segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Opinião do dia - Luiz Werneck Vianna*

“O horizonte que se revela para o governo Lula-Alckmin, diante dessa cultura antidemocrática que germinou entre nós, reclama por ações ainda mais inventivas e audaciosas do que as mobilizadas na vitoriosa disputa eleitoral. Nesse objetivo, o raio de ação da frente política a dar sustentação ao governo deve sondar, sem qualquer limitação, todas as possibilidades de expandir seu âmbito no sentido de incorporar todo aquele que recuse o fascismo como ideologia política. Nesse sentido, o agrupamento político conhecido como o Centrão e demais forças representativas do conservadorismo brasileiro, inclusive as que na disputa eleitoral se alinharam à candidatura Bolsonaro, devem ser objeto de interpelações em pautas específicas por parte do governo democrático.”

“(...)Remover raízes tão fundas leva tempo e exige coragem, sabedoria e prudência, virtudes presentes nos articuladores, Lula à frente, que souberam nos levar à vitória sobre as hostes fascistas na sucessão presidencial. O mesmo caminho deve guiar o nascente governo democrático, pautando cada passo no sentido de devolver ao país os rumos de que fomos desviados em busca do reencontro com os ideais civilizatórios de que um governo criminal tentou nos afastar.”

*Luiz Werneck Vianna (1938-2024) Sociólogo, “Remover as raízes do fascismo”. Blog Democracia Política e novo Reformismo, 5.11.22

 

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Sensatez deve prevalecer no PL da Dosimetria

Por O Globo

Qualquer anistia seria inaceitável. Senadores devem fechar brechas abertas pelos deputados no texto

A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada o Projeto de Lei (PL) da Dosimetria, que altera o cálculo de penas para crimes contra o Estado Democrático de Direito e, na prática, abre caminho à redução do tempo de permanência na prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos demais condenados por tentativa de golpe de Estado e pelos ataques do 8 de Janeiro. A aprovação do PL, numa sessão que se estendeu pela madrugada, se deu por larga margem de votos (291 a 148).

Eram legítimas as críticas às penas aplicadas a alguns dos condenados pelo 8 de Janeiro, demasiadamente severas. Isso ficou patente no caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, sentenciada a 14 anos de prisão por ter pichado a estátua na frente do Supremo Tribunal Federal (STF) — hoje ela está em prisão domiciliar. Mas é essencial que mentores, financiadores e organizadores, mesmo com penas menos severas, respondam pelos crimes graves que cometeram com punição proporcional à gravidade de seus atos. Seria inaceitável qualquer forma de anistia. Funcionaria como incentivo ao golpismo e seria uma afronta à Constituição. Por isso é necessário desde já repudiar os devaneios que rondam o Senado — para onde o projeto foi encaminhado — com o objetivo espúrio de anistiar os condenados, livrando-os de qualquer tipo de punição.

Esquerdas, política e guerra. Por Paulo Fábio Dantas Neto*

Menos do que uma análise histórica e mais do que uma sessão de striptease político (será que ainda se usa esse termo antigo?) do colunista, este texto, tendo algo dessas duas coisas, será em parte um depoimento que posso dar, como alguém que já participou e hoje apenas estuda a política brasileira, mas durante todo o tempo nunca deixou de gostar dela, e por isso a sente, observa e analisa.  Será extenso, para um artigo que deveria ser mais breve, talvez enfadonho para quem está, ao contrário de mim, persuadido de que um novo Brasil começou com Lula, acabou com Bolsonaro e, com a prisão do segundo e a continuidade política do primeiro, pode ressuscitar. Aviso logo, para quem achar que do destino político desses dois personagens anacrônicos depende atualmente o futuro político do país.

As Provações da Democracia. Por Ricardo Marinho*

É verdade que o voto obrigatório tem tido um efeito quase milagroso, hora no aumento, hora na manutenção do número de cidadãos votantes. Espera-se que isso reflita um interesse genuíno dos cidadãos em diversos projetos para o bem comum, mas isso não é claro, tampouco fático. Ao contrário, as pessoas estão simplesmente cumprindo o ato de votar, que é positivo em si mesmo, mais como um dever sujeito a punição do que como um exercício entusiástico com um direito participativo que fomenta convicção e esperança, com um espírito mais reflexivo do que movido por interesses e sentimentos puramente passionais, medos, ressentimentos e desconfianças.

