sábado, 12 de abril de 2014

Opinião do dia: Dora Kramer

Na Carta de 1988 está escrito que as CPIs se instalam mediante a assinatura de um terço dos deputados ou senadores. Um terço, e não a maioria. A ideia do legislador foi garantir o direito da minoria. A manobra do governo, para a qual se pede o aval do Supremo, caso seja aceita, põe por terra esse princípio.

Dora Kramer, jornalista, “Marcadas para morrer”. O Estado de S. Paulo, 11 de abril de 2014

Segunda etapa da Operação Lava Jato mira negócio de R$ 443 milhões na Petrobrás

PF descobre que empresa contratada estava vendendo 75% das cotas para o doleiro Alberto Youssef e para o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa; 23 mandados de busca, apreensão e prisão foram cumpridos

Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

O alvo principal da Lava Jato 2, deflagrada na manhã desta sexta-feira, 11, é a contratação pela Petrobrás da empresa Ecoglobal – Ambiental Comércio e Serviços Ltda. e da Ecoglobal Overseas LCC no montante de R$ 443,8 milhões para locação de equipamentos e para fornecimento de serviços técnicos especializados.

Nesta segunda etapa da operação, que desbaratou esquema de lavagem de R$ 10 bilhões, foram cumpridos 23 mandados de busca, apreensão e prisão nas cidades de São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Macaé e Niterói.

A suspeita da PF é que aparentemente na mesma época estariam sendo negociadas 75% cotas das empresas Ecoglobal para venda para grupo empresarial do qual participam o doleiro Alberto Youssef, por meio da Quality Holding, e Paulo Roberto Costa – ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás –, por meio da Sunset Global Participações, e ainda para uma terceira empresa Tino Real Participações, no montante de R$ 18 milhões.

Os investigadores apontam que o próprio negócio da cessão de cotas é condicionado à efetivação do contrato da Ecoglobal com a Petrobrás. A PF localizou carta-proposta confidencial subscrita pelos negociantes e datada de 18 de setembro de 2013.

O contrato, pela Ecoglobal, é assinado por seu então titular Vladmir Magalhães da Silveira.

A PF constatou que a Tino Real Participações tem por titulares Maria Thereza Barcellos da Costa e Pedro Carlos Storti Vieira. A PF verificou por email cadastrado na emissão do passaporte a relação de Maria Thereza com Eric Davi Belo, envolvido supostamente em crimes relacionados a fundos de pensão.

Os investigadores avaliam como suspeito o fato de uma empresa que obtém contrato de R$ 443 milhões seja negociada na mesma época – 75% das cotas –, por R$ 18 milhões.

PF apreende documentos na Petrobras na segunda etapa da operação Lava-Jato

Ação busca novas provas da sociedade entre o doleiro Youssef e ex-diretor da Petrobras

No total, foram expedidos 23 mandados para serem cumpridos em São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Macaé e Niterói

Duas pessoas tiveram prisão temporária decretada e outras seis foram levadas a depor em condução coercitiva

Adriana Mendes, Cleide Carvalho, Tatiana Farah, Ramona Ordoñez e Bruno Rosa – O Globo

BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO - A Polícia Federal cumpriu nesta sexta-feira 16 mandados de busca e apreensão, quatro de condução coercitiva, e um de prisão temporária, durante a segunda etapa da Operação Lava Jato. Os policiais apreenderam R$ 70 mil em dinheiro e diversos documentos, inclusive na sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, onde foram recebidos pela presidente da estatal, Maria das Graças Foster. O material deverá ser entregue à Superintendência Regional da PF no Paraná na tarde de sábado. Falta ainda cumprir dois mandados de condução coercitiva e uma prisão temporária. A única prisão foi realizada em São Paulo. A operação tem como objetivo reunir novas provas contra Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal, que seria sócio do doleiro Alberto Youssef na empresa Ecoglobal Ambiental, com sede em Macaé, no Norte Fluminense.

Segundo a Petrobras, os policiais foram recebidos pela presidente da companhia, que providenciou rapidamente a entrega da documentação. A estatal, porém, não informou do que se tratava.

Vinte e três mandados expedidos
No total, a Justiça Federal do Paraná expediu 23 mandados: dois de prisão temporária, seis de condução coercitiva e 15 de busca e apreensão nas cidades de São Paulo (SP), Campinas (SP), Rio de Janeiro (RJ), Macaé (RJ) e Niterói (RJ).

Entre os seis conduzidos a depor está o empresário Wladimir Magalhães da Silveira, sócio majoritário da Ecoglobal. De acordo com as investigações, ele atuaria como laranja do doleiro e do ex-diretor da Petrobras no comando da Ecoglobal.

A PF investiga suspeita que os dois estão ligados a contrato de R$ 443,8 milhões firmado entre a Petrobras e a Ecoglobal em julho do ano passado. Em depoimento à PF, o empresário negou que a empresa estivesse sob o comando de Costa e Youssef.

De acordo com os documentos apreendidos pela PF, apenas dois meses depois do contrato assinado com a Petrobras foi assinada uma carta-proposta confidencial entre a Ecoglobal e emissários da dupla. Segundo o documento, por R$ 18 milhões, 75% da Ecoglobal seriam transferidos às empresas Quality, que pertenceria a Youssef, e Sunset Global Participações, que pertence a Costa e foi constituída em maio do ano passado com capital de apenas R$ 1 mil.

Ecoglobal diz que venceu licitações
Em nota, a Ecoglobal afirma "que possui contratos firmados com a Petróleo Brasileiro S/A - PETROBRÁS desde 2006, sendo que todos os instrumentos contratuais foram vencidos em processos licitatórios".
A empresa também diz que as informações sobre os procedimentos estão disponíveis para quem se "interessar".

"Finalmente informa que jamais seus proprietários e ou seus executivos tiveram qualquer tipo de ligação ou mesmo contato com os Srs Youssef e ou Paulo Roberto da Costa sendo portanto infundadas qualquer noticia que ligue a Ecoglobal a estes senhores".

A segunda etapa da operação Lava-Jato deve ajudar ainda na investigação de outros negócios de Youssef, ligados à Labogen, empresa que chegou a negociar com o Ministério da Saúde. Segundo a PF, o objetivo é buscar documentos que auxiliem os trabalhos da investigação.

"O material contribuirá para os relatórios finais dos inquéritos em andamento", diz nota da PF.

A investigação do esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas envolve quatro doleiros, que teriam movimentado de forma atípica aproximadamente R$ 10 bilhões nos últimos anos, conforme cálculos do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), uma das bases da chamada da investigação.

Deflagrada em 17 de março pela PF, a operação prendeu 24 pessoas acusadas de participar do esquema oriundos de desvio de dinheiro público, tráfico de drogas e contrabando de pedras preciosas. Um dos presos é Enivaldo Quadrado, ex-sócio da corretora Bônus-Banval, já condenado por envolvimento no escândalo do mensalão a cumprir penas alternativas. Quadrado foi preso em Assis, no interior de São Paulo.

A Operação Lava-Jato é consequência da prisão do empresário André Santos, em dezembro de 2013, com US$ 289 mil e R$ 13.950 escondido nas meias. Santos é réu em ação na qual é acusado de fazer parte do braço financeiro de uma quadrilha de libaneses especializada em contrabandear produtos do Paraguai, operando um esquema de lavagem. Entre os presos está o doleiro Alberto Youssef, de Londrina, que foi detido em um hotel no Maranhão. Youssef foi sócio do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa.

Na primeira etapa, 400 policiais foram destacados para cumprir as prisões e também 81 mandados de busca e apreensão em 17 cidades, em seis estados: Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Rio, além do Distrito Federal. Entre os bens apreendidos, estava um cofre repleto de cédulas de reais e dólares.

Planalto atua para evitar mais desgaste

Para não dar munição à CPI, governo tenta amenizar danos à imagem da Petrobrás

Murilo Rodrigues Alves, Idiana Tomazelli e Antonio Pita - O Estado de S. Paulo

A ação da Polícia Federal na Petrobrás mobilizou a cúpula do governo que determinou a divulgação de duas notas públicas numa tentativa de evitar a criminalização da empresa e reforçar a necessidade de uma CPI para investigar a petroleira em pleno ano eleitoral.

Numa ação traçada pelo Ministério da Justiça e Casa Civil, a Polícia Federal e a Petrobrás afirmaram nesta sexta-feira, 11, que a estatal se dispôs a entregar os documentos solicitados pela PF. Em notas divulgadas simultaneamente as duas instituições informaram que a disposição em colaborar tornou desnecessário o cumprimento do mandado de busca e apreensão.

Porém, segundo informações apuradas peloEstado, a primeira reação da presidente da Petrobrás, Maria das Graças Foster, ao receber os policiais, por volta de 9h, na sede da empresa, foi se recusar a repassar dados sobre um contrato milionário assinado na sua gestão com a empresa Ecoglobal Ambiental Comércio e Serviços. Avisada de que a resistência daria à PF o direito de vasculhar a empresa em busca dos documentos, uma vez que estava autorizada judicialmente por um mandado de busca e apreensão, a executiva recuou e liberou a papelada.

A negociação levou a permanência de um delegado e de três agentes na sede da Petrobrás por quase seis horas. De acordo com um segurança da sede da Petrobrás, os agentes policiais entraram a pé pela recepção da garagem do prédio, se identificaram e informaram sobre a Ordem Judicial, expedida pela Seção Judiciária do Paraná.

Funcionários do setor jurídico da estatal desceram para receber os policiais ainda no estacionamento. Segundo o segurança, os agentes disseram que iriam cumprir "intimações" na estatal.

No final da noite, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, saiu em defesa da presidente da Petrobrás e repetiu o que as duas notas já haviam afirmado de que os documentos foram entregues pela empresa "espontaneamente".

A nota divulgada pela Polícia Federal recebeu o aval de Cardozo antes de ser publicada.

Segundo fontes, o ministro compartilhou seu conteúdo com o colega da Casa Civil, Aloizio Mercadante, um dos mais próximos da presidente Dilma Rousseff. O texto apresenta duas explicações em referência aos mandados cumpridos nesta sexta. A Polícia Federal informa que "a Justiça Federal no Paraná expediu mandados de intimação prévia para que a Petrobrás apresentasse documentos. Como houve colaboração, não foi necessário o cumprimento de mandados de busca e apreensão para o êxito na obtenção desses papéis."

Menciona, também, que a "presidência da Petrobrás colaborou com os policiais federais apresentando os documentos, que foram apreendidos e contribuirão para a continuidade das investigações". A PF não explicou porque os agentes ficaram várias horas na sede da estatal, embora a justificativa seja que apenas foram coletados documentos, cuja entrega já havia sido acertada com a empresa.

