terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Opinião do dia – Antonio Gramsci* (circunstância)

“A técnica política moderna mudou completamente após 1848, após a expansão do parlamentarismo, do regime associativo sindical e partidário, da formação de vastas burocracias estatais e "privadas" (político-privadas, partidárias e sindicais), bem como das transformações que se verificaram na organização da polícia em sentido amplo, isto é, não só do serviço estatal destinado à repressão da criminalidade, mas também do conjunto das forças organizadas pelo Estado e pelos particulares para defender o domínio político e econômico das classes dirigentes. Neste sentido, inteiros partidos "políticos" e outras organizações econômicas ou de outro gênero devem ser considerados organismos de polícia política, de caráter investigativo e preventivo.

*Antonio Gramsci (1891-1937). Cadernos do Cárcere, 3ª Edição,  pp.77-8. Editora Civilização Brasileira, 2007.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ganho real do salário mínimo semeia crise futura

Por O Globo

Medida faz crescer a dívida pública, alimenta a inflação e corrói a confiança no governo

Ao determinar o valor do salário mínimo para 2026, mais uma vez o governo decidiu conceder reajuste de quase 2,5% acima da inflação, o limite das regras adotadas com base no arcabouço fiscal. O mínimo irá de R$ 1.518 para R$ 1.621, alta de 6,8%. Será o terceiro ano consecutivo em que subirá além da inflação. Nos três anos desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o governo, terá aumentado 24,5%, ante inflação estimada em 14,6% no período — ganho real de quase 10%.

A política de aumento real do salário mínimo é celebrada pelo governo como conquista dos mais pobres. Ela tem sem dúvida impacto na renda do estrato social que Lula enxerga como sua base eleitoral — e de cujo apoio precisará em sua tentativa de reeleição no ano que se avizinha. Na economia, contudo, tal política tem três consequências nefastas com que infelizmente as gestões petistas têm se revelado recorrentemente incapazes de lidar.

Onda da direita terá mais dificuldades no Brasil. Por Christopher Garman

Valor Econômico

O presidente Lula entra no pleito com índices de aprovação mais altos que os de seus pares de esquerda na região

A América Latina está claramente passando por uma transformação política: candidatos da direita venceram nos últimos anos e estão bem posicionados para os próximos pleitos. A tendência começou com a eleição de Javier Milei na Argentina em 2023 e seguiu com as vitórias de conservadores na Bolívia, no Equador, no Chile e em Honduras em 2025. Em 2026, candidatos da direita têm boas chances de vencer na Colômbia, na Costa Rica e no Peru. Após uma onda eleitoral que elegeu várias lideranças de esquerda há cerca de quatro anos, o mapa político da região está claramente em transformação.

No Brasil, a direita certamente entrará em 2026 competitiva — em parte, pelas mesmas razões que têm rendido vitórias aos conservadores. Mas a situação do Brasil difere da de seus vizinhos por uma simples razão: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva entra no pleito com índices de aprovação mais altos que os de seus pares de esquerda na região — fazendo dele um leve favorito e abrindo a possibilidade de que o Brasil contrarie essa tendência regional.

Master exibe viela de Lula entre STF e Congresso. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Caso exibe a ocupação, pelo STF e pelo Congresso, do vazio deixado por Lula na arbitragem dos negócios da República

Cinco meses antes da cópia de um contrato entre o escritório de Viviane Barci de Moraes e o Master aparecer no celular do dono do banco, Daniel Vorcaro, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento de uma ação que derrubou dispositivo do Código de Processo Penal vedando a participação de juiz em processo de escritório em que atuem seus parentes. A ausência de debates na turma ou no plenário, além de celeridade, costuma revestir esses julgamentos virtuais de discrição. Revisitar seus votos revela o carimbo dos negócios da República às vésperas de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciar o último ano de seu terceiro mandato.

A questão foi suscitada pela Associação dos Magistrados Brasileiros em 2018, três anos depois da aprovação do CPC. De avessos ao corporativismo da AMB, que chegou a acionar o STF contra a criação do CNJ, os ministros passaram, majoritariamente, a convergir com suas pautas. Foi a AMB também quem acionou o STF, ao lado do Solidariedade, contra o impeachment no STF.

Os deuses estão loucos. Por Merval Pereira

O Globo

Os “deuses” do Olimpo jurídico manobram para que ninguém, ou nenhuma instituição, possa limitar seus poderes.

