domingo, 3 de outubro de 2010

Reflexão do dia – Enrico Berlinguer

A experiência realizada nos levou à conclusão — assim como aconteceu com outros partidos comunistas da Europa capitalista — de que a democracia é hoje não apenas o terreno no qual o adversário de classe é forçado a retroceder, mas é também o valor historicamente universal sobre o qual se deve fundar uma original sociedade socialista.

(Enrico Berlinguer, no discurso, em Moscou ,1977 sobre ‘a democracia como valor universal’)

Segundo turno :: Fernando Henrique Cardoso

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A campanha eleitoral termina sua primeira fase como se estivéssemos escolhendo entre duas ou três pessoas em razão de suas diferentes psicologias, grandes feitos, pequenas fragilidades pessoais ou o que mais seja. E não porque representam caminhos diversos para o país.

O governo de Lula e do PT se iniciou disposto a exercer o papel de renovador da política e da ética. Termina abraçado com a despolitização e o clientelismo. Ser pragmático é o que conta; ter bons índices de popularidade, aproveitar as águas calmas de um PIB em ascensão para distribuir benesses para todos os lados, fazer discursos inconsistentes, mesmo que chulos, para agradar a cada audiência. E, sobretudo, criar muitas imagens, registrando desde o ridículo até o sublime. Lula na Bolsa se autodefinindo como sumo sacerdote do capitalismo financeiro global representou o coroamento de uma trajetória. Como se de suas mãos escurecidas de petróleo brotassem ações ricas em dividendos futuros, e não do esforço árduo de gerações de trabalhadores, técnicos e políticos para viabilizar a Petrobras como uma grande companhia, da qual todos nos orgulhamos.

Por trás das máscaras dos candidatos, contudo, existem opções reais. Se elas se apresentam desfiguradas pelas técnicas mercadológicas, nem por isso deixam de representar distintas visões do país e interesses diversos. É por isso que, diga-se ou não, o dia de hoje é marcante. Em primeiro lugar, porque a despeito de o chefe da nação ter-se comportado como chefe de facção, chegando a falar em extermínio de adversários; apesar da massa de recursos mobilizada em propaganda direta ou indireta com as cornucópias públicas a jorrar rios de anúncios sobre “grandes feitos”; em que pese o personalismo imperial do presidente em sua verborreia incessante; não obstante tudo isso, com certeza pelo menos 40% dos eleitores não se dispõem a coonestar tal estado de coisas. E é pouco provável que os que ainda pendem para o outro lado alcancem hoje os 50% mais um dos votos válidos. A tentativa plebiscitária do “nós bons versus eles maus” não colou, a menos que se condene metade do país ao infortúnio de uma qualificação negativa perpétua.

Em segundo e principal lugar, o dia de hoje é importante porque abre um caminho para a convergência entre os que resistem ao rolo compressor do oficialismo (o PSDB com Serra e o PV com Marina). Temos em comum a recusa ao caminho personalista e autoritário. Rejeitamos a ideia de que esse caminho seja o único capaz de trazer progresso econômico e bem-estar social. Sabemos que, junto com o que de positivo possa haver sido alcançado nos últimos oito anos, houve também a penetração avassaladora de interesses partidários na administração pública.

Também nela penetraram os interesses de grandes empresas, fundos de pensão e sindicatos. São estes os atores que, em aliança oportunista, dão sustentação à ideia de que é o Estado o motor do crescimento econômico. Os que resistem ao rolo compressor acreditam que o antídoto para esses males é o fortalecimento das instituições, o respeito às regras legais e a afirmação de lideranças que não dividam o país entre “eles” – os maus – e “nós” – os bons.

Não é pouca coisa, portanto, o que está em jogo. Segundo o mantra oficial, a disputa política estaria resumida a dois blocos. No primeiro, estariam os que estão comprometidos com o interesse popular, com o bem-estar social e com a defesa dos interesses nacionais pelo Estado. No segundo, os “moralistas”, que só se preocupam com o mundo das leis e com a honestidade na política porque já estão bem na vida. Vencendo o primeiro, o povo se beneficiaria com a distribuição de renda, as bolsas, emprego abundante etc., e o país com mais investimento e com a ação estatal para incentivar a economia. Vencendo o segundo, prevaleceriam os interesses dos que não olham para “o andar de baixo”, na metáfora expressiva, embora incorreta, e podem se dar ao luxo de exigir formas corretas de conduta.

É preciso recusar essa visão distorcida do país. Na verdade, ele tem vários andares, e um ou mais elevadores que sobem e descem. Há mobilidade social e mobilidade política. O que hoje pode ser visto como “moralismo” amanhã pode tornar-se aspiração de todos os andares. É esta a batalha a ser travada. Não denunciamos a corrupção, o clientelismo e a ineficiência por “moralismo”, mas, sim, para mostrar, em nome da justiça social, o quanto os andares de baixo perdem com a ineficiência, a corrupção e o clientelismo. Não aceitamos que os defensores do patrimônio público ou os que denunciam o abuso do poder político sejam, por isso, chamados de elitistas. Haverá mais e não menos inclusão social e desenvolvimento quanto mais eficiência houver no governo e decência, na vida pública.

A votação de hoje provavelmente nos levará ao segundo turno. Nele será indispensável mostrar que o PSDB não apenas foi decente como também fez muito pelo social quando foi governo. A começar pela estabilização, que é obra do nosso governo. Fez e está credenciado a fazê-lo novamente, junto com Marina, porque sabe que não há desenvolvimento de longo prazo sem sustentação ambiental.

Sem se arvorar a ser o único portador desses valores, é isso que Serra representa: a recusa da confusão entre malandragem e proximidade com o povo, entre abuso estatal no controle da economia e ação vigorosa do governo no manejo das políticas econômicas e sociais. O dia é hoje, a hora agora, para começar a construir um futuro melhor: o país merece um segundo turno no qual o confronto aberto entre os contendores dê aos eleitores a oportunidade de ver as diferenças entre os caminhos propostos, encobertas até aqui pela rigidez das máscaras mercadológicas.

*Ex-presidente da República

O mundo depois das eleições :: Rubens Ricupero

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O futuro governante do Brasil, para fazer um bom governo, tem de ser capaz de compreender o mundo

O futuro governo eleito hoje vai depender muito de sua capacidade de entender o mundo que encontrará no dia da posse. Esse cenário sofre a influência de riscos consideráveis: o contínuo desentendimento sobre a manipulação das moedas e seus efeitos no comércio; a deterioração do clima político e social devido à recuperação arrastada das economias e sinais inquietantes de agravamento da situação de segurança na Ásia.

O desacordo sobre moeda não foi resolvido pelo G-20. Na prática, nada mudou, apesar dos apelos aos países cronicamente superavitários (China, Japão, Alemanha) para que deixassem de apreciar a moeda a fim de estimular a demanda global, aceitando deficits comerciais.

Ninguém renunciou aos saldos; o projeto de lei anti-China no Congresso americano e a ofensiva de Tóquio em favor do yen confirmam a dificuldade de corrigir os macrodesequilíbrios globais em um sistema sem regras nem disciplina em matéria de moeda e câmbio.

De todos os riscos, este é o mais imediato para o Brasil, uma das raríssimas economias que se resignaram a uma moeda supervalorizada, de custo cada vez mais intolerável para o balanço de pagamentos e a competitividade comercial.

O desemprego nos EUA e os cortes de gastos na Europa corroem a coesão social, empurrando o eleitorado para a direita. Seria exagero comparar com os anos 30, mas a obsessão com ciganos e bodes expiatórios, reações irracionais como o Tea Party dissipam o que sobrou da esperança da eleição de Obama.

Sem que se vislumbrem soluções para o conflito palestino-israelense, o programa nuclear do Irã ou a guerra do Afeganistão, agrava-se a tensão no Mar da China.

A afirmação mais agressiva das exigências de Pequim sobre ilhas disputadas se confronta com o Japão e vários outros protegidos pela esquadra americana. Os problemas da Índia na Caxemira e do Paquistão com os terroristas mostram que a Ásia não se resume ao sucesso das economias.

É também, como lembrava Kissinger, o único continente desprovido de um acordo regional de segurança e onde os grandes atores continuam a se comportar como na política europeia no período que antecedeu a guerra de 1914.

Nessas águas revoltas é que terá de navegar uma diplomacia brasileira que já não contará com a estrela de Lula. Cujo brilho, aliás, começou a enfraquecer após a visita a Teerã e uma sucessão de provocações gratuitas.

A ação pessoal e diplomática do presidente foi central em dois episódios: o da elevação do G-20 a substituto do G-7 na coordenação das economias e o acordo sobre urânio com o Irã. O primeiro teve êxito por coincidir com a postura dos EUA e os interesses da China e da Índia. O segundo se frustrou por contrariar interesse vital americano e não obter apoio da China, Rússia e Índia.

A lição é clara: as promessas do cenário mundial só se realizam quando as iniciativas são construtivas e consensuais. O Brasil se afirmará como ator global se a diplomacia for sóbria e sem jactâncias, de aglutinação, não de divisão.

O país conquistará respeito não com armas ou bravatas, mas sendo uma força de moderação e equilíbrio a serviço da paz, dos direitos humanos, da democracia, não dos tiranos e caudilhos.

Democracia consolidada:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O Brasil que vai às urnas hoje completou 25 anos de democracia, o mais longo período consecutivo na história política do país. Passou também, nesse período, por testes de consolidação democrática, com duas alternâncias de poder na presidência da República feitas com sucesso, como definido pelo cientista político americano Samuel Huntington, e tendo todos os atores relevantes da cena política aceitado a tese de que o único modelo possível para o país é a democracia, como os cientistas políticos Juan Liz e Alfred Stepan definem um país com democracia consolidada.

Como nossa experiência política é relativamente recente, esses testes foram ultrapassados não sem alguns percalços.

A primeira alternância de poder de um presidente eleito diretamente foi feita de maneira indireta, com o vice-presidente Itamar Franco assumindo o lugar do presidente impedido Fernando Collor, e passando a faixa para seu Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso.

E a aceitação da democracia como única escolha admissível, se por um lado é feita formalmente por todos os atores da cena política, volta e meia é posta em dúvida por tentativas de aprovação de leis autoritárias que colocam em risco a liberdade de expressão, um dos pilares da democracia.

Ou por abusos do poder político ou econômico, como no caso da quebra de sigilos fiscais e bancários de pessoas ligadas ao PSDB, uma conseqüência do aparelhamento do estado operado pelo governo petista.

O brasilianista Timothy J. Power, diretor do Centro Latino-Americano da Universidade de Oxford, na Inglaterra, em um trabalho publicado recentemente na Latin American Research Review, salienta que o país nesses 25 anos, conseguiu evitar “algumas das mais espetaculares doenças que afligem os países vizinhos, como crise financeira, colapso do sistema partidário, populismo, separatismo, e troca de presidentes por meios constitucionais dúbios”.

Para ele, o Brasil pós 1985 deve ser definido não pelo que ele é, mas o que ele “não é”. Deste ponto de vista, assim como o resultado eleitoral de hoje parece estar para ser decidido dentro da margem de erro dos institutos de pesquisa, também nossa jovem democracia caminha no fio da navalha, mostrando força em uma eleição nacional que caminha para ser mais uma grande festa cívica, mas que teve momentos em que flertou com a ilegalidade, a começar pelo próprio presidente da República que, na disposição de eleger sua candidata a qualquer custo, não hesitou em burlar a legislação eleitoral.

Entre tantos feitos “inaugurais” de que se gaba, ter sido multado várias vezes pelo Tribunal Superior Eleitoral durante a campanha por abuso de poder político será certamente uma recordação negativa no seu currículo político, fato que a provável eleição de sua escolhida hoje no primeiro turno certamente tornará irrelevante para seus critérios pragmáticos, onde o que importa é a vitória.

