segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Opinião do dia: Pedro Malan*

O ano de 2018 será absolutamente crucial para o Brasil e para seu futuro – não apenas para o quadriênio 2019-2022, mas para muito além. Quase tão importante quanto o resultado das urnas, em outubro, será o teor das narrativas, dos discursos e promessas dos principais candidatos. Além do compromisso com os valores da democracia e da República, espera-se compromisso com a ética e a moralidade da administração pública e nas relações público-privadas. Espera-se dos candidatos a demonstração de que compreendem a natureza dos desafios a enfrentar na área das finanças públicas. Não porque equacioná-los constitui um fim em si mesmo, mas porque sem isso não haverá como o Brasil alcançar as taxas de crescimento da renda e do emprego, que constituem o nada obscuro objeto de desejo da maioria dos brasileiros.

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* Economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC. “2018, ano crucial para 2019-2022 e muito além”, O Estado de S. Paulo, 14/1/2018

Sérgio Besserman Vianna: Tranca-Rua nos ajude

- O Globo, 14/1/2018

Nas eleições de 2018, estaremos fazendo escolhas importantes

2018 — o ano da incerteza. Temos tido o privilégio de ler vários magníficos comentários a respeito na coluna do Ancelmo. Muito relevantes porque, para o Brasil, 2018 é também o ano da encruzilhada. De três encruzilhadas.

Santo Agostinho disse que há três tempos: o tempo presente das coisas passadas, o tempo presente das coisas presentes e o tempo presente das coisas futuras. Nas eleições de 2018, estaremos fazendo escolhas importantes sobre esses três tempos.

O tempo presente das coisas passadas diz respeito às correntes mais profundas do oceano chamado Brasil. O sucesso da operação Lava-Jato não deve ser medido por quantos vão presos ou quanto dinheiro se recupera para os cofres públicos, por mais que a quebra da impunidade dos poderosos seja um momento histórico relevante.

O sucesso da Lava-Jato deve ser medido por quanto o capitalismo de Estado e compadrio — que foi exposto à luz do sol e hoje é reconhecido pela maioria esmagadora dos brasileiros — vai começar a ser transformado. Conseguiremos avançar na direção de uma sociedade mais aberta e menos desigual não só em renda mas também em oportunidades e direitos? Ou, após as turbulências, voltaremos a tudo como dantes no quartel de Abrantes? As eleições não decidem esse destino, mas serão fundamentais.

Marcus Pestana: Há um longo caminho até as eleições

- O Tempo (MG)

A sabedoria mineira sempre indicou que “paciência e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém”. A ansiedade e a pressa não são boas conselheiras. Digo isso a propósito das intensas especulações sobre a sucessão presidencial, alimentadas a cada pesquisa de opinião divulgada. É verdade que faltam apenas dez meses para as eleições. Mas há tanta coisa para acontecer que parece equivaler a um século.

O Brasil deverá reencontrar seu destino e futuro após um longo período de divórcio entre sociedade e representação política, resultante da profunda crise ética, econômica, social e política. Só as urnas poderão devolver ao governo a força, a credibilidade, a confiança e o ambiente imprescindíveis para a modernização da economia, o ajuste das contas públicas, a retomada do crescimento e a geração de renda, emprego e bem-estar. Mas há um longo caminho a nos separar das eleições de outubro, cheio de acidentes e nebulosidade.

É impossível saber qual será o estado de espírito da população na hora do voto. Hoje, uma parte da sociedade mergulha de cabeça num mar de intolerância, radicalismos, intransigências, xingamentos recíprocos. Outra parte é abraçada por um sentimento de desânimo e desesperança, vocalizando ideias do tipo “todos são iguais”, “não acredito mais em políticos e na política”, “não vou votar em ninguém”.

Marcus Melo: O Judiciário contra a democracia?

- Folha de S. Paulo

Governantes que abusam do poder em democracias satanizam o Judiciário e as procuradorias. Silvio Berlusconi denunciou "a toga rossa" -os "magistrados vermelhos". Jacob Zuma, o presidente sul-africano que responde a 783 processos, acusou o Procurador-Geral de perseguição. Donald Trump demitiu 46 procuradores - 47 já haviam pedido demissão antes. E criticou abertamente o Judiciário: "juízes federais não são eleitos", como se as urnas devessem garantir impunidade.

O Judiciário independente é a solução democrática para a "justiça" praticada por autocratas ou por maiorias de ocasião. É remédio a um só tempo para a arbítrio do tirano e para a sanha incontida da turba.

As acusações infundadas ao Judiciário confundem-se no debate público brasileiro com críticas legítimas. De fato, não cabe ao Judiciário usurpar escolhas políticas próprias dos demais poderes embora seja cada vez mais provocado a fazê-lo. A linha de demarcação da separação de poderes é tortuosa e exige autocontenção. Da mesma forma são intoleráveis as patologias patrimonialistas de seu aparato burocrático.

Mas é preciso lembrar que o crime colonizou as instituições no país, afetando até mesmo as judiciais. Essa gravíssima politização do crime tem sido percebida apressadamente como criminalização ou interdição da política.

A judicialização da política -que é universal- não significa necessariamente usurpação. Reflete a transferência -por omissão ou provocação- de decisões de elevado custo político do legislativo para o Judiciário. E no caso brasileiro também o hiperprotagonismo judicial induzido por demandas crescentes por arbitragem produzidas pela crise política (que o individualismo na corte acirra).

* José Goldemberg: Uma nova Renascença?

- O Estado de S.Paulo

Seus resultados parecem atraentes, mas ela vai aumentar a concentração de renda e o desemprego

Existe uma corrente de economistas que acredita que o “século de ouro” das inovações tecnológicas, que teve início com a Revolução Industrial na Inglaterra, no século 19, já se esgotou.

Essa revolução começou com a invenção das máquinas a vapor, que inicialmente modernizaram a indústria da tecelagem e eliminaram a fabricação artesanal de tecidos, e seguiu com o desenvolvimento das locomotivas e do transporte ferroviário, que cruzaram todos os continentes. Mais tarde, a descoberta do processo de produção de eletricidade permitiu a iluminação das cidades e, posteriormente, as telecomunicações mudaram radicalmente a face da Terra. No século 20 verificou-se uma enorme expansão das cidades, onde vive hoje cerca da metade da população mundial.

