atos imperdoáveis. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Não faz sentido desmoralizar decisão do Supremo e muito menos comparações com anistia de 1979

Condenado o núcleo crucial da tentativa de golpe, faz sentido anular a decisão do Supremo Tribunal Federal concedendo perdão a quem, no entendimento dos juízes, cometeu os crimes a eles imputados?

Não faz, a menos que se queira desmoralizar a corte suprema de justiça e dizer ao país que o decidido ali vale menos que os interesses de um grupo político. Aqui se incluem os já sentenciados pelo ataque de 8 de janeiro e que agora começam a ser vistos com certa benevolência.

Sombras ocultas do poder. Por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Nas corporações e nos porões institucionais, tramam-se agendas paralelas que tentam reger a vida política

Numa série sobre ovnis, em meio a depoimentos de cientistas e militares, um deles justifica o acobertamento do fenômeno até para presidentes americanos: "O que faria Trump com esse segredo..." Jimmy Carter, único publicamente interessado na matéria, foi bloqueado por George Bush, então diretor da CIA. Verdadeiras ou não, as informações seriam apanágio de uma camada específica de poder, composta por militares, empresários e especialistas em engenharia reversa.

Domingo com (bleargh!) Bolsonaro. Por Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Prometi a mim mesmo nunca escrever sobre ele nos fins de semana, mas hoje quebro alegremente essa promessa

Desde 2019, quando Bolsonaro tomou posse na Presidência, emporcalhei este espaço várias vezes por semana citando o nome dele. As primeiras referências ainda eram sutis, como ao comentar sua declaração de que dormia no Alvorada com um revólver na cabeceira. Escrevi: "Qual é o problema? [No Catete] Getulio Vargas também dormia". Hoje, Bolsonaro deve estar se perguntando se aquele hábito de Getulio não seria uma boa idéia. Quando ele disse que só sairia do Planalto "preso, morto ou deposto" e que "não seria preso", vê-se que as alternativas não lhe eram estranhas.

Poesia | A verdade, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Chico Buarque - Bye Bye Brasil / Cantando no Toró

 

sábado, 13 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Condenação honra a Constituição e a democracia

Por O Globo

Aos réus foi assegurada defesa, houve divergência, e prevaleceu a Justiça. É hora de virar a página do radicalismo

Não há como deixar de reconhecer o caráter histórico do julgamento que condenou Jair Bolsonaro e mais sete réus por planejar e tentar pôr em marcha a ruptura da ordem institucional democrática estabelecida pela Constituição de 1988. Depois de inúmeros golpes de Estado e tentativas frustradas desde a fundação da República, pela primeira vez um ex-presidente, ex-ministros e militares de alta patente foram condenados por atentar contra a democracia no Brasil. O período mais longevo de vida democrática brasileira não apenas resistiu à intentona, mas enfim o Brasil conseguiu punir traidores da vontade popular.

Bolsonaro é um chatbot. Por Thaís Oyama

O Globo

Parte da esquerda bem gostaria de trocar de povo, mas, dado que essa não é uma opção, limita-se a escandalizar-se

Em julho, o Grok — chatbot de inteligência artificial da xAI — postou elogios a Hitler e frases antissemitas no X, obrigando a empresa de Elon Musk a remover as mensagens e prometer “melhorar” seu treinamento. Constrangimento igual já havia sofrido a Microsoft quando, em 2016, Tay, robô criada para interagir com meninas adolescentes no Twitter, saiu disparando atrocidades nazistas e insultos sexistas na plataforma. Foi tirada de circulação 16 horas depois do lançamento. Na origem dos desastres de marketing de Grok e Tay está o fato de os “robôs de conversa”, em grande medida, refletirem o que encontram no ambiente em que são treinados ou interagem — e isso inclui os padrões, vieses e preconceitos dos usuários das redes.

A democracia fica mais forte. Por Flávia Oliveira

O Globo

Ministros do STF produziram um manual de como julgar ameaças ao Estado Democrático de Direito

Numa odisseia político-judicial tomada de ineditismos, um ex-presidente, três generais, um almirante, um deputado federal foram condenados por crimes contra a democracia num 11 de setembro agora histórico no Brasil. Como simbolismos importam, registre-se que o clímax da conspiração golpista, o 8 de Janeiro de 2023, ocorreu quando o Supremo Tribunal Federal estava sob a presidência de Rosa Weber. Foi dela a promessa de responsabilização aos que conceberam, praticaram, insuflaram e financiaram os ataques. Dois anos e oito meses depois, foi o voto de Cármen Lúcia, única mulher entre os 11 ministros da Corte, que formou maioria para condenar Jair Bolsonaro e mais sete réus.