A nota da Petrobrás informa que a estatal recebeu uma ordem judicial para entrega de documentação sobre um contrato investigado pela Polícia Federal. Segundo o comunicado, a presidente acionou "imediatamente" a gerência jurídica da empresa para dar encaminhamento às solicitações dos agentes. O comunicado informa ainda que a empresa cumpriu as determinações expedidas pela Seção Judicial do Estado do Paraná. / Colaborou Débora Álvares

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• PF amplia apuração sobre Petrobras e faz busca na estatal

Rosa Weber dá prazo de 48 horas para Calheiros prestar informações sobre CPI

Ministra é relatora dos processos do governo e da oposição

Discussão é se comissão também deve investigar denúncias do metrô de São Paulo e do Porto de Suape

Inicialmente, apuração se concentraria nas irregularidades da Petrobras

Maria Lima – O Globo

BRASÍLIA - A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), emitiu nesta sexta-feira um despacho concedendo um prazo de 48 horas para que o presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) preste informações sobre a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a Petrobras. A proposta de CPI, inicialmente, era para investigar somente a empresa estatal, mas a base governista incluiu outros temas como as denúncias de cartel do metrô de São Paulo e atividades do Porto de Suape para viabilizar a Refinaria Abreu Lima, em Pernambuco.

A oposição reagiu e protocolou uma ação no STF para impedir uma CPI ampla com o argumento de que a criação de uma comissão é um direito assegurado pela Constituição às minorias no Congresso e que Renan teria “esvaziado” o pedido ao tentar, um dia depois do pedido inicial, viabilizar uma CPI ampla, solicitada pela maioria.

A ação subscrita por dez parlamentares do PSDB, DEM, PSOL, PSB e PDT tem a ministra Rosa Weber como relatora e a mesma pediu mais informações ao presidente do Senado antes de tomar sua decisão.

Como o prazo começa a ser contado a partir do momento em que Renan receber a intimação, sem contar o sábado e domingo, a decisão sobre a medida cautelar para cessar os efeitos que impedem a instalação da CPI só deve acontecer depois de terça-feira, quando será votado, em plenário, parecer do senador Romero Jucá (PMDB-RR) favorável á ampliação de escopo da CPI para incluir investigações de Suape e Alstom, formando uma CPI ampla.

"Considerada a relevância do tema em debate, assino o prazo de 48 horas à autoridade impetrada para prestar, querendo, as informações que entender pertinentes, antes do exame da liminar ", disse a ministra Rosa Weber em seu despacho de hoje.

‘Estado’ e Corpora promovem encontros com pré-candidatos

Eduardo Campos (PSB) confirmou presença no dia 26 de maio; Aécio Neves (PSDB) falará no dia 2 de junho

O Estado de S. Paulo

O jornal O Estado de S. Paulo e a agência Corpora Reputação Corporativa promoverão encontros dos pré-candidatos à Presidência com empresários e executivos – os “Cafés da Manhã Estadão Corpora”.

O ex-governador de Pernambuco e nome do PSB na disputa pelo Palácio do Planalto, Eduardo Campos, confirmou presença no dia 26 de maio. Uma semana depois, dia 2 de junho, será a vez do senador Aécio Neves, pré-candidato à Presidência pelo PSDB. Convidada, a presidente Dilma Rousseff, que tentará reeleição, informou, por meio de sua assessoria, que não compareceria.

Os encontros, que contarão com a presença de cerca de 250 convidados, serão realizados sempre das 8h às 10h30 no hotel Caesar Park Faria Lima, que fica na rua Olimpíadas, 205, na Vila Olímpia, São Paulo.

Este é o segundo evento Estadão Corpora – o primeiro foi o café da manhã com o ministro da Fazenda Guido Mantega, que debateu com cinco empresários e cerca de 200 convidados, realizado em dezembro.

“Esse projeto visa um público essencial para o Estadão, o meio empresarial, para quem desejamos levar sempre melhores e mais informações úteis para o planejamento de suas empresas”, afirma Francisco Mesquita Neto, diretor-presidente do Grupo Estado.

O diretor geral da Corpora, Dalton Pastore, espera um debate em torno de questões “de médio e longo prazos, que interessam ao público e às corporações de vários setores”. E celebra a parceria com o Estadão: “É a união de duas grandes experiências”.

Os encontros serão divididos em três partes. Na primeira, executivos darão um rápido panorama de suas áreas – o potencial, a relevância e as barreiras que enfrentam. Na segunda, o presidenciável fará uma exposição, abordando questões apresentadas pelos empresários. Em seguida, um jornalista doEstado conduzirá um debate entre o convidado e os executivos.

“Os três principais candidatos à Presidência exercerão relevante influência sobre o futuro da nossa economia, qualquer que seja o resultado das eleições”, diz Pastore. “Nosso interesse está focado no debate econômico, nas oportunidades e nas barreiras que estarão logo à frente. É isso o que interessa para as corporações que atuam no Brasil” completa.

Plataformas. Para Mesquita Neto, o evento se insere na estratégia jornalística multiplataforma doEstadão. “Queremos produzir e distribuir conteúdos relevantes de todas as formas possíveis, e a presencial é uma delas”. Os encontros terão cobertura de todos os veículos do Grupo Estado: informações em tempo real no Broadcast Político (serviço da Agência Estado), flashes ao vivo na rádio Estadão e no portal estadão.com.br e cobertura nas edições impressa e digital do jornal

PR volta a ditar as cartas no Ministério dos Transportes

Alvo da ‘faxina’ de Dilma em 2011, partido ganha cargos, mas ainda está dividido sobre apoio à reeleição

Danilo Fariello e Isabel Braga – O Globo

BRASÍLIA — Após ameaçar romper com o governo ao aderir ao blocão formado em março no Congresso, o Partido da República (PR) está recompondo seu poder no setor de Transportes, encolhido após a “faxina” da presidente Dilma Rousseff em 2011. Na quarta-feira, o então presidente do partido no Pará, Anivaldo Vale, pai do deputado Lúcio Vale (PR-PA), foi oficialmente nomeado para a secretaria executiva do ministério, com o apoio da bancada. A pasta é comandada pelo ministro César Borges.

Outros nomes já indicados para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e enviados pelo ministério à Casa Civil para a diretoria da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) também passaram pelo crivo do partido e de seu ex-presidente Valdemar Costa Neto. Preso por envolvimento no mensalão, Valdemar continua influente no partido: ele vem se encontrando com o líder Bernardo Santana (MG) e outros caciques da sigla. Desde o início do ano, o PR já exerce interferência na diretoria da Valec.

Mas a recente conquista de cargos no setor de Transportes ainda não uniu integralmente o PR em apoio à reeleição de Dilma. Há conflitos entre deputados do partido e um enfrentamento entre as bancadas da Câmara e do Senado. Parte dos deputados, como o ex-líder Lincoln Portela (MG), defende a postura de independência e até uma candidatura própria à Presidência.

— Eu defendo o Magno Malta para presidente. Candidatura própria fortalece o partido — disse Portela, referindo-se ao senador pelo Espírito Santo.

Ministro “da presidente Dilma"
Parte da bancada do PR se insurgiu contra o ministro Borges, queixando-se de que ele não tem atendido aos pedidos da sigla. Os insatisfeitos dizem que ele “não é um ministro do partido, mas, sim, da presidente Dilma”. A interlocutores, líderes do PR dizem que o baiano Borges foi colocado na pasta mais por influência do governador da Bahia, o petista Jacques Wagner, do que pelas bancadas do partido.

Pressionado a colaborar mais com o partido no mês passado, o ministro chegou a pôr o cargo à disposição do PR, que estava votando repetidamente contra o governo, com a formação do blocão no Congresso. Satisfeito com os resultados do ministro à frente da pasta, o Palácio do Planalto saiu em defesa dele. Após um acordo envolvendo a nomeação de novos indicados pelo partido a cargos no governo, a maioria do PR voltou à base. Segundo um parlamentar do PT, Dilma também aconselhou Borges a se fortalecer junto aos deputados do PR aliados do governo.

Contrários à sua relação com o partido, alguns integrantes do PR comparam Borges ao ex-ministro do Trabalho Brizola Neto, que não teve apoio da bancada do PDT e acabou deixando o cargo. O sentimento de parte dos deputados do PR é o de que o partido não deve apoiar a reeleição de Dilma. Muitos vêm defendendo, nos bastidores e nos encontros com aliados de outros partidos, o “volta, Lula”.

Anivaldo Vale substituiu Miguel Masella, que estava no ministério desde o governo Lula e que agora deve seguir para a Empresa de Projetos e Logística (EPL). Vale foi deputado pelo PR e vice-prefeito de Belém. Outros três novos diretores foram indicados ao Dnit no início deste mês, em cargos que eram pleiteados pelo partido. Os nomes ainda deverão ser sabatinados pelo Senado. Apesar de serem três técnicos, o PR tem buscado “apadrinhá-los”, segundo fontes a par da nomeação.

O Ministério dos Transportes enviou à Casa Civil, nos últimos dias, quatro nomes para compor a diretoria da ANTT. Servidores e empresas do ramo temem uma pressão por aparelhamento político da agência, principalmente depois de o governo ter retirado nomes já indicados para o órgão ano passado, sob risco de reprovação no Senado. A recondução do atual diretor-geral, Jorge Bastos, foi aprovada em março, com o apoio de senadores do PMDB.

Quatro nomes enviados por Borges
Dos quatro nomes enviados por Borges, dois são técnicos e dois seriam indicações políticas, segundo fontes. Estão na lista os atuais diretores interinos Ana Patrizia Gonçalves Lira e Carlos Fernando Nascimento, que ainda buscam apoio político para sua aprovação pelo Senado. Um ex-secretário do governo de Alagoas, que havia sido indicado pelo presidente da Comissão de Infraestrutura, senador Fernando Collor (PTB-AL), teria desistido da nomeação, já enviada à Casa Civil. O último nome é de Noboru Ofugi, ex-diretor da ANTT e funcionário da agência, que estaria também na cota do PR, segundo três diferentes fontes.

— Eu, particularmente, não sei de nada (sobre nomeação apoiada pelo PR) — disse Ofugi.

O temor entre servidores e empresas do ramo é o de que uma maioria de indicações políticas à ANTT, entre os cinco membros da diretoria colegiada, possa reduzir o nível técnico das decisões da agência, que está no centro do ousado programa de concessões do governo federal. A agência também tem lidado com temas polêmicos, como a nova licitação de linhas de ônibus interestaduais.