A maior prova de que a acareação marcada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli sobre o caso Master estava tecnicamente errada e era injustificada foi o presidente do banco, Daniel Vorcaro, e o ex-presidente do Banco Regional de Brasília Paulo Henrique Costa, o pretenso comprador, terem sido convocados para um interrogatório que não estava previsto. Continuamos assistindo a um simulacro processual, pois, antes mesmo dos depoimentos oficiais dos envolvidos, pressupõe-se que haverá contradições, justificando a acareação.

Todo o atropelo do processo, desde o momento em que foi transferido ao STF sem razão de ser, dá a impressão à sociedade de que querem acobertar alguma coisa. Não é a primeira vez que o dono de um banco liquidado pelo Banco Central (BC) reclama, alegando prejuízos provocados pela ação saneadora da instituição fiscalizadora do sistema financeiro nacional. A diferença hoje é que o Supremo entrou na briga, aparentemente a favor de Vorcaro, embora o BC tenha se livrado da subordinação aos demais Poderes e seja autônomo legalmente.

STF corre risco com o caso do Banco Master. Por Fernando Gabeira

O Globo

O que aconteceria se os fatos de agora levassem à desmoralização da Justiça, principalmente do Supremo?

Essa história do Banco Master e do STF atravessará o ano. Posso deixar de lado os detalhes e me concentrar agora num tema mais abstrato. Olhando para trás, constato que a Operação Lava-Jato desmoralizou a política e contribuiu para a ascensão de uma proposta radical de direita. O que aconteceria se os fatos de agora levassem à desmoralização da Justiça, principalmente do Supremo?

Imagino que estejam preocupados com isso alguns dos milhares que pedem um código de conduta para o STF. A partir de um conjunto de regras claras ficaria mais difícil transgredir e estaria construída, mesmo independentemente delas, uma forte blindagem para um organismo que dá a última palavra em todas as nossas questões.

A jornalista e o ministro. Por Pedro Doria

O Globo

Uma das perguntas que mais tenho ouvido de amigos e familiares, nestes dias de Festas, é: "Qual o objetivo?".

Querem entender o que deseja a imprensa quando traz notícias de que o ministro Alexandre de Moraes pode ter pressionado o Banco Central em favor do Banco Master. A resposta não é complicada. O que a imprensa quer é trazer ao público aquilo que circula nos corredores do poder.

Embutida nessa pergunta — “qual o objetivo?” — existe a presunção de que estamos a serviço de um lado na briga política. Não é isso que nos dá gana um dia após o outro. Francamente, o tesão no trabalho está em ser o primeiro a trazer algo a público. Ao público. O barato está em conseguir explicar com mais clareza como o Brasil funciona, ou o mundo. Em ser útil — e ser lido por ser útil. Pelo ângulo pessoal, essa é a motivação de cada um de nós. Mas, na engrenagem da democracia, a imprensa cumpre um papel fundamental. Ela não julga, não condena. Alerta. Revela à sociedade aquilo que quem tem poder deseja manter em segredo. O jornalismo existe para ligar a sirene e apontar: tem problema ali. É preciso investigar formalmente.

Confusões Master de Dias Toffoli. Por Míriam Leitão

O Globo

Ministro começa a recuar da acareação, anunciando que convocados darão depoimento. Mas continua tratando da mesma forma investigados e fiscalizador

A acareação marcada para esta terça no STF sobre o Banco Master é tão imprópria que o próprio ministro Dias Toffoli começou ontem a mudar o formato e decidiu colher depoimentos prévios dos convocados. Toffoli disse, em nota no sábado, que nem o Banco Centralnem o diretor de fiscalização são investigados. Era só mesmo o que faltava. Mas se não o são, por que o diretor do Banco Central Ailton de Aquino será ouvido por uma autoridade policial, segundo a nota do ministro? A polícia só tem autoridade sobre aquilo que é criminal. O rito do devido processo legal está sendo flagrantemente ferido.

Bem mais do que constrangedor. Por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Sensação de que Supremo vive numa bolha do ‘vale tudo’, como se salvar a democracia justificasse qualquer coisa e contrariando a máxima de ‘ninguém está acima da lei’

Do céu ao inferno em um ano, o Supremo Tribunal Federal atravessou 2025 como o salvador da Pátria e das instituições ao condenar um ex-presidente e oficiais de quatro estrelas por tentativa de golpe de Estado, mas morreu na praia, antes do Ano Novo, afogado em suspeitas éticas graves e relações nada republicanas envolvendo o Banco Master.