Como se fosse uma pesada porta. Por Eduardo Affonso

O Globo

Leitura escapista ou que pague o pedágio da culpa burguesa, aparentemente, é disso que o povo gosta

O GLOBO dedicou, no Segundo Caderno de 5 de setembro, duas páginas ao lançamento do novo livro de Dan Brown — um catatau que o próprio autor considera sua obra mais intrincada, ambiciosa e divertida. A resenha acrescentava que “O segredo final” é arrebatador, com uma trama instigante (adjetivo, quando se trata do autor de “O Código Da Vinci”, não pode faltar).

Teremos passado do ponto? Por Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

Ou nos valemos da eleição de 2026 para repor o País nos prumos que nunca teve ou praticamos lealmente o sistema presidencial ‘puro’

Jorge Luis Borges, o maravilhoso escritor argentino, publicou, não me l embro quando, um livrinho intitulado El tamaño de mi esperanza; hoje, fosse eu macaquear Borges, meu título só poderia ser O tamanho de minha desesperança.

Mas vamos com calma. Outro dia ouvi de um amigo entusiasmadas referências positivas a avanços no campo da política social. Declínio na mortalidade infantil, melhorias no saneamento básico e por aí afora. Avaliações pontuais, mas considerando quem as fez, senti certo alívio. O problema é que, tendo nascido em Minas, na margem esquerda do rio São Francisco, e leigo no assunto, senti-me espicaçado por uma aguda necessidade de um antídoto. E logo o encontrei num artigo publicado neste espaço pelo economista Roberto Macedo. O que ali encontrei pareceu-me mais do que suficiente para indicar que estamos longe de escapar do fundo do poço. Longe de escapar, repito, do que se tem denominado “armadilha da baixa renda” (que, a meu ver, mereceria a alcunha “armadilha do baixíssimo crescimento”). A título de memória: com nossa pífia renda per capita crescendo 2,5% ao ano, levaremos 28 anos para dobrá-la, ou seja, para permanecermos como um país em média paupérrimo, sem esquecer que essa obscena pobreza é obscenamente distribuída entre as camadas sociais.

O direito do clima político. Por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

As preliminares importam – não sejam maldosos – e as questões de Luiz Fux merecem atenção máxima. Merecem reflexão séria, ainda que depois o juiz tenha, no mérito, votado para condenar, por tentativa de abolição do estado democrático de direito, o candidato a vice e o ajudante de ordens do presidente – e não o cabeça da chapa e chefe.

Voto legítimo, de início tratado como “prova cabal” de que não estaríamos numa ditadura. Isso até que a divergência avançasse para algo além do dissenso permitido, quando a religião do ministro passou a servir de razão para xingá-lo. Não há notícia ainda de que, à luz da língua xandônica, esse discurso de ódio tenha configurado ataque ao STF e à própria democracia, e ensejado, conforme a censura do bem, a derrubada de postagens ou o bloqueio de contas.

Tarcísio e a radicalização. Por Rodrigo Zeidan

Folha de S. Paulo

Governador do maior estado ataca abertamente a principal instituição do Judiciário

A radicalização do discurso do governador de São Paulo está longe de acabar. O assassinato de Charlie Kirk provavelmente vai tornar sua radicalização ainda mais palatável politicamente. A eleição de Trump mostrou que o extremismo inflama os apoiadores mais tresloucados sem quase nenhum custo.

Políticos, como quaisquer investidores, estimam risco e retorno em tomadas de decisão. Posição política arriscada? Menor chance de que um político vá defendê-la. É por isso, por exemplo, que estadista de esquerda com aspirações nacionais não defende publicamente o direito ao aborto. Uma parte, mesmo que considerável, da base de apoio se importa com o assunto, mas há alto grau de rejeição entre indecisos e outros eleitores. O custo é alto para pouco benefício pragmático.