Também a atuação do Supremo Tribunal Federal na indefinição de regras para a eleição, deixando num limbo os votos dos candidatos Ficha-Suja e mudando a regra de procedimentos eleitorais às vésperas de sua realização mostram bem as incertezas que ainda temos que transpor para termos uma democracia sem o risco de inseguranças jurídicas e políticas.

O Supremo viu-se ainda às voltas com o episódio nebuloso de um telefonema dado pelo candidato tucano José Serra ao ministro Gilmar Mendes, supostamente para tentar manter a exigência de dois documentos para votar, o que teoricamente porejudicaria os eleitores de Dilma Rousseff. Mendes, além de negar a conversa, retrucou insinuando que o ex-Ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos interferiu na votação.

O processo eleitoral, assim como já acontecera em 2006, foi pontuado por críticas a supostas tentativas de golpe, acusação de que o PT e o governo se utilizam com freqüência quando acuados por denúncias de corrupção que podem influir no ânimo do eleitorado.

Mas sempre que os limites da democracia são testados por setores mais radicais da cena política, a sociedade reage de maneira vigorosa e as coisas voltam ao lugar.

A reafirmação, por parte da candidata oficial e de seu patrono, da absoluta imprescindibilidade da liberdade de imprensa marca o compromisso com a democracia que prevalece nesses 25 anos.

Como ressalta Timothy J. Power em seu estudo, um dos mais importantes destaques da democracia brasileira hoje é a ausência absoluta de atores de importância que sejam contra o sistema, e talvez o mais emblemático acontecimento recente tenha sido a promoção pelo Clube Militar do Rio de Janeiro de um painel para discutir justamente o apoio à liberdade de imprensa.

Apesar desses avanços, ressalta Power, ainda persistem problemas que podem minar nossa democracia, como a enorme desigualdade social que somente com o Plano Real começou a ser combatida efetivamente, dando margem a que os programas assistencialistas aprofundados pelo governo Lula pudessem iniciar uma lenta reversão da pobreza absoluta.

O sucesso dessas políticas de transferência de rendas, seja através do Bolsa-Família, seja por outros programas sociais ou o aumento do salário-mínimo, criou uma nova classe média marcada mais pelo consumo de bens do que por uma efetiva mudança estrutural da sociedade brasileira, que ainda carece de uma revolução educacional que transforme essa mobilidade social em um fenômeno permanente e consolidado nas futuras gerações.

Timothy Power ressalta em seu trabalho que a democracia brasileira é mais política do que econômica, cultural ou social.

Desse ponto de vista, temos mecanismos que permitem “robusta contestação política e ampla participação, com eleições competitivas que permitem a alternância de poder”, além de presença de instrumentos legais e garantias constitucionais que permitem o funcionamento das instituições.

O importante não é que haja obrigatoriamente a alternância no poder, e sim que exista, apesar de constrangimentos já tratados aqui, a possibilidade dessa alternância, sem contestações.

É o fim de um caminho:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O resultado da eleição de hoje é incerto, não se sabe se amanhã a campanha recomeça ou se estará decidida a sucessão do presidente Luiz Inácio da Silva, mas uma coisa é certa: a atual campanha presidencial foi a mais esquisita, para não dizer bizarra, de todas as eleições desde a redemocratização.

Inclusive por suas contradições. Por exemplo: foi a menos politizada de todas e, no entanto, a primeira em que a sociedade interferiu concretamente para que fosse tomada uma providência contra os políticos de vida pregressa duvidosa, os chamados fichas-sujas.

Não dá para dizer que não houve avanços se gente que antes circulava de cabeça erguida a despeito do peso da folha corrida, dando de ombros e se lixando, agora está moralmente condenada em praça pública.

Uns renunciaram, outros se expuseram ao vexame de recorrer a "laranjas", muitos perderam votos com a exposição negativa e nenhum deles terá os votos computados hoje. Em princípio esses votos serão considerados nulos.

Posto o monumental ganho, vamos às constatações menos positivas a respeito da campanha que se encerra.

Verdade que, cada qual a seu modo, os candidatos desta vez eram verdadeiros breves contra a luxúria eleitoral.

José Serra, prontíssimo para o cargo, mas zero à esquerda em matéria de "appeal", carisma, borogodó, tenha o nome que for aquilo que atrai e mobiliza as pessoas.

Marina Silva fala de coisas modernas, é elegantíssima nos modos, na fala e no pensamento, põe os dedos em algumas feridas com precisão. Mas o faz com tal delicadeza e adjetivação vã que se torna inaudível e ininteligível.

Plínio de Arruda Sampaio tenta fazer o démodé transgressor, mas o personagem morreu com Leonel Brizola, que o encarnava com charme intransferível.

Dilma Rousseff por enquanto não é nada além de uma criação de Lula, dos conselheiros de forma e conteúdo, do cabeleireiro Celso Kamura. Ensaiada, quando livre parece rude.

Com esse plantel não daria mesmo para se produzir um grande espetáculo. Mas saiu pior que a encomenda. O presidente Luiz Inácio da Silva institucionalizou a transgressão. A oposição a rigor não disputou porque quando entrou em campo o jogo ia longe, e tudo isso já é bem sabido.

Um ponto a respeito do qual pouco se falou e que salta como um dos grandes fiascos da temporada são os debates de televisão. Os candidatos não ajudam? Não, mas o modelo tampouco favorece a um real embate de pensamentos, estilos e personalidades.

Os marqueteiros mandam em tudo. Impõem os interesses dos clientes que jogam com medo de errar e sem vontade de acertar (o fígado do oponente).

Em nome do bom-mocismo, os candidatos estão fingindo que debatem, as emissoras fazendo de conta que promovem debates e o eleitor/telespectador fica no "ora, veja"; feito bobo, até tarde, esperando que aconteça alguma coisa que altere aquela situação totalmente artificial.

Trata-se definitivamente de um modelo esgotado, um formato a ser repensado e remodelado, na próxima eleição, sob pena de caírem em desuso por desinteresse no uso.

Comparativo. Segundo o TSE, 3.162 candidatos tiveram o registro negado pelos tribunais eleitorais, sendo que, destes, 1.248 ainda estão pendentes na instância superior.

Em 2006 o número de candidaturas indeferidas foi de 1.563. Outros 1.030 renunciaram à postulação, somando 2.593 candidatos.

Se todos os vetados agora forem impugnados em definitivo, terá havido aumento, mas não muito grande, de candidaturas tidas como inaptas depois da aprovação da Lei da Ficha Limpa.

Assim é. No debate da TV Globo, quinta-feira, ao fim das considerações finais de cada candidato, as "torcidas" saudaram com palmas as manifestações dos respectivos candidatos. Menos os tucanos. Ficaram em silêncio não se sabe se por excesso de apreço ao veto a manifestações da plateia ou por escassez de entusiasmo.

Fim de uma etapa:: Ferreira Gullar

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Enquanto o PSDB optara pela esquerda moderada, o PT continuava a alimentar anseios revolucionários

Pode ser que as eleições de hoje assinalem o fim de um período de nossa história política. Se for verdade, não significa, porém, que haverá um corte drástico, algo terminará de vez e outra coisa começará. Talvez até essa mudança independa do resultado eleitoral de hoje, muito embora possibilidades diversas surjam, conforme esse resultado.

Trata-se de mera intuição, uma vez que me faltam as qualificações de cientista político e mesmo as de um analista experimentado na matéria. Intuo, não obstante, que algo chega a seu termo, algo que começou durante o regime militar e se desenvolveu nestes 25 anos de regime democrático.

Vou tentar formular esta minha tese que, como disse, apenas intuo, apreendendo difusamente certos indícios do que me parece ter ocorrido nesse período. Começo pelo começo, com o fim dos partidos que existiam antes do golpe e que foram todos dissolvidos, obrigando os políticos a se acomodarem dentro de dois partidos apenas: a Arena, de apoio ao regime, e o MDB, de oposição, o que, por si só, já os qualificava, uma vez que, se optar pelo partido governista muitas vezes implicava oportunismo, optar pelo outro exigia coragem e convicção, ainda que se tratasse de oposição consentida.

Nesse ponto se concentrava o nó da questão: é que os militares, por não quererem assumir o caráter autoritário do regime, admitiram a existência de um partido oposicionista, mas, claro, só até certo ponto; isto é, um partido que não pretendesse chegar ao poder. Tratava-se, sem dúvida, de uma farsa e isso dividiu a oposição: uma parte dela acreditava que, aceitando as regras da ditadura, valer-se-ia delas para ir aos poucos ocupando posições e conscientizando o povo, enquanto a outra parte se negava a isso e pregava o voto nulo.

A situação era complicada porque, se a aceitação das regras implicava trabalho político paciente e que exigiria anos, o voto nulo, por sua vez, fortalecia o regime, que saía das urnas amplamente vitorioso. Os defensores desta posição, constatando a inutilidade de sua opção, terminariam se encaminhando para tentar a derrubada do regime pela força, isto é, pela luta armada. O resultado de tal escolha era previsível, uma vez que a vulnerabilidade do regime era política -pois nascera de um golpe de força- e não militar, já que, nesse campo, contava com as três forças armadas e mais as polícias militares estaduais.

Os guerrilheiros foram facilmente derrotados, o que, de certo modo, fortaleceu a posição dos que haviam optado pela luta no plano político. Por sua vez, os ex-guerrilheiros e seus simpatizantes, tendo aprendido a lição, decidiram também disputar o poder politicamente. E nasceu o PT.


Enquanto isso, no seio do partido de oposição também as contradições se aguçavam, uma vez que a consistência do regime militar -além de suas imposições e artimanhas, como o AI-5 e a criação de senadores biônicos- levou a uma divisão no seio do partido oposicionista, dando nascimento ao PSDB. Estavam formadas, assim, as duas forças políticas que iriam disputar o governo do país após o fim da ditadura militar, em 1985.

Embora, no início, esses dois partidos tenham tacitamente formado uma frente de luta contra o regime, eles eram essencialmente diferentes, como se confirmaria mais tarde. É que, enquanto o PSDB optara por uma esquerda moderada que preservaria o processo político democrático, visando apenas restaurá-lo e reformá-lo de acordo com as necessidades e possibilidades da sociedade brasileira, o Partido dos Trabalhadores continuava a alimentar anseios revolucionários, já que a maioria de seus fundadores inspirava-se na revolução cubana e via nela o exemplo a ser seguido pelo Brasil.

O PSDB chegou ao poder em 1995 e, de certo modo, esgotou seu papel. O PT chegou lá em 2003 mas, para isso, teve que abrir mão de seu revolucionarismo de palavra, substituído pelo pragmatismo de Lula, que agora tenta sobreviver travestido de Dilma Rousseff. Muda-se o sonho cubano, agonizante, em uma espécie de neopopulismo.

Já o PSDB, sem o vigor original, tenta, com José Serra, uma sobrevida; se ele perder, acaba também. Será então a vez de Aécio Neves e Sérgio Cabral que, de outra geração, ignoram a opção entre direita e esquerda.

Haja coração! :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O Planalto já até pediu reforço de segurança na Esplanada dos Ministérios para comemorar hoje à noite a vitória de Dilma Rousseff no primeiro turno. Precipitou-se. Tudo pode acontecer.

Considerando-se 2002 e 2006, os tucanos conseguem nas urnas um percentual levemente superior ao apontado nas derradeiras pesquisas. Se isso se repetir, o segundo turno será uma realidade. Se não, Dilma terá fechado a eleição com índices apertados.

Caso dê primeiro turno, Lula ficará impossível e voltará a confrontar a imprensa e a tripudiar os adversários, porque o furacão só foi contido temporariamente pelos marqueteiros. E a festa do PT com o PMDB, o PSB, o PDT, o PP e o PC do B já deixará evidentes as diferenças e a troca de cotoveladas por espaço de poder no novo governo.

