O isolamento político do presidente Bolsonaro quase sempre vem sendo tratado como processo contínuo e, de certa forma, como um destino inexorável. O próprio presidente usou, na reunião ministerial de 22.04, a imagem do barco em direção a um iceberg. Ele não parece se importar muito com isso. Parece veraz quando diz que está se lixando para a reeleição. Sua aposta é outra e errará o partido ou liderança de oposição que centrar sua estratégia em acumular força para vencê-lo nas urnas de 2022. Bolsonaro deve saber que a recessão econômica, já certa, é fator que, somado à sua conduta temerária perante a pandemia, complica as chances de vencer uma eleição em dois turnos. Seu destino eleitoral mais provável seria o que teve Haddad, em 2018. Como não tem compromisso democrático, nem espírito esportivo, adota um script golpista. Perdido por um, perdido por mil. A melhor defesa é o ataque. Só falta descobrir como esse script terá sucesso na presença das instituições defensivas da Carta de 88.
Às vezes, analistas cometem erro similar ao de Bolsonaro. Tratam seu isolamento político como dado. Prestam mais atenção ao embate publicístico e atenção secundária a movimentos moleculares no interior de arenas institucionais, onde a política é decidida, ainda mais em tempos de isolamento social. Por esse viés, o isolamento de Bolsonaro é mais um pano de fundo, não um processo mutante e sinuoso, que merece ser acompanhado mais de perto.
É certo que o isolamento político é relevante e que a erosão do apoio social ao presidente, caso prossiga, deve agravá-lo ainda mais. Mas esse isolamento diminuiu, a partir de meados de abril. O ponto de inflexão foi a exoneração de Luiz Mandetta, do ministério da Saúde. Ali Bolsonaro começou a sair das cordas e passou a atacar o Congresso e os governadores, coração e braços da articulação política que produzia governabilidade e cooperação federativa para combate à pandemia e a redução de danos econômicos e sociais que ela causou. Livrando-se do ministro, eliminou um dos fatores de convergência e despolarização, condições ambientais da política nas quais o presidente respira mal. A polarização é seu oxigênio. Mas como o ministro saiu sem polarizar e o Congresso continuou focado, a dose certa do veneno teria que vir de outro lugar.
A segunda crise, com o ex-ministro Sergio Moro, não foi mero prolongamento da anterior. A conduta do presidente foi a mesma, mas os desdobramentos políticos das duas crises foram opostos. A primeira manteve e a segunda arrefeceu o isolamento do presidente. Provocado nos bastidores, o até então bem-comportado ministro desembarcou subitamente, ao seu estilo midiático. Sem qualquer controvérsia pública precedente, saiu atirando. Em pouco mais de uma semana caiu, vertiginosamente, a taxa de oxigênio do ar. Bolsonaro e Moro o confiscaram.