O custo da deslealdade à democracia. Por Oscar Vilhena Vieira e Theo Dias

Folha de S. Paulo

Condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro representa passo importante na interrupção do legado de impunidade no país

A impunidade tem sido a regra para os que conspiram contra a ordem constitucional no Brasil. Ao longo da República, mais de uma dezena de golpes, insurgências e intentonas ficaram impunes. Mesmo os autores de crimes contra a humanidade foram, ao final, anistiados.

A condenação de Jair Bolsonaro representa, assim, passo importante na interrupção desse legado de impunidade, que tem servido como incentivo para sucessivas rupturas das regras básicas do jogo democrático. Se o parlamento não forçar uma anistia, o custo para um novo golpe terá ficado mais alto no Brasil.

O Brasil antes e depois do julgamento do STF. Por Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Podemos ser um país no qual é inaceitável que as Forças Armadas intervenham na vida democrática

Há um antes e um depois na história política brasileira. O país era um antes do dia 11 de setembro de 2025 e se tornou outro depois da data. Ainda que não exista uma nova Constituição ou uma mudança de regime, um novo espírito passou a animar a nossa democracia.

Desde a redemocratização, quatro ex-presidentes já foram presos, e dois, impedidos. São cinco de um total de oito presidentes. O número indica que não foi particularmente difícil para o Judiciário e o Congresso brasileiros imporem derrotas a chefes de Estado. Porém, o exato oposto ocorria com as Forças Armadas desde o início da República até o último dia 11 de setembro.

Motta está entre gregos e troianos. Por Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Presidente da Câmara tem pela frente a proposta de anistia e a isenção do IR

O pior que pode acontecer para o país é o presidente da Câmara, Hugo Motta, tentar agradar gregos e troianos na semana seguinte à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo STF por liderar tentativa de golpe de Estado.

Avançar com a proposta de anistia aos condenados e ao mesmo tempo colocar em votação o projeto do governo Lula de aumento para R$ 5.000 da faixa de isenção do Imposto de Renda.

Condenação histórica. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

STF cumpriu seu papel ao sentenciar Bolsonaro e seus principais apoiadores; é preciso agora evitar reversões

STF cumpriu seu papel de guardião da ordem constitucional ao condenar Jair Bolsonaro e seus principais escudeiros por tentativa de golpe de Estado e outros crimes. Essa é uma daquelas ocasiões em que apor o adjetivo "histórico" à palavra "decisão" não constitui exagero. Estamos, porém, no Brasil, país em que até o passado é incerto.

O grande valor de uma condenação como a que foi imposta ao núcleo primordial do movimento golpista está em seu caráter dissuasório. Condena-se hoje para que, no futuro, ninguém imite quem tentou promover uma ruptura institucional.

O enigma. Por André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

O julgamento no STF serviu para fazer com que o Brasil acredite na força de sua democracia. Mas Lula continua candidato à reeleição, e a direita ainda não encontrou um substituto

O espetáculo midiático foi bonito, cada um dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) teve seu momento de grande exposição, mas a festa acabou. Surgiu um novo tempo, o ex-presidente e seus principais auxiliares serão presos, e há a perspectiva de a eleição de 2026 se transformar numa guerra de posições parecida com o que ocorre atualmente nos Estados Unidos, onde os divergentes se resolvem na base do tiro e da pancada. Todo mundo mata todo mundo.

O mundo está passando por um de seus períodos de loucura. A Rússia bombardeou a Polônia, que chamou os colegas da Otan a enfrentar o inimigo comum, o Exército de Moscou. A Europa está convulsionada. Israel bombardeou o Qatar para matar chefes do grupo Hamas. Nenhuma atenção foi dada ao fato de que as bombas caíram em país que não está em guerra com o país dos judeus. E Telaviv também já não dissimula que não pretende abrir espaço para um futuro país palestino. O mundo piorou nos últimos tempos, por consequência da atuação de líderes despreparados para exercer suas responsabilidades. O resultado dessa situação é a guerra, ou a política exercida por outros meios, seja chantagem econômico-financeira ou ameaça de conflito bélico.