O império inglês baseou-se nessas tecnologias, que deram ao país uma prosperidade sem precedentes na História. A Inglaterra produzia os produtos que eram exportados para as colônias, criando empregos bem remunerados para a sua população. Só para dar um exemplo, no fim do século 19 a Inglaterra, com apenas 3% da população mundial, produzia (e exportava) aproximadamente metade do ferro e aço usado no mundo.

É por essa razão que a Revolução Industrial é considerada por muitos como uma “segunda Renascença”. A primeira Renascença, como se sabe, começou no fim da Idade Média, por volta de 1400. A invenção da imprensa, por Gutemberg, que aumentou o número de pessoas alfabetizadas, destruiu o monopólio de conhecimento e poder da Igreja Católica. Repetir os dias de glória das antigas civilizações grega e romana passou a ser a aspiração das pessoas. O “renascimento” nas letras e artes foi particularmente forte em Florença, na Itália, onde a pintura e a arquitetura floresceram sob o patrocínio da aristocracia. Com isso os próprios costumes passaram por um período de liberalização extrema.

Gaudêncio Torquato: A insustentável leveza de ser do PT

- Folha de S. Paulo

O ano eleitoral que se inicia coloca em xeque o dilema que tem afligido o PT ao longo dos últimos anos: arrefecer o peso do discurso, produzindo nova "carta aos brasileiros", à semelhança da que Luiz Inácio Lula da Silva apresentou em 2002, ou continuar a massificar o bordão da luta de classes ("nós e eles"), sob a crença do eterno retorno, conhecido conceito de Nietzsche (1844-1900), ancorado no princípio de que as situações existenciais se repetem indefinidamente no tempo.

A dúvida que paira sobre o PT e seu chefe maior parece levar em conta, de um lado, a perspectiva de melhoria da economia —nesse caso, o discurso radical seria mal recebido por parcela da população— e, de outro, o resgate do legado que a administração lulista se gaba de ter proporcionado ao país: a maior distribuição de renda da história. E que hoje virou fumaça.

A isca com que Lula pretende fisgar o eleitorado, em outubro, seria um elenco de compromissos com o povo, não apenas uma expressão moderada para cooptar o mercado, como se fez em 2002.

O fato é que o petismo está ajustando o discurso de forma a driblar os índices positivos alcançados pelo atual governo, rebater o tiroteio sobre a era petista, com foco no envolvimento de seus protagonistas no mensalão e na operação Lava Jato, e se apresentar como a melhor alternativa para enfrentar a crise (por ele perpetrada).

Cida Damasco: Efeito S&P

- O Estado de S.Paulo

Sensibilidade maior na política do que nos mercados

Sempre ouvimos dizer que os mercados “escutam” as manifestações das agências de risco e os alertas nelas contidos. Mas não foi bem isso que aconteceu depois do rebaixamento da nota de crédito da dívida do Brasil pela Standard & Poor's (S&P), considerada a mais técnica das agências. Pelo menos nos primeiros momentos. Nem mesmo o reconhecimento da S&P de que dificilmente vai sair a reforma da Previdência, alardeada como prioridade zero para investidores e setores empresariais, conseguiu abalar os mercados. O dólar continuou sua marcha descendente e a Bolsa de Valores andou de lado, no pregão da sexta-feira. Em contrapartida, o front político acusou o golpe do rebaixamento do Brasil.

Explicações para essa aparente “distorção” não faltam. No caso dos mercados, há o argumento de que um terceiro fator está atuando sobre o ânimo dos investidores, a ponto de minimizar ou anular o impacto de decisões como essa, normalmente tidas como sinal de forte risco. Nesse caso, dizem alguns analistas, a perspectiva de condenação de Lula na segunda instância e seus desdobramentos sobre o quadro eleitoral teriam encoberto a notícia do rebaixamento. Vá lá que seja. A conferir se o argumento valerá também para os próximos dias.

Leandro Colon: Cada um por si

- Folha de S. Paulo

2018 entra na terceira semana com peças relevantes do tabuleiro da eleição presidencial movimentando-se circunstancialmente, cada qual no seu contexto.

O ex-presidente Lula vai para a reta final de preparação do julgamento que deve nortear o destino político do petista e o do cenário eleitoral.

O que será de Lula e do PT na disputa em outubro dependerá decerto do placar a ser proferido pelos desembargadores do TRF-4 no dia 24.

No outro extremo, Jair Bolsonaro cambaleia após a recente série de reportagens da Folha que revelou seu patrimônio, o uso de auxílio-moradia mesmo com imóvel próprio em Brasília, e o emprego, com verba da Câmara, de uma servidora fantasma que vende açaí em Angra dos Reis.

Ao ser inquirido pelos repórteres Camila Mattoso e Italo Nogueira, Bolsonaro reforçou, sem explicar o que parece ser inexplicável, a imagem de um político descontrolado, sem noção e grosseiro quando confrontado.

Angela Bittencourt: S&P revela trincheira entre economia e política

- Valor Econômico

Não é usual agências reduzirem rating de país em conjunto

Mais do que confirmar a bola cantada há mais de um mês, a agência de rating Standard &Poor's (S&P) revelou, de quinta para sexta, a trincheira que hoje separa a economia da política no Brasil. Se, de um lado, o atraso na aprovação da reforma da Previdência justificou o rebaixamento da nota de crédito do Brasil e engrossou o discurso do ministro da Fazenda Henrique Meirelles que apontou o dedo para o Congresso e indicou o responsável pela demora; de outro, o atraso aliviou os parlamentares que preferem evitar decisões deste calibre em períodos pré-eleitorais, dado o caráter impopular da matéria que altera direitos constitucionais. A Previdência Social está numa seara em que cada cidadão acredita que vale o seu direito. Direitos universais são aqueles que valem apenas para os outros.

O rebaixamento do Brasil pela S&P, que há tempos vinha alertando o governo sobre sua difícil situação fiscal, lembra o quanto é embaraçoso - embora necessário - reconhecer sinais contraditórios que vêm do Executivo e do Legislativo quanto às reformas. Não é tarefa simples convencer observadores estrangeiros e locais de que não há riscos ou baixos riscos quando as autoridades que se comprometem a promover ajustes fiscais severos são dois dos principais postulantes às eleições presidenciais marcadas para outubro.

É evidente que ao próximo presidente muito interessa ter as contas públicas sob um novo regimento - mais rigoroso, mais disciplinado, com maior garantia de solvência. Contudo, se esse mesmo futuro presidente é o responsável em negociar condições para conquistar os votos que vão garantir a aprovação das novas regras, pode não ser irrelevante o risco de que venha a vestir a faixa presidencial tendo assumido compromissos demais, logo de cara a atender, em sua nova e nobre função.

