sábado, 16 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

O triunfo da democracia

Correio Braziliense

As investigações sobre o 8 de janeiro mostram que as ideias derrotadas por Tancredo ainda encontram adeptos

Tancredo de Almeida Neves (PMDB-MG) foi escolhido presidente da República pelo Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, em eleição indireta na qual derrotou o candidato do PDS, o deputado Paulo Maluf (SP). Porém, na véspera de tomar posse, em 14 de março daquele ano, foi internado em estado grave, no Hospital de Base de Brasília, e faleceu sem tomar posse na Presidência.

O vice José Sarney assumiu o cargo e comandou um longo processo de transição do regime militar à democracia, concluído com promulgação da Constituição de 1988 e a realização de eleições diretas para a Presidência em 1988, quando foi eleito Collor de Mello. Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje exerce seu terceiro mandato à frente do Executivo, fora o candidato derrotado no segundo turno.

A agonia de Tancredo Neves naqueles dias provocou uma comoção nacional: foram sete cirurgias, duas em Brasília e cinco em São Paulo, até o dia 21 de abril daquele ano, quando faleceu. Seu legado como presidente da República eleito foi essencialmente político: derrotou o projeto de institucionalização de um regime autoritário, de características "iliberais", que manteria a tutela militar sobre a República, por meio de artifícios institucionais que a legitimassem.

Cristovam Buarque* - Êxito pessoal, fracasso nacional

Revista Veja

O descaso com a educação faz o país avançar muito pouco

Nos esportes, só comemoramos o vencedor — o segundo colocado não recebe festa. Na educação, porém, consideramos vitória um avanço pessoal, ainda que seja prova de fracasso nacional. A televisão tem mostrado a fala de um jovem brasileiro celebrando ser o primeiro de sua família a ingressar em curso superior. Não há dúvida do sucesso do menino ao ser uma exceção em sua família. Mas seu sucesso pessoal e a publicidade como êxito social são provas do descaso nacional com a educação. Na terceira década do século XXI, duzentos anos depois da independência, quase um século e meio de república, quarenta anos depois da redemocratização, quinze anos de governos de esquerda, o atual ocupante do Planalto comemora o primeiro membro de uma família a ingressar no ensino superior.

Aldo Fornazieri* - A questão evangélica

CartaCapital

Parece que as esquerdas perderam a noção do que significa disputar a hegemonia política e ideológica no País

A recente rodada de pesquisas – Quaest, Ipec e Atlas – mostrou significativa queda na avaliação positiva do governo e de Lula, além de um avanço na rejeição. As declarações do presidente sobre Israel, a inflação de alimentos, percepção de que a economia não vai bem, o incômodo com a insegurança, a corrupção e a pobreza foram os principais temas indicados pelos institutos como causas do crescimento da desaprovação.

Segundo o Ipec, Lula e o governo perderam pontos em seu próprio eleitorado: os nordestinos, as mulheres, as pessoas negras e de baixa renda. O aumento mais expressivo da desaprovação deu-se entre os evangélicos. Desde dezembro, revela a Quaest, ela subiu 6 pontos, passando de 56% para 62%. A aprovação também caiu 6 pontos, passando de 41% para 35%.

Analistas sugerem que esse aumento da reprovação entre evangélicos pode ter se originado nas condenações que Lula fez aos massacres de crianças e mulheres que Israel perpetra em Gaza. De fato, os evangélicos radicais, principalmente nos EUA e no Brasil, têm fortes relações com a extrema-direita israelense, ligada a grupos de judeus ortodoxos e sionistas.

João Gabriel de Lima* - O check-up das democracias

O Globo

A má notícia do relatório do V-Dem é que a maior parte da população do mundo ainda vive sob regimes autoritários

A medicina preventiva recomenda que se faça um check-up anual para aferir indicadores básicos de saúde, como colesterol, glicemia e funções cardíacas. Os institutos que medem a qualidade da democracia divulgam seus relatórios também com periodicidade anual. A metodologia é análoga, baseada numa série de indicadores. Pode-se dizer que é um check-up dos regimes de liberdade.

Entre os relatórios, o mais acurado e mais citado em teses acadêmicas é do instituto sueco V-Dem, divulgado no início do mês. Democracias, em sua definição mais concisa, são regimes em que prevalece a vontade da maioria, por meio de eleições, ao mesmo tempo que protegem os direitos de todos os cidadãos, incluídas as minorias. Estes são, respectivamente, os aspectos “democrático” e “liberal” das democracias. Aos dois vetores básicos o V-Dem acrescenta cerca de 500 indicadores — que incluem participação popular e capacidade de resolver os problemas concretos dos cidadãos — e faz sua classificação.