Olhei no espelho e me espantei com o que vi. Por Bruno Carazza

Valor Econômico

Livro Brasil no Espelho, de Felipe Nunes, mostra um país de uma forma que pode levar a conclusões enganosas ao primeiro olhar

Para a maioria das pessoas não é agradável se olhar no espelho. E foi essa sensação de desconforto que ficou após a leitura de Brasil no Espelho, livro candidato a best seller de autoria de Felipe Nunes e que acaba de ser lançado pela Globo Livros.

Baseado numa pesquisa com quase 10 mil pessoas (amostragem muito superior ao comum em pesquisas de opinião e eleitorais) e cobrindo um amplo espectro de questões sobre como o brasileiro se vê e percebe o país ao seu redor, a obra traz insumo valiosíssimo para discutirmos o Brasil.

Sem os filtros das redes sociais, a imagem que se revela ao espelho quase nunca nos deixa contentes, ainda mais sem maquiagem. No caso, o país revelado por Felipe Nunes - que é sócio da Quaest, instituto que conduziu a pesquisa - o Brasil não é apenas conservador, com a família acima de tudo e Deus acima de todos.

Juros caem antes de ancorar as expectativas? Por Alex Ribeiro

Valor Econômico

Política monetária mais austera dificilmente será bem-sucedida em coordenar expectativas de inflação sem ajuda da política fiscal

Os analistas econômicos, de forma geral, preveem que o Banco Central vá começar a cortar os juros em janeiro ou, no mais tardar, em março. Mas o trabalho não está completo: as expectativas de inflação estão acima da meta.

Seria o caso de cortar os juros mesmo com as expectativas desancoradas? Em 2023, o BC iniciou um ciclo de distensão nessas condições e, depois, teve que reverter. O Brasil se beneficiou de dois períodos de juros e inflação baixos quando o BC domou as expectativas, nas gestões Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn. Mas só foram bem-sucedidos porque tiveram a ajuda da política fiscal.

Atos contra PL da dosimetria têm críticas ao Congresso e a Motta

Por Joelmir Tavares, Kariny Leal e Caetano Tonet / Valor Econômico

Protestos em São Paulo e no Rio somam cerca de 30 mil, menos da metade do público de manifestações contra a PEC da blindagem

Manifestantes participaram no domingo (14) de atos contra o projeto de lei (PL) da dosimetria, que prevê redução de penas para condenados por golpe de Estado, como o ex-presidente Jair Bolsonaro. Os protestos foram convocados por movimentos sociais e partidos de esquerda e ocorreram nas principais capitais do país, como São Paulo, Rio e Brasília. Além do mote “sem anistia”, os eventos foram marcados por críticas ao Congresso e, especificamente, ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Em São Paulo e no Rio, as manifestações reuniram menos pessoas do que as organizadas contra a PEC da blindagem, realizadas em setembro, segundo levantamentos do Monitor do Debate Político do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), uma parceria da Universidade de São Paulo (USP) com a ONG More in Common, que calcula os públicos nas duas cidades a partir de fotos aéreas analisadas com software de inteligência artificial.

Os agentes secretos. Por Miguel de Almeida

O Globo

A arte deixou de ser julgada por critérios estéticos e virou campo de batalha identitário

Assim como existe o voto urso — você abraça um candidato e vota noutro —, os tempos woke nos forçam a dizer que gostamos de um filme quando, na verdade, o achamos bem médio. É o caso de “O agente secreto”, dirigido por Kleber Mendonça Filho, cuja narrativa é desencapada, mas aplaudida pela crítica por estar cheia de citações. A situação lembra o comentário de Paulo Francis sobre “Terra em transe”, de Gláuber Rocha, quando a crítica era pesadamente a favor da obra:

— O filme é uma bosta, mas o diretor é um gênio.

Que tal um salário mínimo de R$ 7 mil? Por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Políticas sociais bem-intencionadas podem, sim, causar desastres. É o caso da redução da jornada de trabalho

O salário mínimo sobe para R$ 1.621 a partir de janeiro próximo. Pode-se dizer que esse valor é inconstitucional. Cabe alguma ação junto ao STF para obrigar os empregadores brasileiros, inclusive o governo, a pagar um mínimo de R$ 7.067,18.

Está na Constituição, artigo 7º, inciso IV, que todo trabalhador tem direito a um salário mínimo “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”.

Família-padrão é o casal com dois filhos. E está na cara que os R$ 1.621 não atendem àquelas necessidades. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) é a fonte do cálculo que fixa o mínimo naqueles R$ 7.067. O leitor pode perguntar: como é que ninguém teve a ideia de apelar ao STF?