O vagalhão atingiu em cheio o ícone da defesa da democracia, ministro Alexandre de Moraes, que frequentava jantares na mansão de Daniel Vorcaro e fazia gestões insistentes e não bem explicadas junto a Gabriel Galípolo, do Banco Central, enquanto o escritório de advocacia de sua mulher mantinha um contrato milionário com o Master.

Os nossos heróis dão trabalho. Por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Deveria ser agente perturbador nacional a percepção de que poucos ministros do Supremo estão hoje aptos – como juízes, sob a República, se houvesse uma – a tratar de qualquer questão relativa ao Master. Não me refiro à aptidão formal, decidida por eles mesmos. Podem tudo, como se mede pelas licenças que se dão, palestrantes em eventos patrocinados pelo banco, dublês de juízes e empreendedores, cujos parentes advogam livremente no tribunal em que tomam decisões monocráticas.

Falo do que lhes dá credibilidade. Credibilidade impossível, se um, futuro relator, voa em jatinho com advogado de sujeito implicado na fraude; se o outro, salvador da pátria, frequenta a mansão do banqueiro fraudador; e se a esposa do salvador da pátria tem contrato milionário com o banco do banqueiro fraudador.

Livrar Vorcaro do risco de prisão e da delação é o sonho de políticos e pode ser objetivo da defesa. Por Alvaro Gribel

O Estado de S. Paulo

Estratégia pode ser questionar acusação de fraude pelo BC e alegar que houve apenas gestão temerária no Master

Muito mais do que tentar reverter a liquidação do Banco Master, o grande objetivo da defesa do banqueiro Daniel Vorcaro pode ser livrá-lo do risco de prisão. Esse cenário também agradaria ao mundo político, porque implicaria reduzir a praticamente zero o risco de o banqueiro fazer uma delação premiada que exponha figuras autoridades do primeiro escalão de Brasília.

Por isso, o depoimento e a provável acareação marcada para esta terça-feira devem ser usados pela defesa de Vorcaro para contestar a alegação do Banco Central de que houve fraude no banco. É a constatação pelo BC de que houve gestão fraudulenta por parte de Vorcaro no Master que o levou à prisão. Esse crime é mais grave do que seria a gestão “temerária”, que também ocorre em casos de liquidação bancária, - ou seja, quando um gestor comete erros, mas não crimes, na condução do negócio.

Vulgaridade com dinheiro público. Por Jorge J. Okubaro

O Estado de S. Paulo

O que se espera é que, em 2026, a livre escolha dos brasileiros resulte numa representação parlamentar mais preocupada com o País

A gestão do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) na presidência da Câmara dos Deputados está sendo tão desastrosa que o principal responsável por sua eleição para o cargo (e seu antecessor), deputado Arthur Lira (PP-AL), registrou há dias: “Tem que reorganizar a Casa. Está uma esculhambação”. Ambos merecem a vulgaridade da expressão. Agem na política do modo vulgar com que usam o idioma. Aos dois deveria ser acrescentado o nome de Eduardo Cunha, atualmente filiado ao mesmo partido de Motta.

Algo mais os une. O período em que os três ocuparam a presidência da Câmara dos Deputados – Cunha (2015-2016), Lira (2021-2025) e Motta (atualmente) – foi marcado por sistemática redução da racionalidade do processo orçamentário, com a expansão das emendas parlamentares. Normalizada nas práticas do Legislativo, a vulgaridade das decisões do Congresso sobre o Orçamento da União assumiu proporções que ameaçam comprometer programas de governo. As emendas tornaram-se instrumento de pressão e chantagem política.

Os Deuses que Nietzsche não matou. Por Cláudio Carraly*

"Quem é ateu e viu milagres como eu
Sabe que os deuses sem Deus
Não cessam de brotar, nem cansam de esperar"

— Caetano Veloso, Milagres do Povo

Há coisas que, à primeira vista, não deveriam coexistir. Marxista e crente. Materialista histórico e pessoa de fé. Militante comunista desde os 14 anos e alguém que sempre acreditou que o mundo guarda mistérios que escapam ao olhar. O mundo esperava, às vezes exigia que eu escolhesse um lado. Ateu, agnóstico, no mínimo um antirreligioso. Era o roteiro esperado de quem carregava Marx no peito desde tão cedo. Mas a vida não lê roteiros.