Vinicius Mota: Um pouco esquisito

- Folha de S. Paulo

A economia americana marcha para entabular seu segundo mais longo período de recuperação desde o final da Segunda Guerra. O Fundo Monetário Internacional estima que em 2018 o número de nações em recessão será o menor que já registrou. Em 2017, menos de 4% dos países empobreceram.

A máquina que tem feito jorrar lucro das empresas mundo afora mantém-se ativa. Não houve solavanco a tirar dos trilhos a política quase imperceptível de aperto no custo e na oferta do dinheiro grosso, mas começa a ficar esquisita a arrancada saltitante dos grandes pregões de ações.

O índice que abrange o maior número de empresas nos EUA subiu 23% nos últimos 12 meses e 48% em dois anos. No restante do mundo rico e no emergente, muda apenas o grau da escalada.

Vem aí um novo estouro de bolha financeira? A julgar por alguns indicadores, como os que ajustam a relação entre preços de ações e lucros das empresas a ciclos mais longos, é hora de redobrar a cautela. Quando uma ação caminha mais depressa, durante muito tempo, que os ganhos empresariais a sustentá-la, um ajuste está provavelmente a caminho.

Michel Temer: Consolidar conquistas – e avançar

- Diário do Poder

Começamos 2018 com uma excelente notícia: tivemos a menor inflação em duas décadas. O índice anual ficou, segundo o IBGE, em 2,95%, abaixo do piso do Banco Central, que era de 3%. A inflação baixa é resultado da queda dos preços dos alimentos, graças à nossa supersafra. É fruto também de decisões corretas e equilibradas de nossa equipe de governo.

Estamos consolidando o círculo virtuoso: com os preços mais baixos, os salários têm melhor poder de compra e as famílias podem consumir mais. Isso reaquece a economia, gerando mais produção, mais investimentos e mais empregos, que já voltam aos milhares. Batemos também o recorde de juros baixos – 7% ao ano, a menor taxa Selic em 31 anos. Em 2018, a inflação vai continuar baixa e o PIB deve crescer mais de 3%, segundo projeções dos economistas.

A inflação foi ainda menor, de 2,07%, para os que ganham menos. Um feito que merece ser comemorado, pois, para os que não podem ter poupança, a inflação é o pior imposto. Quando assumimos, há pouco mais um ano e meio, a inflação estava em mais de 10%.

Conseguimos recuperar nossa economia da recessão mais profunda de sua história. Conto com o Congresso para aprovar em breve a reforma da Previdência e assim garantir a saúde das contas públicas e a estabilidade da economia como um todo. Almejamos ainda realizar a simplificação tributária.

Em 2017, aprovamos o teto dos gastos públicos e modernizamos a legislação nas áreas do trabalho, agronegócio, meio ambiente, além de modificar regras para incentivar investimentos em energia, petróleo e infraestrutura. Selecionamos 7 mil obras, em todas as regiões, para serem concluídas – e já estamos fazendo as entregas devidas à população. Também ajudamos estados e municípios a equacionarem suas dívidas.

Buscamos austeridade e eficiência sem cortar na área social. Zeramos a fila e reforçamos o conjunto de benefícios do Bolsa Família. É do nosso governo o maior programa de titulação de terras urbanas e rurais. Reativamos o Minha Casa Minha Vida, com 674 mil unidades contratadas. Em 2017, o orçamento da Educação e da Saúde aumentou – ao contrário do que previram os catastrofistas.

Devolvemos aos trabalhadores R$ 44 bilhões retidos em contas inativas do FGTS, além de anteciparmos mais R$ 21 bilhões do PIS-Pasep, que agora pode ser sacado por quem tem mais de 60 anos – antes a idade mínima era 70 anos.

Início de ano, sobretudo de ano eleitoral, é hora de planejar o futuro. Precisamos preservar tudo que o Brasil conquistou, com dificuldade e esforço. Não podemos retroceder aos tempos da recessão, da incerteza e da desordem. Os brasileiros saberão avaliar e decidir com sabedoria. De nossa parte, continuaremos a trabalhar para ajudar a consolidar, sem ilusões e populismos, um País mais eficiente e justo, que conjugue prosperidade social com responsabilidade fiscal.

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Michel Temer é o presidente da República.

Ricardo Noblat: O risco de uma crise contratada

Blog do Noblat/Veja

Lula repete o comportamento de Dilma – com uma diferença. É mais agressivo do que ela na contestação ao devido processo legal

O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula em processos da Operação Lava Jato, diz esperar “um julgamento isento” quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, reunir-se no próximo dia 24 para decidir sobre o caso do tríplex do ex-presidente na praia do Guarujá.

A senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, diz que “a única solução possível” para o julgamento “do ponto de vista legal é a absolvição”. Uma sentença condenatória simplesmente “não será uma sentença justa”, segundo ela. E por tabela, não deveria ser respeitada por ninguém.

“Se eles fizerem uma coisa dessas, existe a possibilidade de uma rebelião popular”, dispara o senador Lindberg Farias (PT-RJ). Afirma Tarso Genro (PT-RS), ex-ministro da Justiça: “Lula tem a obrigação de submeter-se à soberania popular e contestar as acusações que lhe são feitas”.

Ou seja: “um julgamento isento” e a única solução possível “do ponto de vista legal” seriam aqueles que resultassem na absolvição do ex-presidente. Do contrário, Lula terá a obrigação de disputar as próximas eleições mesmo impedido pela Justiça. E o país correrá o risco de ser palco “de uma rebelião popular”.

Estamos entendidos? Legal e justo para o PT é somente o que o PT aceita como legal e justo – dane-se a Justiça, dane-se o que está escrito nas leis, dane-se o bom senso, e dane-se o que no passado recente disse ou praticou o próprio PT. Ou vai ou racha. Condene-se Lula para ver só uma coisa! (Isso pode, Arnaldo?)