Flor da exceção. Por Irapuã Santana

O Globo

Valorizar uma menina, desde tão pequena, ajuda a construir uma adulta com boa autoestima e confiante para ir atrás do que deseja

Tenho uma filha. Ela se chama Beatriz e tem 5 anos. Uma das coisas que desenvolvi ao longo da jornada da paternidade foi a habilidade de tentar ver o mundo a partir dos olhos dela. Isso me fez crescer como pessoa e como homem. Também trouxe algumas reflexões, que hoje gostaria de compartilhar.

No Dia da Criança, dei a ela uma bicicleta linda. Pesquisei, juntei dinheiro para comprar, montei e fomos para o parque andar. Aí surge um pensamento intrusivo: dados do Strava, de 2023, revelam que, no mundo, mulheres passam 55% menos tempo pedalando que os homens. No Brasil, esse número chega a 37%, em linha com a disparidade de gênero observada globalmente. Um dos motivos relevantes para essa diferença é o assédio e a importunação sexual. Segundo o Perfil do Ciclista Brasileiro de 2024, pesquisa realizada pela Transporte Ativo, em São Paulo 65,7% das mulheres, e em Belém 67,7% já sofreram algum tipo de agressão ou importunação enquanto pedalavam. Então, será que realmente vale a pena ensinar algo que ela dificilmente usará quando estiver mais velha?

O STF e a esquerda. Por Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Com notórias exceções, a esquerda prefere ignorar ou justificar os conflitos de interesse na Corte

Milhares de pessoas foram às ruas de diversas capitais neste domingo, 14, convocadas por organizações de esquerda. A maior fonte de indignação dos manifestantes, conforme expresso nas faixas e nos cartazes, era o Congresso Nacional — principalmente por causa do PL da Dosimetria, cujo intuito é reduzir o tempo de cadeia de Jair Bolsonaro e outros condenados por tentativa de golpe de Estado. Foram atos mais minguados do que os de 21 de setembro passado, contra a infame PEC da Blindagem, que pretendia proteger deputados e senadores de processos.

Dose, remédio e veneno. Por Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

A justiça propriamente dita é feita pelo PL da Dosimetria, que restabelece o equilíbrio entre o ato e sua condenação

Qualquer medicamento, para produzir o resultado almejado, deve ser dado na dose certa, sob pena de virar veneno, algo nocivo e, inclusive, mortal para o organismo. Doses excessivas produzem um desarranjo no corpo, um desequilíbrio, com seus efeitos se afastando daquilo que era pretendido. De cura de uma doença, pode tornar-se um prejuízo à saúde.

A votação do PL da Dosimetria é uma amostra das consequências políticas que podem acarretar, em dose proporcional, para o bem do Brasil, corrigindo injustiças e indicando para uma pacificação das relações políticas e partidárias. Não tem o menor cabimento equiparar as ações dos vândalos de 8 de janeiro com a tentativa propriamente dita de golpe de Estado, nem dosimetria com anistia, como muito bem assinalado por editorial desse jornal, A Câmara fez a coisa certa (11/12, A3). Os que procuram apagar essa distinção essencial procuram apenas impor a sua própria narrativa, segundo seus interesses políticos.

O mau conselho do Conselhão. Por Ernesto Tzirulnik e Luiz Gonzaga Belluzzo

O Estado de S. Paulo

O nome desse jogo que o Conselhão não jogou é segurança econômica nacional, e não neoliberalismo radical

O Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão, em reunião ocorrida em 4 de dezembro, encaminhou inúmeras propostas à Presidência da República. Elas seriam destinadas a concretizar diversos eixos do desenvolvimento social e econômico do País.

Uma delas seria a “nova Lei de Direito Internacional Privado”. Esse projeto é um desastre para a economia brasileira. Ele prevê uma hiperliberalização da ordem jurídico-econômica, num grau que nem mesmo os governos FHC, Temer e Bolsonaro ousaram sugerir.

A proposta aponta para esse assombroso caminho no ano de 2025, quando o movimento da economia mundial vai, todo ele e com razão, no sentido inverso, com inúmeras políticas de retomada de incentivo ao desenvolvimento das indústrias nacionais; de defesa da soberania econômica; de criação de instituições que deem aos países e seus mercados internos mecanismos de coordenação que os protejam contra as agruras da disputa entre EUA e China, contra as inconstâncias do volátil estrangeiro e perante riscos ainda desconhecidos mas de ocorrência certa, como pandemias ou catástrofes ecológicas.