Cresci em uma família kardecista, uma das mais antigas a professar essa fé em Pernambuco. Fui criado também pela mão firme e doce de uma incrível mulher da umbanda. Essas presenças não eram ornamentos da infância, eram universos. Eram modos de sentir, de intuir, de perceber que existe algo além do que as estruturas materiais conseguem me explicar. Não contra elas. Mas além. Um pouco além. Muito mais além.

Em 2026, a imprensa seguirá sob ataque. Por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

No auge da revolta, tenhamos a sabedoria de não culpar o mensageiro

A mesma imprensa que no governo Bolsonaro era acusada de petista agora é pintada como aliada do ex-presidente

"Ninguém gosta do mensageiro que traz notícias ruins", diz a famosa citação da "Antígona" de Sófocles. Quem continua a trazer "notícias ruins" para todos os lados da disputa política brasileira é a imprensa. Em 2026, ela continuará necessária como sempre e atacada como nunca.

As reações de parte da esquerda à cobertura da imprensa sobre as possíveis relações entre Banco Master e ministros do Supremo tem seguido o roteiro que já conhecemos bem desde a Lava Jato: especular sobre as intenções da própria imprensa e da jornalista, e não sobre o teor do que tem sido noticiado. A lógica é: se a notícia é ruim para o meu lado, então ela é falsa. O mensageiro é mau.

Profecias eleitorais não resistem à realidade. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Os anos de eleição começam cheios de previsões, quase sempre desmentidas pelo inesperado dos fatos

As surpresas acompanham nossas disputas presidenciais desde a primeira delas na nova era democrática

Ano eleitoral é sempre cheio de prognósticos, assim como será o de 2026 prestes a começar. Previsões quase sempre desmentidas pelos fatos, carrascos da reputação de adivinhos.

Alguns desses desmentidos acompanham as eleições presidenciais desde a primeira da nova era democrática.

Quem, em janeiro de 1989, cravaria que em dezembro a batalha final seria travada entre dois novatos no meio de duas dezenas de candidatos experientes tanto nas lides da ditadura quanto na trincheira de oposição ao regime?

Fernando Collor (PRN) bateu Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deixando no ora veja gente como Ulysses Guimarães (PMDB), Mário Covas (PSDB), Paulo Maluf (PDS), Leonel Brizola (PDT) e mais 16 outros concorrentes.

Eduardo Paes joga parado para ganhar a partida. Por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Apostas eleitorais da direita e da extrema direita não conseguem se firmar

Escândalos de corrupção e favorecimento ao crime organizado sepultam candidaturas

"Cai o rei de espadas/ Cai o rei de ouros/ Cai o rei de paus/ Cai, não fica nada". Os versos da canção "Cartomante", de Vitor Martins e Ivan Lins, sucesso na voz de Elis Regina, descrevem a crise política em que o Rio de Janeiro está mergulhado, com a elite do Executivo e do Legislativo envolvida em escândalos de corrupção e favorecimento ao crime organizado.

Direita e extrema direita andam perdidas no lamaçal, sem saber como se posicionar para as eleições de 2026. Os possíveis candidatos ao governo e ao Senado estão caindo como moscas, com risco de não ficar ninguém com expressão na disputa.

Uma questão de ego. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Com Trump, ego presidencial é tão decisivo quanto interesses do país para definir política externa dos EUA

Ações do novo inquilino da Casa Branca já fizeram ordem internacional regredir mais de um século

O problema de os EUA terem se tornado uma republiqueta é que ficou mais difícil prever como a principal potência econômica e militar do planeta se comportará no plano internacional.

Até não muito tempo atrás, presidentes americanos perseguiam aquilo que identificavam como interesses do país, que eram mais ou menos conhecidos. Com Trump 2, o jogo mudou. Hoje, um dos principais fatores a determinar a política externa dos EUA é o ego do presidente, que é volúvel e caprichoso.

Por um 2026 melhor. Por Ivan Alves Filho*

Difícil não concordar com as palavras que se seguem – quase proféticas, aos olhos de hoje –, escritas pelo respeitado homem público San Tiago Dantas, no ano de 1953. São elas: "As massas brasileiras apresentam um grau elevado de amadurecimento, de capacidade de reação individual, e de intuição prática para a existência. As elites, pelo contrário, desadaptadas da vida pelo obsoletismo da educação universitária, aprisionadas nas malhas das ideologias sem adequação existencial, estão comparativamente atrasadas, e representam mesmo, pela sua inaptidão para tarefas objetivas, um dos fatores permanentes de retardamento no processo do nosso desenvolvimento econômico e social. Conseguimos, em verdade, atingir a essa verificação terrível, de que as elites brasileiras estão mais atrasadas do que as massas brasileiras como massas".

