Alberto Aggio, que proferiu palestras no Estado, traça um panorama da reeleição
Cristina Medeiros - Correio do Estado (MS)
Integrante do Conselho de Redação da revista Política Democrática, historiador e professor titular da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Unesp/Franca, o professor doutor Alberto Aggio esteve em Mato Grosso Sul, onde proferiu palestra sobre o tema “Novo governo. O que nos espera?”, nas principais universidades (Dourados e Campo Grande). Ele aceitou o convite do Correio do Estado para falar sobre vários temas ligados à reeleição da presidente Dilma, envolvendo desde o clamor do povo por mudança, a estratégia do governo para conseguir se manter no poder, até o cenário político e econômico.
Correio pergunta - Os números da urna mostraram que esta foi uma eleição como há muito não se via, movida pelo clamor de mudança. Que mudança é esta que o povo pediu?
Alberto Aggio – Há um sentimento muito difuso de mudança da sociedade brasileira, que se expressou em junho de 2013 nas ruas das capitais dos principais estados. De maneira difusa, estas manifestações trouxeram à tona muita coisa, em especial o descontamento profundo com a forma de viver. Quer dizer não só em relação à política, mas a forma de viver e a ideia do direito e do aprofundamento da ideia de liberdade de cada pessoa viver e fazer a sua vida como quiser. Então, havia este pano de fundo geral, mais profundo, de um certo cansaço com muitos males da vida. Mas, junto disso, identificou-se, como muitos males da vida, a incapacidade de o Estado brasileiro, no seu conjunto, atender às necessidades da população – quer uma população mais pobre ou a população de classe média, etc. Eu acho que embora os movimentos tenham cessado logo no segundo semestre de 2013 e boa parte de 2014, este sentimento de mudança ficou latente. E isso se expressou na campanha eleitoral. Tanto é, que a própria candidata que foi eleita adotou uma palavra de ordem na campanha que indicava mudança. Ou seja, teve o sentimento de que o Estado não atende a população porque o transporte não é bom, a saúde, a educação, a segurança, a infraestrutura não são, tudo isso passava como sentimento de muita irritação da população. Havia um grande descontentamento sobre como anda a democracia brasileira. Não era uma crise da democracia, era uma crise na democracia, como ela se portava. Eu acho que isso, de maneira latente, se manteve e se expressou nas eleições, e cada candidato se colocou conforme este sentimento, no sentido de obter aprovação.
E, então, o velho governo assume o novo governo. O que nos espera?
Para responder esta pergunta eu tenho que falar, mesmo que rapidamente, sobre o que eu vi na campanha. Pensando na candidata do governo de situação que venceu as eleições, como é que ela venceu? Ela venceu convencendo a maioria de que aquele era um governo bom e que merecia continuar? Não! Ela mesma dizia: “Novo governo, ideias novas”. Então, em sua própria campanha, ela afirmava este tipo de coisa. Segundo lugar: no embate eleitoral, ela venceu não por conta de derrotar os outros candidatos, mas por conta de demonizar os outros candidatos. Demonizar criando uma situação de aterrorizamento, no sentido de que ela informava diuturnamente, com o seu partido, com as suas lideranças, que, caso algum dos candidatos concorrentes vencesse as eleições, o Brasil iria entrar num retrocesso profundo, num colapso, que as pessoas iriam passar mal, que faltaria comida na mesa, que o transporte pioraria, que o Samu desapareceria. Tudo isso que, obviamente, são construções que envolvem o governo dela e os anteriores, mas ela afirmava isso de maneira muito grotesca, muito tosca. E isso, de certa forma, acabou gerando uma situação de temor. Dilma Rousseff venceu pelo temor, não porque convenceu que seu governo era bom, que merecia mais quatro anos. Ela ganhou desta maneira. E ganhar assim implica em como será o novo governo diretamente. É um governo que fracassou, porque chega ao seu final, na parte econômica, com muitos problemas; há uma defasagem muito grande entre o que o País cresce e a inflação que existe, e isso prejudica as camadas de trabalhadores; crescimento baixo, dificuldades em relação aos financiamentos do aparelho público... Trata-se de um governo que termina e é eleito sem credibilidade e sem confiança.
O cidadão gostaria de ver um novo governo que recupere a economia, elimine a corrupção, assuma a educação como prioridade, consolide a ascensão socioeconômica dos mais pobres e fortaleça as instituições democráticas. Como fazer com que essas projeções genéricas se tornem realidade?
Com um plano de governo pontuando todas estas questões e colocando gente competente e honesta nos ministérios, há grande probabilidade de qualquer Congresso dar apoio a um governo deste tipo. O que falta? Ter clareza do que a presidente que venceu as eleições vai fazer. O que nós vamos buscar por hoje é tentar, por meio dos sinais emitidos, ver o que ela vai fazer. Na área econômica, por exemplo, nós temos alguma clareza.
Seguindo este raciocínio, então, quais são os principais pontos estratégicos e sensíveis que o novo governo enfrentará?