Dilma vai a Pernambuco no dia em que Campos lança sua chapa

Petistas dizem que agenda é para dividir a atenção com ato do PSB

Luiza Damé e Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA — Para dividir os holofotes com o ex-governador Eduardo Campos no dia em que ele lança sua chapa à Presidência da República com a ex-senadora Marina Silva, a presidente Dilma Rousseff montou uma agenda em Pernambuco, base do adversário, na próxima segunda-feira, que inclui inaugurações em duas cidades. Enquanto Campos e Marina estarão em Brasília anunciando a chapa do PSB que concorrerá em outubro, Dilma visitará o Porto de Suape, em Ipojuca, e o sertão pernambucano, anunciando mais água para a região. Ex-aliado do governo, Campos é considerado por setores do PT o adversário mais difícil na campanha de Dilma à reeleição. A presidente tem participado de uma série de inaugurações, e ontem esteve em Porto Alegre para inaugurar uma estação de tratamento de esgotos e participar da formatura de turmas do Pronatec.

Adutora e navio da Transpetro
Dilma vai inaugurar a primeira etapa da Adutora do Pajeú, em Serra Talhada, e acompanhar a viagem inaugural do navio Dragão do Mar, da Transpetro. A data da agenda presidencial em Pernambuco mudou duas vezes. Inicialmente, seria na segunda-feira, mas, na noite da última quarta-feira, o Planalto informou que os compromissos seriam transferidos para a próxima quarta-feira, porque a Transpetro havia adiado a viagem inaugural do navio. Na manhã de quinta-feira, a agenda voltou para segunda-feira.

Petistas afirmaram que a agenda de Dilma foi marcada para segunda-feira de propósito, para coincidir com o lançamento da chapa Campos-Marina. O objetivo é dividir os holofotes e não deixar o socialista reinar sozinho, principalmente na imprensa pernambucana. Integrantes do PT reclamam muito que Campos, quando ainda estava no governo do estado, apropriava-se de obras feitas com recursos do governo federal, promovendo inaugurações das quais os petistas não participavam.

O ex-presidente Lula tem afirmado, em conversas reservadas, que pretende marcar presença em Pernambuco durante a campanha, com o objetivo de derrotar Campos na base eleitoral do candidato do PSB.

A inauguração da primeira etapa da Adutora do Pajeú será o segundo evento da presidente na obra nos últimos 12 meses. No dia 25 de março do ano passado, Dilma entregou o trecho de 118 quilômetros entre Serra Talhada e Floresta, um investimento de R$ 198 milhões. A primeira etapa tem 198 quilômetros e interliga os municípios de Serra Talhada, Floresta, Afogados da Ingazeira, Calumbi, Flores e Carnaíba.

A presidente assinará também a ordem de serviço para a segunda etapa da Adutora do Pajeú, com 401 quilômetros, e anunciará a construção do Ramal do Agreste, uma adutora de 69 quilômetros entre Sertania e Arcoverde. A Adutora do Pajeú, que faz parte da segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-2), tem quase 600 quilômetros, com investimento de R$ 547 milhões, e atenderá 400 mil pessoas. Levará água do Rio São Francisco e do Eixo Leste do Projeto de Integração para 21 municípios de Pernambuco e oito da Paraíba.

Em Ipojuca, a presidente acompanhará a viagem inaugural do navio Dragão do Mar, que faz parte do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef) da Transpetro e foi construído pelo Estaleiro Atlântico Sul, no Porto de Suape. Nos últimos quatro anos, foram produzidas dez embarcações pelo Promef.

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Cancelamento da Pnad desencadeia crise de gestão no IBGE

Após pedido de exoneração da diretora de Pesquisas do IBGE, 18 coordenadores ameaçam fazer o mesmo; presidente do instituto diz que decisão não será revista

Daniela Amorim - Agência Estado

RIO - A suspensão das divulgações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) para revisão da metodologia desencadeou uma crise de gestão no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Coordenadores de pesquisas fundamentais conduzidas pelo IBGE, como as que determinam a inflação oficial e a taxa de desemprego do País, assinaram uma carta enviada ao conselho diretor do instituto na qual ameaçam entregar seus cargos caso não seja revista a decisão de suspender a divulgação da Pnad Contínua. O documento foi assinado por 18 coordenadores e gerentes estratégicos da Diretoria de Pesquisas.

Apesar da pressão e da ameaça dos coordenadores, a presidente do IBGE, Wasmália Bivar, afirmou nesta sexta-feira, 11, em entrevista ao Broadcast, que não há possibilidade de voltar atrás na decisão de suspender as divulgações da Pnad.

Segundo ela, a decisão foi tomada após a descoberta - recente - de que a lei que o instituto achava que teria até janeiro de 2016 para atender, deverá ser atendida até janeiro de 2015. "Ou seja, nos foi tirado um ano de trabalho do nosso cronograma", apontou Wasmália.

Wasmália e mais cinco entre os oito membros do conselho do IBGE consideraram que seria arriscado mobilizar o corpo técnico para as divulgações da Pnad Contínua até o fim do ano em vez de concentrar o foco na reformulação metodológica que permita gerar um resultado mais preciso sobre a renda domiciliar per capita nas Unidades da Federação. As duas integrantes do conselho que discordaram da decisão pediram exoneração de seus cargos: Marcia Quintslr, diretora de Pesquisas do IBGE, e Denise Britz do Nascimento Silva, coordenadora-geral da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence).

"É uma pesquisa que ainda está nascendo, ela não pode já nascer sob o peso de contestações", avaliou Wasmália.

Entenda a crise. Na quinta-feira, 10, a presidente do IBGE, Wasmália Bivar, anunciou que a divulgação da Pnad Contínua estava suspensa até 6 de janeiro para que os técnicos pudessem revisar e adequar as informações sobre a renda domiciliar per capita às exigências previstas na Lei Complementar nº 143/2013.

A medida motivou o pedido de exoneração da diretora de Pesquisas do IBGE, Marcia Quintslr, que estava desde 2011 à frente da diretoria considerada a mais importante do IBGE.

A decisão do cancelamento da Pnad foi tomada após questionamentos de parlamentares sobre a precisão das informações sobre a renda domiciliar per capita. A Pnad é base para o cálculo do rateio do Fundo de Participações do Estados (FPE). O instituto deve assegurar que a pesquisa gere uma renda per capita domiciliar anual (e não apenas pontual, referente a um mês no ano, como ocorre na Pnad convencional) e que a margem de intervalo seja a mesma para todas as unidades da Federação.

A próxima divulgação da Pnad Contínua, que estava prevista para o dia 3 de junho, foi cancelada. A pesquisa só voltará a ser divulgada em 6 de janeiro de 2015.

Crise de gestão. "Parece que existem outras pessoas dispostas a entregar também seus cargos. Estão acontecendo reuniões entre os coordenadores. É uma crise de gestão", disse a servidora Ana Magni, da executiva nacional da Associação de Servidores do IBGE (ASSIBGE).

A ASSIBGE diz que a metodologia da Pnad Contínua está correta, que não há erros na amostra nem no cálculo da renda domiciliar per capita. A associação lembrou ainda que a decisão de reavaliar a pesquisa foi tomada sem que a equipe técnica fosse consultada sobre a pertinência dos questionamentos feitos pelos senadores Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Armando Monteiro (PTB-PE) no início do mês.

Leia a íntegra da carta enviada ao conselho diretor do IBGE, em que os coordenadores ameaçam também entregar seus cargos:

"CARTA AO CONSELHO DIRETOR

Os Coordenadores e Gerentes Estratégicos da Diretoria de Pesquisas, presentes à reunião de Chefias e abaixo-assinados, consideram inaceitável o conteúdo do comunicado publicado hoje na página do IBGE, assim como a decisão anunciada à imprensa no que se refere à reprogramação do calendário de divulgação dos resultados da Pnad Contínua, o que resultou no pedido de exoneração do cargo da Diretora de Pesquisas, Marcia Quintslr.

Tal decisão torna-se ainda mais grave por ter sido tomada sem consulta à equipe técnica, e apesar de a Diretora de Pesquisas ter se manifestado contrariamente à suspensão da divulgação, em 2014, dos resultados da Pnad Contínua.

Este corpo gerencial solicita ao Conselho Diretor rediscutir e rever a posição tomada, ouvindo a equipe técnica responsável da Diretoria de Pesquisas, sem o quê, o corpo gerencial entende ser insustentável a permanência no exercício dos seus cargos.

Rio de Janeiro, 10 de abril de 2014.

Andréa Diniz da Silva
Bruno Erbisti Garcia
Carlos Sobral
Cimar Azeredo Pereira
Cláudio Dutra Crespo
Eulina Nunes dos Santos
Flavio Pinto Bolliger
Flávio Renato Keim Magheli
Francisco de Assis Corrêa Alchorne
Gustavo Junger da Silva
Jacqueline dos Santos Manhães
Luís Carlos de Souza Oliveira
Luiz Fernando Pereira Rodrigues
Maria Leticia Duarte Warner
Pedro Luiz de Sousa Quintslr
Priscila Koeller Rodrigues Vieira
Sonia Albieri
Taurino de Vasconcelos Millen"

Sindicato diz que decisão de adiar pesquisa fere autonomia técnica do IBGE

Diretora cita ingerência do governo

Lucianne Carneiro - O Globo

RIO - A diretora do ASSIBGE (Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística), Susana Drummond, afirmou nesta sexta-feira que a decisão de adiar a nova Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad) trimestral fere a autonomia do IBGE e é uma ingerência do governo.

— Não houve consulta nenhuma ao corpo técnico. A suspensão coloca em xeque a autonomia técnica do IBGE e é uma ingerência do governo. A Pnad contínua é o principal projeto do IBGE — disse.

A situação acende um alerta, segundo Susana, que lembrou a interferência política sofrida pelo Indec (o IBGE argentino) com a presidente Cristina Kirchner.

— A gente sabe que o instituto de pesquisas da Argentina sofreu intervenção, que a Cristina Kirchner demitiu a diretora e deixou o pessoal técnico afastado. É uma situação muito grave.
 
Para Susana, a nova lei que estabelece que a renda domiciliar per capita seja considerada no cálculo do fundo de participação dos estados não especifica que a Pnad seja a pesquisa utilizada. Ela sugere, por exemplo, que seja avaliado o uso da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF).
 
A expectativa da diretora do Sindicato é que a decisão de adiar o cronograma da Pnad contínua seja revista.