Demétrio Magnoli: A bela da tarde, aos 74

- O Globo

Francesas dizem que mulheres não precisam de códigos fundamentalistas de conduta, da conspícua proteção do Estado, do leito hospitalar reservado às vítimas

Francesas dizem que mulheres não precisam de fundamentalismo. Meio século, duas vezes. Em maio de 1967, estreou em Paris o filme “Belle de Jour”, de Luis Buñuel, a história da burguesa frígida Séverine que consumia suas tardes trabalhando num bordel. Em janeiro de 1968, emergiu em Nanterre, Paris, a figura de Daniel Cohn-Bendit, indagando ironicamente se um relatório oficial sobre a educação francesa abordava o tema da vida sexual dos estudantes universitários. Hoje, finalmente, cem mulheres disseram “basta!” e denunciaram as neofeministas por almejarem censurar “Belle de Jour” e cancelar a revolução sexual dos anos 60. Apropriadamente, as cem que assinam a carta aberta são francesas — e, melhor que tudo, Séverine (digo, Catherine Deneuve) é a mais conhecida entre as signatárias.

Séverine — linda, distante, gelada — recusava ser tocada por Pierre, seu marido suave e respeitoso. O ponto de fuga de sua jaula asséptica era o bordel ou as violências de um Pierre imaginário, convertido em fidalgo depravado. As saídas por baixo (pelo mundo da sarjeta), e por cima (pelo desaparecido mundo amoral da aristocracia), a conduziam ao desejo, ao gozo e à liberdade. No fim, descobrimos que as tardes da bela da tarde talvez não fossem mais que sonhos. E daí, se o gozo era real?

Deneuve assina a carta aberta para proteger o direito de Séverine sonhar. As neofeministas não têm nenhum problema com a tradição patriarcal ou o machismo. Elas querem, de fato, anular o desejo. A mensagem das cem francesas é que as mulheres não precisam de códigos fundamentalistas de conduta coletiva, da conspícua proteção do Estado, do leito hospitalar reservado às vítimas. Elas estão dizendo que são adultas e sabem cuidar de suas relações pessoais. Que, nesse âmbito, tudo que não é crime pertence à esfera privada. Que a sedução e o galanteio não são crimes. Viva Séverine!

PF abre novos inquéritos contra três ex-ministros

Depoimento do ex-diretor da Transpetro leva PF a investigar os petistas Ideli Salvatti, Edson Santos e emedebista Henrique Alves

Julia Affonso, Luiz Vassalo, Ricardo Brandt e Fausto Macedo / O Estado de S. Paulo.

A Polícia Federal em Curitiba abriu novos inquéritos contra três ex-ministros com base na delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Os alvos da investigação são Henrique Eduardo Alves (MDB), ex-ministro de Dilma Rousseff e Michel Temer e hoje preso na Lava Jato; Ideli Salvatti (PT), ex-ministra de Dilma; Edson Santos (PT), ex-ministro de Luiz Inácio Lula da Silva; e os ex-deputados petistas Cândido Vaccarezza (SP) e Jorge Bittar (RJ).

O acordo de Machado ficou conhecido depois que conversas gravadas por ele com outros políticos foram divulgadas. Em uma delas, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) disse que seria necessário “mudar o governo para estancar a sangria” (veja box ao lado). Os novos inquéritos apuram supostos repasses feitos por empreiteiras a políticos, por meio de doações oficiais ou caixa 2, em troca de vantagens indevidas com a Transpetro.

No caso da ex-ministra de Relações Institucionais e de Direitos Humanos Ideli Salvatti, Machado disse que a petistas solicitou “recursos para campanha de 2010”. O delator afirmou que os recursos vieram, via doação oficial da Camargo Corrêa, no valor de R$ 500 mil.

Tribunal que vai julgar Lula confirma ter recebido ameaças

Presidente do TRF-4 e Cármen devem falar hoje sobre segurança

Tiago Dantas e Renata Mariz / O Globo

-SÃO PAULO E BRASÍLIA- O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmou ontem que vem recebendo ameaças direcionadas aos desembargadores devido ao julgamento do recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex do Guarujá, marcado para o dia 24. Presidente da corte, o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores relatou as intimidações em um ofício enviado a autoridades no início deste ano e deve tocar no assunto nas reuniões que terá hoje em Brasília com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia, e com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Além do Supremo e da PGR, o ofício feito por Flores na primeira semana do ano também foi endereçado à Polícia Federal (PF). No texto, segundo o TRF-4, o desembargador relata ameaças feitas por meio das redes sociais do tribunal e pelo telefone da ouvidoria da corte. O conteúdo e a autoria dessas ameaças não foi revelado. O GLOBO não conseguiu contato ontem com a Superintendência da PF em Porto Alegre para confirmar se alguma investigação foi aberta no estado para descobrir a origem dessas agressões.

Cármen Lúcia recebe presidente do TRF-4 para falar de julgamento de Lula

Reynaldo Turollo Jr. / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Cármen Lúcia, receberá às 10h desta segunda-feira (15) o presidente do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, para conversar sobre questões de segurança durante o julgamento do recurso do ex-presidente Lula, marcado para o dia 24 em Porto Alegre.

Às 16h30, o magistrado vai se reunir com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para abordar o mesmo assunto. As duas audiências foram agendadas a pedido de Thompson Flores, segundo as assessorias do STF e da PGR.

Na semana passada, Thompson Flores relatou a Cármen Lúcia sua apreensão com as ameaças que os magistrados do TRF-4 têm recebido, principalmente nas redes sociais. O tribunal é responsável por julgar os recursos dos condenados pela Operação Lava Jato em Curitiba.

Conforme a agenda da presidente do Supremo, o encontro nesta segunda será para tratar de "assuntos institucionais". O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que também é presidido por Cármen Lúcia, tem um departamento exclusivo para cuidar da segurança de juízes e desembargadores.

O presidente do TRF-4 já se reuniu com parlamentares petistas na sexta (12) para relatar que está preocupado com possíveis conflitos durante o julgamento de Lula.

Evangélicos querem eleger 150 deputados e 15 senadores este ano

Fabio Murakawa | Valor Econômico

BRASÍLIA - Líderes de igrejas evangélicas e partidos ligados a elas estão traçando uma estratégia para ampliarem suas bancadas na Câmara e no Senado a partir de 2019. O objetivo é aumentar de 93 para cerca de 150 o número de deputados federais e quintuplicar, de três para 15, o total de senadores.

A estratégia, no caso do Senado, é lançar apenas um candidato por Estado, evitando que dois candidatos evangélicos concorram entre si. Neste ano, 54 cadeiras estarão em jogo no Senado, duas por Estado. No caso da Câmara, também há a ideia de fazer uma espécie de "distritão evangélico", com um ou poucos candidatos ligados às igrejas disputando votos em cada região - algo ainda visto como mais difícil de realizar do que na eleição ao Senado.

