domingo, 6 de novembro de 2022

Merval Pereira - O que mudou na cabeça do brasileiro?

O Globo

De 2002 até hoje, que mudanças fizeram a cabeça do eleitor brasileiro? O cientista político Alberto Carlos de Almeida vai atrás dessa resposta 20 anos depois de ter feito a primeira pesquisa, que resultou no mais amplo levantamento sobre o que move o eleitor brasileiro. O PT sempre venceu o segundo turno por uma vantagem em torno de 60% a 40% contra o PSDB, exceção feita em 2014, quando Dilma venceu o tucano Aécio por três pontos percentuais. Em 2018, os conservadores cresceram, levando Bolsonaro à presidência da República e agora dividindo o eleitorado, perdendo pela menor margem já registrada em um segundo turno.

Alberto Carlos de Almeida acha que uma mudança que o Brasil sofreu nesse período, que ainda depende da validação da pesquisa, é que o eleitorado passou a se sentir claramente ancorado por suas respectivas representações, na esquerda e na direita, “antes os terrenos eleitorais eram mais fluidos”. O jogo eleitoral brasileiro ficou mais parecido com as eleições de outros países: França, Estados Unidos, países da América do Sul como Argentina, Peru, devido, segundo Alberto Carlos de Almeida, o amadurecimento do eleitorado, o reconhecimento de seus representantes.

Míriam Leitão - Esquerda entra com o pé direito

O Globo

Governo eleito acerta na tomada de decisão e ocupa todo espaço político, no vácuo da administração Bolsonaro

Foram muitos acertos em pouco tempo. O presidente eleito decidiu comparecer à reunião global do clima como primeiro movimento diplomático e escolheu Geraldo Alckmin, bom gestor e com cara de frente ampla, para coordenar a transição. A negociação com o relator do orçamento foi iniciada imediatamente e já se desenha uma solução para a desordem do orçamento. As conversas para a formação de uma coalizão com partidos do centro e do centrão. Com todos esses acertos, o novo governo ocupou todo o espaço político. A sucessão começou antes do prazo regimental.

Bolsonaro abandonou seu governo e continua errando. Seu ato mais desastrado foi ser conivente, durante 72 horas, com os crimes cometidos nas estradas pelos seus seguidores. Aqueles atos foram financiados e isso precisa ser investigado. Os vitoriosos nem perderam tempo em brigar com golpistas. Enquanto seguidores de Bolsonaro protagonizavam cenas de histeria, os representantes do novo governo foram tratar das questões urgentes da administração.

Bernardo Mello Franco – Punição para Bolsonaro

O Globo

Futuro ex-presidente perderá foro privilegiado e não pode ser premiado com anistia

Faltam 56 dias para a posse do presidente Lula. Jair Bolsonaro pode fugir da cerimônia, mas não poderá levar a faixa para casa. Também terá que deixar para trás o palácio, as mordomias e a proteção do foro privilegiado.

A lei brasileira não oferece blindagem a ex-presidentes. De volta à planície, eles ficam ao alcance de procuradores e juízes de primeira instância. Nos últimos anos, isso abriu caminho para as prisões de Lula e Michel Temer. Em 2023, poderá chegar a vez de Bolsonaro.

Enquanto esteve no poder, o capitão fez de tudo para evitar o impeachment e fugir da polícia. No front político, comprou a cumplicidade do presidente da Câmara com os bilhões do orçamento secreto. No jurídico, nomeou um procurador-geral omisso e subserviente. Sem a proteção de Arthur Lira e Augusto Aras, ele terá que responder por seus atos. Não faltarão motivos para processá-lo e julgá-lo.

Elio Gaspari - Cenas de uma crise natimorta

O Globo

Na terça-feira, quando Jair Bolsonaro reuniu-se com ministros e colaboradores no Alvorada, tinha um texto no qual mencionava o resultado das urnas e anunciava o início dos trabalhos da transição.

Na lembrança de um dos presentes, ao longo da reunião decidiu-se dividir a fala do presidente, deixando a parte da transição para ser dita pelo chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira. Desde o dia anterior ele defendia a normalidade.

A certa altura, o deputado Eduardo Bolsonaro disse ao pai que ele não deveria reconhecer publicamente o resultado da eleição. Foi interrompido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, condenando explicitamente o “golpe” embutido na proposta. Numa constatação factual e, ao mesmo tempo, irônica, acrescentou: “Cadê os generais?”