Pablo Ortellado - Um outro Rafael Braga

O Globo

Muitos talvez não lembrem mais, mas, há dez anos, o Brasil se mobilizou pela soltura de Rafael Braga, único condenado pela participação nos protestos de junho de 2013. Ele era um morador de rua que foi preso no dia 20, em meio a manifestações pela redução das tarifas de transporte na região central do Rio de Janeiro. Foi detido próximo à Central da Brasil com uma garrafa de Pinho Sol e outra de água sanitária e injustamente acusado de portar “coquetéis molotov” para atacar a polícia.

O caso escandalizou o país. Rafael era um morador de rua que vivia na região central e não participava do protesto. As garrafas de plástico com desinfetante e água sanitária que portava obviamente não podiam ser empregadas como coquetéis molotov. Apesar da acusação ridícula, a polícia sustentou seu entendimento, e o Ministério Público encampou a tese, mostrando como os abusos da polícia se entrelaçam com o descuido e os vieses do Judiciário, especialmente se o acusado é pobre, preto e tem condenação anterior. Em dezembro de 2013, Rafael foi condenado a cinco anos de prisão por porte ilegal de artefato incendiário.

Eduardo Affonso - A História e as estórias

O Globo

A ordem é entrar em modo amnésia coletiva. Não provocar debates sobre prisões arbitrárias, luta armada...

José Murilo de Carvalho escreveu que “são os historiadores, no presente, que constroem o passado”. Em outras palavras — e parafraseando Cecília Meireles —, o passado só é possível reinventado. É, por isso, uma obra aberta: cada época dispõe de informações adicionais, mais ferramentas teóricas e — para o bem e para o mal — novas ideologias. Sai a história dos vencedores, entra a dos vencidos — a mesma cena, com enquadramento diferente, um recorte que privilegia um personagem em detrimento de outro. Figurantes assumem protagonismo — o que não quer dizer que, sob mirada futura, não possam voltar a ser nota de rodapé.

Talvez por isso o tempo que passou seja tão imprevisível quanto o que ainda está por vir.

Nossa geração viu Jesus deixar de ser judeu (e loiro, de olhos azuis...) para se tornar um moreno revolucionário palestino e marxista avant la lettre. Viu o Descobrimento do Brasil virar invasão imperialista. O bandeirante herói da nossa infância — que se embrenhava, intrépido, mata adentro e fez o país dobrar de tamanho — se transformar em vilão escravagista. A celebrada conquista da Amazônia (“inferno verde” onde árvore boa era árvore derrubada) se revelar um desastre ambiental.

Carlos Alberto Sardenberg - Por que o povo não aplaude?

O Globo

Lula e seu pessoal mais próximo acreditam que as velhas agendas ainda deveriam trazer a satisfação do público

Lula causou muitos problemas para seu próprio governo nas últimas semanas. As intervenções desastradas na Petrobras e na Vale não apenas destruíram valor dessas duas companhias, em que a União tem dinheiro aplicado, como prejudicaram o ambiente de negócios. Justamente quando o governo precisa da adesão de investidores privados para tocar ao menos alguma coisa de seus planos grandiosos.

Nenhum governo conseguiria construir refinarias, navios e plataformas de petróleo e, ao mesmo tempo, tocar pesados investimentos em transição energética. Além de gerar dúvidas sobre a viabilidade, traz uma incerteza programática: qual o foco, o óleo ou o verde? Ali no núcleo do Planalto, responderão: os dois alvos. Mas, de novo, não há dinheiro para tudo nem, ao que parece, capacidade de organizar e implementar políticas que tragam capital privado.

Demétrio Magnoli - As utilidades de Trump

Folha de S. Paulo

Nos EUA, Lula e Bolsonaro têm o mesmo candidato, mas só o segundo pode pronunciar seu nome

Viktor Orbán, Putin e Lula não votam nas eleições americanas, mas proclamaram suas preferências. O primeiro-ministro húngaro declarou-se por Trump, uma manifestação sincera e interessada. Putin e Lula declararam-se por Biden, em gestos de ilusionismo político movidos por razões distintas.

Orbán visitou os EUA sem se reunir com Biden: foi direto a Trump, rompendo o mais básico protocolo diplomático. Líder da direita nacionalista europeia, ele professa as mesmas ideias que o virtual candidato republicano.

No plano internacional, mantém uma pouco discreta parceria com a Rússia e critica o apoio da União Europeia à Ucrânia. No plano ideológico, compartilha com Putin o conceito da "nação de sangue" apoiada nos pilares da família tradicional e da religião cristã. O triunfo de Trump asseguraria a seu projeto autoritário e à direita conservadora do Velho Mundo um aliado poderoso, capaz de contrabalançar as pressões das democracias europeias.