Mais atual, impossível. 

Poesia | Carta aos Mortos, de Affonso Romano de Sant'Anna

 

Música | Chico Buarque - Construção

 

segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

Opinião do dia – Eric Hobsbawm* (Importância da política)

Permitam-me dizer, para concluir, porque escolhi, neste capítulo, concentrar-me em Gramsci como teórico político. Não foi só por ele ser um teórico invulgarmente interessante e admirável. Em, decerto, porque ele oferece uma receita para a forma como os partidos e os Estados devem organizar-se. Como Maquiavel, ele é um teórico de como as sociedades deveriam ser fundadas ou transformadas, não de pormenores constitucionais e muito menos das trivialidades de que se ocupam os jornalistas políticos. Foi porque, entre os teóricos marxistas, foi ele quem percebeu com maior clarividência a importância da política como uma dimensão especial da sociedade e porque ele compreendeu que a política envolve mais do que o poder. Isso é de enorme importância prática, e não menos para os socialistas.”

Eric Hobsbawm (1917-2012), “Como Mudar o Mundo”, p. 300 – Companhia das Letras, 2011

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alienação parental exige debate com menos ideologia

Por O Globo

Decisão da CCJ da Câmara que revoga lei poderá criar vazio jurídico. Senadores deveriam corrigir falhas

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou antes do recesso parlamentar a extinção da Lei de Alienação Parental de modo conclusivo, que prescinde da discussão em plenário. É essencial que o Senado se debruce com mais vagar sobre o tema e promova uma ampla discussão em busca de um ponto de equilíbrio entre a extinção, como quer a Câmara, ou a manutenção da situação atual.

O termo “alienação parental” resume as condutas e posturas de casais em separação litigiosa, ou de suas famílias, que usam os filhos para atingir o outro lado no conflito. Entre as práticas condenáveis classificadas pela lei estão: dificultar o contato da criança ou adolescente com pai ou mãe; mudar de endereço sem informar ao outro responsável; criar narrativas falsas para desqualificá-lo; impedir ou dificultar o acesso a informações sobre saúde, escola e outras atividades.

2025: Democracia mostra resiliência em meio à fricção entre Poderes. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 não prosperou porque não houve adesão do Congresso, chancela do Judiciário e apoio das Forças Armadas, apesar dos atritos entre Executivo, Legislativo e Judiciário

Sem grandes ilusões, o Brasil irá às urnas em 2026, provavelmente polarizado entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com sua “economia do afeto”, como diria o historiador Alberto Aggio (A Construção da Democracia no Brasil 1985-2025, editora Annablume e Fundação Astrojildo Pereira-FAP), e o candidato apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que está convalescendo de uma cirurgia e deve voltar a cumprir pena em regime fechado.

Segundo as pesquisas, a maioria dos eleitores está com cansaço, desconfiança e tédio, mas não deixará de votar. Isso não é pouco: a democracia brasileira hoje não promete felicidade cívica, promete apenas evitar o pior pelo simples fato de que existe. Essa polarização parece inexorável, mesmo que as forças de centro-direita consigam remover a candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e/ou lançar um candidato de direita que empolgue os eleitores.

Talvez seja pouco para entusiasmar; no mundo em que vivemos, porém, é muito para preservar. Diante desse cenário, nos resta compreender melhor como foi que chegamos até aqui. O ano de 2025 nos deixa em estado de perplexidade. De um lado, o regime democrático não colapsou, graças à Constituição de 1988, apesar de ter sido submetido a choques sucessivos que, em outros momentos de nossa história, teriam resultado em golpes de Estado. De outro, há evidente mal-estar social, fadiga eleitoral e descrença na política como espaço de participação da sociedade e solução dos problemas do país.

Pessoas que respeitam e que corrompem instituições. Por Bruno Carazza

Valor Econômico

Caso do Banco Master confirma que instituições não são suficientes para preservar a democracia e evitar a corrupção

Muitos atribuem à força das nossas instituições a razão por que a democracia brasileira sobreviveu diante da tentativa de golpe bolsonarista. Segundo essa interpretação, a postura firme do Supremo Tribunal Federal na reação ao 8 de janeiro e a decisão das Forças Armadas de não embarcarem na aventura golpista foram fundamentais para o malogro da séria ameaça autocrática que sofremos.