A conversa prosseguiu e, chegando-se à parte que seria anunciada pelo ministro Ciro Nogueira, partiu um palpite de um personagem secundário e paisano. Ele queria que, em vez de “transição”, se falasse em “eventual transição”. Não foi ouvido, até porque, pelo andar da carruagem, essas palavras não sairiam da boca de Ciro.

Terminada a reunião, encerrava-se um silêncio que durou dois dias. Nos Estados Unidos, o negacionismo persiste e deverá custar caro ao presidente Biden na eleição desta semana.

Luiz Carlos Azedo - A democracia precisa de um estadista na Presidência

Correio Braziliense

Se quiser melhorar sua governabilidade, Lula terá que incorporar os partidos democráticos que não o apoiaram no primeiro turno, em vez de jogá-los no limbo, como linha auxiliar do bolsonarismo

A linha de força da montagem do governo Lula, para que realmente seja um governo de ampla coalizão democrática, diante da margem estreita de sua vitória no segundo turno e da envergadura e poder de mobilização da oposição bolsonarista, é a velha política de conciliação. Não se pode inventar uma “nova política” para lidar com a necessidade de defesa da democracia e suas instituições e montar uma equipe ministerial em condições adequadas de governabilidade. O modus operandi será parecido com o do primeiro governo Lula, com a diferença de que a política com os governadores deverá ser ainda mais ampla e a incorporação institucional dos partidos. A força de Lula no Nordeste é a chave para a construção das alianças necessárias.

Eliane Cantanhêde – Das bravatas à normalidade

O Estado de S. Paulo

O Brasil vai voltando ao normal, só falta os golpistas entenderem que fazem papel de bobos

Lula que chega a Brasília nesta semana, para pôr seu governo de pé, é o melhor dos Lulas, e a oposição ao seu terceiro mandato ameaça ser a pior de todos os tempos, raivosa, irracional e inconsequente. Mas, atenção! Só nas estradas e ruas, porque nos Poderes da República prevalecem o pragmatismo e a negociação.

Perto dos 80 anos e depois da prisão, Lula está revigorado pelo novo amor por Janja, mantém sua obsessão pela inclusão social, exercita o controle sobre o PT, usa seu talento para dialogar com aliados e sabe que não tem o direito de errar. Gato escaldado... Já a oposição começou a botar as garras de fora, com caminhoneiros ameaçando o caos e extremistas nas portas dos quartéis, enrolados na nossa bandeira, vociferando contra o Supremo e a favor da ditadura militar.

Hélio Schwartsman - Receita para a felicidade

Folha de S. Paulo

Entre alcançar objetivos ou aproveitar a jornada, filósofo prefere a segunda alternativa

Qual a receita para a felicidade? Alcançar seus objetivos ou aproveitar a jornada? Adam Adatto Sandel, autor de "Happiness in Action" (felicidade em ação), defende a segunda alternativa.

Adatto Sandel é um jovem filósofo, filho do professor estrelado de Harvard Michael Sandel. A influência do pai é visível não só na preferência pela ética da virtude aristotélica como ainda no que parece ser a vontade de restaurar uma espécie de comunitarismo, admirável, mas que também tem algo de retrógrado, quase religioso.

Bruno Boghossian - A chance de um acordo Lula-Lira

Folha de S. Paulo

Processo de acomodação política pode levar reeleição do deputado às mesas de negociação

No processo de acomodação política iniciado após a vitória de Lula, um movimento relevante diz respeito à possibilidade acordo entre o petista e Arthur Lira. A mudança de tom captada dos dois lados fez com que o apoio à reeleição do presidente da Câmara, antes improvável, chegasse às mesas de negociações.

Antes de viajar para um descanso no litoral baiano, Lula procurou petistas e reforçou um pedido de cautela nas articulações com o Congresso. Ele disse que os tamanhos das bancadas e o quadro político do país não permitem que o governo cometa erros e seja derrotado na eleição para o comando da Câmara.

Foi um recado para aliados que buscam se apressar para formar uma coalizão de partidos capaz de isolar Lira e permitir a vitória de um deputado de fora do centrão para a presidência da Casa. A ideia desse grupo é jogar com siglas de esquerda, somadas a MDB, PSD e União Brasil.