Pesquisa indica que o centro político revê expectativas para 2026. Por Lara Mesquita

Folha de S. Paulo

Mudança de expectativas entre deputados de centro afeta alianças e estratégias eleitorais

Deputados de esquerda (lulistas ou não) e de direita (bolsonaristas ou não) divergem em praticamente tudo

Foi divulgada na semana passada pesquisa Genial/Quaest com deputados federais. A pesquisa questiona os legisladores sobre temas diversos, e uma constante é como deputados de esquerda (lulistas ou não) e deputados de direita (bolsonaristas ou não) divergem em praticamente todos os temas: da avaliação do STF à escala 6x1, da taxação de fintechs à indicação de favoritismo na eleição de 2026 e à resposta ao tarifaço de Trump.

Alguns pontos se destacam na pesquisa, seja pelas raras convergências entre esquerda e direita, seja pela mudança de ventos entre os deputados de centro.

Tensões no Supremo Tribunal Federal. Por Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Corte passou do combate à corrupção à defesa da democracia e agora o tema começa a afetá-lo diretamente

Os alinhamentos tácitos entre o STF, o Legislativo e o Executivo também mudaram e estão sendo tensionados

Nas duas últimas décadas o Supremo sofreu transformações cruciais: passou do combate à corrupção à defesa da democracia; logrou fazer aliança tácita com o poder legislativo contra o poder executivo, para depois alinhar-se a este último; tem assumido paulatinamente perfil político e não judicial para o que contribuiu o padrão personalístico de nomeações sob os governos do PT e Bolsonaro.

Poesia De que serve a Bondade, de Bertolt Brecht

 

Música | Moacyr Luz & Samba do Trabalhador - A Reza do Samba

 

domingo, 14 de dezembro de 2025

Opinião do dia – Karl Marx* (Democracia)

“Hegel parte do Estado e faz do homem o Estado subjetivado; a democracia parte do homem e faz do Estado o homem subjetivado. Do mesmo modo que a religião não cria o homem, mas o homem cria a religião, assim também não é a constituição que cria o povo, mas o povo a constituição. A democracia, em um certo sentido, está para as outras formas de Estado como o cristianismo para outras religiões. O cristianismo é a religião ’preferencialmente’, a essência da religião, o homem deificado como uma religião particular. A democracia é, assim, a essência de toda constituição política, o socializado como uma constituição particular; ela se relaciona com as demais constituições como gênero como suas espécies, mas o próprio gênero aparece, aqui, como existência e, com isso, como uma espécie particular em face das existências que não contradizem a essência. A democracia relaciona-se com todas as outras formas de Estado como com seu velho testamento. O homem não existe em razão da lei, mas a lei existe em razão do homem, é a essência humana, enquanto nas outras formas de Estado o homem é a existência legal. Tal é a diferença fundamental da democracia."

*Karl Marx (1818-1883), Critica da filosofia do direito de Hegel, p.50. Boitempo Editorial, 2005

 

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Brasil reforça desigualdade com gasto e juros altos

Por Folha de S. Paulo

Governo Lula busca justiça tributária, mas impede avanço ao favorecer rentismo com despesas descontroladas

Serão R$ 1 tri em juros pagos neste ano a quem tem dinheiro aplicado, o que estimula perpetuação de desigualdades via 'financeirização'

A desigualdade é traço característico da história da humanidade, e soa utópica uma configuração igualitária entre todos do ponto de vista econômico. A maior tentativa de experiência moderna nesse sentido foi a falida União Soviética, que acabou aderindo ao sistema capitalista no início dos anos 1990.

Afinal, alguns indivíduos ousam mais do que outros, correm riscos e acabam recompensados por criar oportunidades e invenções que os enriquecem, ao mesmo tempo em que espraiam bem-estar social com produtividade.

É bom o Brasil sair às ruas. Por Dorrit Harazim

O Globo

Sobram motivos para a crescente ira cívica diante do apodrecimento moral, ético e político da Casa do Povo

Uma parte do Brasil promete ir às ruas hoje. A esbórnia encenada na Câmara acéfala do minúsculo Hugo Motta, e pela liderança ressentida de Davi Alcolumbre no Senado, conseguiu atropelar o torpor nacional. Truculência institucional à parte, o estopim para a convocação dos movimentos sociais de esquerda foi a aprovação do PL da Dosimetria, que reduz as penas para condenados nos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro, enxugando para pouco mais de 36 meses os 27 anos de prisão do chefe da quadrilha e ex-presidente, Jair Bolsonaro.

Sobram, portanto, motivos para a crescente ira cívica diante do apodrecimento moral, ético e político da Casa do Povo. Mas indignação sem ação serve apenas para aplacar a consciência do indignado — libera-o da obrigação de analisar como chegamos a este nível de apodrecimento. Ir às ruas empunhando um cartaz “Congresso Inimigo do Povo” é fácil, porém quase suicida — equivale ao direitista “STF Inimigo do Povo”. Bem mais eficaz é tomar as ruas nomeando quem julgamos indignos do voto recebido e trabalhar para que não sejam reeleitos.