Merval Pereira: Cidadania participativa

- O Globo

A discussão sobre a eficácia da democracia representativa no mundo moderno, com a exigência cada vez maior por parte dos cidadãos de participação nas decisões dos governos, é o ponto central dos debates nos dias de hoje, e surgem diversas experiências na tentativa de ampliar a representatividade dos eleitos. Na definição do ex-presidente Fernando Henrique, é preciso unir o demos (povo) à res publica (coisa pública) sem que as instituições deixem de funcionar.

Abordarei neste fim de semana três propostas diversas, duas brasileiras e uma chinesa, que substituem a eleição de representantes por um sistema de seleção meritocrática que, segundo o cientista político Eric X Li, já está em prática na China com grande sucesso.

Os exemplos brasileiros tratam de estimular a cidadania, um de um instituto privado em plena atividade, com o objetivo de fazer com que a elite brasileira se comprometa com valores e deveres de uma cidadania de primeira classe, e outro de uma ONG que teve que fechar as portas por falta de recursos, mas cujo fundador continua convencido da necessidade de uma atuação para aperfeiçoar a democracia representativa com a participação das bases populares desde o município.

O investidor e cientista político Eric X. Li apresenta o modelo chinês como o mais adequado para valorizar a meritocracia na condução de um país, considerando que a democracia multipartidária que prevalece no Ocidente, entre os países capitalistas, não é a melhor maneira de estimular a participação do povo nas decisões governamentais.

Na mesma linha da meritocracia, o publicitário Jorge Maranhão, dedicado à causa da cidadania e que tem o site “A voz do cidadão” — onde põe em debate os direitos e os deveres de um verdadeiro cidadão —, lança uma nova campanha, os Agentes da Cidadania. Ele reuniu em seu site 60 líderes de diversos setores da sociedade, e quer reunir 500, para defender ideias: “Torno-os comprometidos com as causas que eles defendem, a nível da consciência”.

Por falar em crise de representação democrática, em fragmentação de valores e como integrar a vontade do demos à res publica, Jorge Maranhão ressalta o que está por trás de seu programa: “uma agenda para os aristos, o papel da mídia na construção do imaginário social, a tecnologia social desenvolvida, as condições e efeitos esperados do programa. É um debate riquíssimo, é isso que vai fazer com que a qualidade da cultura política no Brasil melhore”.

Na opinião de Maranhão, o empresariado brasileiro é imediatista e faz a mesma demagogia que fazem os políticos demagogos. “O projeto quer mexer com aqueles poucos empresários e líderes suprapartidários que querem fazer o debate de propostas. É aquela campanha que o México já fez: não votem em cores, em bandeiras, votem em programas, propostas”.

O projeto Agentes da Cidadania é, segundo Maranhão, o resgate do verdadeiro sentido de elite. “Eles são milhares no Brasil inteiro, não sei se dou conta de fazer uma pequena amostra. Seria uma boa fazermos, pelo menos virtualmente, um Congresso de Cidadãos”.

Já Carlos Fernando Galvão, professor de Geografia, com doutorado em Ciências Sociais pela Uerj, lançou o Movimento Rio Cidadão, do qual emergiu a ONG Cidade Viva, que se propunha a fazer experiências com um sistema de democracia participativa, que ele chama de Gestão Cidadã.

A essência da proposta é que democracia representativa é tão somente um acordo de elites, legitimadas pelo voto e, ainda que sejam bem-intencionadas e honestas, não dão mais conta, se é que deram algum dia, de modo satisfatório, das demandas sociais deste século XXI. “Então, retomamos o conceito da democracia participativa, lá da Grécia Antiga de antes de Cristo, para recontextualizá-lo para o século XXI”.

A proposta de um programa popular de governo foi testada, de modo ainda incipiente, mas consistente, em Ponta Grossa e no Rio de Janeiro, entre 2001 e 2003, “com uma metodologia que permite a atuação de todos os cidadãos que desejem participar do processo de (re)construção social para muito além do voto”. (Continua amanhã)

Claudia Safatle: Registro de um retrocesso

Defesa do controle da mídia fere imagem de Lula

- Valor Econômico

O que mais impactou empresários que nutrem simpatia pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e compartilham do coro "Volta Lula", na entrevista que ele deu para um grupo de blogueiros que apoiam o governo, na terça feira, foi a forma dura e insistente com que o ex-presidente defendeu o controle da imprensa. "Perdemos um tempo precioso e não fizemos o marco regulatório da comunicação nesse país", disse Lula. "Temos que retomar com muita força essa questão da regulação dos meios de comunicação do país. O tratamento à Dilma é de falta de respeito e de compromisso com a verdade", completou, deixando claro que advoga a censura de conteúdo.

A perplexidade pode ser conferida em uma reunião habitual na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), no dia seguinte à entrevista. Segundo relato de um dos presentes, "a entrevista causou mal-estar". Até então se imaginava que a discussão sobre instrumentos de controle da mídia fosse somente uma proposta de um ou dois assessores do ex-presidente. "Mas não, é do Lula!", disse.

No Congresso, o divulgador da ideia que agora passou a ser vista como uma medida de força que conta com o apoio do ex-presidente, era o deputado André Vargas (PT-PR) que, por força de denúncia de corrupção, renunciou ao cargo de vice-presidente da Câmara.

Não foi só pelo ataque frontal que o ex-presidente fez à mídia que a entrevista "assustou" mas, também, pelo fato de que Lula "mostrou que fechou os olhos: não há Petrobras e não houve o mensalão", comentou a fonte.

Na tentativa de compreender os reais motivos que o estimularam a subir o tom da defesa do controle do que é divulgado pela meios de comunicação, concluiu-se que pode ter sido um "erro grosseiro" do ex-presidente que, no entanto, é capaz de criar uma resistência não desprezível "junto a pessoas que estão com ele".

Não é segredo que parte do setor privado é contra a reeleição de Dilma Rousseff e torce para que Lula se coloque como candidato ao Palácio do Planalto este ano.

Logo no início da entrevista de mais de três horas aos blogueiros, ele disse: "Acho que os meios de comunicação no Brasil pioraram do ponto de vista da liberdade, do ponto de vista da neutralidade e agora que vocês [os blogs] tão fortemente conquistaram a neutralidade da internet, têm que começar a campanha para conquistar a neutralidade dos meios de comunicação para eles pelo menos serem verdadeiros. Podem ser contra ou a favor, mas que a verdade prevaleça".

Como exemplo de supostas inverdades, o ex-presidente citou: "Vejo alguns números colocados por pessoas da Petrobras e os números colocados pela imprensa e eles não batem entre si", referindo-se aos dados divulgados sobre a compra da refinaria de Pasadena, no Texas, em uma operação muito controversa e obscura da estatal brasileira. "Estamos sendo conduzidos por uma massa feroz de informações deformadas", acusou o ex-presidente.

No decorrer da entrevista ele voltou ao tema e aumentou os decibéis. "No fundo, no fundo, e vocês todos são pessoas informadas, a imprensa construiu quase que o resultado desse julgamento [do mensalão]. Eu me pergunto como é possível uma CPI que começou investigando o desvio de R$ 3 mil em uma empresa pública [os Correios ], que era dirigida pelo PMDB e que investigava um cara do PTB, terminou no PT? É indescritível!".

Alguns minutos depois, retomou o assunto: "Espero que a história do mensalão seja recontada nesse país e, se eu puder, vou ajudar a reconta-la. Como uma CPI que começou por causa de R$ 3 mil nos Correios terminou no mensalão? Temos que mostrar qual foi o papel da imprensa!". Antes de encerrar, disse: "O mensalão foi o mais forte processo político desse país em que a imprensa teve papel de condenação explícita antes de cada sessão, de cada ato" E concluiu: "Nunca vi nada igual! O massacre era apoteótico!"

Dilma Rousseff, tão logo assumiu a Presidência, em janeiro de 2011, deixou claro que não apoiaria a ideia de um março regulatório da mídia que assessores do ex-presidente deixaram como herança para o novo governo. Dilma foi firme ao negar seu apoio à proposta: "Devemos preferir o som das vozes críticas da imprensa livre ao silêncio das ditaduras".

As críticas à condução da economia que os meios de comunicação veiculam também seriam, em boa parte, fruto de "notícias deformadas", na visão de Lula. Ele contou que em 2007, em um encontro com Mário Soares, ouviu deste que não estava entendendo o que estava acontecendo no Brasil. Com uma pilha de jornais e revistas do exterior debaixo do braço, o ex-presidente de Portugal disse: "Os jornais do mundo dizem que o Brasil é coqueluche, um país extraordinário, e nos jornais brasileiros vejo que o país está acabado!".

Lula convocou Dilma e todos os ministros a partirem para a ofensiva, irem para cima. "Hoje a gente não está só, a gente tem a internet. Cadê o blog da Petrobras que foi tão importante na CPI de 2009?". Ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que deu um conselho: "Guido, você tem que ter uma equipe de alerta. Saiu uma mentira, você tem que falar, usar o direito de resposta". Ele ressaltou alguns bons indicadores econômicos do país - reservas cambiais, a dívida líquida e bruta que diz não serem altas, o aumento da classe média, o crescimento que não é tão ruim. Mas, nesse caso, admitiu: "Poderíamos estar melhor e a Dilma vai ter que dizer isso na campanha, como é que a gente vai melhorar a economia".

Se o ex-presidente pretendeu colocar um freio de arrumação no governo e na campanha de Dilma, os excessos do seu discurso vistos até por alguns de seus colaboradores pode ter fragilizado sua intervenção.

O fato de ele dizer que "a Dilma é minha candidata" pesou pouco para os que estão convencidos de que ela pode perder a reeleição e não vislumbram saída para Lula senão lançar-se em sua própria campanha. Para uma fatia de representantes do setor privado que o apoia, a entrevista de Lula aos blogueiros teria mostrado o retrocesso de um personagem que despertou para a política e para a história impulsionado pela cobertura da imprensa e por mais de uma vez se considerou "um produto da imprensa".

Leia também na Folha:

Washington Novaes: Sabemos o que fazer, mas quase nada fazemos

 - O Estado de S. Paulo

Só pode ser bem-vinda a notícia de que o Departamento de Zoneamento Territorial do Ministério do Meio Ambiente está preparando um diagnóstico para o Cerrado e uma proposta de estratégia para esse bioma (Ministério do Meio Ambiente, 31/3). O Cerrado já perdeu mais de 50% de sua vegetação e, segundo estimativa de estudiosos, mais de metade da água acumulada no subsolo e que gera 14% dos fluxos para as três grandes bacias nacionais - a amazônica, a do Paraná e a do São Francisco. E pode perder mais, dizem técnicos, com a expansão da fronteira agropecuária, pressionada pela maior exportação de commodities, pelo aumento do consumo interno e pela expansão dos agrocombustíveis. Tudo isso resulta em ampliação do uso da terra e das taxas de desmatamento.