O valor e o desvalor da divergência. Por Juliana Diniz

O Povo (CE)

Não podemos jamais confundir os desacordos salutares, próprios da pluralidade com que se faz o Direito, da absoluta falta de coerência de um determinado intérprete em circunstâncias muito semelhantes de avaliação

Juristas costumam colecionar defeitos. A vaidade, a soberba, a habilidade de complicar. O mais imperdoável deles é a incoerência, porque mina aquele que é o alicerce de qualquer ordem jurídica: a confiabilidade. No julgamento mais importante das últimas décadas, um dos ministros do STF abusou da licença para divergir: como explicar as reviravoltas argumentativas do voto de Luiz Fux sem desacreditar do próprio Direito?

Esse é um ponto delicado de explicar: por que há divergência quando se trata de interpretar as leis? Por que, em um mesmo tribunal, um juiz pode decidir de modo distinto do outro? A resposta é sempre difícil, mas honesta: interpretar o Direito (assim como as ações e motivações humanas) não é um trabalho exato, é uma operação de linguagem em que várias subjetividades concorrem na tentativa de construir um resultado objetivo.

Peixe fora d’água. Por Marcus Pestana

Tempos estranhos os atuais. Não digo isso com saudosismo, sentimento que não gosto e cultivo. Cada época tem seus sonhos, dilemas, desafios. Cada tempo é envolto em suas circunstâncias.

O grande legado do século XX parecia ser a consagração absoluta da democracia como valor permanente, inegociável, amplo, universal. E aí estamos nós, com a cara do mundo contemporâneo estampada nas faces de Donald Trump, Vladimir Putin, Xi Jinping e Benjamin Netanyahu. Nem o mais radical pesadelo de um democrata pessimista poderia traçar roteiro pior.

O STF e a defesa da democracia. Por Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

Quando os “homens de bem” falam em liberdade, estão preparando a prisão e a tortura dos adversários

Em meio aos instantes finais do julgamento, no Supremo Tribunal Federal, da tentativa de golpe dos “democratas de passeata” é oportuno relembrar o golpe de 1964.  O famigerado golpe de Estado inspirou um ­slogan premonitório: “Basta de intermediários, Lincoln Gordon para presidente”. Gordon era o embaixador dos Estados Unidos no Brasil. Conspirava abertamente com as “forças democráticas” nativas, aquelas que permanentemente arquitetam a supressão da democracia.

Nos tempos de hoje, a conspiração assumiu contornos semelhantes, mas diferentes. Na passeata de 7 de Setembro, os “patriotas” carregaram uma enorme bandeira dos Estados Unidos. Como de hábito na Terra de Santa Cruz, a conspirata golpista envolveu os “homens de bem”, tal como os parlamentares do Centrão. Esses senhores, eleitos pelos ressentidos, patrocinam o Projeto de Lei da Anistia. Os representantes do povo envergam os propósitos golpistas para executar seus projetos pessoais à sombra da escuridão.

Anistia e Constituição. Por Pedro Serrano

CartaCapital

O Congresso não pode outorgar a si próprio a condição de guardião máximo da Carta Magna

O Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento das denúncias formuladas pela Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Jair Bolsonaro pelos, dentre outros, crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Por essas razões, intensificaram-se as discussões relacionadas à concessão de anistia no Congresso. Ou seja, pretende-se atribuir ao Legislativo a determinação dos limites, bem como a extensão e o alcance, da nossa Constituição, substituindo o STF em seu papel de intérprete final e guardião.

Entrevista | Lenio Streck: Basta

Por Rodrigo Martins / CartaCapital

A condenação de Bolsonaro rompe com a secular tradição de impunidade aos golpistas no País, avalia Lenio Streck

Com um histórico de 15 golpes de Estado, tentados ou consumados, desde a Proclamação da República, em 1889, o Brasil parece finalmente prestar contas com seu passado. “Após a condenação de Bolsonaro e seus comparsas, a chance de sofrer mais uma investida diminui bastante”, avalia o advogado ­Lenio Streck, procurador de Justiça aposentado, professor de Direito Constitucional da Unisinos e pós-doutor pela Universidade de Lisboa. Em entrevista a CartaCapital, ele afirma que o Supremo Tribunal Federal agiu dentro dos limites constitucionais e rebate as teses levantadas pela defesa dos acusados, e endossadas no voto divergente do ministro Luiz Fux. “Nenhuma democracia madura comete haraquiri, perdoando quem tenta derrubá-la.”