Quem discorda dessa tese aponta que o desfecho da história seria completamente diferente se Alexandre de Moraes não estivesse na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, ou se o general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Júnior tivessem aderido aos planos de Bolsonaro tal qual seu colega, o almirante Almir Garnier Santos.

Proteção frágil ao BC ameaça a estabilidade. Por Alex Ribeiro

Valor Econômico

Quando as autoridades tergiversam por medo de serem responsabilizadas, as consequências podem ser sérias

O Banco Central não está acima da lei nem isento de prestar contas de seus atos. Mas as recentes iniciativas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) para apurar o caso do Banco Master, da forma como estão sendo executadas, enfraquecem a autonomia da instituição e deixam o país mais vulnerável a crises bancárias.

Os princípios de supervisão de Basileia, um acordo internacional que visa assegurar a estabilidade financeira em todo o mundo, recomendam expressamente que os reguladores e fiscais bancários tenham proteção legal para evitar que deixem de tomar as decisões necessárias por medo de sofrer sanções.

A prescrição é clara: os supervisores só devem responder por suas ações nos casos em que agem com dolo ou má-fé. Não devem se sujeitar a punições quando o Judiciário ou órgãos de controle externo consideram que houve algum erro, seja por imperícia técnica ou por negligência.

Juízes afastados, no Chile. Por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Em dois casos, eles foram destituídos pelo Senado. No terceiro, por seus próprios colegas de tribunal

Três ministros da Suprema Corte do Chile foram afastados de seus cargos no curto período entre outubro do ano passado e dezembro último. Em dois casos, os juízes foram destituídos pelo Senado. No terceiro caso, a magistrada Angela Vivanco foi afastada pelos seus próprios colegas de tribunal. As penalidades foram as mesmas: perda do cargo e inabilitação de cinco anos para exercício de qualquer cargo público.

Os casos foram diferentes, mas com vários pontos de contato. Os parâmetros que se formaram ao longo dos processos ficaram claros: para afastar um magistrado não é necessário provar que ele praticou corrupção (vendendo sentenças, por exemplo), nem que tomou decisões com o objetivo explícito de favorecer parentes ou amigos. Basta a aparência de parcialidade, além da existência de relações familiares ou pessoais impróprias.

São Paulo de mil buracos. Por Miguel de Almeida

O Globo

A degradação urbana não é inevitável, é uma escolha. A cidade ainda é uma grande ideia do homem, mas, sendo invenção humana, vem permeada por seu gênio e por seus demônios

O poeta francês Charles Baudelaire desenvolve o conceito de modernidade a partir das ruas parisienses do século XIX. Ele a pensava como fusão entre o eterno e o transitório, entre o clássico e o fugaz. A rapidez das ferrovias, a percepção de proximidade entre as capitais europeias e os bulevares rasgados pelo Barão Haussmann — tudo isso configura a Paris da modernidade. É quando surge o flâneur, aquele que vaga com o olhar vadio e curioso pelas coisas urbanas.

Na contemporaneidade, esse personagem morreu. Na São Paulo do século XXI, quem tenta flanar precisa esconder o celular dos trombadinhas, desviar dos buracos da calçada e fugir de ciclistas que invadem o passeio. Não há olhar vadio possível — apenas olhar vigilante.

O Brasil da Esperança. Por Irapuã Santana O Globo

O Globo

Enquanto o poder se isola, pessoas comuns usam o brilho da inteligência para resolver o que o Estado ignora

Nos últimos anos, as notícias têm jogado na nossa frente um Brasil de privilégios, em que alguns são mais iguais que os outros. São casos que mostram a completa ausência de ética, moralidade e vergonha por parte de nossas autoridades, de todos os espectros políticos, revelando que a República, de fato, nunca existiu no país. Mas nossa nação não é feita apenas disso. Na verdade, nosso povo é feito de luta e solidariedade, e o dia a dia do Brasil profundo, aquele real, mostra isso.

É nesse Brasil real, longe dos gabinetes de Brasília e dos privilégios de castas, que a verdadeira inovação e a decência florescem. Enquanto o poder se isola, pessoas comuns usam o brilho da inteligência para resolver o que o Estado ignora.