Pela mesma razão, é preciso que a sociedade esteja atenta para o que acontecerá no Senado na discussão de parecer do senador Blairo Maggi ao projeto de lei da Política de Gestão e Proteção do Bioma Pantanal - outra área já diante de agressões em curso e da possibilidade de que se permita ali a substituição de áreas preservadas por pastagens cultivadas, da possível supressão de reservas legais e dos efeitos danosos sobre os recursos hídricos. O Pantanal é um privilégio brasileiro, fundamental para o clima e a conservação da biodiversidade.

O último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado há poucos dias (Estado, 30/3), alerta exatamente para a vulnerabilidade de espécies terrestres e aquáticas, o risco de que tenham de migrar ou se extingam diante dos impactos do clima. E menciona especificamente a Amazônia brasileira, mas não apenas ela, embora lembre que no espaço amazônico estão estocados 90 bilhões de toneladas de carbono (na seca de 2005 foram liberados 5 bilhões de toneladas).

Outros estudos estão apontando para os impactos do clima nas populações de polinizadores, principalmente abelhas, das quais depende cerca de 10% da produção agrícola mundial, perto de US$ 212 bilhões anuais (30/3). Os polinizadores estão sendo afetados principalmente pelas mudanças no uso da terra, secas, inundações. Áreas particularmente atingidas são as de produção de verduras e frutas. E a perda da biodiversidade originária - estudo da Natura (17/3) - pode ser muito problemática, já que um hectare de palmeiras de dendê produz 200% mais óleo de palma do que um hectare de sistema agroflorestal. No mundo todo, afirma o economista indiano Pavan Sukhdev, o custo da perda da biodiversidade pode chegar a US$ 4,5 trilhões por ano.

Os dramas do clima e cenários soturnos não são para o fim do século, estão acontecendo agora em todos os continentes e oceanos - lembra texto de Giovana Girardi neste jornal (29/3). E podem desacelerar o crescimento econômico, dificultar a redução da pobreza e a segurança alimentar. O cientista José A. Marengo enfatiza a necessidade de correr com programas de adaptação - mas deixando claro que não há uma fórmula única, depende de cada lugar, de seus problemas e possibilidades específicas. Todavia já são evidentes os riscos de savanização de várias áreas.

O conservador e prudente jornal britânico The Guardian chega a discorrer sobre estudo do Centro Espacial Goddard, da Nasa, segundo o qual "a civilização industrial global pode entrar em colapso nas próximas décadas" por causa do "consumo insustentável de recursos e da distribuição desigual da renda" - cada vez maior. Não seria a primeira vez na História do mundo, observa o jornal, citando o desaparecimento de civilizações como as de Roma e da Mesopotâmia. Tecnologia, apenas, não resolverá. O desfecho, contudo, não é inevitável, "dependerá de políticas adequadas" (14/3).

Uma dessas políticas terá como missão encontrar formatos adequados para expandir em 60% a produção global de alimentos até 2050 sem ampliar os problemas da água (a agricultura já usa 70% do total), da desertificação (mais 60 mil km2 por ano), do consumo de recursos naturais acima (pelo menos 30%) da capacidade de reposição. Em outra área, diz o World Economic Forum que serão necessários investimentos anuais de US$ 6 trilhões, ao longo de quase duas décadas, para estabelecer uma "economia de baixo carbono". Mas como se fará para eliminar, por exemplo, o subsídio ao consumo de combustíveis fósseis - petróleo, principalmente -, uma das fontes mais poluidoras?

Diz o governo brasileiro que em 2010 a redução do desmatamento no Brasil produziu uma queda de emissões maior que a do total dos países desenvolvidos. Isso foi consequência dos esforços para reduzir o pico do desmatamento na Amazônia. Porém ainda não chegamos a reduções mais fortes em outras áreas (transportes, indústria e agricultura, principalmente).

Um dos problemas está exatamente na falta de avanços na implantação do novo Código Florestal. E uma das questões mais fortes está em que, dois anos depois da nova legislação, ainda não se implementou o Cadastro Ambiental Rural (jornal Valor Econômico, 27/3), que permitiria identificar em cada propriedade áreas de preservação obrigatória da vegetação, reservas legais e desobediências à lei. Os decretos de regulamentação do novo código também estão parados. E com tudo isso, como afirmou o Valor, "o Código Florestal continua no papel", embora haja 5,4 milhões de imóveis rurais no País.

Paralelamente, as unidades federais administradas pelo Instituto Chico Mendes não têm dinheiro para nada. O Brasil, segundo as Universidades Yale e de Columbia, está em 71.º lugar entre 178 países em termos de "ameaças à natureza" e proteção à saúde humana (Instituto Carbono Brasil, 29/1).

O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, espera que os países cheguem a um acordo sobre o clima em setembro, mas não há nada concreto à vista. E o experiente Nicholas Stern, consultor do Reino Unido, alerta: "Sabemos o que está acontecendo. Mas nada fazemos" (UN News, 21/3).

Jornalista

Miriam Leitão: Perdendo o bonde

- O Globo

Os anos de 2014 e 2015 têm tudo para serem os melhores para o mundo desde 2011. Haverá mais comércio entre as nações e mais crescimento do que em 2012 e 2013. O Brasil está perdendo o bonde e indo na direção contrária. A maior parte dos países acelera, mas o Brasil cresce menos. Os países ricos terão a maior alta desde 2010. A Europa voltará ao azul, e a recuperação dos EUA será mais forte.

O FMI fez essas previsões, mas ele pode estar errado. O problema é que todos estão reajustando para baixo o crescimento do Brasil este ano: organismos internacionais, consultorias e institutos brasileiros e órgãos governamentais. As economias que passaram por crise grave estão saindo dela. Os Estados Unidos vão crescer um ponto percentual a mais do que o Brasil este ano.

O crescimento mais forte dos países de economia madura implica em aumento das taxas de juros e maior aversão ao risco no mundo. O dinheiro ficará mais caro e seletivo. Os defeitos das economias ficarão mais evidentes sob os olhos dos investidores. Depois de um longo período de inundação de dólares no combate à crise, o enxugamento de moeda pegará muitos países desprevenidos.

O Brasil já tem crescido menos que a média mundial desde 2011. Isso deve acontecer novamente este ano e no próximo. O país adiou reformas e empurrou para o ano que vem ajustes que precisam ser feitos agora, como a correção dos preços da energia elétrica e da gasolina. Há inflação reprimida e a sensação de que ela terá que ser corrigida em algum momento deteriora o ambiente de expectativas.

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, da “Folha de S.Paulo”, admitiu a inflação represada e disse que o ideal é que esses aumentos sejam diluídos ao longo de dois ou três anos para não se concentrar em 2015. “É um processo que precisa ser feito com a devida organização”, disse ele, curiosamente indo com suas opiniões muito além do BNDES e entrando em área de ministro da Fazenda. “Temos desafios de curto prazo de inflação. Temos um desafio de reequilibrar nossas contas,” disse Coutinho.

Sua ideia protelatória no campo da inflação e das contas públicas não é a melhor estratégia. Politicamente, ela esconde do eleitor certas verdades; e na economia ela alimenta a expectativa de que o pior está por vir e isso enfraquece o investimento.

O próprio Banco Central alertou, no último Relatório de Inflação, sobre o efeito do represamento dos preços nas expectativas futuras de inflação. O nosso índice destoa. Inflação não é uma preocupação mundial. Pelo contrário. A zona do euro tem outro perigo, o de deflação. Nos EUA, o índice está abaixo da meta. Na maioria dos emergentes, a inflação não preocupa. No México, por exemplo, está em 3,8%.

A China continua liderando o crescimento, mas há um temor das próprias autoridades chinesas de que o país este ano não cumpra a meta de 7,5% de crescimento. Com a enorme dependência que o Brasil está da China, qualquer oscilação no ritmo aumenta o risco de piora da balança comercial brasileira.

O grande problema é que quando olhamos todo o panorama, nesses relatórios globais, por mais que haja atraso em algumas estatísticas ou análises, o fato é que a década avança e o Brasil vai ficando para trás. Cresce menos do que o mundo, menos do que os vizinhos, e só ganha de países cuja economia descarrilhou, como a Argentina e a Venezuela.

Na inflação, de novo as autoridades econômicas apostam no “vai passar”. Claro que alta de alimentos tem efeitos sazonais, mas eles ainda não deram demonstração de entender que a volatilidade dos preços de alimentos só assusta tanto porque o país tem aceitado inflação alta demais. Os choques elevam o índice acima do teto permitido.

Roberto Romano: Golpes

- O Estado de S. Paulo

Estado e golpes de Estado integram um só bloco histórico e teórico. Desde Richelieu a máquina política sofre correções para operar continuamente. Os golpes bem-sucedidos mudam a instituição sem tropas nas ruas. Os que não conseguem tal feito usam a violência e geram a desconfiança dos governados. Golpes brancos deixam traços invisíveis na vida dos povos, os sangrentos marcam a memória das gentes. A Noite de São Bartolomeu, um golpe de Estado, soma-se às odiosas quarteladas. Mas todos os golpistas lembram Charon: "É preciso agir antes dos que desejam nos surpreender!". Se existe Estado, o golpe é iminente. Quando Napoleão anunciou o seu, alguém questionou: "E a Constituição?". Resposta: "A Constituição é invocada por todas as facções e desprezada por todas. Ela não serve mais como instrumento de salvação, pois ninguém a respeita".

Segundo Gabriel Naudé, os golpes definem "atos extraordinários que os príncipes são constrangidos a executar contra o direito comum, quando os negócios se tornam difíceis ou desesperados, sem observar nenhuma ordem ou forma de justiça" (Considerações Políticas sobre os Golpes de Estado, 1640). Golpes invertem o direito, a economia, os valores. Neles "a tempestade cai antes dos trovões, a execução precede a sentença, (...) um indivíduo recebe o golpe que imaginava dar, outro morre quando se imaginava seguro, um terceiro recebe o golpe que não esperava". O governante que perdeu é punido e depois sentenciado pelos vencedores. A repugnância contra a truculência golpista faz os seus agentes usarem a dissimulação, até mesmo para indicar o nome da coisa.

Foi o que ocorreu com o Ato Institucional n.º 1 (AI-1). Aposentadas as noções de legitimidade e de soberania vigentes, o texto proclama: "A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. (...) Ela edita normas jurídicas sem que nisto esteja limitada pela normatividade anterior à sua vitória".