Longa batalha. Por Marjorie Marona

CartaCapital

Condenação é marco, não ponto final da crise democrática. A sobrevivência da extrema-direita, articulando estratégias de impunidade e reedição política, exige vigilância redobrada

O julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal ganhou novos contornos com o voto do ministro Luiz Fux, que acolheu preliminares da defesa e se manifestou pela anulação do processo. Embora isolada diante da tendência de responsabilização do ex-presidente e seus aliados por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa e ataque às instituições republicanas, a posição de Fux revela a densidade política e jurídica do caso. Ela demonstra que, mesmo em julgamentos de alta voltagem, persiste espaço para leituras divergentes capazes de oferecer fôlego narrativo aos réus e combustível às suas bases de apoio.

Primeiro passo. Por Jamil Chade

CartaCapital

Trata-se de uma reparação simbólica às vítimas dos heróis de Bolsonaro

Na porta de seu gabinete, o então deputado Jair Bolsonaro mantinha um cartaz que dizia que “quem busca osso é cachorro”, numa ironia aos esforços para encontrar os restos mortais das vítimas no Araguaia. Em sua sala, exibia com orgulho as fotos dos generais que, durante 21 anos, mantiveram com repressão, censura e morte a ditadura.

Ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, Bolsonaro prestou uma homenagem a um dos torturadores da ex-presidente, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Na Presidência, o líder do complô golpista reuniu-se com a viúva do coronel no Palácio do Planalto. O presidente chamou o agente repressor de “herói nacional”, enquanto recebia Maria ­Joseíta Silva Brilhante Ustra em 8 de agosto de 2019. Um ano depois, recebeu Sebastião Curió, o Major Curió, à época com 81 anos. Tratava-se do oficial do Exército que comandou a repressão à Guerrilha do Araguaia e que foi denunciado pelo Ministério Público Federal por homicídio e ocultação de cadáveres durante a ditadura. Em 2009, ao jornal O Estado de S. ­Paulo, Curió afirmou que o Exército executou 41 guerrilheiros no Araguaia.

Um julgamento histórico e o labirinto das circunstâncias. Por Roberto Amaral *

É de relevância insofismável o julgamento que se desenrola no STF; relevância intrínseca ao fato, mas certamente ainda maior em face da carga simbólica representada pelo banco dos réus, onde se sentam, pela primeira vez em nossa história (e isto não é pouco), um ex-presidente da República e uma choldra de generais golpistas a ele associados na tentativa de, mais uma vez em nossa história, violentar o processo eleitoral decidido pela soberania popular. E, como de regra, para fazer regredir o processo social e impor o Estado de exceção, que sempre transita do autoritarismo larvar para a ditadura.
 
Mas isto ainda não é tudo. O julgamento é também relevante pelo que encerra como defesa do sistema democrático-representativo, reacendendo brios esquecidos. Pode mesmo indicar o ponto de partida da recuperação do poder civil, tão aviltado pela preeminência da vontade da caserna, expressa nos tantos putsches, golpes de Estado e ditaduras que promoveu.

Poesia | Sociedade, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Adriana Calcanhotto - Traduzir-se (Ferreira Gullar)

 

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

*Condenação honra a Constituição e a democracia*

Por Editorial / O Globo12/09/2025 07h58 Atualizado agora

*Aos réus foi assegurada defesa, houve divergência, e prevaleceu a Justiça. É hora de virar a página do radicalismo*

Não há como deixar de reconhecer o caráter histórico do julgamento que condenou Jair Bolsonaro e mais sete réus por planejar e tentar pôr em marcha a ruptura da ordem institucional democrática estabelecida pela Constituição de 1988. Depois de inúmeros golpes de Estado e tentativas frustradas desde a fundação da República, pela primeira vez um ex-presidente, ex-ministros e militares de alta patente foram condenados por atentar contra a democracia no Brasil. O período mais longevo de vida democrática brasileira não apenas resistiu à intentona, mas enfim o Brasil conseguiu punir traidores da vontade popular.

Os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que Bolsonaro, os ex-ministros Braga Netto, Augusto HelenoAnderson Torres e Paulo Sérgio Nogueira, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o deputado federal Alexandre Ramagem e o ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid são culpados. Pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, a Corte condenou Bolsonaro a 27 anos e três meses, Braga Netto a 26 anos, Torres e Garnier a 24, Heleno a 21, Nogueira a 19, Ramagem a 16, um mês e 15 dias, além da perda do mandato (Cid recebeu dois anos em regime aberto, em virtude de seu acordo de colaboração).