País em transe. Por Merval Pereira

O Globo

Ministro do STF viajar de jatinho particular de empresário com advogado de banqueiro corrupto é uma versão moderna dos favores dos senhores de engenho.

O cineasta Glauber Rocha esteve presente na boca de repórteres, comentaristas e locutores na semana passada, quando a crise institucional estava em seu auge. Tratou-se de um lapsus linguae coletivo, erro acidental que altera o sentido do que se quer falar considerado pela psiquiatria expressão de pensamentos reprimidos. O objeto dos comentários era a cassação do deputado do Psol Glauber Braga, mas o ambiente político era o dos filmes do outro Glauber, que muitos anos antes, na década de 1960, mostrou nas telas em filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol ou Terra em Transe as trapaças dos deputados corruptos, dos empresários venais, dos donos de terras que exploram os trabalhadores, o mesmo panorama que, 65 anos depois, nos confronta hoje.

Entre as dores e as artes do Brasil. Por Míriam Leitão

O Globo

A arte vira abrigo em uma semana de tensão institucional entre os Três Poderes e afrontas ao Estado de Direito

A literatura e o teatro me protegeram enquanto eu atravessava a tormentosa semana que passou. Conflitos entre poderes chegaram ao nível de se temer pela firmeza dos edifícios. Uma ventania, que lembrou ciclone, varreu São Paulo avisando que os extremos do clima chegaram. No domingo, li “Coração sem medo” de Itamar Vieira Junior e, logo de início, me encantei com esta frase: “As águas, as águas daquele instante, correm para sempre e sem destino”.

Nos dias da semana, o Congresso nos deu seguidas razões para a descrença. Na terça-feira, as cenas de briga física no arranca-deputado da cadeira da presidência da Câmara foram inomináveis. Votações ruins na madrugada informaram que o parlamento brasileiro espera os eleitores dormirem para sorrateiramente cumprir seus desígnios. A quinta-feira amanheceu sobre o nosso espanto porque a Câmara havia ultrapassado todos os limites, atacando uma das bases fundantes do Estado de Direito: a de que ordem judicial se cumpre.

A doutora Viviane Moraes e o Master. Por Elio Gaspari

O Globo

O repórter Lauro Jardim revelou no último dia 7 que a Polícia Federal (PF) encontrou na papelada do Banco Master um contrato de honorários do escritório da advogada Viviane Barci de Moraes.

Dois dias depois, a repórter Malu Gaspar deu detalhes do negócio:

O contrato entre o escritório da doutora Viviane e o banco do doutor Daniel Vorcaro previa uma remuneração total de R$ 129 milhões ao longo de 36 meses. Isso daria o pagamento de R$ 3,6 milhões mensais, e uma mensagem capturada pela PF indica que o doutor Vorcaro instruiu sua tesouraria para dar prioridade aos pagamentos ao escritório.

A banca da doutora Viviane atuou em pelo menos um caso, com uma equipe de dez advogados, entre os quais estavam seu filho e sua filha.

Viviane Barci de Moraes é a mulher do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A equipe de Malu Gaspar procurou o escritório da doutora, representantes do banco e o próprio ministro Alexandre de Moraes. Silêncio total.

Em maio de 2024 o banco Master custeou uma farofa londrina que incluía um painel enfeitado pelo ex-primeiro ministro Tony Blair, um farofeiro cosmopolita. O ministro Alexandre de Moraes esteve em painéis do evento.

O governo Boric, sucessão chilena e isolamento de Lula. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

As eleições no Chile simbolizam o esgotamento de um ciclo da esquerda latino-americana, que não traduziu vitória eleitoral em hegemonia social e avanço econômico

Os chilenos vão às urnas hoje para escolher seu novo presidente. À noite saberemos quem ganhou as eleições, se Jeannette Jara — militante comunista, representante das esquerdas — ou José Antônio Kast — líder extremista do Partido Republicano, candidato das direitas. O presidente do Chile, Gabriel Boric, encerra um ciclo político no qual governos de centro-esquerda e centro-direita, desde a redemocratização, se alternaram no poder. Nada será como antes no Chile.