Vinicius Torres Freire - O dinheiro grande e Lula 3

Folha de S. Paulo

Governo pode dar certo até por motivos alheios à vontade do PT, segundo financistas

A finança está otimista com Lula 3. Essa opinião ainda mal aparece na principal pesquisa de intenção de voto dos mercados, que são o preço dos ativos financeiros (juros, dólar, Bolsa etc.). Nem seria razoável que aparecesse: a eleição acabou faz uma semana. Mas a boa vontade, notável no ano eleitoral, continua.

Essa opinião transparece na conversa com meia dúzia de administradores de dinheiro grosso e economistas e executivos de banco. Esse otimismo cauteloso é motivado por cinco restrições ou possibilidades que podem orientar um governo Lula 3.

Para resumir, são eles: 1) "emparedamento"; 2) "fato consumado"; 3) virada externa; 4) potencial do PIB; 5) conjuntura.

Muniz Sodré* - Em campo tóxico

Folha de S. Paulo

Com ignorância e delinquência política, o corpo da democracia no país permanece vulnerável

Confirmada a vitória do rito democrático, ressoam frases aliviadas de "retorno à normalidade". Mas pode ser muito enganoso um terreno social minado pela "hungranização" incubada, estilo Viktor Orbán, ou seja, a modalidade de golpe de Estado sem tanques, com aparências normais. Sobre isso, aliás, a ornitologia tem algo a dizer.

Em pauta, um exótico falcão, conhecido como picanço ou pássaro-açougueiro, que não possui garras e, ainda por cima, canta. Igual aos demais, caça aves de menor porte. Só que em vez de matar na hora, espeta-as em espinheiros, arames farpados ou objetos pontiagudos, voltando depois para dilacerar e comer. A natureza autorregula-se: essa rapineira dispensa unhas afiadas porque mata de modo indireto, ecologicamente, por capilaridade de meios.

José Cesar Martins* - Como fazer um país

O Estado de S. Paulo

A transição do caos para a esperança precisa contar com os melhores brasileiros, não importam suas simpatias ideológicas.

Logo antes do segundo turno, vimo-nos numa onda de disparates e surrealismo. Agressões a tiros de um Rambo septuagenário e mambembe contra a polícia se somaram à ameaça armada de uma deputada contra um homem negro. Os dois atos são amostra da patacoada bárbara trazida pelo atual presidente.

Passadas as eleições, as excrescências disfuncionais não cessaram, com um bando de exaltados ocupando praças e estradas desrespeitando a ordem e o resultado das urnas, como crianças tiranas que não concordam com o resultado do jogo democrático.

Muito além de partido ou candidato, do outro lado formou-se uma aluvião falando de paz, mudanças e esperança. Gente que quer tocar sua vida, batalhar seu ganha pão, educar os filhos, ter acesso à saúde e segurança.

Tivessem vencido os primeiros, estaríamos condenados à boçalidade como padrão de relacionamento da sociedade consigo mesma e com o mundo lá fora. Mas a sociedade não premiou o mau comportamento. Ela disse basta, queremos fazer um país!

Durante o segundo turno, o grupo Derrubando Muros juntou-se a outros grupos apartidários numa carta de amor ao Brasil: A gente faz um país. O texto é de Antonio Prata; o título, de Mauro Dorfman; e a canção, você sabe, eternizada pela diva Marina Lima. Falamos de solidariedade, empatia, progresso científico, tolerância e justiça. Contra os gritos e as agressões, vestimos a túnica branca dos bons auspícios.

Cristovam Buarque* - A democracia hierarquizada

Blog do Noblat / Metrópoles

Felizmente, prevaleceu a democracia e sua hierarquia: a justiça eleitoral foi respeitada

A eleição da semana passada desnudou a realidade de um país hierarquizado. A hierarquia social de um Nordeste pobre e um Sul rico, mostrada em falas preconceituosas de seguidores contra o povo nordestino. A hierarquia racial, irmã da social, que coloca desde sempre os brancos como superiores aos negros e aos índios. Há uma clara hierarquia entre os candidatos conforme a participação de seu partido no fundo partidário. Por meses o processo eleitoral teve uma hierarquia entre militares e civis, em que estes ficaram esperando que os fardados dissessem se as urnas eram confiáveis, e esperando para saber se eles respeitariam o resultado das urnas ou se usariam as armas para impedir a vontade dos eleitores.