A todos os réus foi assegurado amplo direito de defesa. Não faltou espaço para a argumentação de seus advogados, nem para divergências entre os julgadores. O relator, ministro Alexandre de Moraes, e os ministros Flávio DinoCármen Lúcia e Cristiano Zanin votaram pela condenação dos oito réus pelos cinco crimes. Terceiro a votar, o ministro Luiz Fux apresentou ao longo de 13 horas na última quarta-feira uma divergência profunda dos demais colegas. Depois de argumentar que o Supremo não era o foro adequado para o julgamento, defendeu em seu voto que os réus não incorreram nos crimes de organização criminosa e dano ao patrimônio. Fux ainda votou pela aglutinação dos crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, condenando apenas Cid e Braga Netto por este último. Absolveu-os e a todos os demais réus — inclusive Bolsonaro — de todos os demais crimes.

A divergência de Fux, ainda que repleta de contradições — ele próprio condenara os réus do 8 de Janeiro por crimes semelhantes e aceitara a denúncia contra Bolsonaro e os outros acusados antes de considerar o STF inepto para julgá-los —, é a maior prova de que o julgamento foi justo. Num órgão colegiado, discordâncias são naturais e esperadas. É justamente para que não prevaleça a opinião de um único juiz que casos dessa complexidade e relevância devem ser submetidos a vários. Fux contemplou em seu voto todos os argumentos da defesa, garantindo aos réus o direito ao contraditório. Mas, diante da eloquência das provas, esmiuçadas pelos demais ministros, tais argumentos não prevaleceram. No confronto de opiniões, a balança da Justiça pendeu então para a condenação.

As digitais de Bolsonaro na tentativa de golpe estão por toda parte — da campanha mentirosa e premeditada para desacreditar as urnas eletrônicas às minutas jurídicas destinadas a emprestar um verniz de legalidade à intentona, apresentadas em mais de uma ocasião aos chefes militares. Há declarações gravadas em reunião ministerial, encontro com embaixadores e comícios; depoimentos dos ex-chefes das Forças Armadas; mensagens de texto, áudios, anotações e documentos impressos — uma fartura de evidências e detalhes cujo sentido está no quebra-cabeça montado pela investigação da Polícia Federal. Graças a ela, os brasileiros têm plena consciência do que aconteceu e sabem como e por que, felizmente, a democracia prevaleceu.

Terminado o julgamento, o Brasil precisa agora virar a página do radicalismo autoritário. O Supremo deu exemplo de altivez, mesmo diante da inadmissível e persistente pressão externa de Donald Trump e de outros integrantes do governo americano. É provável, diante da condenação de Bolsonaro, que novas sanções dirigidas a integrantes da Corte estejam a caminho. Mas o Brasil não pode ceder a barganhas mesquinhas. Seria uma capitulação inaceitável a votação de qualquer anistia pelo Congresso. Para além da neblina criada pela disputa política, os parlamentares precisam enxergar a realidade com nitidez.

Pesquisas de opinião mostram que o apoio à democracia é sólido no Brasil. É preciso empenho de deputados e senadores para que, findo o julgamento, o Parlamento ponha em marcha uma agenda voltada a acelerar o crescimento econômico e a melhoria de vida dos brasileiros. Anistiar os condenados equivaleria a semear novos golpes de Estado. Basta lembrar que o general Olympio Mourão Filho, o primeiro a pôr tanques nas ruas para dar o golpe em 1964, nada havia sofrido depois de ter comandado a fraude que permitiu a Getúlio Vargas dar o golpe do Estado Novo em 1937. Ou que o general e ditador Arthur da Costa e Silva antes havia sido um tenente que participou de uma tentativa de golpe em 1922, foi preso, anistiado e depois participou dos golpes de 1930 e 1964. Que o Brasil tenha a sabedoria de aprender com a própria História e consiga, como fizeram os ministros do Supremo no julgamento, continuar honrando as palavras de Ulysses Guimarães no discurso de promulgação da Carta de 1988: “A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia”.