O fracasso do governo Boric expressa o esgotamento de um projeto pautado pela promessa de renovação geracional e moral, que se perdeu entre maximalismos identitários, incapacidade de construir maiorias sociais estáveis e uma leitura equivocada das prioridades chilenas após o chamado "estalido social", que durou de 2019 a 2021. Ao fim de quatro anos, Boric entrega um país mais inseguro, politicamente fragmentado e desconfiado do Estado, sem ter conseguido converter seu capital simbólico renovador em governabilidade efetiva.

‘Boa sorte’, Flávio! Por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Flávio livra Tarcísio da armadilha de Lula, que o trata como ‘candidato de Bolsonaro’

Ao retirar a Lei Magnitsky de Alexandre de Moraes e sua mulher, Viviane, Donald Trump decretou o isolamento de Jair Bolsonaro, encerrou a carreira de traidor da Pátria do 03, Eduardo, e deixou a candidatura (ou “candidatura”) do 01, Flávio, à Presidência ainda mais desamparada. Lula agradeceu a Trump, mas quem faz a festa é o Centrão. Por ora.

Gilberto Kassab, do PSD, sigla do Centrão que tem mais municípios no País, deu a deixa. Na véspera do recuo do presidente americano, Kassab desejou um protocolar “boa sorte” a Flávio e declarou apoio a Tarcísio de Freitas (SP), com o cuidado de citar os também governadores Ratinho Jr. (PR) e Eduardo Leite (RS) como planos B e C.

Emprego, inflação e governo em nova disputa. Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Apesar do crescimento recente, é muito arriscado apostar em condições favoráveis no futuro próximo

Mais empregos, mais consumo e mais comida são os dados mais positivos no final do terceiro ano do atual mandato do presidente Lula, mas a qualidade dos empregos tem sido contestada e o mercado aponta insegurança nas contas públicas. Os 4,46% de inflação nos 12 meses até novembro indicam algum avanço na contenção dos preços. Mas essa taxa está muito próxima do teto da meta, 4,5%, e dificulta a redução dos juros. A taxa básica de 15% fixada pelo Banco Central deverá permanecer até o começo do ano e depois será reduzida lentamente, se nenhuma faísca reavivar a inflação. Há quem proponha o abandono da meta de 3% com tolerância de 1,5 ponto porcentual, mas a mudança pode ser perigosa, se resultar em maior tolerância a desarranjos das contas públicas.

Trump busca distensão com Brasil. Por Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Decisões de Trump, de adotar ou retirar sanções, se restringem a cálculos políticos do presidente

A decisão de retirar Alexandre de Moraes e sua mulher Viviane Barci da lista de sancionados pela Lei Magnitsky é parte da mudança radical na estratégia de Donald Trump para o Brasil. A aprovação do projeto de lei que reduz as penas para os acusados de tentativa de golpe, incluindo Jair Bolsonaro, explica o timing do anúncio, mas não a decisão em si, que já estava tomada.

Até porque o projeto ainda pode ser vetado por Lula. Se o governo americano quisesse ir em outra direção, poderia usar o escândalo envolvendo a contratação milionária de Viviane pelo banco Master, como pretexto até para adotar sanções secundárias contra bancos e empresas que prestam serviços ao casal.

Relação entre Motta e Lira azeda com sequência de crises. Por Beatriz Roscoe

Valor Econômico

Ex-presidente da Câmara afirmou a aliados que era preciso "reorganizar" a Casa

A relação entre o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e seu antecessor, Arthur Lira (PP-AL), voltou a azedar na última semana, após declarações de Lira a aliados em que classificou a Câmara como uma “esculhambação” e disse que era preciso “reorganizar” a Casa. Motta rebateu dizendo que a Presidência da Casa não deve servir como “ferramenta de revanchismo”.

Mesmo assim, os dois estiveram juntos na sexta-feira (12), depois de a Polícia Federal (PF) vasculhar o gabinete na Câmara de uma ex-assessora de Lira. A investigação, conduzida pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), mira irregularidades em emendas parlamentares.

O novo sistema político corrupto. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Todas as grandes operações recentes de polícia e Justiça esbarram na cúpula do poder

Além da roubança, caso das emendas deturpa eleições, votações parlamentares e negócios

O deputado federal Arthur Lira (PP-AL) e o senador Ciro Nogueira (PP-PI) comandaram o semipresidencialismo de avacalhação de Jair Bolsonaro, a partir de 2021. Lira era presidente da Câmara; Nogueira, ministro da Casa Civil. Tentam manter o mando puxando por exemplo as cordinhas que movimentam o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que se enrola no barbante.