Dorrit Harazim - País está de novo em terra firme

O Globo

A eleição de Lula devolve o Brasil ao convívio global e nos brinda com vozes públicas que falam em linguagem adulta

Aportamos. E o Brasil tem pressa — ao contrário do julgamento da História, que não concorre com o tempo para digerir e significar a vitória transformadora de Luiz Inácio Lula da Silva sobre Jair Bolsonaro. Com o final da férvida contagem de votos do domingo passado, e a despeito das barricadas golpistas que tentaram reverter o resultado pela força, o horizonte nacional e o ar que respiramos adquiriram leveza. A leveza da normalidade. Voltamos a pisar em terra bastante firme para poder aperfeiçoar a defesa do Estado Democrático, o que inclui conter uma das heranças mais malditas da era bolsonarista: os grupos radicalizados da extrema direita. Daqui para a frente deverão passar a operar de forma mais clandestina, mas sem desviar do manual de aliciamento via redes sociais copiado dos operadores golpistas de Donald Trump.

O presidente derrotado quebrou seu silêncio negacionista de 44 horas após o anúncio oficial do resultado com um cochicho ao ouvido do seu ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira:

—Vão sentir falta da gente.

Referia-se à mídia convocada ao Palácio do Alvorada para registrar a oblíqua admissão de que perdera — “injustamente”. Dois dias depois, fez uma segunda aparição pública pós-derrota, mais tíbia ainda. Vestia uma camiseta sombria que combinava com o ambiente bunker da transmissão.

Cacá Diegues - Uma civilização inédita

O Globo

O Brasil é a real possibilidade, inaugurada pela natureza das civilizações que nos formaram, a indigenista, os euro-ibéricos e a África de todas as nações, de um novo rumo para a Humanidade

Ufa! Ainda temos problemas a resolver com eles, mas a verdade é que já passamos pelo pior. Embora ele insista em discutir com a gente questões com as quais não temos mais nada a ver, sabemos que é pela transição e pela ocupação das cadeiras que são nossas por decisão do eleitor brasileiro que devemos dar os próximos passos, encurtar o caminho entre o resultado das eleições e o nosso papel na recuperação do Brasil.

Para início de conversa, sabemos que o Brasil está flutuando no fundo de um poço que não tem mais poder de nos catapultar por cima de seus limites, como se pudéssemos esquecer ou simplesmente não dar bola para o que nos aconteceu nesses últimos quatro anos. Uma coisa é ocupar o espaço que era ocupado por gente que pensava diferente de nós. Outra é ocuparmos um espaço que não existe mais, que foi destruído pela ideia de que era possível existir um país como o nosso sem compromisso com nenhum projeto mais claro e pelo menos um pouco mais de acordo com a população majoritária do país.

O que a mídia pensa - Editoriais /Opiniões

Lula deveria vestir a camisa da seleção — como todos nós

O Globo

Nada seria tão eficaz para resgatar o símbolo que é de todos os brasileiros, mas foi sequestrado pelo bolsonarismo

Tendo à frente a bandeira nacional, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aproveitou seu primeiro discurso como presidente eleito para tentar resgatar um símbolo sequestrado pelo adversário, o presidente Jair Bolsonaro (PL). “É preciso trazer de volta a alegria de sermos brasileiros e o orgulho do verde-amarelo e da bandeira do nosso país”, disse. “Esse verde-amarelo e essa bandeira que não pertencem a ninguém, a não ser ao povo brasileiro.”

As camisas amarelas se popularizaram nas manifestações de 2013 e nos atos pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas entraram na moda mesmo com o bolsonarismo. Nos últimos quatro anos, a bandeira do Brasil e a camisa “canarinho” da única seleção pentacampeã do mundo passaram a ser uma espécie de uniforme dos apoiadores de Bolsonaro.

O próprio presidente exortou seus eleitores a ir votar vestidos de amarelo — e muitos foram. Sempre enfatizou que essas eram suas cores, e não o vermelho do PT. A duas semanas da eleição, mandou estender uma bandeira brasileira gigantesca na fachada do Palácio do Planalto e disse que ninguém teria coragem de tirá-la. A eleição acabou, Bolsonaro perdeu, a bandeira não está mais lá, mas as camisas amarelas continuam a ser usadas pelos bolsonaristas. Viraram um símbolo identitário. Basta ver as imagens dos protestos golpistas no Dia de Finados ou dos bloqueios ilegais promovidos pelos caminhoneiros país afora. Sob o manto amarelo, tudo se confunde.

Poesia | Os domingos (Paulo Mendes Campos)

 

Música | Milton Nascimento /Brasil Jazz Sinfônica - Estrelada