Caso dê segundo turno, PSDB, DEM e PPS estarão ao mesmo tempo comemorando e trocando acusações em público, coisa em que são craques. A esta altura, garantir o segundo turno numa eleição tida e havida como perdida corresponde a vitória. A oposição sabe perder, mas não sabe "ganhar".

E os dois lados vão pular em cima de Marina Silva e do PV. Marina fez uma bela campanha e, mesmo sem chance de chegar ao segundo turno, ela foi decisiva para garanti-lo. Ou volta para os braços do PT ou vai para os de Serra -que, como ela disse, iria "perder perdendo".

O segundo turno é sempre alardeado como uma "nova eleição". Mais ou menos.

Lula chegou na frente no primeiro turno de 2002 e 2006 e acabou ganhando no final. No segundo turno, ele engordou, Alckmin emagreceu.

Naquela eleição, o PT propagandeou aos quatro ventos que o PSDB iria vender a Petrobras, o Banco do Brasil e todas as estatais. Colou. Resta saber qual vai ser o boato, ou a maldade, desta vez. Se é que, realmente, vai haver segundo turno. O Brasil amanhece hoje com uma enorme interrogação.

Reflexos da História:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

A cama onde morreu Getúlio é baixa e acanhada para os padrões atuais. O chuveiro, pequeno. Entrei no quarto dele, pensei no mistério daquela morte, olhei longamente o revólver, o pijama. Depois, andei pela exposição sobre a história da República. O começo tumultuado e militarizado, depois, jogo de cúpula, ditaduras. Breves respiros democráticos; mesmo assim, uma história de avanços.

Passei algumas horas da última quinta-feira no Palácio do Catete, sede do governo de 1896 a 1960, que viu esperanças e descaminhos da República e, ainda hoje, aprisiona o estupor do suicídio de um presidente.

Os belos espelhos do Salão Nobre criam a ilusão de ser maior a sala onde os presidentes tomavam posse. Desviando dos espelhos, para evitar o reflexo, pusemos três cadeiras para gravar o programa Espaço Aberto sobre a história do voto no Brasil e os dilemas atuais: que reforma política? Voto obrigatório ou não? Ficha Limpa ainda que tarde.

O cientista político Jairo Nicolau e o jurista Luis Roberto Barroso concordam na visão otimista: o Brasil avançou, apesar dos sustos e erros, ampliando sempre o universo dos votantes: no Império, votavam apenas os ricos. Era necessário comprovar rendas e propriedades.

A idade mínima era 25 anos. Antes, só os homens.

As mulheres tiveram direito de voto em 1932, um pouco antes do único período da história do Brasil em que foi suspenso integralmente o direito de voto, na ditadura getulista de 1937 a 1945.

Elas só puderam ter o direito amplo garantido no fim da segunda guerra. A democracia liberal de 1945 a 1964 foi sempre ameaçada pelas inquietações dos quartéis, as conspirações e denúncias de fraudes. Aí veio a longa noite dos militares no poder, em que foi suspenso o voto para presidente, governador, prefeito das grandes cidades e, em dado momento, para um terço do Senado. Na redemocratização, os votantes passaram a incluir os analfabetos e os jovens de 16 e 17 anos, uma das poucas democracias do mundo que permitem o voto a esta faixa etária, explicou Jairo. Desde a memorável campanha das “Diretas Já”, o Brasil já fez cinco eleições para presidente pelo voto direto. A de hoje será a sexta e para ela estão aptos a votar 136 milhões de brasileiros.

É a democracia estabilizada finalmente? Barroso diz que é uma democracia em construção. Antes, durante e depois da gravação conversamos sobre o fascinante tema do voto. Os entrevistados me lembraram um fato: já não se fala de fraude. O assunto, tão presente na história da República, hoje se limita a denúncias locais.

Mesmo assim, a democracia está longe da perfeição.

Essa campanha deixou sombras. Uma foi a maneira desmedida com que o chefe da nação se instalou nos palanques, ofendendo adversários políticos, em campanha aberta, confundindo de forma intolerável os papéis de presidente com o de chefe de campanha.

Tomara que nunca depois um chefe de Estado confunda tanto o seu papel, abuse tanto do seu poder, use a máquina de forma tão descarada. Se o comportamento do presidente Lula, em campanha, for um precedente seguido por outros, a democracia brasileira vai retroceder.

O Supremo Tribunal Federal lançou outra sombra sobre o processo eleitoral ao não ser capaz de decidir sobre o caso Roriz. A República esperava do Supremo uma decisão. Era sim ou não. Não pode ser um talvez.

Esse talvez levará a cassar o voto de cidadãos a posteriori. Se a falta de nomeação de um ministro criava o risco matemático do impasse, era preciso superar a indecisão. Havia caminho.

Bastava interpretar que, se o entendimento majoritário era que a Lei da Ficha Limpa não é inconstitucional, não se podia acolher o reclamo do então candidato a governador do Distrito Federal. Ele, no dia seguinte, fez a Justiça de boba com a escolha de um avatar para representá-lo.

Quando o STF decidir, os cidadãos terão votado. Hoje, vamos às urnas sem saber que candidatos podem ou não ser votados. Isso distorce o processo.

O que me aflige mais na história recente do país é ver jovens desanimados com a democracia, diante da avalanche de escândalos de corrupção que despencou sobre nós nos últimos anos. A Ficha Limpa foi o começo da virada. Não se defende aqui que o Supremo decida pelo clamor das ruas. Mas pelo caminho do Direito, há como a Justiça sinalizar a estrada que dará ao cidadão a segurança de uma representação de mais qualidade.

A reforma política está sempre nos debates e é, como disse Jairo Nicolau, aquilo que todos são a favor, mas cada um está falando de uma reforma diferente.

Os dois defendem o voto obrigatório, mas no programa, houve divergências.

Voto em lista fechada é a preferência de Barroso.

Nicolau acha que se pode dar ao eleitor a chance de escolher se prefere votar na lista do partido ou no nome.

Ele lembra que o Brasil, desde que se entende por país, vota no nome, e não em lista. Seria a mudança em um processo que tem quase 200 anos. Financiamento público exclusivo de campanha? Ninguém garante que isso acabará com o tormento do caixa dois.

Há muito a fazer e a discutir, mas hoje é o dia de carregar um documento com foto, ir à sua seção eleitoral, digitar na urna, de eficiente tecnologia nacional, os números das pessoas nas quais você confia para deputado estadual, federal, governador, dois senadores e para a Presidência. A democracia não está pronta, mas avançamos muito na sua construção. Riscos existem, mas andando pelo Catete entendi que fantasmas e medos que assombraram a República, hoje estão apenas na História.

Antes, durante e depois:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL(ONLINE)

Quando a guerra chegava ao fim na Europa e a democracia já se anunciava entre nós, de fora para dentro do Brasil, no começo do ano de 1945 uma entrevista de José Américo de Almeida, publicada pelo Correio da Manhã, burlou a vigilância dos censores e prestou o serviço de acordar a opinião pública dopada pela censura: nela, o candidato frustrado pelo golpe de estado em 1937 aconselhava o ditador Getúlio Vargas a convocar a eleição presidencial e abrir caminho à democracia depois de 7 anos de ditadura. Os jornais da tarde deram continuidade ao noticiário político e o Estado Novo começou a ser demolido para abrir caminho à democracia.

A Assembléia Constituinte de 1946 remodelou o Brasil sem perder de vista algumas valiosas características da tradição liberal e arejou com tolerância padrões políticos fora de uso. A oportunidade trouxe a estréia da esquerda na legalidade, sob a batuta do PCB, em três anos de intensa criatividade política e parlamentar.

Na volta às urnas, no dia de hoje, para eleger o presidente da República, vale lembrar que 35 personalidades exerceram no Brasil a chefia do Governo e do Estado, desde 15 de novembro de 1889. De Deodoro da Fonseca a Luiz Inácio Lula de Silva, constam da relação os presidentes eleitos e empossados, com exclusão das juntas que exerceram o poder por tempo limitado na queda da República Velha em 1930 e os parênteses de interinidade confiados ao presidente da Câmara, Raniere Mazzilli, em 1961 e 64, e os relativos aos presidentes eleitos mas não empossados por morte (Rodrigues Alves e Tancredo Neves) e pelo golpe militar que encerrou a República Velha (e invalidou a eleição de Júlio Prestes).Não se elegeram por voto direto os cinco generais referendados pelo Congresso Nacional, que não foi capaz de revestir de legitimidade duas décadas da História do Brasil.

Assim que a paz internacional equacionou a guerra fria, o Brasil arcou com as conseqüências que levariam ao colapso democrático em 1964. Mas a Constituição sobreviveria para salvar as aparências com o veneno da censura, a hipertrofia do Executivo e o enfraquecimento do Legislativo e do Judiciário. O AI.5 se encarregou do resto. Só depois de duas décadas, o Congresso retomaria a trilha democrática sem mais ênfase do que as tônicas liberais clássicas.

Em 1988, não correspondeu ao que era esperado da nova Constituição e da representação política. O declínio da oratória parlamentar a partir do AI.5 deixou os partidos sem debates e sem público. Os meios de comunicação viveram intensamente a transição, e logo os partidos políticos arcaram com o equivoco de aprofundar a democracia a partir do número exorbitante de legendas numa salada de adjetivos irreais. A representação ainda descobriu a conivência por omissão ética.

A sucessão presidencial que se consuma hoje é o guarda-chuva de uma involução política não de todo imprevisível em seus malefícios Estão aí como prova a sucessão nos Estados e uma representação amorfa, sem característica clara (a marca dos partidos, expressa nas siglas, migrou para longe da propaganda).

Operou-se uma involução. Desde o presidente que saltou de vice a titular, - José Sarney por morte de Tancredo Neves, - já passaram pela presidência da República Fernando Collor de Mello (forçado a renunciar pelas circunstâncias), o vice Itamar Franco, que degolou a inflação e plantou a moeda estabilizada na economia e na política brasileira; Fernando Henrique Cardoso, que cedeu à tentação de experimentar a reeleição rejeitada pelos fundadores republicanos; Luiz Inácio Lula da Silva, eleito, reeleito e, nas asas da popularidade e de olho na próxima sucessão, faz e acontece, mas o Brasil não conheceu dificuldades de natureza institucional.

Tudo se resolveu e ou se adiou no plano político. O social subiu alguns degraus, mas o prestígio do Congresso desceu na avaliação geral. O Brasil como um todo deixa mais a desejar à democracia do que tem recebido em seu nome.

Esta não foi uma campanha presidencial animadora, mas ninguém é perfeito nem a democracia quer tanto. Enquanto houver liberdades, restará a hipótese de que no fim dê certo. E, se não der, será a indicação de que o fim terá de esperar. Quanto mais cedo a reeleição for despachada para o museu da aposentadoria histórica, melhor para amaciar as curvas do caminho sinuoso e os eleitos se livrarem do pesadelo.

Aquarela - Toquinho

Tucanos vão às ruas buscar voto de indecisos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ao lado de Alckmin, Serra falou com a certeza de que amanhã estará de novo em campanha para o segundo turno

Fausto Macedo e Julia Duailibi

A poucas horas do primeiro turno da eleição presidencial, o candidato do PSDB, José Serra, disse ser "bom para o Brasil" um segundo turno. "Amanhã (hoje), político já sai fora. O dono do Brasil é o eleitor. Se Deus quiser vamos ter segundo turno. Será bom para o Brasil porque poderemos aprofundar o conhecimento em relação aos mais votados e suas propostas para o País."

Serra disse que não o preocupa mais 30 dias de jornada, caso a eleição tenha mais uma rodada. "Para mim, tranquilo. Podem ver minha energia e meu pique. Isso continua indefinidamente.
Mesmo depois da eleição. Para mim, campanha é uma coisa prazerosa, como governar também é. Porque estou em contato com as pessoas, eu ouço, recebo olhares, abraços, eu aprendo o tempo inteiro. Meu segredo é esse."