Poderosos têm muitos amigos, assessores, indicados e aliados. Lira e Nogueira são uns azarados, por assim dizer. Seus companheiros aparecem na mira de investigações como Carbono OcultoPoço de Lobato, Banco Master e, nesta semana, em mais uma rodada de apuração do rolo das emendas parlamentares.

Trump larga Bolsonaro. Por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Sem a perspectiva de uma vitória fácil e barata, Trump deixou o Brasil de lado

A democracia brasileira ganhou sua queda-de-braço com a superpotência, mas continua ameaçada pelos bolsonaristas

É cedo para dizer que Trump não causará mais problemas ao Brasil, mas o líder americano já não parece disposto a nos causar problemas por causa de Jair Bolsonaro.

Na sexta-feira (12), o governo Trump retirou Alexandre de Moraes e sua esposa da lista de sancionados pela Lei Magnitsky. Jair continua em cana.

A dupla de palhaços Bananinha e Pauleta havia prometido para Trump uma vitória fácil e barata no Brasil. Segundo a cascata que vendiam, a população brasileira estava prestes a se revoltar contra Lula e o STF porque acreditava que a eleição de 2022 havia sido roubada. Em 2022, diziam, Jair teria tentado se rebelar contra isso, sem, entretanto, conseguir apoio do governo Biden. Se Trump acendesse a fagulha, mentiam Bananinha e Pauleta, o Brasil explodiria em uma revolta que instauraria em Brasília um governo 100% dócil diante dos Estados Unidos.

Com disputa entre Poderes, Brasil vive baderna institucional. Por Christian Lynch

Folha de S. Paulo

Colapso do presidencialismo de coalizão implodiu modelo de governabilidade e abriu caminho para Executivo fraco

Centrão se apropriou do Orçamento federal e busca, em afronta ao STF, absoluta impunidade de seus membros

[RESUMOEm análise da conjuntura política do país, autor argumenta que reconstruir um modelo de governabilidade estável se tornou inviável, já que cada Poder busca reafirmar a sua supremacia sem um pacto mínimo de convivência. Enquanto o Executivo busca recuperar seu poder de agenda, o STF resiste a perder espaço, a extrema direita bolsonarista tenta voltar à Presidência e o centrão se empenha em consolidar sua hegemonia no Congresso.

O artigo 2º da Constituição afirma que os Poderes da República são "independentes e harmônicos entre si". Trata-se de uma quimera: se são independentes, não são automaticamente harmônicos e, se pretendem sê-lo, precisarão moderar essa independência.

A harmonia institucional não decorre do texto constitucional, mas de modelos de governabilidade criados a partir de sua interpretação —modelos capazes de coordenar expectativas, prerrogativas e ambições de cada Poder, criando previsibilidade em suas relações. Quando esses modelos existem, o regime constitucional respira; quando se desfazem, o país entra em espiral de instabilidade.

Transparência afugenta as excelências. Por Dora Kramer

Folha de Paulo

O Supremo cobra correção a todos, mas não enquadra os seus às boas práticas da ética do comportamento

Negação ao código de conduta submete STF à lógica do faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço

Supremo Tribunal Federal cumpre seu dever quando avaliza atuação do ministro Flávio Dino no encalço dos parlamentares que violam requisitos de transparência e absoluta correção no uso das emendas ao Orçamento.

Parte do tribunal, contundo, prefere que os outros façam o que dizem os juízes, mas os deixem livres para fazerem o que bem entendem. É o que se depreende da resistência à criação de um código para regular condutas no exercício da magistratura.

Um clã bizarro no palco eleitoral. Por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Briga da família Bolsonaro lembra "A Megera Domada", uma das primeiras comédias shakespearianas

A mulher de 'seu' Jair evoca a Catarina da obra por ser considerada tanto pelos enteados como pelo PL uma 'personagem incontrolável'

O apetite sucessório é só mordida e entredevoração. Houve quem associasse o racha no clã Bolsonaro à disputa entre as filhas do "Rei Lear", de Shakespeare, pela tomada do poder. O rei enlouquece, as filhas morrem. A briga do clã, entretanto, tem mais a ver com "A Megera Domada", uma das primeiras comédias shakespearianas, que narra os percalços da indomável Catarina com Petrúcio, o fidalgo de Verona, seu pretendente. Ao olhar woke, uma trama misógina. No fundo, uma bem-humorada discussão sobre desigualdade de gênero.