Uma vez fortalecidos, os evangélicos pretendem puxar ainda mais uma agenda conservadora: antiaborto, contra liberação das drogas e do jogo, e em prol do que chamam de "família natural" (homem e mulher). Dessa coordenação, também pode surgir apoio a um candidato a presidente- algo mais provável em um eventual segundo turno. Na economia, a preferência dos líderes é pelo modelo que definem como liberal adotado no governo Michel Temer. Um desafio é conquistar o eleitor evangélico das regiões Norte e Nordeste, ainda muito fiel ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

À espera de Barbosa, PSB avalia alternativas

Por Andrea Jubé, Fernando Exman e Marcelo Ribeiro | Valor Econômico

BRASÍLIA - Com o objetivo de manter o protagonismo da última eleição, o PSB quer lançar candidato próprio à Presidência e aguarda uma resposta do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa. O ex-ministro Aldo Rebelo apresentou-se como alternativa, mas se Barbosa recuar, o partido tende a apoiar um aliado.

Uma ala defende a composição com o PDT, de Ciro Gomes, mas o vice-governador de São Paulo, Márcio França - que anuncia hoje a chapa que concorrerá ao governo -, trabalha pela aliança com o PSDB, de Geraldo Alckmin. França assume o governo em abril, quando Alckmin se desincompatibilizar para disputar a sucessão presidencial.

O líder do PSB na Câmara, deputado Júlio Delgado (MG), defende a candidatura própria ou a aliança com o PDT, com quem o partido mantém negociações avançadas em vários Estados.

"Tem fortalecido a tese da candidatura própria, mas se não tivermos um nome competitivo, como o de Joaquim Barbosa, deveríamos compor [com um aliado]", sustenta. "A tese do Ciro ainda não empolga, mas é mais forte", completou, apontando o caminho de "centro-esquerda" para o partido.

O presidente do PSB, Carlos Siqueira, afirma que é cedo para decidir sobre a candidatura própria. "Temos um grau de incerteza muito grande na política, nem os chamados candidatos naturais estão definidos", aponta, citando as pré-candidaturas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e até mesmo de Alckmin. "O Fernando Henrique [Cardoso] colocou em xeque a candidatura do Alckmin. Se ele não unir o centro, como fica o PSDB"?

O grupo político de França aposta que aliados de Alckmin ainda pressionarão o partido a apoiá-lo, num gesto que poderia levar à adesão do PSB à coligação nacional que o tucano tenta construir. Até mesmo por isso as discussões sobre o vice de França ainda não avançaram, aguardando a definição do quadro nacional.

Área social do governo dá vantagem a Maia

Por Andrea Jubé e Cristiane Bonfanti | Valor Econômico

BRASÍLIA - Na corrida pré-eleitoral, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), do DEM, larga com vantagem sobre outros concorrentes ao contar com aliados próximos no comando de dois ministérios estratégicos: Educação e Cidades. Além da capilaridade, com ações extensivas a quase todos os municípios do país, as duas pastas estão entre os maiores orçamentos da Esplanada.

Juntos, os dois ministérios somam R$ 118 bilhões destinados a programas de apelo popular, como educação básica e casas populares, além de emendas parlamentares. Maia já começou a participar de agendas públicas de ambas as pastas e vai percorrer vários Estados - inclusive sua base eleitoral, o Rio de Janeiro - de "carona" com os ministros aliados.

O exemplo mais evidente dessa estratégia ocorreu no dia 11, quando Maia participou de uma agenda pública em Vitória, no Espírito Santos, com os ministros da Educação, Mendonça Filho, seu correligionário do DEM, e das Cidades, Alexandre Baldy, que deve se filiar ao PP em março. Ambos são considerados de sua cota pessoal na Esplanada, embora a indicação de Baldy resulte de um "consórcio" entre Maia e o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI).

Na capital capixaba, Maia subiu ao palanque com o governador Paulo Hartung, filiado ao MDB, mas que mantém conversas para migrar para o DEM. Foi um ato de assinatura de convênios dos dois ministérios com o Estado, em que foram anunciadas a liberação de R$ 36,4 milhões em recursos federais para ações de educação integral e formação de professores, e mais R$ 63,5 milhões para obras de saneamento e um contrato de financiamento com a Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan).

Alckmin busca aliança para mostrar força e ter o maior tempo de TV

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Para reduzir os questionamentos sobre a viabilidade de sua candidatura, Geraldo Alckmin (PSDB) tentará construir uma aliança para a corrida presidencial que pode dar à sua chapa a maior fatia de tempo da propaganda eleitoral entre todos os postulantes ao Palácio do Planalto.

O tucano trabalha para conquistar esse espaço na TV com o objetivo de emitir sinais de musculatura política e se tornar o principal nome do bloco de centro na eleição.

O governador paulista disse a aliados, nas primeiras conversas do ano, que pretende firmar uma aliança que garanta a ele um terço de cada faixa de 12min30s da propaganda eleitoral na televisão –ou seja, 4min10s.

Com esse espaço, Alckmin poderá ter um programa mais longo que qualquer outro competidor. O tempo restante deve se dividir entre diversos candidatose, segundo cálculos dos tucanos, restariam poucas combinações de partidos que poderiam superar a fatia do governador.

Aliados acreditam que Alckmin precisa dominar a campanha na TV para evitar o crescimento de um adversário lançado por uma coligação de grandes siglas, como o MDB de Michel Temer.

Os tucanos querem acelerar as negociações para a construção de sua aliança e bloquear a consolidação de novas candidaturas competitivas em seu campo político, como a do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e a do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD).

O governador paulista disse a aliados que trabalha para firmar uma coligação com outros seis partidos além do PSDB, mas admitiu que a incerteza sobre o quadro eleitoral ainda dificulta o avanço das articulações.

Em uma conversa há cerca de uma semana, Alckmin discutiu uma potencial aliança com DEM, PP, PSD, PTB, PPS, e Solidariedade. Com essas siglas, o tucano ocuparia 4min27s de cada bloco da propaganda –pouco mais do que um terço do espaço total.

Pré-campanha presidencial exibe o pior da política: Editorial/Valor Econômico

A campanha presidencial começa formalmente em 16 de agosto, mas a encenação prévia dos candidatos a candidato ao lugar mais alto do pódio não deixa margem para otimismo. Muito se falou, antes de 2018, em renovação da política e na mudança dos (maus) costumes políticos. O que se viu até agora, no entanto, foi um festival de meias verdades e de desrespeito à legislação vigente que não autorizam a presunção de uma campanha transparente, centrada no interesse público, diferente de jornadas eleitorais anteriores. O pior da política está em exibição.