Riscos extremos em 2026. Por Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Grupos trabalham para próxima eleição repetir o clima de polarização extrema e, mais uma vez, sufocar o espaço do centro político

O ano que se aproxima promete ser decisivo para algumas apostas arriscadas na política. No Brasil, existe um esforço evidente, à esquerda e à direita, para recriar o clima de polarização extrema que definiu a eleição presidencial de 2022 e desaguou nos eventos de aspiração golpista após a vitória de Lula. O que se quer, para o pleito de 2026, é mais uma vez sufocar o espaço do centro político.

A soberania do povo. Por Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Se a questão venezuelana chegou ao ponto em que está, isso se deve à própria esquerda, que reconhece em Maduro um líder revolucionário e é conivente com a repressão

O cerco do governo Trump à ditadura de Nicolás Maduro, devendo-se tratar o dito presidente como tirano que é, tem suscitado questões relativas à soberania da Venezuela diante da ameaça de uma potência estrangeira. É como se os problemas desse país se reduzissem a ações intempestivas do presidente Trump, aproveitando-se a esquerda para se arvorar em defensora de um “povo” prestes a ser invadido, algo que caberia num esquema conceitual mecânico de uma esquerda pobre de conceitos. Procura-se passar para baixo do tapete, uma mera sujeira a ser escondida, a brutal repressão do verdadeiro povo venezuelano, submetido à tortura, à fome, à ausência total de liberdades e à violência de um governo revolucionário.

Retrospectiva política 2025. Por Lara Mesquita

Folha de S. Paulo

Chegamos ao final do ano em um cenário ambíguo após reviravoltas

Verão será de intensas articulações políticas para a definição das candidaturas nas eleições de 2026

O ano de 2025 foi de reviravoltas políticas no Brasil. Chegou-se a decretar o fim do governo Lula nos primeiros meses; com o tarifaço e a queda no custo dos alimentos, a popularidade do presidente voltou a crescer em meados do ano. Chegamos ao final do ano em um cenário mais ambíguo.

Por um lado, o anúncio da candidatura de Flávio Bolsonaro e a provável retirada do governador de São Paulo da corrida presidencial em 2026 foram vistos como um bom presságio para Lula. Por outro, a aprovação do Orçamento de 2026, com a obrigação de execução de grande parte das emendas no primeiro semestre, e a confirmação de que as derrubadas de vetos presidenciais atingiram patamares históricos pintam um cenário de maior dificuldade para o presidente no último ano de governo.

Saldo positivo. Por Ana Cristina Rosa

Folha de S. Paulo

Fortalecimento do sistema democrático implica a defesa dos interesses do povo, o que faz da democracia algo incompatível com o racismo

Neste ano, o STF reconheceu que existe uma violação sistemática dos direitos fundamentais da população negra no Brasil

Para um ano que começou com um prefeito reeleito democraticamente discursando em favor da "liberdade de expressão em defesa da ditadura militar" durante a posse, 2025 termina com saldo positivo em termos de defesa da democracia no Brasil. A resposta tenaz à "Intentona Bolsonarista" –com a condenação à prisão de 29 dos 31 acusados na trama golpista– demonstra prevalência do respeito à Constituição.

Como explicar crença nos Bolsonaro, vistos como burros? Por Bernardo Carvalho

Folha de S. Paulo

Trabalho de campo em seita de lunáticos, que deu origem ao conceito de dissonância cognitiva, teve série de falhas

Apesar da circularidade, a teoria ainda ajuda a explicar o comportamento suicida de quem crê que nunca perde

Leio no site da revista The New Yorker que já não é possível explicar o bolsonarismo (ou qualquer outra aberração lógica) pela teoria da dissonância cognitiva, conceito-chave da psicologia social dos anos 1950 e que desde então tem servido para explicar quase tudo o que parece incompreensível no comportamento humano.

O conceito foi afinado com base na pesquisa sobre uma seita de lunáticos que acreditavam em discos voadores. A recente divulgação do arquivo pessoal de um dos três autores do estudo de 1956, Leon Festinger, revelou entretanto que suas conclusões estavam contaminadas por uma série de falhas e inconsistências do trabalho de campo.