O tucano não quis comentar o que seus antagonistas andam fazendo e falando. Sobre Lula ter atribuído autoritarismo à imprensa, afirmou: "Hoje eu acordei com a seguinte determinação: não vou comentar comentário de ninguém, exceto se for a meu favor." Sobre a festa que o PT já organiza em Brasília, dando como certa a vitória de Dilma Rousseff: "Cada um sabe do que faz."

Também não quis palpitar sobre o julgamento do Supremo Tribunal Federal que desobrigou o eleitor de exibir dois documentos na hora do voto.

Indagado se vai pedir apoio de Marina Silva (PV) no segundo turno, ele esquivou-se: "Vamos esperar para ver depois dos resultados, aí a gente conversa."

Fez planos para a Presidência. "Uma grande prioridade no plano federal é estimular e fazer mais ensino profissionalizante que significa mais escolas técnicas ou cursos mais curtos, via rápida. Às vezes você faz curso de três ou quatro meses para melhorar a qualificação. O Brasil precisa muito disso, um milhão de novas vagas no ensino técnico e mais um milhão de pessoas com treinamento profissional."

Ao falar sobre projetos para a região do Alto Tietê, se eleito, foi enfático. "Aqui a prioridade do governo federal será apoiar o governo do Estado, o governo do Alckmin para fazer o que é fundamental. Rodoanel Leste que vai ser uma revolução, melhorar ainda mais e investir mais nos trens de superfície que vão virando Metrô por sua qualidade, fazer um hospital regional. Mas precisa fazer mais."

Cadeirantes. Em caminhada pela Avenida Paulista, Serra afirmou continuar com "nervos de aço". A expressão havia sido usada pelo tucano no ano passado, diante da pressão de seu partido para se definir candidato, antes de deixar o governo paulista. "Aço não se decompõe. Aço é inoxidável", declarou o presidenciável ontem à tarde. Acompanhado do candidato do PSDB ao governo de São Paulo, Geraldo Alckmin, Serra voltou a dizer que o País "não tem dono".

"O Brasil não tem cor vermelha, verde ou azul. É multicolorido e não tem dono. Na verdade, a onda dessa eleição é a onda verde e amarela", disse o tucano, durante caminhada com cadeirantes. "Nosso povo quer construir um País mais justo e generoso. Este povo é que quer governo honesto e trabalhador. Esse povo quer um governo de todos."

Serra disse ter vivido momentos especiais na campanha. "Daqui a 20 ou 30 anos, quando eu escrever minhas memórias, talvez coloque lá", disse. Logo depois, foi questionado por uma mulher, que disse ter uma filha que trabalhará nas eleições no consulado brasileiro de Miami. "Peça para ela ficar de olho lá", brincou o tucano.

À tarde, encerrou a campanha em Diadema, reduto histórico do PT. Em mais uma caminhada, ouviu cobranças de eleitor por ter deixado o governo do Estado para concorrer ao Planalto. "O Brasil precisa dele", disse o candidato a deputado José Augusto.

Serra diz ter certeza de que irá ao 2º turno

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Para tucanos, ônus de eventual fracasso na campanha será do candidato; Aécio articula para comandar partido

Se houver 2º turno, ideia do PSDB é ampliar comando da campanha e tentar resgatar a imagem do partido


Catia Seabra e Breno Costa

DE SÃO PAULO - Apesar do ceticismo que paira sobre seus próprios aliados, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, chega hoje à sua nona eleição dizendo-se certo de que haverá segundo turno e já planeja retomar o ritmo de campanha amanhã mesmo.

"Sei que muitos de vocês não acreditam. Mas tenho certeza de que estarei no segundo turno", disse Serra a íntimos colaboradores, antes mesmo de a candidatura Dilma sofrer abalos.

Expresso numa agenda agitada, esse otimismo preocupa tucanos. Temem que Serra sofra um choque caso a expectativa seja frustrada.

Os tucanos trabalham com as duas hipóteses. Confirmado o segundo turno, Serra deverá convocar aliados já eleitos -como o ex-governador de Minas Aécio Neves- para reforçar a campanha.

"Não poderemos demorar 24 horas. Se houver segundo turno, domingo [hoje] à noite temos uma conversa e segunda [amanhã], reunião", disse Aécio, que promete atuar com maior liberdade em favor de Serra depois de ser eleito.Seja qual for o resultado de hoje, Aécio surge como herdeiro do comando do partido. Segundo tucanos, Geraldo Alckmin -líder nas pesquisas para o governo paulista- não vai impor obstáculos aos projetos de Aécio.

No entanto, a articulação contraria o atual presidente nacional do partido, senador Sérgio Guerra (PE).

"Aécio nunca me disse que quer presidir o partido."

Para evitar o acirramento de uma crise no pós-eleição, o PSDB adiou em seis meses -para maio do ano que vem- suas eleições internas, originalmente programadas para novembro.

"Vai surgir um movimento forte a partir de Minas Gerais, sob a liderança de Aécio. Seja em apoio a Serra ou em oposição a Dilma, esse movimento vai agregar também outros partidos", afirmou o ex-ministro das Comunicações Pimenta da Veiga, aliado de Aécio.

ROUPA SUJA

Além da "tomada" do partido por Aécio, que se credencia como nome para as eleições presidenciais de 2014, o que os tucanos anteveem em caso de derrota é uma lavagem de roupa suja.

O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) já se preocupa com a possibilidade de "declarações precipitadas" e defende que o partido "espere a poeira baixar" pelos próximos três meses.

Em caso de derrota, tucanos também têm como certo que o ônus do fracasso recairá sobre os ombros de Serra, que puxou para si a definição das táticas da campanha.

Nesse sentido, a turbulência persistirá ainda que Serra chegue ao segundo turno.

Tucanos defendem que o comando da campanha seja ampliado, com a convocação de um conselho político.

O tucanato vai pedir que a propaganda exalte as qualidades do PSDB, de maneira que se resgate a imagem do partido.

Temendo o fantasma de 2006 -quando Alckmin teve menos votos no segundo turno-, Serra quer que a campanha permaneça em atividade. A ideia é manter em funcionamento estruturas eleitorais em todo o país.

Se for derrotado já no primeiro turno, Serra deverá passar uma temporada fora do país, a exemplo de 2002.

Em novo ataque, Lula reclama de 'autoritarismo' da imprensa

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Lula volta a criticar o "autoritarismo da imprensa"

DE SÃO PAULO - Após participar de carreata ao lado de Dilma Rousseff (PT), o presidente Lula disse que o Brasil, apesar de dar "grandes lições ao mundo de liberdade de imprensa", possui setores da mídia pautados pelo "autoritarismo"."Este é um país que dá grandes lições ao mundo de democracia, de liberdade de imprensa. É uma pena que tem gente que confunde liberdade de imprensa com autoritarismo da imprensa", disse, em mais um ataque à cobertura da imprensa na campanha presidencial.

Parte dessa mídia, segundo Lula, seria composta por "senhores" que preferem ignorar "as pessoas da senzala [...] dentro da casa grande".

"Alguns senhores não se deram conta que as pessoas da senzala estão dentro da casa grande, e que as pessoas precisam conviver democraticamente com a diversidade", declarou o presidente.

No mês passado, o presidente acusou a imprensa de se comportar como "partido de oposição" e de engrossar torcida contra ele em coberturas que "beiram o ódio".

Lula reconheceu ter se esforçado mais para emplacar Dilma no Planalto do que na própria reeleição, em 2006: "Viajei mais do que viajei na minha campanha em 2006 porque eu estava convencido que o grande legado que a gente deveria deixar para o Brasil era eleger gente para continuar governando".

O presidente e a primeira-dama, Marisa, acompanharam Dilma e Aloizio Mercadante, candidato do PT ao governo de São Paulo, em carreata por São Bernardo.

O passeio, feito em cima de um carro aberto, durou cerca de 1h. Lula e Dilma abanaram uma bandeira do Brasil, e a candidata abraçou várias crianças. Mais atrás, outro veículo trazia o senador Eduardo Suplicy (PT), Netinho (PC do B) e Marta (PT).

Quem vai administrar o Brasil real?

DEU EM O GLOBO

Cerca de 135 milhões de brasileiros vão hoje ás urnas para escolher o sucessor do presidente mais bem avaliado da história do país. Mas, longe do marketing oficial, restará ao novo presidente (Dilma Rousseff, José Serra ou Marina Silva) encaminhar soluções para uma série de problemas em áreas nas quais o governo Lula tem pouco a exibir. No maior gargalho do Brasil, a educação - tema que quase não foi debatidona campanha -, as estatísticas mostram um quadro desalentador: 29,3 milhões de brasileiros (20,3% do total) são analfabetos funcionais. Só 25% dos brasileiros dominam a leitura e a matemática. Na outra tragédia brasileira, o saneamento, definida por Fernando Gabeira como o "fracasso da minha geração", os últimos oito anos foram de estagnação: 56% das residências convivem com esgoto sem tratamento. E na infraestrutura, como sabem usuários de aeroportos, estradas, ferrovias e portos, o país andou para trás. O desafio de mudar esse quadro será agora do sucessor, ou sucessora, do presidente Lula.

Os nós que terão de ser desatados para o país se desenvolver de fato

Pelo menos 75% dos brasileiros não dominam a leitura, a escrita e a matemática; e Brasil sofre com falta de mão de obra qualificada

Regina Alvarez e Vivian Oswald


BRASÍLIA. Para pôr o Brasil num novo patamar de desenvolvimento econômico e social, o presidente eleito terá que desatar os nós que ainda emperram o crescimento sustentado do país. Investir fortemente em educação, saúde e segurança, aprovar reformas essenciais no Congresso e resolver os gargalos na infraestrutura. Os problemas na área social, na economia e na política aparecem em estatísticas e análises de especialistas.

Alguns foram abordados na campanha eleitoral, mas de forma superficial. No governo, o próximo presidente terá que arregaçar as mangas e usar o capital político tirado das urnas, se quiser, de fato, colocar o país definitivamente nos trilhos do desenvolvimento.

Em 2009, segundo o IBGE, 29,3 milhões de brasileiros, ou 20,3% da população, eram analfabetos funcionais . E s s a s pessoas sabem escrever o próprio nome, mas não conseguem compreender o que leem.

Só 25% dos brasileiros dominam a escrita, a leitura e a matemática para se expressar e entender o que está à sua volta no contexto econômico e tecnológico atual. O dado, do Indicador de Analfabet i s m o F u n c i o n a l 2009, produzido pelo Instituto Paulo Montenegro, é esclarecedor para entender os graves problemas de falta de mão de obra qualificada que o país terá de superar na busca pelo crescimento sustentado.

No topo da lista de reclamações da indústria brasileira, a falta de mão de obra qualificada é apontada pelo governo como o principal desafio a ser enfrentado para atender às demandas crescentes da economia.

Ainda de acordo com o IBGE, apenas 37,9% dos jovens, com idade entre 18 e 24 anos, tinham 11 de estudo, em 2009, o que torna difícil o cumprimento da exigência constitucional de ampliação do ensino obrigatório, de nove para 14 anos, a partir de 2016.

— Está claro que o problema da educação no Brasil, principalmente o analfabetismo, tem endereço e confirma a exclusão histórica brasileira. Para levar o país ao mesmo nível de países como Chile e Argentina, é preciso resolver o gargalo do analfabetismo e ampliar o ensino superior.

Na velocidade em que vamos, vai levar muito tempo — afirma o diretor de estudos sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Jorge Abrahão.

Analfabetismo é face da exclusão

Ele lembra que existem 50 milhões de vagas no ensino médio, o que não é trivial, mas considera ser preciso ampliar a educação básica e melhorar sua qualidade.