A precipitação de campanhas não constitui propriamente uma novidade, o que ocorre nos dias de hoje é marcado por uma particularidade: a falta de competitividade dos candidatos a representar o centro político, o que inevitavelmente levou à consideração de nomes que, em condições normais de pressão e temperatura, nem sequer seriam lembrados para a disputa. São candidatos de si mesmos, na falta do chamado candidato natural.

A incerteza se dá também à esquerda, onde o debate está bloqueado pela candidatura virtualmente insustentável, por motivos legais, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010).

Lula é destaque no festival de horrores. A cruzada do ex-presidente pode muito bem ser considerada uma apologia ao descumprimento das leis do país. Na iminência de sofrer uma condenação de segunda instância, que o tornará inelegível, Lula e o PT já decretaram que uma eleição sem o cacique petista não vale. É ilegítima.

Em resumo, a Lei da Ficha limpa até agora serviu para todos os políticos candidatos a um cargo eletivo, mas aparentemente não vale para Lula, um brasileiro que se julga acima de qualquer suspeita.

A desfaçatez é tanta que o PT se julgou no direito de acionar o apresentador de TV Luciano Huck, que nem candidato é, por campanha eleitoral antecipada. No entanto, Lula, desde o ano passado, percorre o país em caravanas sob o olhar pusilânime da Justiça Eleitoral - e não faz só campanha eleitoral antecipada, faz também uma campanha de descrédito da Justiça, a qual acusa de perseguição política. A lei, do ponto de vista do PT e suas atitudes o comprovam, é uma para Lula e outra para todos demais, seja Michel Temer ou um anônimo apanhado nas malhas da Justiça.

Campanha de embuste: Editorial/Folha de S. Paulo

Há boas razões para crer que a disputa eleitoral deste ano, além de acirrada como poucas vezes se testemunhou na história recente do país, será decisiva para o debate global em torno da disseminação de notícias falsas pela internet.

Afinal, no Brasil se combinam vasta população, graves deficiências em educação e leitura, um mercado jornalístico frágil em diversas regiões e, não por acaso, amplo emprego das redes sociais como fonte de informação.

Estima-se que abriguemos o terceiro maior contingente de usuários do Facebook, atrás apenas de Índia e Estados Unidos -onde o pleito vencido por Donald Trump em 2016 se tornou marco a evidenciar o potencial maléfico das assim chamadas "fake news".

O republicano se beneficiou da propagação de mentiras como a de que teria o apoio do papa Francisco, entre muitas outras, mais verossímeis ou menos, criadas por entidades e interesses nebulosos. Lá como aqui, o combate a esse tipo de campanha embusteira não raro se assemelha à proverbial tarefa de enxugar gelo.

O preço da estabilidade: Editorial/O Estado de S. Paulo

A polarização política do País, no grau de acirramento em que se apresenta de uns anos para cá, não é um fenômeno espontâneo, mas provocado. Na verdade, trata-se de uma artimanha criada em laboratório com um fim específico.

Ela deriva de um processo de recrudescimento do discurso político que foi espertamente pensado e implementado durante os governos lulopetistas, principalmente após vir à tona o escândalo do mensalão, como um subterfúgio para manter acesa a chama da militância naquele momento em que a aura de candura e incorruptibilidade do PT começava a ser revelada como a fraude que foi quando o partido, enfim, chegou ao poder.

Autoungido grande benfeitor da Nação, ator de inquestionável poder social e político, era conveniente ao sr. Lula da Silva àquela época encomendar a seu séquito de marqueteiros uma campanha que, artificialmente, dividisse o País entre “nós” e “eles”, sendo “eles” todos aqueles que ousassem fazer oposição ao demiurgo de Garanhuns ou tão somente apontar suas incoerências e seus desmandos.

Assim começava uma cisão criada artificialmente opondo, de um lado, aqueles que estariam lutando por um País “mais justo e igualitário”, identificados com as causas “do povo” e, consequentemente, com o governo petista; e, de outro, os críticos daquela administração, que estariam motivados por interesses elitistas e excludentes, inconformados com a “democratização do acesso aos aeroportos e às universidades” promovida pelo lulopetismo. Evidentemente, uma grande falácia.

Socializar prejuízos: Editorial/O Globo

Faz todo sentido que funcionários contribuam para cobrir déficits de seus fundos de pensão

O debate que transcorre em torno da reforma da Previdência, em que emerge o tratamento privilegiado de que usufruem o funcionalismo público como um todo e certas castas de servidores em especial, tem servido para destacar o fato de como grupos organizados conseguiram capturar áreas do Estado em benefício próprio. Um dos motivos de ser a brasileira uma sociedade muito desigual.

Há vários casos do mesmo tipo. Além deste, sobre benesses de aposentados da Justiça, do Ministério Público, do Legislativo, entre outros setores do serviço público, há os segurados de fundos de pensão de empresas estatais.

Hoje, enfrentam dificuldades. Mas não se pode esquecer a trajetória destes fundos, entre os quais se destacam os de funcionários da Petrobras (Petros), do Banco do Brasil (Previ) e da Caixa Econômica (Funcex). Segmento também bastante privilegiado durante muito tempo, esses fundos, chamados no passado de “caixas de seguridade”, garantiram altas aposentadorias vitalícias. Uma impropriedade do ponto de vista técnico, atuarial, mas que ainda é garantido a funcionários públicos que recebem benefícios iguais ao último salário obtido na ativa, também beneficiando-se dos reajustes concedidos à categoria. A norma vigorou até dezembro de 2003, garantindo-se o direito do funcionário que estava no serviço público até então.

Uma releitura da história do Brasil

Novo livro do jornalista e cientista político Jorge Caldeira põe em xeque as visões dos clássicos sobre processo de acumulação de riqueza no País

José Fucs / O Estado de S. Paulo, 14/1/2018

Ao longo de sua fértil trajetória como autor de livros históricos, o jornalista e cientista político Jorge Caldeira alcançou um feito invejável. Com uma prosa agradável e contagiante, aliada a pesquisas profundas e criteriosas e a uma abordagem quase sempre original dos temas tratados em suas obras, ele não se tornou apenas um dos maiores produtores de best-sellers do gênero no País.