E então que quereis, de Vladimir Maiakovski

 

Música | Chico Buarque & Milton Nascimento - Cálice

 

domingo, 28 de dezembro de 2025

Opinião do dia – Keynes*

“Dei a minha teoria o nome de teoria geral. Com isso quero dizer que estou preocupado principalmente com o comportamento do sistema econômico como um todo - com a renda global, com o lucro global, com o volume global da produção, com o nível global de emprego, com o investimento global e com a poupança global, em vez de com a renda, o lucro, o volume da produção, o nível do emprego, o investimento e a poupança de ramos da indústria, firmas ou indivíduos em particular. E afirmo que foram cometidos erros importantes ao se estender para o sistema como um todo as conclusões a que se tinha chegado de forma correta com relação a uma parte desse sistema tomada isoladamente.

Acredito que economia em toda parte, até recentemente, tinha sido dominada, muito mais do que compreendida, pelas doutrinas associadas ao nome de J.B. Say. É verdade que a “lei dos mercados” dele já foi abandonada há tempo pela maioria dos economistas, mas eles não se livraram de seus postulados básicos, particularmente de sua ideia errônea de que a demanda é criada pela oferta. Say estava supondo implicitamente que o sistema econômico está sempre operando com sua capacidade máxima, de forma que uma atividade nova apareceria sempre em substituição e não em suplementação a alguma outra atividade. Quase toda a teoria econômica subsequente tem defendido, no sentido de que ela tem exigido, esse mesmo pressuposto. No entanto, uma teoria com essa base é claramente incompetente para enfrentar os problemas do desemprego e do ciclo econômico. Talvez eu possa exprimir melhor a meus leitores franceses o que apregoo sobre este livro dizendo que na teoria da produção ele é uma ruptura radical com as doutrinas de J. B. Say e que na teoria dos juros ele é um retorno às doutrinas de Montesquieu.”

*John Maynard Keynes (1883-1946). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, - Prefácio à Edição Francesa, p. 10-1. Nova Cultura, S. Paulo, 1985.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Partidos são porta para infiltração do crime na política

Por O Globo

Caso TH Joias expôs contaminação profunda das instituições. Legendas têm papel vital para combatê-la

Ao comparecer à CPI do Crime Organizado, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, relatou ter apelado aos presidentes de partidos para fazer uma “triagem” que evite, nas eleições do ano que vem, candidaturas ligadas a organizações criminosas. É sem dúvida uma iniciativa correta, mas é triste que o Brasil tenha chegado a ponto de isso ser necessário. O avanço alarmante da criminalidade já há algum tempo dá sinais de infiltração na economia formal e nas instituições da República. A porta de entrada na vida pública são os partidos, e é por meio deles que a contaminação avança pela política. Detê-la é urgente.

As palavras e as coisas. Por Luiz Sérgio Henriques

O Estado de S. Paulo

A paixão desmedida, desregrada mesmo, é a que hoje move tiranos, ou aspirantes a tirano, a destruir conquistas civilizatórias essenciais

Não é simples passatempo a atenção que dispensamos às tais “palavras do ano” escolhidas por tradicionais publicações e instituições lexicográficas. E não é por acaso, pois as palavras nos moldam como sujeitos, estruturam nossa percepção do mundo, das pessoas e das coisas. Vagando tantas vezes pelas redes, sentimos o efeito das rage baits, as “iscas” que provocam uma raiva impotente. Sofremos o impacto do slop, o lixo digital que escorre com o furor das tempestades. Suportamos a carga negativa de imaginárias parasocial interactions, em que o interlocutor não é um ser corpóreo, real, e sim uma celebridade que nos ignora por completo ou mesmo um agente virtual qualquer.

O lirismo cult de ‘O que será?’ e a esperança que renasce a cada ano-novo Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A canção descreve algo que move a vida e vem do corpo, do desejo, da folia e da angústia, presente em todos os lugares: do sagrado ao profano, do íntimo ao coletivo

Um dos momentos mais sublimes da cultura brasileira foi a gravação ao vivo de O que será? (À flor da pele) por Milton Nascimento e Chico Buarque, no programa Chico & Caetano, exibido em 14 de março de 1987. O encontro histórico cristalizou um instante raro da música brasileira: dois artistas em sintonia plena, interpretando a canção lançada no álbum Meus caros amigos. A abertura vocal profunda e comovente do artista, que Elis Regina resumiu na frase “Se Deus cantasse, seria com a voz do Milton”, e o olhar marejado de Chico ao iniciar o dueto compõem uma cena antológica, dessas que eternizam os artistas e suas obras.