• Presidente diz que vai ‘ impedir que processos não democráticos cresçam e se fortaleçam’; oposição questiona Cunha
Isabel Braga, Catarina Alencastro e Evandro Éboli - O Globo
- BRASÍLIA- Um dia após o governo apresentar seu pacote de medidas para conter a crise econômica, o debate sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff esteve presente tanto no Congresso Nacional quanto no Palácio do Planalto. Após receber manifesto de apoio dos principais partidos da base, a presidente afirmou que fará tudo para impedir que movimentos para tirá- la do cargo se fortaleçam. E ao responder sobre o crescimento de articulações no Congresso em torno de um pedido de impeachment, Dilma lembrou que não vai concordar com processos que a enfraqueçam.
— Obviamente o governo está atento a todas as tentativas de produzir uma espécie de instabilidade profunda no país. O pessoal do quanto pior melhor, esse pessoal, só ele ganha. A população e o setor produtivo, de trabalhadores, de cientistas, perdem. O Brasil a duras penas conquistou uma democracia. Eu sei do que eu estou dizendo. Eu sei quantas penas duras foram para conquistar a democracia. Nós não vamos em momento algum concordar. Ou faremos tudo para impedir que processos não democráticos cresçam e se fortaleçam — disse Dilma.
Na Câmara, movimentos contrários
Na Câmara, foram dois os movimentos que trataram de impeachment. Enquanto aliados da presidente, capitaneados pelo PCdoB, assinavam manifesto contra o movimento de impeachment e em defesa do mandato, líderes de cinco partidos da oposição se reuniram em café da manhã com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), para avisá- lo de um novo passo na direção oposta: apresentariam em plenário uma questão de ordem cobrando detalhamento e esclarecimento de dúvidas sobre a tramitação do pedido de impeachment na Casa.
No primeiro caso, o manifesto que foi entregue depois à Dilma, foi assinado pelos presidentes do PT, Rui Falcão, do PMDB, senador Valdir Raupp ( RO) e do PCdoB, deputada Luciana Santos ( PE), pelo o ministro das Cidades e presidente de honra do PSD, Gilberto Kassab, além dos líderes e deputados de outros partidos como PP e PROS. No documento, eles afirmam que o mandato da presidente se extinguirá em 31 de dezembro de 2018 e se referem à oposição como força política radical.
“Contestam e questionam o mandato popular da presidenta Dilma Rousseff, utilizando- se dos mais diversos subterfúgios políticos e jurídicos, que vão desde o absurdo e inédito questionamento da urna eletrônica, lisura do pleito até a tentativa de criminalização de práticas orçamentárias em um contexto de crise fiscal e utilizadas por vários governos no passado, incluindo a contestação intempestiva das contas de campanha previamente aprovadas na justiça eleitoral”, diz um trecho do documento.
A oposição, por sua vez, apresentou a questão de ordem de 16 páginas, com perguntas variadas sobre a tramitação do processo de impeachment na Câmara, no início da noite de ontem, desencadeando uma série de reações em plenário. Na semana passada, a oposição lançou o Movimento Parlamentar Pró- Impeachment e avisou que a opção é focar no pedido de impeachment feito pelo jurista Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT que rompeu com a legenda em 2005, depois do escândalo do mensalão.
— É preciso que o presidente esclareça quais são as regras, prazos. Essa é uma questão que tem que ser tratada de maneira institucional e não em conversa informal, até para que a presidente, que é alvo do pedido, tenha clareza do que está sendo feito — explicou o líder do Solidariedade, Arthur Maia ( BA).
Na última segunda- feira, Cunha abriu prazo de dez dias úteis para Bicudo fazer adendos ao pedido de impeachment. Para pressionar Cunha, a oposição trabalha para apresentar o aditamento ainda esta semana e os termos estão sendo trabalhados conjuntamente por Bicudo e o jurista Miguel Reale. Nos bastidores, líderes de oposição afirmam que a questão do impeachment é “aritmética”, ou seja, saber o tamanho do apoio que o movimento encontrará na Casa. Calculam o apoio certo de 150 deputados da oposição e outros 70 da base aliada que já flertam com a ideia. Líderes definiram o impeachment como “a fruta que está amadurecendo”.
A oposição dá como certo que Cunha deverá negar o pedido de abertura de impeachment, já que ele vem declarando que os fatos levantados — como as “pedaladas fiscais” — são relativos ao mandato passado. A estratégia é recorrer da decisão de Cunha ao plenário e derrubá- la, com maioria simples, ou seja, 50% mais um dos presentes.
Depois que o líder do DEM, Mendonça Filho ( PE), leu a questão de ordem em plenário, os aliados de Dilma se manifestaram. Em nome da bancada, o deputado Paulo Pimenta ( RS) criticou o fato de a leitura ter sido feita pelo DEM, lembrando que o partido deriva do PFL e da Arena, partido que apoiou o golpe de 1964. O líder do governo, José Guimarães ( PT- CE), também criticou a atitude da oposição e disse que o governo tem capacidade de mobilização. Parlamentares lembraram o passado de lutas de nomes históricos do PSDB e citaram os ex- senadores Mario Covas e Franco Montoro, de São Paulo.
— A presidente tem história, passou muito tempo na prisão quando muitos de vocês serviam à ditadura. Não catuquem a onça com a vara curta, pensem duas vezes. Não recebam como ameaça, mas temos capacidade de reação — disse Guimarães.
Tumulto no plenário
Houve tumulto no plenário, com deputados criticando Guimarães e aliados reagindo. Cunha chegou a pedir a intervenção dos seguranças da Casa, mas não houve embate físico. Líder do PCdoB, Jandira Feghali ( RJ) avisou que as ruas reagirão:
— O Brasil não aceitará nenhum tipo de golpe. A luta política está colocada. Guerra é guerra e nossas armas são as ideias.
Depois dos discursos dos aliados do PT e do PCdoB, líderes da oposição também subiram à tribuna para defender o movimento de impeachment.
— O PT quer fazer uma reeleitura da história lembrando o golpe, mas a comparação aqui é como impeachment do Collor que eles ajudaram a defender — afirmou o presidente do PPS, deputado Roberto Freire ( SP).
A oposição chegou a fazer manifestações em plenário cobrando de Cunha a definição de um prazo para responder às questões de ordem do Democratas. O presidente avisou que levará o tempo necessário para analisar e não estipulou data.
— Eles ( oposição) tiveram um mês para apresentar isso ( a questão de ordem) e agora querem que responda na hora?! Não. O prazo será o necessário. São questões complexas — disse Cunha.