Mais que isso, Caldeira ofereceu uma “contribuição milionária”, nas palavras perpetuadas pelo escritor Oswald de Andrade no Manifesto Pau Brasil, para despertar ou ampliar o interesse dos brasileiros de todas as idades, formações e posições socioeconômicas, pelos grandes acontecimentos e personagens de nossa história.

Mas, mesmo para alguém com tal retrospecto, seu novo livro – História da Riqueza no Brasil: Cinco Séculos de Pessoas, Costumes e Governos, que chegou recentemente às livrarias – representa uma empreitada ambiciosa. Num campo minado, em que brilharam nomes como os do economista Celso Furtado e do historiador Caio Prado Júnior, que construíram narrativas aceitas e respeitadas pela academia e pelo público, Caldeira se propõe a apresentar nada mais, nada menos que uma releitura profunda da história econômica do País, desde os tempos do descobrimento até os dias de hoje.

Com o uso de novas ferramentas metodológicas, como a antropologia e a econometria, para analisar milhares de documentos e dados digitalizados e realizar o cruzamento das informações, Caldeira chegou a conclusões bem diferentes das alcançadas pelos clássicos, sem prejudicar a narrativa com a inclusão de uma numeralha intransponível aos mortais.

Como no programa Myth Buster (Destruidor de Mitos), do canal de TV por assinatura Discovery, em que os apresentadores usam métodos científicos para testar a veracidade de crenças e lendas populares, ele vai desmantelando ao longo do livro, com sólida fundamentação, uma série de ideias predominantes até agora sobre a nossa história econômica. “Em raros períodos, os resultados dos números e dos estudos antropológicos coincidem com o que indicava a história tradicional”, afirma (ler quadro ao lado e entrevista abaixo).

Excedentes. Caldeira sustenta, por exemplo, que, no Brasil ao contrário do que dizem os clássicos, não havia apenas uma economia de subsistência, à margem do sistema monopolista de exportações para a metrópole, mas um mercado interno robusto, movido à base de trocas informais de gêneros básicos e produtos artesanais.

“Os levantamentos quantitativos sugerem que não há como sustentar o conceito de uma economia colonial formada por um setor interno sem dinâmica mercantil e um setor exportador que concentrava o processo acumulador de produção”, diz o autor no livro. “Quando se reconhece na economia nativa a capacidade de gerar excedentes e promover a sua circulação, tudo muda.”

5 novas ideias sobre o passado

Confira algumas interpretações históricas do autor que divergem das narrativas tradicionais da evolução da economia brasileira

- O Estado de S. Paulo, 14 Jan 2018

1.
Na época do descobrimento, os índios brasileiros não produziam apenas o necessário para sobreviver, mas também excedentes que iam muito além das necessidades vitais.

2.
No Brasil colonial, não havia só uma economia de subsistência à margem do sistema exportador para a metrópole, mas um mercado interno robusto, movido à base de trocas informais de gêneros básicos e produtos artesanais.

3.
À frente dos produtores agrícolas, os mais ricos nos tempos coloniais eram os comerciantes. Entre eles, os mais ricos eram os traficantes de escravos africanos.

4.
Os escravos não se concentravam nos latifúndios, mas estavam distribuídos por milhares de unidades familiares e produtivas. Estima-se que o número de proprietários de escravos no início do século 19 era de cerca de 220 mil.

5.
A Primeira República (1989-1930) não foi um período retrógrado, em que o modelo agrário se manteve inalterado, mas uma fase dinâmica, de forte crescimento econômico, com reflexos em infraestrutura, transportes, industrialização, urbanização e renda.

'A nova metodologia de estudo histórico é filha do computador'

Para o escritor Jorge Caldeira, o cruzamento de dados digitalizados mudou a visão sobre a evolução econômica do País

José Fucs, O Estado de S. Paulo

O jornalista e cientista político Jorge Caldeira levou cerca de dois anos para escrever o livro História da Riqueza no Brasil, sem contar o tempo de pesquisa. Nesta entrevista ao Estado, Caldeira, de 62 anos, fala sobre o processo de produção da obra e diz como o uso da econometria no estudo histórico levou à “derrubada” das versões propagadas pelos autores clássicos sobre a evolução da economia do País.

Estado: Como surgiu a ideia de escrever esse livro?

Jorge Caldeira: Esse livro na verdade é o resumo de 40 anos de pesquisa. As pesquisas foram feitas antes e publicadas de forma dispersa em outros livros que escrevi. A ideia foi juntar o material num todo coerente, abrangendo 500 anos de história e incorporando as novas metodologias de pesquisa histórica baseadas na econometria e na antropologia.

Como funciona a metodologia de pesquisa com base na econometria?

Ela é filha do computador. Antes, como você fazia pesquisa econômica? Os historiadores liam documentos, um por um, e inter-relacionavam o que podiam. Hoje, para estudar a história econômica você insere centenas de milhares, milhões de documentos no computador e usa as ferramentas digitais para cruzar os dados.

O sr. poderia dar um exemplo prático da diferença entre essa nova metodologia e o método de pesquisa tradicional?

Uma coisa é você estudar a história econômica de São Paulo lendo um documento do século 17 de cada vez, como se fazia antes. Outra coisa é fazer o que eu fiz com a biografia do padre Pompeu de Almeida, que era um paulista do século 17, para a qual digitalizei 500 mil páginas de documentos e pesquisei dentro desse conteúdo usando programas de computador. Com o cruzamento de dados, você pode obter um número infinitamente maior de informações do que um pesquisador obtinha pelos métodos tradicionais. Os resultados interpretativos são completamente diferentes. Essa é a mudança central. Esse é o padrão de história econômica hoje.

Desde quando se aplica essa metodologia no Brasil, para a análise da nossa história?

Ela começou com casos pontuais há 40 anos. Agora, o que este livro tem de realmente novo é que ele é, efetivamente, a primeira tentativa de analisar toda a história do Brasil, os 500 anos, com base nos novos dados, nas novas metodologias.

No livro, o sr. “derruba” várias ideias dos autores clássicos sobre a história econômica brasileira. É um verdadeiro myth buster (destruidor de mitos)...