O problema mais grave, na visão de Abraão, é o analfabetismo entre adultos: — Significa que determinada faixa etária não teve acesso aos bancos escolares no momento adequado. Isso deveria ser tratado como uma preocupação nacional pelos três níveis de governo.

Outro desafio a ser enfrentado de imediato, na visão do cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília, é uma reforma administrativa para melhorar os sistemas de governança na educação e em outras áreas básicas, como a saúde.

— Há graves problemas de governança na educação, com uma prestação de serviços muito assimétrica por parte da União, estados e municípios — destaca Barreto.

Os gargalos emperram o desenvolvimento social e econômico do país. Na economia, geram prejuízos para as empresas, que perdem clientela e competitividade com os problemas da infraestrutura.

Para o presidente eleito da Confederação Nacional da Indústria, Robson Andrade, o bom momento que o país vive, com a economia em expansão, mostra que temos condições de chegar lá, desde que os gargalos sejam resolvidos.

Ele destaca que os investimentos em infraestrutura são de médio e longo prazo, mas precisam ser planejados e iniciados sem demora para atender às demandas crescentes de um país em ritmo acelerado de crescimento.

— A infraestrutura é ineficiente, os aeroportos não permitem que se tenha confiabilidade para fazer negócios. Tem que planejar e começar agora, não dá para ficar esperando — afirma.

Para viabilizar o crescimento forte e sustentado da economia, Andrade põe a desoneração das exportações e dos investimentos e a redução do custo do capital entre os desafios que precisam ser enfrentados de imediato pelo novo governo.

Ele acredita também que haverá condições de aprovar as reformas tributária, trabalhista e da Previdência.

— O presidente eleito iniciará o governo com muita força. A força do voto dará a legitimidade para negociar reformas. É o momento adequado. Se não forem feitas, estaremos condenados a uma taxa de crescimento e investimentos muito aquém das necessidades do país.

O cientista político Leonardo Barreto inclui a reforma política entre os desafios que o presidente eleito enfrentará para que o país atinja um novo patamar de desenvolvimento.

Regra atual facilita corrupção

As regras atuais, que permitem a proliferação de partidos, o voto em legendas e o financiamento das campanhas sem transparência, abrem espaço para a corrupção e o desvio de recursos públicos, dificultando a cobrança mais efetiva da sociedade sobre os políticos.

Barreto não prevê mudança radical nas regras, mas considera viáveis alterações pontuais: — De uma maneira geral, os políticos gostam do modelo. O que incomoda é o custo do processo eleitoral.

O cientista político acredita que existe uma chance de aprovar um teto para os gastos de campanha, já que a maioria dos congressistas sente-se prejudicada com o modelo atual.

— Ninguém deve esperar um pacotão. Serão mudanças pontuais, específicas — prevê.

Nas pesquisas, 2º turno ainda esta indefinido

DEU EM O GLOBO

Pesquisas Datafolha e Ibope divulgadas ontem pela TV Globo apontam que a petista Dilma Rousseff oscilou para baixo, mas não permitem afirmar com certeza se a eleição presidencial será decidida hoje ou no segundo turno. Segundo o Datafolha, Dilma foi de 52% para 50% dos votos válidos; José Serra manteve os 31 %; e Marina Silva subiu de 15% para 17%. A margem de erro é de 2 pontos percentuais. Pelo Ibope, Dilma tem 51% dos votos válidos; Serra, 31%; e Marina, 17%, com margem de erro de 2 pontos. Em caso de 2º turno, Serra será pressionado pelos aliados a mudar a campanha.

Primeiro ou segundo turno?

Dilma perde pontos, mas tem 50% dos votos válidos no Datafolha e 51% no Ibope

Tatiana Farah, Silvia Amorim, Flávio Freire e Henrique Gomes Batista

SÃO BERNARDO, SUZANO, DIADEMA, SÃO PAULO e RIO - Na primeira eleição sem Luiz Inácio Lula da Silva como candidato à Presidência desde a redemocratização, os brasileiros decidirão quem assumirá o desafio de pôr o país nos trilhos do desenvolvimento depois de uma campanha marcada pela forte presença do presidente, que nunca antes na história deste país foi tão popular. Entre palanques de obras e comícios, Lula conseguiu ocultar graves problemas que ainda persistem no país e transferir grande parte de sua popularidade para sua candidata, Dilma Rousseff (PT). Ela passou a liderar a disputa em agosto, chegando hoje com chance de vencer no primeiro turno. Pesquisas Datafolha e Ibope divulgadas ontem, porém, mostram que a petista caiu nesta reta final e tem 50% e 51% dos votos válidos, respectivamente. Com esses resultados, não é possível afirmar se haverá ou não segundo turno. A margem de erro, nas duas consultas, é de dois pontos.

Na pesquisa Datafolha, encomendada pela Rede Globo e pela “Folha de S.Paulo”, Dilma perdeu dois pontos entre a consulta feita no meio da semana em relação à atual, realizada ontem e hoje. O candidato do PSDB, José Serra, aparece com 31% dos votos válidos, mesmo percentual do meio da semana. Já Marina Silva (PV) subiu dois, de 15% para 17% dos votos válidos. A soma dos votos válidos de todos os candidatos, inclusive nanicos, é de 50%, o mesmo percentual de Dilma.

Na pesquisa do Ibope, encomendada pela Rede Globo e o jornal “O Estado de S.Paulo”, Dilma caiu de 50% para 47% dos votos totais, o que dá hoje 51% dos votos válidos. Os adversários da petista, juntos, têm 49% dos votos válidos. No Ibope, Serra subiu de 27% para 29% dos votos totais, o que dá 31% dos válidos. E Marina subiu de 13% para 16%, ou 17% dos válidos.

Principal candidato da oposição, Serra perdeu não apenas a dianteira nas pesquisas no primeiro turno como também a chance de passar os problemas do país mais profundamente a limpo, ao evitar criticar o governo do presidente popular. Coisa que Marina Silva também não conseguiu fazer, diante do pouco tempo na TV e de uma campanha com minguados recursos.

Tendo ou não segundo turno, o fato é que o futuro presidente terá de encontrar soluções para gargalos que ainda impedem o desenvolvimento sustentado do Brasil. O saneamento básico continua um vexame nacional, e na educação e na saúde pouco se avançou.

Caminhadas até a véspera da eleição

No último dia de campanha, ontem, Dilma desfilou em um jipe com o presidente Lula em São Bernardo do Campo, berço político e sindical do PT. Ela fez um balanço da campanha, que considerou “exaustiva” e “emocionante”, e elegeu o pior momento dos últimos meses: — A pior parte são as mentiras sorrateiras que saíram do baixo mundo da política.

A candidata voltou a falar da imprensa: — Vocês permitem que a gente tenha no Brasil uma imprensa que faz críticas, que é múltipla, mas que também contribui à medida que exerce o seu papel. Conseguimos conviver com posições diferentes, com a crítica, sem nos silenciar. É normal que a gente responda, que a gente também faça críticas.

Já o presidente Lula disse que há quem confunda “liberdade de imprensa com autoritarismo de imprensa”.

— Este é um país que dá lições ao mundo de democracia e de liberdade de imprensa. É uma pena que tem gente que confunde liberdade de imprensa com autoritarismo de imprensa. Há certa confusão de alguns senhores que não se deram conta de que as pessoas da senzala agora estão na casa grande — disse o presidente.

— Foi uma campanha excepcional. Sem sombra de dúvida, exaustiva. Mas tem uma grande compensação, que é encontrar as pessoas de todos os cantos do país — disse Dilma.

Serra, que também fez caminhadas ontem em São Paulo, evitou temas polêmicos e demonstrou bom humor: — O Brasil não tem cor vermelha, verde ou azul. O Brasil é multicolorido e não tem dono.

Na verdade, a onda desta eleição é verde e amarela.

Vamos para o segundo turno para o bem do nosso país — disse ele, que acrescentou: — É do nosso povo querer um país mais justo e generoso, um governo mais honesto e trabalhador e um presidente que seja de todos.

Já Marina Silva escolheu o Rio para encerrar sua campanha de manhã, indo depois para Diamantina, em Minas.

José Serra: Mudança de estratégia marca campanha difícil

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em mais uma tentativa de chegar ao Planalto, Serra revê script de 2002 e também espera levar a disputa até o dia 31

Julia Duailibi

SÃO PAULO - Segunda-feira à noite, 27 de setembro, o avião com o presidenciável do PSDB, José Serra, pousa no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, vindo de Barretos, interior do Estado. Repetindo o ritual dos últimos dois meses, quando começou o horário eleitoral gratuito na televisão, o tucano segue para um estúdio na zona oeste paulistana.

Em seu camarim, toma banho e recebe massagem. Depois escolhe uma camisa entre as várias que estão à sua disposição, todas em diferentes tons de azul. Em mãos, duas opções de texto. Lê, relê, tira frases de um e enxerta no outro. Já quase de madrugada, no set de filmagem, uma equipe da Rede Globo acompanha os últimos passos da campanha tucana. Pronto para gravar, Serra sai de frente das câmeras, vai até a mesa do computador e mexe nos detalhes finais do texto que aparecerá no teleprompter. Volta para a cadeira. Começa a gravação.

É uma das últimas vezes que o principal lema da campanha, o de que é o mais bem preparado para ser o presidente da República, será entoado. É a última vez que Serra se dirigirá ao eleitor no horário eleitoral gratuito.

Desde o dia 17 de agosto, quando começou a campanha na TV, até quinta-feira passada, dia em que foi ao ar o último programa, Serra viu a vantagem da adversária Dilma Rousseff (PT) atingir 15 pontos nas pesquisas.

Em sua segunda corrida ao Palácio do Planalto, assistiu a um script parecido ao de 2002, mas com novos personagens. Presenciou o bombardeio de seu marqueteiro, Luiz Gonzalez, o homem mais forte da campanha, por aliados que creditavam a ele a queda nas pesquisas.

Viu também um novo roteiro em que passou de "Serrinha paz e amor", com mais de 40% das intenções de voto, a um candidato agressivo, segundo pesquisas feitas pelo PSDB. E, mais do que tudo, foi surpreendido pelo arrastão de votos de Lula em prol da sua candidata, numa voracidade que inimaginável.

Pressão. O programa no horário gratuito estreou com a responsabilidade de reverter a queda de Serra, buscando desfazer a imagem de candidato ligado aos ricos. Sem desconstruir essa ideia, não cresceria na maior parte do eleitorado, quase 70 milhões de pessoas com renda familiar de até dois salários mínimos.

Do primeiro ao sexto programa na TV, o marketing insistiu na receita do "Zé" Serra, popularizando o candidato com filmes menos refinados e estética popular. Serra foi na favela, como "homem de origem humilde" e amigo do presidente Lula. Mas a favela era cenográfica e o amigo torcia para a adversária.

O programa não foi bem digerido pelos políticos. As críticas acabaram catalisadas pelo momento delicado da campanha. Formou-se um ciclo em que a queda nas pesquisas prejudicava a articulação política pelo País e a arrecadação de recursos, o que deixava a base aliada insatisfeita, dificultando uma reação. O comando tucano não conseguia emplacar Serra nos Estados. Aliados o escondiam nas campanhas.

Apesar do cenário desfavorável, o momento mais difícil ocorreu no final de agosto, quando Serra foi ultrapassado por Dilma em São Paulo, Estado governado pelos tucanos há 16 anos. A perda da vantagem na capital já era esperada, em razão da queda na avaliação do prefeito e aliado Gilberto Kassab (DEM). Mas o tucano foi surpreendido. Abateu-se com a perda da dianteira em seu principal colégio eleitoral.

A campanha passou, então, a atacar Dilma e o PT. O maior alvo da propaganda oposicionista foi o ex-ministro José Dirceu. Antes mesmo da campanha na TV começar, já havia sido produzida uma série de jingles ligando a petista a Dirceu. Pesquisas mostravam que o eleitor rejeitava uma eventual volta dele ao governo.