Poesia | Extravio, de Ferreira Gullar

 

Música | Sambô - Não deixe o Samba morrer

 

sábado, 13 de dezembro de 2025

Opinião do dia - Luiz Werneck Vianna*

“O sucesso da democracia nas urnas, importante como foi, não ocultou uma forte presença das forças antagonistas que, derrotadas, se insurgem em movimentações consertadas a fim de tentar subverter a ordem sob o pretexto de que teria havido fraude no processo eleitoral num arremedo farsesco das táticas de Trump. O verdadeiro legado de Bolsonaro foi, como se constata, deixar em sua esteira uma extrema-direita orientada a embaraçar os caminhos da restauração democrática, objetivo principal do novo governo Lula-Alckmin, que também enfrenta os desafios de animar uma sociedade desorganizada conscientemente pelas práticas do governo Bolsonaro em seus quatro anos de mandato.

Tal tarefa ainda se faz mais difícil em razão dos partidos terem subestimado sua radicação no mundo popular que ficou sob a influência dos pentecostais e de sua canhestra ideologia da prosperidade, cenário agravado pela condenação por parte da hierarquia da Igreja católica da teologia da libertação com que seus intelectuais tentavam se comunicar com os seres subalternos. Os efeitos nefastos dessas orientações produziram uma limpeza de terreno favorável a destituição da política e à difusão de valores antidemocráticos nesses setores.

Tal desertificação da política, contudo, tem remédio já conhecido, uma ida ao povo por parte de seus políticos e intelectuais, uma medicação de uso continuado a demandar tempo na sua aplicação. Em nossa desastrada experiência republicana já fizemos uso dessa recomendação, e já está passando da hora o momento de aprendermos as boas lições do nosso passado.”

*Luiz Werneck Vianna (1938-2024), Sociólogo, “Bons remédios não se esquecem”. Blog Democracia Política e novo Reformismo, 7/12/22.  

 

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Inimigos do povo

Por CartaCapital

O Parlamento se firma como o covil do golpismo

Irritado com a repercussão nas redes e fora delas da expressão “Congresso, inimigo do povo”, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ordenou à polícia legislativa a investigação do que considera um “ataque” ao Parlamento. Pai, mãe, padastro e padrinho do orçamento secreto, Alcolumbre não consegue largar o vício do poder acumulado pelo Legislativo durante o período em que o Brasil tinha na Presidência da República um cidadão que abandonou os afazeres do cargo para se dedicar exclusivamente ao planejamento de um golpe de Estado. O amapaense recorre a um subterfúgio típico: agressor, posa de agredido e atribui aos outros o seu comportamento autoritário. Na Câmara, Hugo Motta igualmente se faz de ofendido, embora com menos brio e altivez. E vale-se da truculência e da censura contra aqueles que denunciam suas manobras.

Constranger, reagir, enfrentar. Por Flávia Oliveira

O Globo

Inconformismo, em vez de resignação; empenho, em vez de omissão; ação, em vez de passividade

Nesta semana, a polícia do Rio de Janeiro voltou ao Complexo do Salgueiro, na Região Metropolitana, em mais um capítulo da política de enfrentamento ao Comando Vermelho. Cerca de mil agentes participaram de nova etapa da Operação Contenção, a mesma que, em fins de outubro, deixou 117 civis e cinco agentes mortos nas regiões do Alemão e da Penha, Zona Norte da capital. Cinco anos atrás, uma mal explicada incursão de policiais civis e federais no mesmo conjunto de favelas de São Gonçalo tirou a vida do adolescente João Pedro Mattos Pinto, aos 14 anos. O assassinato dentro da casa de parentes, em plena pandemia da Covid-19, levou o ministro Edson Fachin, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a proibir operações em comunidades durante a crise sanitária.

Desordem e progressão. Por Eduardo Affonso

O Globo

Os que roubaram os pensionistas do INSS logo estarão soltos (isso se um dia chegarem a ser presos). Idem para o político corrupto

A palavra do ano, para a equipe do dicionário Cambridge, foi parassocial (aquela sensação de intimidade — não recíproca — com figuras públicas). O Oxford veio de rage bait (conteúdo criado para gerar engajamento na força do ódio). No Brasil, segundo a consultoria Cause e o instituto de pesquisa Ideia, foi “incerteza”. Eu teria votado em “progressão”, com novo sentido, o de retrocesso.

Na cadeia, progressão é o regime que permite ao condenado cumprir apenas 1/6 da pena. Na escola, o que empurra o aluno adiante, mesmo que ele não tenha aprendido nada. É o Estado não educando no sistema educacional nem reeducando no sistema penitenciário. A aposta é que o aluno incapaz de entender a tabuada do 2 se recupere magicamente mais tarde, quando chegar à tabuada do 7. Que o criminoso adquira, na rua, os princípios morais que lhe faltavam antes do curto estágio de confinamento.