Com certeza, o primeiro é o da economia. E é necessário dar uma demonstração clara para os setores produtivos do País que o Brasil voltará a ser uma economia atrativa, uma economia com regras claras e que tem condições de ocupar um novo lugar no cenário mundial. Para fazer isso, é necessário romper com um processo que já começa a ficar perigoso: contas públicas desorganizadas e inflação. A presidente Dilma e seus principais colaboradores têm dito à opinião pública que não farão um ajuste profundo, não farão tarifaço e estas coisas todas. Mas condutas deste governo são condutas temerárias. Por exemplo, este projeto de alterar a meta fiscal no fim do ano de exercício, para fingir que os números podem gerar credibilidade, com números irreais, isso é temerário. É óbvio que continua mal. Ela ainda nem começou e continua mal. Porque, se o novo governo for expressão deste que está terminando, o que podemos dizer é que nos espera um governo de crise crônica, um governo cheio de turbulências e com uma tentativa burlesca de alterar a realidade, os números. O Brasil é um país de grandes oportunidades, mas não pode ser de selvageria. Por isso nós já afastamos um sistema de selvageria, como no período militar. E, para não ter isso, os contratos têm que ser claros, a postura do governo tem que ser mais transparente. Então, todas estas coisas, no âmbito político, de governo, repercutem diretamente na sociedade. Hoje, nós temos um governo pouco crível e, se continuar assim, será um governo repleto de turbulências.
O PT é conhecido por ter defendido a ética quando estava na oposição e, ao chegar ao poder, por ter se envolvido em casos de corrupção. O PT de ontem não é mais o de hoje?
Eu acho que é e não é. Eu acho que uma das faces do PT era, na sua criação, a de um partido vindo do mundo sindical, e este mundo sindical, como todos nós sabemos, é um mundo de negociação. Numa cultura política mais lasciva como nós temos no Brasil, com pouco enraizamento democrático, eu acho que este deslize do PT em relação à corrupção, ao aparelhamento, à obtenção de favores, dinheiro, etc., isso já vem desde o início. É claro que dentro do PT, desde a fundação, existem outros setores como o da igreja católica, o da esquerda, os intelectuais, os progressistas, esta coisa que não faculta dizer, mas o sindicalismo, sim. E junto da vitória, este PT incorpora tudo. A principal mudança que eu vejo é que o PT deslocou seu eixo de sustentação. Ele não é mais o partido do Brasil moderno, cosmopolita, cheio de inovações e passou a ser o partido que é apoiado grandemente em regiões onde os caciques, que fazem a velha política, dão sustentação ao PT. Isso não quer dizer que o PT não tenha voto em todo o País, ele tem. No entanto, a sua vitória, recorrentemente, se deslocou para as áreas menos desenvolvidas do País. Eu acho que tinha este componente do sindicalismo, de resultado no nascimento do PT, e com a conquista do governo, por meio de mecanismos, que nem mesmo ideologicamente as correntes que formavam o PT admitiam, passou a ser negociado e renegociado dentro de seus próprios discursos. Ele chega aí, faz um tipo de aliança e, depois, se encaminha para uma aliança com o PMDB, que foi sempre um partido execrado pelo PT. Então, você percebe claramente que o governo Dilma é um governo que busca realizar compensações dentro da aliança que ele promove, que nem sempre atinge o patamar que todos nós desejaríamos, que é o tipo de aliança clara, com interesses claros, com política clara resultante desta aliança, ou seja, não é nada programático. Então, que esquerda é esta que o PT acabou virando? É uma esquerda, que a gente pode dizer, sem nenhuma capacidade de universalização. Ela já não tem rumo, só funciona para o seu projeto de poder, não é um ator, animador de uma reforma social importante que a sociedade brasileira poderia viver.
Após a ditadura, quais foram os maiores ganhos políticos que o Brasil conquistou?
Sem dúvida nenhuma é a Constituição de 1988. Porque faculta a Constituição de 1988 à liberdade individual e coletiva, à busca da igualdade, fazendo com que se entenda claramente que o Estado tem que se voltar para o atendimento aos direitos da cidadania e, por fim, até à ideia da fraternidade. São os direitos difusos que se espalharam pelo Brasil. E isso eu digo não só em relação ao Brasil, mas é importante também para a América Latina, já que nós temos a estabilidade que temos.
Por que o brasileiro tem a sensação de que entra governo, sai governo e as conquistas básicas não avançam como deveriam – educação, saúde e segurança pública?
De um lado, eu concordo com esta formulação, a sensação do brasileiro é a de que as coisas não mudam. Mas, do outro lado, eu não concordo, porque eu acho que mudam. Acho que há um processo de mudança que nós não percebemos muito bem ele sendo realizado, produzido. Acho que tem aí um fato de que o brasileiro espera muito do Estado. Portanto, se a ação do Estado não é impactante para ele, ele continua com esta sensação de que nada muda. Mas muita coisa tem mudado em todos os sentidos.
Poderíamos dizer que as classes menos favorecidas percebem esta mudança muito mais do que as de maior poder aquisitivo?
Eu penso que o brasileiro não quer dádiva do governo, ele quer oportunidade. O governo tem que atuar conforme a necessidade coletiva dos direitos do cidadão e o Estado tem que funcionar para os menos favorecidos mesmo. Mas não como um pacto conservador com estes menos favorecidos, mantendo-os no mesmo patamar, no mesmo lugar. Isso é péssimo para a democracia. Pode ser bom para o PT, que consegue se reeleger, mas isso tem fôlego curto, não muda o País profundamente.