Já devíamos a Francisco Campos, inspirador ou mesmo coautor do AI-1, a "Polaca" de 1937. Ele conhecia bem os enunciados do jurista Carl Schmitt. O autor de A Ditadura, das Origens da Ideia Moderna de Soberania à Luta de Classes Proletárias (1921) expõe a lógica do golpe. É dele a fórmula do golpismo: "Soberano é quem decide sobre o estado de exceção". Crítico dos Parlamentos, ele acentua o poder do presidente, posto acima da legalidade. O importante, nos textos de Schmitt que se refletem em 1964, encontra-se na defesa da exceção, supostamente mais realista do que a regra defendida pelos liberais. A ditadura, remédio para as convulsões políticas, não precisa da antiga legitimidade. Dada a crise geral, as instituições jurídicas estabelecidas não garantiriam o Estado. Sem as urnas, os atores do golpe invocam a exceção no AI-1: "A revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma".

Logo, o próprio Parlamento e a ordem jurídico-política recebem sua razão de ser do novo soberano. São deduzidas, assim, como crimes de lesa-majestade, as cassações de parlamentares e catedráticos, a censura, etc. 1964 foi uma evidente usurpação da soberania popular. E os golpes imperaram ao longo do regime. Os atos institucionais, do AI-1 ao AI-5, foram impostos sob a égide de lideranças civis, corporações jurídicas, oligarquias regionais e mesmo da CNBB, que apoiou a ditadura.

1964 não foi excepcional na História brasileira. Desde o início de nosso Estado tivemos muitos golpes. Lembremos o de Pedro I ao fechar o Parlamento, o dos militares que derrubam a monarquia, o de Getúlio Vargas que instalou uma ditadura feroz. Após a morte de Vargas o Brasil sofreu façanhas golpistas com o veto à posse de Juscelino Kubitschek, o contragolpe do marechal Lott, o levante de Aragarças, a tentativa de golpe de Jânio Quadros, o golpe militar e civil de 1961 contra Jango, o que levou ao parlamentarismo. Após 1964 houve o golpe dentro do golpe no AI-5, o golpe de Abril, etc. Findo o regime, que outra coisa foi a transformação esperta do Congresso, acrescido de outros integrantes, em Constituinte, senão golpe? Afastada a tese de uma Assembleia Nacional exclusiva, nobiliarcas da ditadura ajudaram a redigir uma Constituição sincrética que hoje, dadas as inúmeras emendas, é desprovida de coesão interna.

A Constituição vigente prevê remédios contra o golpe de Estado, mezinhas jurídicas que não impedem o exercício reiterado da usurpação política. O artigo 49, incisos IV e XI, evidenciam o receio em face dos possíveis golpes: cabe ao Congresso Nacional "aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas" (IV) e "zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes" (XI).

Excelente princípio, mas ineficaz na prática. Suportamos reiterados golpes com as medidas provisórias, que deveriam ser exceção, mas se transformaram em regra para o Executivo legislar. Que outra coisa temos, em normas eleitorais, senão golpes do Judiciário, que legisla sem reação do Congresso? É por tal motivo que o liberal Benjamin Constant imaginou o Poder Moderador, cujo papel seria neutro para evitar os golpes cometidos pelos três Poderes. Por um golpe, na Constituição de 1824 foi distorcida a ideia de Constant, colocando-se o Moderador acima dos demais. Daí, uma das raízes absolutistas da chefia do Estado brasileiro, a mazela do nosso presidencialismo, gigante com pés de barro, fonte de golpes e contragolpes, todos em detrimento da soberania popular.

A única prevenção contra as ditaduras é a vigilância cidadã, exercida sobre todas as facções que disputam os palácios.

Roberto Romano, professor da Universidade Estadual de Campinas, é autor de 'O Caldeirão de Medeia' (Perspectiva)

O reencontro de Nise e Hirszman

Nise da Silveira, entrevistada por Hirszman em 'Posfácio - Imagens do Inconsciente'

Por Amir Labaki – Valor Econômico

Leon Hirszman (1937-1987) foi o diretor do Cinema Novo que alternou sua obra com maior intensidade e harmonia entre documentários e produção cinematográfica ficcional. Há tempos o É Tudo Verdade esperava uma oportunidade para homenageá-lo. Esta se apresentou neste ano, com a montagem de "Posfácio - Imagens do Inconsciente" por Eduardo Escorel a convite do Instituto Moreira Salles.

Exibido ontem no Rio, hoje é a vez de São Paulo assistir pela primeira vez ao documentário póstumo e inédito de Hirszman, em sessão às 20h no Centro Cultural Banco do Brasil, seguida de debate com Escorel e Carlos Augusto Calil, então diretor e presidente da Embrafilme quando esta financiou a trilogia que originou o registro. "Posfácio" traz a público o que Hirszman definiu em 1987 como "a mais linda entrevista de Nise". Nise é a psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999), discípula de Carl Jung (1875-1961), fundadora do Museu Imagens do Inconsciente.

Ela e Hirszman associaram-se no começo dos anos 1980 para realizar três documentários, lançados em 1986. "O argumento do filme é dela", contava o diretor em 1983. "São três casos clínicos. Três histórias de vida." Logo antes ele dizia: "Três artistas. Três internos do Hospital Psiquiátrico Pedro II, antigo Centro Psiquiátrico Nacional" (hoje, Instituto Municipal Nise da Silveira, Engenho de Dentro, Rio de Janeiro). Eram eles Adelina Gomes (1916-1984), Carlos Pertuis (1910-1977) e Fernando Diniz (1918-1999).

Hirszman e Nise se conheceram em 1980. Trabalharam dois anos no roteiro. Rodaram-no nos anos seguintes, mas a edição final dos três episódios só foi terminada em 1986.

Em abril daquele ano, "a mais linda entrevista", na verdade dois depoimentos, foi feita por Hirszman. "Imagens do Inconsciente se encerra com a premonição da morte de Carlos. Mas eu queria acrescentar um posfácio", explicou Hirszman. Esse posfácio seria a edição destas entrevistas. "É um depoimento de caráter filosófico, em que ela expõe algumas ideias", continuava o cineasta. "Uma maravilha. Alguém já imaginou a Nise comprando Spinoza em Alagoas?"

O fecho à trilogia tinha dois títulos de trabalho: "O Egresso" e "A Emoção de Lidar". Fragilizado logo depois de filmá-lo, Hirszman não chegaria a editá-lo, morrendo precocemente aos 49 anos em setembro de 1987. Desde então, o material bruto esteve depositado na Cinemateca Brasileira.

O projeto de lançamento em DVD pelo IMS das cópias restauradas há dois anos de "Imagens do Inconsciente" catalisou o convite para Eduardo Escorel enfrentar o desafio de transformá-lo em filme. Nasce, assim, "Posfácio". Em texto sobre o processo, Escorel explica que adotou "dois princípios gerais, aparentemente contraditórios" para editar a entrevista.

Primeiro: "De um lado, fazer uma intervenção mínima no material bruto (...), tendo por objetivo preservar, na medida do possível, a ordem e manter separados os dois dias nos quais a filmagem foi realizada (15 e 19 de abril), além de eliminar apenas o que parecesse estritamente necessário. Dessa maneira, foram preservados na versão final editada cerca de 70% dos 98 minutos filmados, proporção bem acima do usual".

Segundo: "Recuperar trechos do depoimento de Nise cujo áudio foi gravado, mas que não foram filmados, assim como intervenções em voz off de Leon feitas, em alguns casos, quando a câmera estava filmando, mas, na maioria das vezes, sem que imagens correspondentes estivessem sendo feitas". Escorel acabou por concluir com razão "que esses dois balizamentos da montagem não são antitéticos, servindo, pelo contrário, ao mesmo propósito: assegurar, na medida do possível, a integridade do registro e recuperar, dessa maneira, aspecto singular do encontro entre Nise e Leon - a interação que houve entre eles naquele distante mês de abril, fadada a ser perdida caso a entrevista tivesse sido montada nos anos 1980, em seguida à filmagem".

Escorel optou por, frisando as particularidades que distinguiram os dois encontros, dividir o filme em duas partes, batizando-as com os subtítulos "A Emoção de Lidar" e "O Egresso", emprestados das denominações originais.

"A Emoção de Lidar" enfoca o "fascínio de Nise pelo que acontecia na 'cuca do esquizofrênico, debaixo daquele aspecto miserável de atoleimado, de demenciado, de alienado'", explica Escorel. Já "O Egresso" dedica-se à "'tragédia do egresso', definido na própria filmagem por Nise como sendo o doente internado que tem alta, deixa o hospital e não encontra 'espaço na família e na sociedade'".

"Posfácio" traz finalmente à luz o fascínio de Hirszman por Nise, partilhado por tantos que a conheceram. A riqueza de sua trajetória está sendo reconstituída por uma cinebiografia ficcional, atualmente em fase de edição, dirigida por Roberto Berliner, com Glória Pires no papel da dra. Nise.

A psiquiatra alagoana não deixaria de registrar por escrito, sob o impacto da perda do amigo e parceiro, que a admiração era recíproca. Leon Hirszman, na definição de Nise: "Artista, cineasta de qualidade excepcional, homem de formação científica no campo das ciências exatas". É um raríssimo privilégio que o reencontro deles, por tanto adiado, aconteça nestes dias nas telas de nosso festival.

Amir Labaki é diretor-fundador do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários.

Leonardo Padura e a crônica da revolução

Por Leonardo Cazes – Prosa & Verso

Leonardo Padura é um observador privilegiado da vida em Cuba. Mora até hoje na mesma casa em que nasceu e onde viveram seu pai e seu avô, nos arredores de Havana. Em seus livros, não cai no ufanismo do discurso oficial nem no ressentimento de muitos que deixaram o país. No entanto, o escritor está o tempo todo testando os limites da liberdade em Cuba. “O homem que amava os cachorros” (Boitempo Editorial), que já vendeu 12 mil exemplares no Brasil desde o fim do ano passado e foi traduzido para diversos idiomas, é um dos principais exemplos desse exercício. A extensa obra, de 592 páginas, entrelaça as histórias de Leon Trotski; de seu assassino, Ramón Mercader; e de Iván, um aspirante a escritor que trabalha como veterinário.

O romance histórico faz uma crítica contundente do stalinismo, suas manipulações, farsas e crimes. Um tema delicado para um dos últimos regimes socialistas do planeta. Na ilha, o livro foi publicado, mas em duas pequenas edições. Contudo, recebeu o Prêmio da Crítica em 2011, dado pelo governo cubano aos melhores livros do ano lançados por editoras nacionais, e o Prêmio Nacional de Literatura em 2012, o mais importante do país, dado pelo conjunto da obra. Na próxima quarta-feira, Leonardo Padura participará, junto com o escritor Frei Betto — colunista de religião do jornal — do projeto Encontros O GLOBO, às 20h, na Casa do Saber O GLOBO (Avenida Epitácio Pessoa 1164, Lagoa). As inscrições devem ser feitas pelo e-mail encontros_oglobo@oglobo.com.br.