Alvaro Costa e Silva - Remédio contra a censura

Folha de S. Paulo

Como nos EUA, editoras brasileiras começam a entrar na Justiça para impedir abusos de autoridade

A Companhia das Letras, que publica "O Avesso da Pele", entrou na Justiça para barrar o recolhimento de exemplares do livro em bibliotecas de escolas do Paraná. Grandes grupos editoriais nos EUA, diante da onda de censura a obras literárias que também se alastra por lá, já adotam instrumentos jurídicos para frear o abuso de autoridade. Se copiamos a ideia de jerico, por que não a contraofensiva cultural?

Jeferson Tenório e seu romance —que incomoda por denunciar o racismo, não por trechos "inadequados"— estão em boa companhia. Já enfrentaram desavenças nos tribunais Flaubert, autor de "Madame Bovary"; Baudelaire, de "As Flores do Mal"; Joyce, de "Ulisses"; D. H. Lawrence, de "O Amante de Lady Chatterley"; Henry Miller, de "Trópico de Câncer"; Nabokov, de "Lolita". Todos conseguiram a liberação de suas obras para o público.

Dora Kramer - Autocrítica, excelência

Folha de S. Paulo

Uma boa dose de exame de consciência ajudaria Lula a inverter o cenário adverso

É sempre bom que governos se preocupem com os preços dos alimentos. Ainda que essa preocupação seja despertada pela queda nos índices de popularidade do presidente da República nas pesquisas, como agora quando Luiz Inácio da Silva corre atrás de conter a carestia geral para reduzir o dano pessoal.

Baixou uma ordem para que se preparem medidas simpáticas ao bolso da população. Isso a fim de tentar inverter o cenário de queda na avaliação positiva do governo registrado por quatro consultas de opinião na semana passada.

Hélio Schwartsman – Lulopedia

Folha de S. Paulo

O presidente e o PT são capazes de aprender com seus erros?

Dizia-se dos Bourbons que eles nada esqueciam e nada aprendiam. Tenta-se agora imputar algo semelhante a Lula e ao PT. Declarações do presidente sobre a governança da Petrobras e da Vale e ingerências nessas empresas seriam a antessala do intervencionismo estatista que produziu a crise de 2014-15. Lula e o PT são incapazes de aprender com erros do passado?

A questão é complexa. Há vários tipos de aprendizado. Alguns deles vêm inscritos em nosso DNA. Um bom número de urbanitas que nunca viram uma cobra ao vivo morre de medo desses animais, expressando, ainda que exageradamente, uma experiência que foi útil à nossa espécie.

Cláudio Carraly* - Revolução longa e próspera

“Espaço a fronteira final. Estas são as viagens da nave estelar Enterprise, em sua missão de cinco anos para explorar novos mundos, novas civilizações, audaciosamente, indo onde nenhum homem jamais esteve.” Assim, iniciavam todos os capítulos da série original Star Trek ou como chamávamos por aqui Jornada nas Estrelas, que estreou na televisão no ano de 1966 e durou quatro temporadas, levando milhares de novas mentes a crer em uma humanidade igualitária, inclusiva e justa, despertando mundo afora, interesse e busca por conhecimento científico.

Gene Roddenberry foi um roteirista, produtor e criador de televisão americano conhecido principalmente por ser o criador da famosa franquia Star Trek, que oferecia uma visão futurista da humanidade em um conjunto de mundos utópicos conhecidos como a Federação Unida dos Planetas. Nesse cenário, a humanidade atingiu um nível de desenvolvimento tecnológico e social que superou as limitações do capitalismo e das lutas de classes. 

Marcus Pestana* - Transformação social e a ação das prefeituras

Tenho aqui insistido na importância central de elegermos bons prefeitos e vereadores em outubro próximo, dados os impactos estratégicos das políticas públicas municipais e a proximidade estreita entre poder local e o cotidiano da população. Já realçamos aqui os dois campos principais da atuação das prefeituras: educação e saúde.

Mas existem outros segmentos muito importantes para a melhoria da qualidade de vida da população. É evidente que os desafios são diferentes para as cidades pequenas, médias e grandes. Algumas têm que lutar contra seu esvaziamento, outras contra os efeitos perversos do crescimento desordenado. Também o grau de autonomia financeira é heterogêneo. Há cidades que possuem royalties de energia elétrica ou mineração, ou ICMS alto, por seu grau de industrialização. Outras não. Há cidades médias e grandes com renda razoavelmente alta e setor terciário desenvolvido que têm bom potencial de arrecadação de IPTU e ISS. Outras não. Portanto, senhores candidatos, adequem seus programas de governo e propostas à realidade fiscal de cada município.

Poesia | O escrivinhador de peças, de Bertolt Brecht

 

Música | Mariene de Castro, Zeca Pagodinho - Coisa da antiga