“O sucesso da democracia nas urnas,
importante como foi, não ocultou uma forte presença das forças antagonistas
que, derrotadas, se insurgem em movimentações consertadas a fim de tentar
subverter a ordem sob o pretexto de que teria havido fraude no processo eleitoral
num arremedo farsesco das táticas de Trump. O verdadeiro legado de Bolsonaro
foi, como se constata, deixar em sua esteira uma extrema-direita orientada a
embaraçar os caminhos da restauração democrática, objetivo principal do novo
governo Lula-Alckmin, que também enfrenta os desafios de animar uma sociedade
desorganizada conscientemente pelas práticas do governo Bolsonaro em seus
quatro anos de mandato.
Tal tarefa ainda se faz mais difícil em razão
dos partidos terem subestimado sua radicação no mundo popular que ficou sob a
influência dos pentecostais e de sua canhestra ideologia da prosperidade,
cenário agravado pela condenação por parte da hierarquia da Igreja católica da
teologia da libertação com que seus intelectuais tentavam se comunicar com os seres
subalternos. Os efeitos nefastos dessas orientações produziram uma limpeza de
terreno favorável a destituição da política e à difusão de valores
antidemocráticos nesses setores.
Tal desertificação da política, contudo, tem
remédio já conhecido, uma ida ao povo por parte de seus políticos e
intelectuais, uma medicação de uso continuado a demandar tempo na sua
aplicação. Em nossa desastrada experiência republicana já fizemos uso dessa
recomendação, e já está passando da hora o momento de aprendermos as boas
lições do nosso passado.”
*Luiz Werneck Vianna (1938-2024), Sociólogo,
“Bons remédios não se esquecem”. Blog Democracia Política e novo Reformismo,
7/12/22.