Afinidade com o Brasil
Em entrevista por e-mail, durante uma turnê pela Europa, o escritor, que fala hoje, às 18h30m, na II Bienal Brasil do Livro e da Leitura, em Brasília, lembra que há mais de dez anos recebe convites para vir ao Brasil, mas, por vários motivos, nunca pôde aceitá-los. Agora, está ansioso.

— Minhas expectativas para conhecer o país cresceram nesses dez anos, mas agora creio que vou no melhor momento, pois vou poder participar de eventos em várias cidades, encontrar pessoas interessantes e realizar o desejo de visitar um país com o qual Cuba tem uma relação histórica e cultural muito forte. Eu também tenho grande afinidade com o Brasil. Seu cinema, sua música e sua literatura sempre estiveram entre os meus favoritos.

Frei Betto, que há décadas frequenta a ilha e é autor do livro “Fidel e a religião” (1985), fruto de uma longa entrevista em que o líder da revolução cubana fala sobre sua formação pessoal e sua relação com a religião, destaca que Padura escreve a partir “do único país socialista da história do Ocidente”, e fugiu do maniqueísmo fácil.

— Ele foi muito feliz em “O homem que amava os cachorros”, expôs criticamente toda a história da esquerda e do socialismo no século XX, sem apontar anjos e demônios — diz Frei Betto, que aponta a capacidade do escritor de narrar as mudanças pelas quais Cuba passou. — Em Padura transparece as dores de parto da sociedade cubana em transformação, na ânsia de encontrar pontes adequadas a seu quádruplo ilhamento: por ser uma ilha; por ser socialista; por sofrer o bloqueio injusto dos EUA; e por ter ficado órfã da União Soviética.

Nabuco correspondente

Seus artigos, que tratavam de política, negócios e sociedade, foram uma janela esclarecida que o Brasil da época teve sobre a Europa

Matías M. Molina – Eu & fim de semana / Valor Econômico

SÃO PAULO - Joaquim Nabuco lamentava em "O Paiz", do Rio, suas dificuldades como correspondente do jornal em Londres ao ter que enviar seus artigos por navio - publicados com demora de quase um mês - e competir com a informação telegráfica. Dizia ser absurdo escrever notícias que quando chegavam já eram matéria velha ou tinham sido desmentidas pelo telégrafo e mencionava, com uma ponta de inveja, que os "correspondentes europeus e norte-americanos escrevem pelo telégrafo", dando os exemplos do "The Times" de Londres, do "The New York Herald" ou mesmo do "Indépendance Belge", que acompanhavam dia a dia os acontecimentos.

Seus artigos, porém, dificilmente poderiam ser transmitidos pelo telégrafo. Cada palavra custava uma fortuna, 17 francos-ouro. Segundo o escritor francês Pierre Frédérix, um suntuoso almoço nos restaurantes da moda de Paris - como o Champeaux na place de la Bourse, Chez Peters na passage des Princes, Chez Vefour na Galérie de Beaujolais ou o Boeuf à la Mode na rue de Valois - custava cinco francos-ouro. A transmissão pelo cabo submarino dos artigos de Nabuco seria inviável, pelo custo, para qualquer jornal brasileiro.

Na verdade, a concorrência real do telégrafo era limitada. As notícias da agência Havas, que exercia um monopólio efetivo no Brasil, tinham pouca credibilidade, o serviço era precário e as falhas na transmissão e na edição eram muitas. Ficou famosa a expressão "mentir como um telegrama". Machado de Assis menciona os problemas provocados pelos telegramas e afirma que a imprensa ainda dependia dos artigos chegados por navio, que "nunca foram mais necessários do que hoje".

Apesar da demora, os artigos de Londres de Nabuco eram importantes para explicar a uma elite brasileira os acontecimentos da Europa. Poucas vezes a imprensa brasileira teve um correspondente tão perspicaz e com tanta capacidade analítica.

A experiência de Nabuco como correspondente internacional foi relativamente curta, mas muito rica para sua formação intelectual. Ele escreveu um total de 301 artigos para o "Jornal do Commercio", O Paiz" e o "Jornal do Brazil", do Rio, e "La Razón", de Montevidéu, que foram republicados recentemente em dois volumes pela Global Editora com a Academia Brasileira de Letras.

Frustrada sua tentativa de reeleger-se deputado pelo Partido Liberal em 1881, Nabuco decidiu realizar sua "única aspiração pessoal" de viver em Londres. Com a morte do correspondente do "Jornal do Commercio", William Clark, o barão de Penedo, seu protetor e ministro plenipotenciário do Brasil, ajudou Nabuco a conseguir esse cargo. Seu amigo Rio Branco Paranhos achou que poderia receber do jornal umas 600 a 800 libras por ano.

O "Jornal do Commercio" era a publicação de maior prestígio do Segundo Império. Seu proprietário, Júlio Villeneuve, seguiu a carreira diplomática e deixou a gestão a cargo de seu cunhado Francisco Antonio Picot, que morava em Paris, de onde dirigia o jornal com mão firme, orientando por carta tanto a redação como a área comercial.

Quando Penedo sugeriu Nabuco como correspondente, Villeneuve procurou a opinião de Picot e do redator-chefe no Rio, o português Luís de Castro. Este achou que a contratação de um abolicionista não seria bem recebida pela poderosa classe dos senhores de escravos. Picot, porém, decidiu contratá-lo. Mas as condições eram bem diferentes do que Nabuco esperava. O salário era de apenas 30 libras por mês e ele teve que encontrar outras fontes de renda: 17 libras mensais por serviços à Central Sugar Factories, 10 libras por trabalhos avulsos de advocacia e, mais tarde, outras 10 pelos artigos para "La Razón", de Montevidéu.

Nabuco deveria enviar três correspondências mensais de Londres, três de Berlim e três de Viena; nove artigos em total. Como diz José Murilo de Carvalho, as correspondências de Berlim e Viena eram "uma pequena fraude", uma vez que Nabuco as escrevia de Londres. Como não sabia alemão, tinha que basear-se na leitura de jornais ingleses como "The Times", para ele o melhor do mundo, e o "Standard", reputado pela informação internacional, e da imprensa francesa.

Ele teve que enfrentar o rigor de Picot, meticuloso nos detalhes, que o submeteu a um duro aprendizado sobre a forma de escrever para o jornal. Exigia precisão nas informações, sugeria assuntos áridos, queria uma linguagem mais contida, com menos arroubos, lia, corrigia e alterava o texto, criticava até o tipo de papel usado e a forma de fechar o envelope. Foi uma adaptação penosa, mas também uma disciplina que mudaria a sua maneira de escrever, ficando mais incisiva e direta.

De 1882 a 1884 Nabuco enviou 91 correspondências datadas de Londres para o "Jornal do Commercio". Eram longuíssimos artigos sobre uma grande variedade de temas, que pelo tamanho dificilmente teriam acolhida nos jornais de hoje - pelos padrões atuais de diagramação, cada um deles ocuparia várias páginas.

Seus artigos explicavam para o leitor brasileiro a sociedade e os costumes da Inglaterra e punham em perspectiva os debates no Parlamento, a política inglesa, as questões diplomáticas, o imperialismo britânico, o jogo de xadrez das potências europeias. Os comentários e observações eram a parte mais interessante das correspondências. Sua análise da situação internacional é de uma qualidade que não se vê nos jornais de hoje. Certamente seus artigos foram uma janela esclarecida que o Brasil da época teve sobre os eventos europeus.

A pedidos de Picot, Nabuco informava sobre negócios: as companhias inglesas que investiam no Brasil em portos, ferrovias, gás, serviços públicos, telégrafos; os empréstimos que as empresas brasileiras levantavam em Londres; as taxas de câmbio. Aproveitava para mostrar a precariedade das finanças públicas do Brasil, os perigos do protecionismo, o elevado endividamento, os contínuos déficits orçamentários, os perigos de cobrir as dívidas com novos empréstimos, o nervosismo dos investidores que ficavam inquietos com a maneira de administrar as finanças do país.

A "questão irlandesa", isto é, as relações da Inglaterra com a Irlanda, foi assunto recorrente. Embora fosse partidário do "hume rule", que concedia autonomia à Irlanda, ele demonstrou pouca simpatia pelo movimento independentista e ficou chocado com os atentados dos nacionalistas e a violência gerada.

Nabuco mostrou uma crescente preocupação pelas demonstrações de antissemitismo na Europa, principalmente na Rússia, tema que registrou em diversos artigos, assim como a rivalidade entre a Inglaterra e a Alemanha. Ele dedicou um bom espaço às principais figuras da política europeia. Não escondeu sua admiração por William Gladstone, o primeiro-ministro liberal que acelerou a reforma política, estendendo o direito de voto aos trabalhadores agrícolas, e ampliou os direitos das mulheres; pelo político francês Léon Gambetta, cuja morte chegou a lamentar em várias correspondências muito emotivas; e pelo príncipe Bismark, o "chanceler de ferro" da Alemanha e "árbitro da Europa".

Ele menciona com frequência as publicações que consulta. Além do "The Times" e do "Standard", estão "The Spectator", "de antipatia inveterada pelo Brasil", "The Economist", "The Daily Telegraph" etc. Curiosamente, em sua correspondência o "Manchester Guardian" (antecessor do "The Guardian" atual), o mais influente e prestigioso jornal liberal da época, que estaria mais próximo das opiniões de Nabuco, só aparece uma única vez - pela leitura, talvez desatenta, do autor destas linhas.

As informações sobre os negócios das empresas inglesas no Brasil são secas, mostrando, talvez, falta de familiaridade e de interesse de Nabuco pelo assunto. Ele mostra, por exemplo, como a Western and Brazilian, que tinha o monopólio do telégrafo por cabo submarino ao longo da costa brasileira e reclamava da concorrência das linhas telegráficas terrestres instaladas pelo governo, teve que baixar suas tarifas. Criticou os comerciantes ingleses que vendiam ao Brasil produtos com "antigas formas e desenhos", perdendo mercado para alemães e americanos.