Os escândalos envolvendo a quebra de sigilo fiscal de familiares de Serra e a denúncia de tráfico de influência na Casa Civil deram maior munição aos tucanos. "Precisamos de gente para fazer a defesa pública da campanha", comentou à época um integrante da cúpula tucana ao organizar o contra-ataque na disputa.

No interior de Pernambuco, onde tocava sua campanha para deputado, o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, recebeu telefonema dos estrategistas de Serra e foi escalado para vir a São Paulo logo após o feriado de 7 de setembro. Precisava liderar as críticas contra o governo pela quebra de sigilo fiscal de Verônica, filha de Serra. O presidenciável seria poupado e caberia a Guerra a ofensiva midiática.

Apesar da munição, as pesquisas mantinham a desvantagem do tucano. Para completar, Lula foi ao programa de Dilma defendê-la dos ataques, causando um estrago na sutil recuperação que Serra começava a esboçar.

Em meados de setembro, com a vantagem de Dilma consolidada, Guerra e o vice-presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge, apareceram no estúdio onde se concentrava a equipe de marketing de Serra, levando um DVD com filmes que atacavam Dilma e o PT. Era a uma última tentativa de influenciar a propaganda.

Haviam encomendado o trabalho ao marqueteiro gaúcho Adriano Gheres, que, no começo da campanha, fora apresentado para trabalhar com Gonzalez. O material era composto de seis vídeos. Um deles comparava petistas a rottweilers. Os filmes passaram pelo crivo de Serra, mas foram rechaçados pelos marqueteiros. Acabaram na internet.

Isolamento. O presidenciável terminou o primeiro turno mais isolado do que começou. Por pressão dos partidos aliados, formou um conselho político com caciques do PSDB, DEM, PPS e PTB. Jamais acionou o grupo. Brigou com o presidente do DEM, Rodrigo Maia, com quem bateu boca por telefone por causa de uma notícia de jornal. Chamou-o de "alevino".

Na sexta-feira, foi a vez de o presidente do PTB, Roberto Jefferson, anunciar publicamente o rompimento, a dois dias da eleição. O petebista viajara para São Paulo algumas vezes para ser recebido por Serra. Em vão. "Quem joga sozinho perde sozinho", atacou Jefferson. O ex-senador Jorge Bornhausen, um dos principais aliados do presidenciável no DEM, deu pitaco na escolha do vice, Índio da Costa, e depois não apareceu mais.

Os tucanos Tasso Jereissati (CE) e Aécio Neves (MG), que chegaram a comentar com aliados que Serra demorava dias para retornar as ligações, focaram-se nas suas candidaturas. No começo de junho, haviam sido convocados por FHC para almoço em seu instituto em São Paulo, onde começaram a criticar os rumos da campanha. Serra não gostou e reclamou com o ex-presidente.

Ao ver sua gestão escondida pela campanha, FHC ressentiu-se. Foi viajar na convenção do PSDB. Gravou apenas uma mensagem, Tampouco foi ao ato de encerramento do primeiro turno.

As preparações para os debates, que começaram com reuniões de até 15 pessoas, ficaram mais seletas, restritas a um núcleo de cinco aliados. Compromissos do candidato foram desmarcados na última hora ou confirmados às pressas, o que dificultou a articulação política. Um dos últimos atos da campanha, na sexta-feira, só foi confirmado uma hora antes de começar.

Embora estivesse mais distante de tradicionais líderes do PSDB, aproximou-se consideravelmente de Geraldo Alckmin, candidato ao governo paulista com quem não mantinha boa relação. Confidenciou a aliados mais próximos que Alckmin e Beto Richa, candidato ao governo do Paraná, foram os mais leais na disputa.

Alckmin marcou uma série de eventos para Serra, com quem manteve contato frequente por telefone. Numa exibição de força, articulou um encontro com prefeitos paulistas. Também foi sua campanha quem produziu a festa de encerramento da candidatura tucana na Mooca, bairro em que o presidenciável nasceu.

Serra manteve interlocução com poucos, entre os quais Gonzalez, o coordenador de imprensa Marcio Aith, o deputado Jutahy Junior (BA) e a filha Verônica, que, entre outras sugestões, indicou para a internet o americano de origem indiana Ravi Singh, que tirou do ar o site oficial para criar expectativa com uma nova versão que desenvolvera.

Atributo. "Antes da campanha, Serra era visto como o mais preparado e o mais experiente, com bom currículo e lista de realizações. O carro-chefe era o genérico. Também era visto como político com história limpa, honesta. Dois meses de campanha depois, consolidou os atributos que tinha e acrescentou outros: é o candidato mais próximo das pessoas, o que consegue maior identidade com os mais pobres e o que projeta maior esperança e confiança. Desse ponto de vista, a campanha cumpriu aquilo que queria fazer", avalia Gonzalez.

Guerra avalia ser "um desafio enfrentar e ganhar a eleição com a desproporção de métodos e recursos da campanha adversária". "Mas Serra sai do primeiro turno consagrado em vários Estados pelos quais passou."

Serra visitou 23 Estados, mas, na reta final, centrou esforços no Sudeste. Aproveitou os percursos de avião para ler documentos da campanha – segurou por semanas a divulgação do programa de governo, cujo calhamaço compilado por Xico Graziano levava à bordo. O texto acabou não sendo publicado.

Exaurido pela quantidade de compromissos e viagens, Serra levou a campanha à base de fruta,de muito energético e, segundo ele, da energia das pessoas. "Estou elétrico", comentou mais de uma vez. Depois de um desempenho ruim em um dos debates em cadeia nacional, durante o qual abusou dos ataques à adversária, acatou orientações e tentou recuperar o estilo "paz e amor".

Imprimiu leveza no discurso nos últimos dias, encerrando a campanha com uma imagem mais amena. Oscilando entre o otimismo e a incerteza do segundo turno, exibiu esperança até o último momento:

"A segunda-feira será de muito trabalho."

Dilma e Serra beberam da mesma fonte econômica

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ambos são influenciados por Keynes, que rejeita juros altos e câmbio valorizado e defende desenvolvimento induzido pelo Estado

Lourival Sant’Anna

"É a economia, estúpido." A frase de um estrategista de Bill Clinton na eleição presidencial de 1992 aplica-se ao Brasil de 2010. A sensação geral de melhoria socioeconômica explica em grande medida a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a aceitação de Dilma Rousseff. Entretanto, os três principais candidatos à Presidência não debatem temas econômicos.
Por motivos distintos. Marina Silva visivelmente não se interessa por essa área do conhecimento. Dilma Rousseff e José Serra dedicaram toda a carreira acadêmica e grande parte da vida profissional a ela. Seu pensamento econômico foi moldado nas mesmas fôrmas. A economia os une em vez de os diferenciar. E isso não é bom quando se tenta provar que se é melhor que o outro para governar um país.

A matriz do pensamento econômico de Dilma e de Serra é o inglês John Maynard Keynes. Seus críticos dizem que Keynes se preocupava mais com o crescimento econômico, induzido por um Estado gastador, do que com o controle da inflação e da dívida. Essa visão o rotula como "desenvolvimentista", em oposição aos "monetaristas". Já os seus seguidores dizem que Keynes se preocupava com a contenção dos déficits e da dívida, como premissa para manter o juro baixo e o câmbio não valorizado, e para o Estado fazer investimentos indutores do desenvolvimento sem gerar inflação.

Depois de se graduar em economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Dilma fez os créditos de mestrado no fim dos anos 1970 e de doutorado no fim dos anos 1990, ambos inconclusos, na Universidade Estadual de Campinas. "A ênfase da Unicamp em macroeconomia era claramente keynesiana", recorda Luiz Gonzaga Belluzzo, que foi professor de Dilma naquela universidade.

Serra entrou em contato com a obra de Keynes na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e na escola de economia da Universidade do Chile, onde se exilou em 1965, depois de ter feito engenharia civil na Universidade de São Paulo. Keynes era base dos estudos sobre desenvolvimento na América do Sul. A abordagem dominante era a teoria da dependência, que tinha Fernando Henrique Cardoso entre seus expoentes. A teoria transpunha para as relações internacionais a noção marxista de divisão social entre capital e trabalho: havia um centro desenvolvido e uma periferia dependente de sua demanda por produtos primários.

Serra conta que "acompanhou de perto" a elaboração de Dependência e Desenvolvimento na América Latina, que Fernando Henrique escreveu com o italiano Enzo Faletto em 1969. Mais tarde, em 1978, já no Instituto de Estudos Avançados de Princeton (EUA), Fernando Henrique e Serra escreveriam a quatro mãos o paper As Desventuras da Dialética da Dependência, demolidora crítica ao brasileiro Ruy Mauro Marini, também cepalino, que acreditava que a superexploração do trabalho na periferia conduziria fatalmente à estagnação econômica e, dela, à revolução socialista.

"Éramos todos cepalinos e, portanto, réprobos, num momento da vida brasileira e latino-americana em que a vitória do pensamento conservador e tecnocrático parecia definitiva", escreveu Belluzzo no prefácio de O Capitalismo Tardio, publicado em 1982 por João Manuel Cardoso de Mello, seu colega na Unicamp. No livro, Mello reconhece a importância das teses de Fernando Henrique e de Faletto, mas considera haver distorções causadas pela periodização histórica, que deixaria de lado especificidades de cada país.

Mello foi orientador de Dilma no doutorado e um dos principais responsáveis pela contratação de Serra como professor na Unicamp, em 1978. Ele ameaçou tornar pública a resistência do então coordenador de institutos, o físico Sérgio Porto, que não queria mais um esquerdista na economia. Sua mulher, a também economista Liana Aureliano, é amiga há 40 anos de Serra.

Como bons keynesianos, Dilma e Serra opõem-se à política de juro alto e câmbio valorizado, sobre a qual se apoia a estabilidade monetária no Brasil desde a introdução do Plano Real, em 1994, numa continuidade que atravessa dois mandatos de Fernando Henrique e outros dois de Lula.

Em 1997, quando era economista da Fundação de Economia e Estatística, em Porto Alegre, Dilma redigiu o estudo Política Monetária e Sistema Financeiro: a elevação das taxas de juros e a concentração bancária, em que advertia para os riscos da política monetária, que expunha o Brasil a movimentos especulativos como os que tinham sacudido o México e os Tigres Asiáticos. Na época, Serra já havia perdido o cargo de ministro do Planejamento, que exercera entre 1995 e 1996, por pensar como Dilma. Dez anos depois, já como ministra de Minas e Energia de Lula, Dilma atacou, em entrevista ao Estado, o esforço de superávit primário combinado com o juro alto, que, segundo ela, era "rudimentar" e equivalia a "enxugar gelo".

"Os dois são ótimos economistas, quanto a isso não tem com que se preocupar", atesta Maria da Conceição Tavares, professora de Dilma na Unicamp e de Serra na Cepal, com quem escreveu em 1970 o artigo Para Além da Estagnação. "O problema é que governar um país não depende só de economia." Ela apoia Dilma.

‘País corre, sim, o risco de cair no autoritarismo', diz Boris Fausto

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Historiador avalia que, com eventual vitória de Dilma, grupos do PT vão lutar para criar um Estado autoritário, mas vê sociedade em condições de conter ataque à democracia

Gabriel Manzano


Eleição é sempre uma boa coisa, mas o historiador Boris Fausto, veterano estudioso da política brasileira, acha que a de hoje chega marcada pelo desencanto. Com um eleitorado em sua maioria despolitizado, que nada espera dos políticos. Debates que não esclarecem nem ajudam o cidadão a fazer escolhas. Propagandas que provocam enfado. E além de tudo, o historiador e cientista político da USP vê na candidata Dilma Rousseff (PT), grande favorita a vencer neste primeiro turno, "um nome que não se afirma sozinho", pois "saiu do bolso do colete do presidente da República".