Não é uma questão de derrubar mitos, nem de derrubar as ideias dos clássicos. Foi a condição do conhecimento, com a evolução da tecnologia, que mudou. Os clássicos não tinham como ver isso. Eles não tinham computador, nem banco de dados. Só podiam trabalhar nos limites permitidos pela documentação. Não podiam escrever, por exemplo, sobre a escravidão pegando a média de escravos por proprietários em um censo. Então, eles diziam que predominava o latifúndio no Brasil. Mas, quando você vai ver nos censos, havia latifúndio, sim, mas ele reunia apenas um centésimo da população escrava.

Carlos Heitor Cony era remanescente dos Oito do Gloria

Intelectuais se manifestaram contra a ditadura em 1964 e criaram obras-primas na cadeia

Sérgio Augusto / O Estado de S.Paulo / Aliás, 14/1/2018

Agora só resta o poeta Thiago de Mello. Ele é o último dos moicanos do Glória. Ou, mais precisamente, o último dos “Oito do Glória”. Que, na ponta do lápis, somavam nove. O penúltimo moicano, o jornalista, escritor e acadêmico Carlos Heitor Cony, morreu nove dias atrás, aos 91 anos, a mesma idade do único sobrevivente da primeira manifestação pública contra o golpe de 1964 e a repressão imposta pelo governo do general Castelo Branco.

Haveria uma conferência extraordinária da OEA (Organização dos Estados Americanos), no Hotel Glória, no Rio, e o escritor Antonio Callado teve a ideia de juntar intelectuais, jornalistas, artistas e líderes sindicais num protesto diante do hotel, no dia em que Castelo Branco estivesse presente. Contava-se com uma multidão de indignados, mas no fim da tarde de 17 de novembro de 1965 apenas nove intelectuais compareceram ao ato, empunhando faixas e aos gritos de “abaixo a ditadura” e “viva a liberdade”.

Além de presos e levados para o quartel do 1.º Exército, Callado, Cony, Thiago, mais os cineastas Glauber Rocha e Joaquim Pedro de Andrade, o diretor de teatro Flávio Rangel, o diretor de fotografia Mário Carneiro, o jornalista Márcio Moreira Alves e o embaixador Jaime Rodrigues foram reduzidos pela reportagem de O Globo a “um grupo de esquerdistas arruaceiros”.

Dividindo a mesma cela durante quase um mês, Callado, Cony e Glauber criaram, simultaneamente, três obras maestras dos anos de chumbo: os romances Quarup (Callado) e Pessach: A Travessia (Cony) e o filme Terra em Transe (Glauber), que seriam finalizadas e lançadas em 1967. Cony começou os primeiros capítulos de seu romance, Callado tocou os derradeiros capítulos do seu, Glauber burilou o roteiro e adiantou os diálogos do filme. Noves fora o lampejo de Os Inconfidentes que Joaquim Pedro teve no mesmo cativeiro da rua Barão de Mesquita.

Tratado de Voltaire sobre a tolerância ressoa nos tempos modernos

Obra foi motivada pela condenação injusta de um homem pela morte de seu filho

Martim Vasques da Cunha* / O Estado de S. Paulo /Aliás, 14/1/2018

No dia 9 de março de 1762, o negociante Jean Calas, de 68 anos, oriundo da pequena cidade francesa de Toulouse – segundo seus vizinhos “um bom homem praticante da religião protestante” –, foi condenado à morte pelo assassinato do seu filho Marc-Antoine, convertido ao catolicismo. O garoto se enforcara em uma porta, e aparentemente tirara a vida porque não conseguira cumprir suas dívidas de jogo.

Mas não foi assim que o tribunal de Toulouse viu a situação. Para ele, Calas era um “fanático anticatólico” – uma acusação grave em um país que ainda se recuperava do massacre da Noite de São Bartolomeu, ocorrida em 1562, no qual 4 mil protestantes (huguenotes) foram trucidados a mando da família do rei Carlos IX. O negociante foi executado no “suplício da roda”: o indivíduo ficava esticado numa roda de madeira, quebravam-se seus ossos e membros, e, completamente estraçalhado e já morto, era exposto ao público como exemplo. Dias depois, o corpo de Calas foi jogado em uma fogueira. Até o fim, alegou sua inocência que, enfim, seria provada e sentenciada postumamente pelo tribunal de Paris, em 1765, por coincidência no mesmo 9 de março.

Em 3 de maio de 2014, um domingo, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, do Guarujá, segundo seus familiares uma excelente mãe de dois filhos, “conversadeira e alto astral, vulnerável e inofensiva” – pois tomava medicamentos para controlar o transtorno bipolar diagnosticado após sofrer um aborto espontâneo –, fazia compras num minimercado quando passou a mão na cabeça de uma criança que estava na rua e lhe ofereceu uma fruta. Segundo os juristas Letícia de Souza Furtado e Wilson Franck Júnior em artigo acadêmico publicado na revista Iurisprudentia, “nesse instante, alguém teria apontado a mulher como sendo a ‘bruxa da internet’, porque ela era supostamente semelhante a uma figura representada em difundido retrato falado”, uma “feiticeira” que sequestrava crianças da região para rituais satânicos, arrancando-lhes os olhos e o coração.

O linchamento foi implacável. Durante duas horas, Fabiane “foi jogada num mangue, depois de ter sido amarrada com arame, arrastada, espancada, agredida com uma roda de bicicleta e com pedaços de madeira”. Por uma ironia macabra, a bíblia de capa preta que carregava consigo naquele dia foi vista como prova definitiva do seu “satanismo”. Internada em estado grave naquele mesmo dia, Fabiane morreu no dia 5 de maio, uma segunda-feira. A vergonha tomou conta de quem participou daquele ato hediondo ao perceber que se tratava de uma inocente – e a sensação de horror se acentuou ainda mais quando se descobriu que o evento foi filmado e divulgado nas redes sociais, com momentos escabrosos como o de alguém que, ao ver Fabiane estirada no chão e ao perceber que ela tentava dizer alguma coisa, apenas xingou: “‘Uh’ é o c*, filha da p*. Agora é ‘uh’, né?”.

Graziela Melo: Medo e tristeza

Medo
do escuro,
medo
da escuridão...

tristeza
na alma,
sentimento
de solidão...

É
o tempo
que passa,
correndo,

sem
piedade
sem compaixão...

deixando
mágoas,
seqüelas,
e
feridas
no coração!!!

Saudades
de quem
nunca vi!

Saudades
de quem
esqueci...

saudades
do afeto
da virtude,
do perdão!!!

Saudades
dos que
se foram

e nunca mais
voltarão!!!!

Carnaval de Pernambuco, 100% Frevo