Nabuco teve a sensibilidade de registrar também assuntos cotidianos. Como a mulher que recebeu num hospital morfina em vez de quinino; a decisão de um professor de medicina de esconder durante dias um doente sem curá-lo para usá-lo como exemplo em aulas; de rapazes turcos vendidos em Londres pelos pais para que aprendessem a profissão de acrobatas; as reações contra o projeto de um túnel sob o Canal da Mancha: "A Inglaterra é e deve continuar a ser uma ilha". Conta a incrível história de "lorde Arthur Pelham Clinton, conde de Lanesborough", que cativou uma infinidade de mulheres, mas na verdade era mulher. Cometeu uma "imensa série de estelionatos, falsificações e embustes", conseguiu enormes somas de dinheiro usando diversos nomes e levou uma jovem a perder o juízo quando soube que seu "noivo" não era homem.

Nabuco se diverte ao mostrar como um membro eleito do Parlamento, Charles Bradlaugh, ateu, se recusava a dar sua adesão à Coroa mediante um juramento religioso. Queria trocar o juramento por uma declaração, o que foi considerado ilegal e ele, impedido de tomar posse. Convocada nova eleição, foi reeleito; novamente impedido, foi reeleito repetidas vezes.

O liberal Nabuco surpreende com o comentário de que o general Gordon, que partia para o Sudão, onde morreu, era "o mais célebre, notável e heroico dos ingleses vivos que tiveram que exercer sobre os povos atrasados o jogo da força moral e o prestígio.

Ele registra a especulação na Bolsa de Paris, onde "cocheiros de praça e criados de hotel (...) estão a jogar sobre cotações", "o cozinheiro segue com avidez as flutuações do canal de Suez, ao passo que o criado de servir só pensa em Banque de Lyon". Faz referência à "vil mistura sob o nome de café" bebido na Inglaterra, adulterado ao ser misturado com chicória, e cita "The Times" quando disse que os ingleses não adoram o sol provavelmente porque nunca o viram e que a "sua falta de devoção pelo café pode ser explicada da mesma forma. A maioria dos ingleses nunca provou coisa que possa ser chamada de café". Até a revista médica "The Lancet" escreveu que o café não adulterado estava se tornando muito raro no comércio.

Informou que navios frigoríficos transportaram a carne de cinco mil carneiros da Nova Zelândia para a Inglaterra, a 20 graus abaixo do ponto de congelação, que chegou fresca e perfeita, e os produtores ingleses tentaram proibir a venda de carne importada. Nabuco observou que o Brasil está mais próximo da Inglaterra que a Nova Zelândia e essa experiência não deveria ser indiferente ao país, pois abria novas possibilidades.

Ele menciona o leilão da coleção de obras e objetos de arte do duque de Hamilton na Christie's, de tal riqueza e variedade que hoje parece inimaginável: quadros de Botticelli, Signorelli, Mantegna, Leonardo da Vinci, Andrea del Sarto, Tiziano, Tintoretto, Giorgione, Domenichino, Rembrandt, Rubens, Van Dyck, Hobbema, Velázquez, Dürer, Cranach, uma mesa de Maria Antonieta, uma secretária de madame Dubarry, esculturas, tapeçaria Gobelin, bustos de cristal de rocha e uma biblioteca com livros antigos. Ante a grandiosidade do leilão, Nabuco comenta com ironia e tristeza que viver na companhia de Michelangelo e Leonardo da Vinci deve ser aborrecido e indiferente para os que têm outros gostos, como o turfe e a paixão pelos cavalos de corridas, e para eles era um sacrifício heroico guardar trastes velhos. Alguns quadros foram comprados pela National Gallery de Londres.

Também escreveu sobre o conflito de fronteiras do Brasil com Argentina em torno da região de Missões e sobre a possibilidade de um confronto armado, lembrando, a propósito, a recente guerra com o Paraguai. Mas assegura: "Felizmente, no Brasil muito poucas pessoas têm antipatia aos argentinos". Fez contínuas referências a seu protetor, o barão de Penedo, elogiando suas atividades como representante diplomático do Brasil.

Suas crônicas datadas de Berlim eram escritas na Inglaterra. Ele colaborou para reforçar a "pequena fraude" ao escrever: "Os telegramas que nos chegam de Londres...", como se estivesse em Berlim. Nas correspondências acompanhou a ascensão e o fortalecimento da Alemanha, a rivalidade com a Rússia, a crescente influência de Bismark e seu suborno a jornalistas, a questão do pan-eslavismo e do antissemitismo, as relações com o Vaticano. Encontrou espaço para mencionar o extraordinário projeto do bonde elétrico desenvolvido por Werner Siemens.

São artigos bem mais curtos que os datados de Londres, em geral dedicados a um único tema, nos quais, se bem mostra um bom conhecimento da situação europeia, talvez pelo fato de receber informações de terceira mão, há neles menos segurança que nos comentários a respeito da Inglaterra, onde vivia.

Na correspondência de Viena, também escrita em Londres, Nabuco mandava notícias com poucas observações pessoais sobre o conflito dos Bálcãs, a anexação da Bósnia-Herzegovina, o funcionamento do império dual Áustria-Hungria, as tensas relações com a Rússia, a rivalidade com a Turquia. Sintetizou a essência da questão europeia ao escrever: "A Alemanha não receia a França nem a Rússia isoladas, mas, sim, unidas entre si. Impedir essa união é toda a política do príncipe de Bismark". E não se esqueceu das "notícias humanas", como o caso da camponesa que "servia-se de uma receita de arsênico para facilitar a suas numerosas freguesas (...) a desejada viuvez".

Cabe perguntar-se a quantos leitores interessaria uma cobertura tão meticulosa e perspicaz sobre os eventos ingleses e europeus. O próprio Nabuco observou o escasso interesse no Brasil pelos acontecimentos internacionais. Machado de Assis disse-lhe que as questões inglesas "são pouco familiares neste país" e querer que o leitor as acompanhe com interesse não era fácil, "e foi o que V. alcançou". Segundo André Rebouças, "no 'Jornal do Commercio' estão todos muito entusiasmados com o seu trabalho". Na verdade, o "Jornal do Commercio" se atribuía a missão de atender uma pequena elite. Nisso estava sua influência.

Quando, de Londres, Nabuco começou a escrever para o diário liberal uruguaio "La Razón", o "Jornal do Commercio" reclamou. Além de pagar pouco, queria exclusividade, mas acabou concordando com a colaboração. Nessa correspondência, em lugar de deter-se nos detalhes da política inglesa e nos debates no Parlamento, ele reflete sobre as principais questões do momento. Nabuco voltou ao Brasil em 1884, de onde continuou mandando correspondência para "La Razón", nas quais deu ênfase à escravidão e à abolição.

No Brasil escreveu a coluna "A seção parlamentar" para "O Paiz", dirigido por Quintino Bocaiuva, republicano e partidário da abolição. Voltou a Londres como correspondente desse jornal em 1887 e 1888, mas escrevia menos artigos e muito mais curtos pelas mesmas 30 libras que lhe pagara o "Jornal do Commercio". Continham mais comentários e observações pessoais do que notícias. Dedicou várias correspondências ao jubileu da rainha Vitória, a Gladstone, "a mais nobre figura da história deste século", e à possibilidade de uma guerra entre a Rússia e a Áustria, que acabaria envolvendo a Alemanha - como aconteceu em 1914.

Em 1888, de novo no Rio, Nabuco se distanciou de Bocaiuva quando, com o fim da escravidão, "O Paiz" acentuou o proselitismo republicano. Nabuco, monarquista, escrevia a coluna "Campo neutro", mas os dois se desentenderam. Rebouças escreveu que Nabuco, "por não poder suportar mais a hipocrisia" de Bocaiuva, acabou abandonando "O Paiz". O jornal anunciou a saída de Nabuco por "exclusivamente motivos políticos".

Quando Nabuco voltou a Londres, recebeu em 1891 um convite de seu amigo Rodolfo de Souza Dantas para ser correspondente do "Jornal do Brazil", ganhando 35 libras. Mandou apenas 12 correspondências, nas quais pouco tratou da política e das questões inglesas. Também escreveu de Buenos Aires para o jornal, dedicando vários artigos à América Latina e sobretudo ao Chile e a seu presidente, José Manuel Balmaceda, nos quais fez paralelos com a situação do Brasil e dos militares no início da República. Foi seu último trabalho como correspondente internacional, embora continuasse escrevendo para a imprensa.

Nabuco retornou ao Rio para ser redator-chefe do "Jornal do Brazil", que se tornara um órgão de grande prestígio. Dantas adotara uma orientação moderada, Nabuco seguiu uma linha monarquista mais contundente. Aos gritos de "Mata! Mata! Nabuco", a multidão enfurecida invadiu a tiros o jornal e depredou as oficinas. O ministro da Justiça, o barão de Lucena, disse que "o governo não tem meios de garantir a vida dos jornalistas que trabalham em jornais monarquistas". O jornal foi vendido. Nabuco escreveu para "O Commercio de São Paulo", de Eduardo Prado, uma série de artigos que foram o arcabouço de sua obra "Minha Formação". Outros artigos para o "Jornal do Commercio" se transformaram nos livros "Balmaceda" e "A Intervenção Estrangeira" durante a Revolta de 1893.

Em 1894, Nabuco registrou em seu diário a intenção de publicar seus artigos como correspondente internacional em vários volumes. Finalmente, seu desejo foi realizado com a publicação destes dois livros. A obra é bem-vinda, apesar de alguns detalhes. As capas dos dois volumes são atraentes, mas a apresentação gráfica do texto é pobre e o sumário dá pouca orientação. Há, no fim, uma útil e competente relação dos principais nomes citados, mas o leitor sente falta de notas de rodapé. Há também alguns deslizes factuais. O jornal "O Paiz" não foi fundado por Quintino Bocaiuva, mas pelo comerciante português João José dos Reis Júnior. O "Jornal do Commercio" não é o mais velho jornal do Brasil, é o "Diário de Pernambuco". Joaquim Nabuco não foi o primeiro correspondente internacional brasileiro, o próprio "Jornal do Commercio" tinha um serviço regular de informação do exterior, com o qual cobriu, por exemplo, a guerra franco-prussiana e a guerra de secessão dos Estados Unidos, assim como os conflitos no rio da Prata e a guerra do Paraguai.

Mas esses são detalhes secundários. A publicação é importante e o conteúdo mais do que compensa a leitura da obra. O lançamento desse livro serve também para lembrar a falta de um trabalho sobre a história dos correspondentes internacionais da imprensa brasileira.

Joaquim Nabuco Correspondente Internacional - 1882-1891
José Murilo de Carvalho, Cícero Sandroni, Leslie Bethell (org.). Global/Academia Brasileira deLetras. Vol. 1, 672 págs., R$ 79,00; vol. 2, 512 págs., R$ 65,00

Matías M. Molina é autor do livro "Os Melhores Jornais do Mundo", em segunda edição.