Se ela vencer, diz o professor, os precedentes mostram que "o País corre, sim, o risco de cair no autoritarismo". Mas a sociedade "chegou a um ponto de alta complexidade e tem condições de enfrentar e conter esses avanços". E a oposição? "Tem de avaliar os erros e recomeçar a assentar
tijolos."

Como o sr. vê o País, às vésperas da sexta eleição presidencial seguida?

Uma eleição a mais é sempre algo positivo, mas dá pra perceber, por todo lado, uma certa frieza. Mesmo um partido como o PT não entusiasmou a militância como em outros tempos. Acho que o que há é um desencanto mesmo.

A que se deve isso?

A várias razões. Uma campanha carregada de promessas que despertam um certo enfado, já que a política não é vista como instrumento real de solução dos problemas. As propagandas no rádio e na TV viraram um enlatado, uma chave que qualquer um usa para dizer qualquer coisa. E, além disso, uma candidatura predominante, a da Dilma Rousseff, que saiu do bolso do colete do presidente Lula e que não se afirma sozinha. Do outro lado um adversário, o José Serra, que teve muitos problemas. Grande parte de seus votos é de gente que se habituou a votar na social-democracia ou que é contra o PT. A Marina até trouxe uma certa novidade, mas a estrutura de seu partido é frágil e sua proposta é para o longo prazo.

Percebe-se uma forte despolitização. Isso não foi construído?

A despolitização é o dado predominante. Uma grande parte das pessoas não vive a vida de cidadão, apenas a de eleitor, que a cada quatro anos vai à seção eleitoral e vota. A forma de se debater não permite aprofundar os temas - educação, saneamento, segurança, as desigualdades. O candidato aparece, anuncia a criação de um órgão que vai coordenar e resolver tudo... e pronto. O debate fundamental, que não se vê, é o das instituições. Que instituições estamos criando? Estamos desmontando as que temos? Pois o Lula torna tudo um ato entre pessoas, eu e você, ele é o pai, a Dilma vai ser a mãe. Nunca um convívio entre governo e cidadãos.

Os adversários de Dilma dizem que ela, se vitoriosa, dará espaço a fórmulas autoritárias. Se puder contar com maioria na Câmara e no Senado, poderá também alterar a Constituição, introduzindo formas de democracia direta. O sr. partilha dessa visão?

Acho, sim, que existe uma tendência autoritária em marcha. O que é grave, porque idêntico processo está em marcha no Equador, na Bolívia, na Venezuela. Não é segredo que o PT tem dentro dele um setor ponderável que pratica uma "dialética" amigo-inimigo. Quando falam em "controle social" dos jornais, o que não dizem é: "o controle social somos nós".

No que isso vai dar?

Apesar dessas investidas, acho que a sociedade brasileira já chegou a um ponto de alta complexidade, tem uma opinião pública amadurecida, que saberá conter esses avanços.

Que papel pode ter o PMDB nesse processo?

O PMDB vai é brigar por cargos. A Dilma, se eleita, precisará ter muita habilidade para se compor. Lembro que o Lula, há oito anos, tinha um cacife enorme para montar suas alianças. A Dilma não tem, ela carece de legitimidade para grandes avanços. E, se ela vencer no primeiro turno, já estou ouvindo petistas perguntando: "Como carece de legitimidade?" Não falo de legitimidade legal, mas de legitimidade política. Porque ela não tem luz própria, não tem carreira na política. E, a julgar pelo caso Erenice Guerra, chegaria ao Planalto com a marca de quem não sabe escolher auxiliares.

Há diferentes visões do Estado em jogo. A linha Dilma é por um Estado forte na economia e na política. Serra não rejeita um Estado forte, mas ele dá ênfase aos controles e ao papel regulador, com espaço para o empresariado e para a sociedade.

Acho que Dilma, se eleita, vai acentuar esse seu modelo. Ele inclui coisas que já se desenham no momento, como as alianças com grandes corporações públicas e privadas, para tocar grandes projetos. E tudo vem misturado com uma alteração no modelo inicial do governo Lula, que simplesmente continuava o modelo de FHC. Nessa inflexão, o poder federal derivou para aumento de gastos públicos e para relaxar a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Getúlio Vargas impôs um Estado forte, no passado. Haveria uma retomada desse modelo? Qual seria hoje o tamanho adequado do Estado brasileiro?

Recorro à máxima latina, "in medio virtus", a virtude está no meio. O Estado não é só imprescindível: em alguns setores ele é insubstituível. Como fazer política energética, ou cuidar da segurança sem ele? Também não sou contra o papel indutor do Estado na economia, por exemplo no pré-sal. O problema é quererem cuidar de tudo, não deixar espaço para a sociedade atuar e decidir, misturar governo e partido, invadir direitos dos cidadãos, ignorar a Constituição.

Se derrotada, o que pode fazer a oposição?

Seja qual for o resultado hoje, ela tem de avaliar os seus erros. Eles começaram lá atrás, quando o papel do Fernando Henrique foi aviltado e eles deixaram. Também não reagiram aos ataques à privatização. Perderam o discurso e a grandeza.

Que estratégia deviam seguir?

As oposições estão no ponto de assentar tijolo, parar para pensar. Elas podem até sofrer derrotas eleitorais, mas precisam preservar o seu papel, o seu espaço. Podem aprender com o PT, que viveu isso. Seria importante que a oposição caísse de pé, mas acho que não é o que está acontecendo. O mesmo acontece na Argentina, onde o casal Kirchner consegue se manter no poder porque as oposições estão fragmentadas, em pedacinhos.

Três trajetórias trançadas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Serra, Dilma e Marina foram idealistas, estudara bastante, superaram dissabores. Cada um a seu modo

Daniel Piza,

SÃO PAULO - José Serra teve de deixar o Brasil e continuar seus estudos no Chile. Dilma Rousseff aderiu à luta armada e foi presa e torturada. Marina Silva precisou sair da floresta e estudar no Mobral antes de defender os seringueiros. Os três principais candidatos que chegam hoje à eleição presidencial têm muitas diferenças de origem, estilo e carreira. Mas têm em comum um passado de situações difíceis e de experiências no que então se chamava de "esquerda engajada" - e suas biografias traduzem boa parte da história do Brasil dos últimos 50 anos. O que o Estado ouviu de alguns dos principais assessores e amigos dos candidatos foi que, se os ideais de juventude já estão distantes, as personalidades ainda guardam muitos de seus traços.

1960
Inauguração de Brasília

Quando a capital federal foi inaugurada pelo presidente Juscelino Kubitschek, o candidato do PSDB, José Serra, tinha 18 anos e estava no primeiro ano de Engenharia Civil na Escola Politécnica, a Poli. Também experimentava um curso de teatro e participou como ator da peça Vento Forte para Papagaio Subir, dirigida por Zé Celso. Descrito por amigos como um jovem que gostava de mulheres e de dançar, era também um dos alunos mais aplicados. Nascido em 19 de março de 1942, na Mooca, desde menino era leitor de biografias de políticos e veloz com as contas e equações. O pai, Francesco, italiano da Calábria, queria que o filho único passasse mais tempo na barraca de frutas do Mercado Municipal, mas a mãe, Serafina, e a avó, Carmela, o queriam concentrado nos estudos. Uma escrivaninha é o presente de infância mais lembrado. Serra retribuiu o gesto chegando até a Poli.

Dilma Rousseff, nascida em 14 de dezembro de 1947, ia completar 13 anos e era estudante do Colégio Nossa Senhora do Sion, em Belo Horizonte. Seu pai, um imigrante búlgaro chamado Pétar Russév, que era do Partido Comunista em seu país natal, trabalhava para uma siderúrgica alemã, Mannesmann, e mantinha a mulher, Dilma, e seus três filhos numa casa ampla, com três empregadas, aulas de francês e piano. "Dilminha" não era nem a melhor aluna nem a mais bonita, mas era conhecida por sua personalidade e inteligência. "Ela sempre chamou a atenção por essas qualidades", diz Carlos Araújo, seu companheiro durante cerca de 30 anos (de 1969 a 2000) e pai de sua única filha, Paula, hoje com 34 anos. "Ela teve ótima formação, era leitora ávida e aos 15 anos já estava no movimento estudantil."

Marina Silva tinha 2 anos. Nascida em 8 de fevereiro de 1958, recebeu o nome de Maria Osmarina da Silva. Tanto seu pai, Pedro, como sua mãe, Maria, tinham o sobrenome "da Silva". Viviam no seringal Breu Velho, em Bagaço, a 70 km de Rio Branco, no Acre, e de seus 11 filhos, 8 sobreviviam, sem acesso a esgoto e escola, no meio da Floresta Amazônica. "Ela é da floresta ainda", diz o jornalista Elson Martins, que convive com ela desde os tempos de Chico Mendes. O assessor da candidata, Antonio Alves, concorda: "Ela é muito apegada à sua identidade."

1964
Golpe militar

Quando os militares derrubaram João Goulart (Jango), em 31 de março de 1964, a vida de Serra já estava bastante mudada. E ameaçada. Desde 1962, era membro destacado da Juventude Universitária Católica. No mesmo ano tinha sido escolhido como presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) e, no ano seguinte, da União Nacional dos Estudantes (UNE). Tinha também formado a Ação Popular, outro agrupamento católico de esquerda, inspirado em pensadores como Teilhard de Chardin e ao lado de nomes como Betinho. A ascensão de Serra como líder estudantil era tal que, no famoso comício de Jango em louvor a Getúlio Vargas, em 1963, Serra foi convidado a discursar antes do presidente - e ainda o criticou por querer intervir em administrações estaduais. "Serra gosta de provocar, de polemizar", conta Gilda Portugal Gouveia, sua amiga e hoje funcionária da Secretaria de Educação. "Ele deixa os assessores aflitos com perguntas, até poder chegar a uma decisão."

Jango, na ocasião, teria dito a Serra que "havia generais loucos" atrás do jovem rebelde, que já era fichado pelo Dops, o "departamento de ordem" criado justamente por Getúlio durante o Estado Novo. No ano seguinte, em outro comício, em 13 de março, ele novamente discursou antes do presidente e defendeu suas reformas de base, como a agrária. Dado o golpe, duas semanas depois, Serra procurou abrigo na casa de Tenório Cavalcanti, o "homem da capa preta", e depois na Embaixada da Bolívia, até que teve de sair do País. Foi para Bolívia e França, voltou clandestinamente em 1965 e se escondeu na casa da atriz Beatriz Segall. Mas foi preso durante uma reunião e decidiu se exilar no Chile, assim como Betinho, Fernando Gabeira e Almino Afonso. Ali retomou os estudos acadêmicos, mas trocando a Engenharia pela Economia.

Dilma também tinha mudado muito. Era estudante do Colégio Estadual Central, onde participava de movimentos estudantis, e ingressou na Política Operária (Polop), onde conheceu José Aníbal, hoje do PSDB e coordenador da campanha de Geraldo Alckmin ao governo paulista. "Ela me apoiou em eleições, éramos da mesma turma política", conta Aníbal. "Era inteligente, um pouco cabeça-dura, mas repensava as coisas, trabalhava os assuntos, tinha grande capacidade de concentração." Em pouco tempo, o movimento se dividiria entre duas linhas, a dos que queriam o socialismo por via democrática e a dos que o defendiam pela luta armada.

Marina, a essa altura, ainda é uma criança, muito distante das tertúlias políticas e muito próxima das mazelas nacionais. Acompanhava o pai até o trabalho nos seringais, sofria com sarampo, malária e leishmaniose, não ia à escola. O pai a ensinou a fazer contas, mas Marina só seria alfabetizada aos 16 anos, depois de trocar a floresta pela cidade.

1968
Ato institucional nº 5


Quando o regime militar radicalizou ainda mais, ao decretar o Ato Institucional n.º 5 (AI-5) em dezembro de 1968, Serra vivia no Chile, onde se casara um ano antes, com a psicóloga e bailarina chilena Monica, com quem teria dois filhos, Verônica e Luciano. A vida amorosa de Dilma também estava em transformação: no mesmo ano, celebrou casamento civil com Claudio Galeno Linhares, com quem ficaria pouco mais de um ano, até conhecer Araújo. Mas sua vida política é que estava se transformando radicalmente. Em 1968, aderiu ao grupo Comando de Libertação Nacional (Colina) depois de ler o livro de Régis Debray, Revolução na Revolução, que defendia a guerrilha como forma de criar focos de resistência que ao fim culminariam numa troca de regime. "Eu não acreditava nisso", diz Aníbal, "porque achava que a população não iria na mesma direção".

Foi nesse período que o geógrafo e ex-ministro Carlos Minc, hoje candidato a deputado federal no Rio, conheceu Dilma. "Estive com ela em duas ou três reuniões", conta Minc, "e também a conhecia dos textos que ela escrevia; todos escrevíamos muitos textos". Dilma era responsável, entre outras atividades, pela edição do jornal do movimento, O Piquete. "Mas ela não era uma dirigente, não tinha tanta presença assim. Eu diria que era um quadro intermediário. Não era de ação, era mais intelectual, mais de bastidores, de formular conceitos. O Araújo tinha mais peso do que ela."

Araújo e Dilma se conheceram no início de 1969, quando Dilma já cursava a Faculdade de Economia da UFMG. Araújo havia estado em Cuba e foi o mentor da fusão da Colina com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização dirigida por Carlos Lamarca, criando assim a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares). Lamarca, por sinal, também teria dito sobre Dilma que a achou "metida a intelectual". Araújo diz que ela "era muito competente, muito preparada, apenas fazia o trabalho político urbano, de formulação de conceitos". Diz ainda que ela tinha papel "na cúpula" do grupo. Em julho do mesmo ano, Aníbal afirma ter ouvido de Dilma que eles estavam armando algo "grande". Logo depois, a VAR-Palmares conseguiu invadir a casa da amante do ex-governador paulista Adhemar de Barros e levar US$ 2,5 milhões do cofre. Dilma e Minc negam ter participado diretamente do assalto.

Ao lado de sua hoje assessora Maria Celeste Martins, Dilma foi para São Paulo, depois de seguidas trocas de endereço com Araújo. Na capital paulista, elas foram responsáveis por esconder armamentos da guerrilha. Enquanto isso, a repressão oficial aumentava. Em 16 de janeiro de 1970, Dilma, armada, foi presa e levada para a Operação Bandeirante (Oban), centro de investigações e torturas do Exército. Foi submetida a choques elétricos, paus de arara e outros métodos. Ficou presa até 1972, quando foi solta com 10 kg a menos e problemas na tireoide. Partiu para Porto Alegre, onde Araújo estava preso, e durante dois anos esperou sua libertação, fazendo visitas e dando aulas para poder passar mais tempo com ele.

1979
Anistia política


Quando o presidente general João Baptista Figueiredo promulgou a Lei da Anistia, em 1979, cancelando punições aos que cometeram "crimes políticos" desde 1961, Serra já voltou ao Brasil como mestre pela Universidade do Chile e doutor pela Universidade Cornell (Estados Unidos). Tinha sido obrigado a trocar o Chile pelos EUA depois do golpe militar de Augusto Pinochet, em 1973. Colaborador do governo destituído, de Salvador Allende, professor de instituições como a Cepal (ligada à ONU) e tendo ajudado no abrigo a perseguidos políticos, não era bem visto pelo novo governo e foi preso no aeroporto.

Depois de um período na Embaixada da Itália, decidiu partir para os EUA, onde estudou também no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, entre 1976 e 78. De volta, deu aulas na Unicamp, fez pesquisa no Cebrap, com patrocínio da Fundação Ford, e trabalhou na campanha do amigo Fernando Henrique Cardoso ao Senado.

Dilma, mãe desde 1976, também retomou os estudos, agora de Ciências Econômicas na UFRGS, e em seguida fez estágios em instituições como o Iepes, ligada ao então MDB. Em 1978, começou a acumular créditos no mestrado da Unicamp, mas jamais o concluiu, embora o site do Ministério da Casa Civil já tenha estampado a informação de que ela seria mestre e doutora. Seu marido, Araújo, se aproximou de Leonel Brizola, que planejava recriar o PTB de Getúlio e terminou fundando o PDT. Dilma foi uma das primeiras filiadas, mas não pensava em se candidatar, apenas colaborava com o partido e trabalhou como assessora da Assembleia Legislativa no início dos anos 80. "Ela nunca pensou nisso", diz Araújo, "acho que sempre sentiu o compromisso de me apoiar".

Marina vivia um período definidor em sua história. Em 1973, aos 15 anos, adoeceu e teve o diagnóstico de malária, mas em realidade estava com hepatite. Passou a morar na capital acreana, onde foi acolhida pelo convento Servos de Maria, do bispo d. Moacyr Grecchi, hoje arcebispo de Porto Velho (RO), que a descreve como "tímida e recatada". Cursou então o Mobral, programa de alfabetização do governo militar. Trabalhou como doméstica. Participou de atividades em Comunidades Eclesiais de Base. Casou pela primeira vez em 1980, com Raimundo Souza, com quem tem dois filhos, Shalon e Danilo. E, em 1981, aos 23 anos, chegou à Faculdade de História da UFAC. Nesse momento, já estava ligada ao grupo de Chico Mendes, fundador do PT no Acre e líder do Sindicato Xapuri, de seringueiros. "Mas ela já apareceu brilhando com luz própria", diz Elson Martins, "com uma sensibilidade muito forte, como um Chico Mendes de saias".

1985
Abertura democrática


Quando o movimento das Diretas Já tomou as ruas do Brasil, em 1984, Serra era secretário de Planejamento do governador Franco Montoro e foi chamado para participar da elaboração do programa econômico de Tancredo Neves ao lado de Celso Furtado e Helio Beltrão. Tancredo morreu ano seguinte, e seu vice José Sarney assumiu. Em 1986, Serra se candidatou a deputado federal e foi membro da Assembleia Constituinte, colaborando com 130 emendas parlamentares. No mesmo ano, 1988, fundara com FHC, Montoro, Mario Covas e outros membros do PMDB um partido, o PSDB, pelo qual se elegeu deputado e senador nas eleições seguintes. Como parlamentar, já ficou conhecido por seu estilo, por não dormir quase nada e se meter em quase todos os temas. "Ele pega rápido assuntos em que não é especialista, como os jurídicos", diz o jurista Luiz Antonio Marrey, chefe da Casa Civil do governo estadual, com quem Serra despachava todo dia antes da campanha. "Tem enorme capacidade de trabalho. É comum que me envie e-mail às 3h, 3h30 da madrugada."

Em 1984, Dilma não subia aos palanques das Diretas Já, mas trabalhava em campanhas como as dos pedetistas Alceu Collares e Aldo Pinto, além das de seu marido; Araújo foi deputado estadual de 1982 a 90. O primeiro cargo executivo de Dilma foi como secretária municipal da Fazenda, em 1988, por indicação de Araújo. O prefeito, Collares, elogiou seu trabalho quando ela deixou a função para coordenar a campanha de Araújo à Prefeitura de Porto Alegre; seu sucessor na secretaria, Políbio Braga, disse tê-la encontrado num "caos", sem sequer um relatório. Com a derrota do marido, ela virou diretora da Câmara Municipal em 1989, mas foi demitida porque, segundo o presidente, Valdir Braga, "houve um problema com o relógio de ponto", ou seja, ela se atrasava.

Marina Silva era professora e afiliada ao PT quando, em 1985, Chico Mendes criou a CUT do Acre e, pouco a pouco, se tornou uma voz do ambientalismo mundial, sendo premiado nos mais diversos países. Marina o acompanhava. Em 1987, ela se casou com um técnico agrícola, Fabio Vaz de Lima, com quem tem as filhas Moara e Mayara. E saiu candidata a vereadora. No ano seguinte, eleita, viveu o trauma do assassinato do amigo Chico Mendes. "Com ele, Marina aprendeu muitas coisas", conta Antonio Alves. "Aprendeu, principalmente, a ouvir todo mundo, sem deixar de mostrar seus sentimentos, e depois decidir. Ela lidera naturalmente, tratando todos de igual para igual, e tem uma vida interior muito rica. Não fica só analisando gráficos."

Outro obstáculo que Marina foi obrigada a transpor surgiu em 1991, quando descobriu que estava contaminada por metais pesados, doença resultante de sua infância nos seringais. Mesmo assim, saiu candidata a senadora em 1994 e foi eleita. Também passou a receber muitos prêmios internacionais. No início da década seguinte, surpreendeu alguns amigos antigos ao se tornar evangélica, da Assembleia de Deus. Antonio Alves, seu assessor, não vê assim: "Acho que o evangelismo foi apenas uma radicalização de sua vivência religiosa. Hoje ela é mais intensa, medita mais, está mais madura. Acho que a doença ampliou sua consciência de que não era dona de sua vida."

1995/2010
Governos FHC e Lula

Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência, na esteira do sucesso do Plano Real, o senador Serra se tornou ministro do Planejamento e, no segundo mandato, ministro da Saúde, quando fez algumas de suas realizações mais conhecidas, como o lançamento dos genéricos. Derrotado na eleição presidencial de 2002, foi eleito prefeito de São Paulo de 2004 a 2006 e governador de 2006 até se licenciar para a atual campanha. Em cargos executivos, investiu em obras viárias como Rodoanel e ampliação da Marginal do Tietê e na expansão de linhas de trem e metrô. Os amigos dizem que ele ainda é o mesmo idealista, como servidor público, mas alguém extremamente prático, "que delega e cobra, mas não centraliza", na frase de Marrey.

Nos anos do governo de Fernando Henrique, Dilma trocou o PDT pelo PT, depois de ter sido convidada por Olívio Dutra a ser secretária de Energia, Minas e Comunicação em 1998 e pressionada pelo partido de Brizola a deixar o cargo. Foi nessa condição que teria mostrado a Lula, numa simples reunião em Brasília no final de 2001, que teria conhecimento técnico e vocação política para ser sua ministra de Minas e Energia, em detrimento do físico Luiz Pinguelli Rosa, que tinha uma visão mais estatizante do setor. No primeiro ano de seu segundo mandato, em 2007, com Zé Dirceu fora da vitrine política desde o escândalo do mensalão, Lula já a converteu na mulher-forte do governo, como ministra da Casa Civil e coordenadora das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Ela descobriu um câncer linfático em 2009 e passou por quimioterapias, tendo uma ala exclusiva no Hospital Sírio Libanês. E Lula a fez candidata oficial em 2010, na linha "uma mãe que sabe a hora de dar bronca".

Marina também foi chamada para o governo Lula, como ministra do Meio Ambiente, e ficou no cargo de 2003 a 2008, quando o presidente nomeou Roberto Mangabeira Unger para cuidar de um plano para a Amazônia, dizendo "Marina não é isenta", no sentido de que ela não obteria o meio-termo entre a necessidade de grandes obras e a concessão de licenças ambientais - e, por isso, entrara em conflito com a própria ministra da Casa Civil. Em 2009, Marina saiu do PT e ingressou no PV, pelo qual hoje é candidata. A mudança de partido e religião desagradou a alguns companheiros acreanos, mas não mudou sua imagem pública em termos de caráter. "Ela sempre diz que não tem uma causa", conta Alves, "mas a causa é que a tem. Ela não usa máscaras".

Determinados em graus semelhantes, o ex-exilado, a ex-guerrilheira e a ex-seringueira mudaram desde os anos de militância em graus distintos, por caminhos distintos. Hoje seus destinos e o do Brasil se cruzam de novo.