Brasília atrapalha integração com governos
locais ao politizar a tragédia
O Globo
Medidas anunciadas por Lula vão na direção
certa, mas seu uso político prejudica ajuda à população atingida
Em sua terceira visita ao Rio Grande do Sul
desde as chuvas que devastaram o estado, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva anunciou uma secretaria extraordinária, comandada in loco pelo
ex-ministro da Secretaria de Comunicação Paulo Pimenta.
O objetivo, diz o Planalto, é facilitar a articulação entre os governos
federal, estadual e dos 497 municípios gaúchos.
Não se discute a necessidade de criar canais para dar celeridade às decisões envolvendo os três níveis de governo na assistência às vítimas e na reconstrução. Mas a nomeação de Pimenta, candidato potencial ao governo do Rio Grande do Sul pelo PT sem experiência na gestão de catástrofes, transparece mais oportunismo político que preocupação genuína com a população que perdeu tudo e, mais que nunca, depende da ajuda do Estado.
Em entrevista ao GLOBO, Pimenta afirmou que
sua missão é institucional. “Nunca perguntei partido de prefeito, nunca
perguntei partido de vereador”, disse. Mas, nos últimos dias, veio à tona o
diálogo de surdos dele com um prefeito oposicionista em torno de ajuda federal
ao município, em que ambos pareciam mais preocupados em gravar a ligação para
repercutir nas redes sociais do que com as necessidades reais. A oposição
interpretou a escolha de Pimenta como uma iniciativa do Planalto para se
contrapor às ações do governador Eduardo Leite (PSDB). Até petistas admitem
isso reservadamente.
O perfil de Pimenta como agente político é
evidente no governo Lula. Dias atrás, incomodado com questionamentos à resposta
às chuvas, ele pediu que o Ministério da Justiça apurasse a difusão de
desinformação sobre a tragédia. Mas vários exemplos apresentados não passavam
de críticas ao Planalto. Espera-se que, na nova missão, ele baixe as armas.
Enquanto o governo prega maior articulação,
na prática assiste-se a conflitos entre ministros, cada um querendo ganhar
protagonismo. O próprio Lula enquadrou a equipe, recomendando que conversassem
com a Casa Civil antes de divulgar qualquer iniciativa. O desencontro só serve
para deixar a população mais desorientada em meio a problemas longe de
resolvidos.
O governo precisa manter o foco na ajuda às
vítimas e na reconstrução. O cenário já está demasiadamente tumultuado pelas
dificuldades logísticas, pela desinformação e disputa de narrativas nas redes
sociais, por saques a casas desocupadas, por discussões inoportunas (como a
tentativa prematura de adiar as eleições municipais no estado) e pelo
compreensível desafio de articulação com quase 500 prefeitos.
As medidas tomadas até agora pelo governo são corretas e necessárias. Nos últimos dias, Lula anunciou um auxílio para cerca de 200 mil famílias, a incorporação de 20 mil novos beneficiados ao Bolsa Família e a construção de imóveis do Minha Casa, Minha Vida para desabrigados. Mas politizar a tragédia só atrapalha. Além de ser um desrespeito às vítimas, cria arestas entre governos federal, estadual e dos municípios — a maioria administrados por políticos de oposição. O efeito é contrário à pretendida articulação.
O Globo
Empresas digitais deveriam remunerar
criadores antes de usar seus conteúdos para treinar modelos
Empresas que lideram a corrida da inteligência
artificial generativa (IA-Gen) anunciaram nesta semana novos
serviços que comprovam o avanço avassalador no setor. Primeiro, a OpenAI,
criadora do popular ChatGPT, lançou uma nova versão de seu modelo capaz de
simular comportamento humano de modo ainda mais impressionante. Batizado
GPT-4o, ele é capaz de interpretar em tempo real voz, imagens, equações e
programas de computador, respondendo em 50 idiomas (um dos recursos mais
básicos permite usá-lo como intérprete).
Nem haviam passado 24 horas, o Google —
principal concorrente da OpenAI com seu modelo Gemini — também anunciou
novidades. As respostas de seu onipresente mecanismo de busca passarão a ser
alimentadas pela IA-Gen. Com isso, diz a empresa, será possível obter respostas
mais rápidas e precisas. Os links só aparecerão depois do resumo elaborado pelo
Gemini.
São incalculáveis os ganhos potenciais
propiciados por avanços no campo da IA-Gen. Empresas dos mais variados setores
ainda tentam entender como a nova fronteira será usada para aumentar a
produtividade. Trata-se, sem dúvida, de conquista sem paralelo para a
humanidade, outrora só imaginável em filmes de ficção científica.
Todo o entusiasmo, porém, deve estar
acompanhado de cautela. Como costuma acontecer nessas situações, o arcabouço
legal e jurídico não tem acompanhado o passo dos avanços na tecnologia. E isso
pode surtir efeitos deletérios em diversas atividades. Os casos mais óbvios são
o jornalismo profissional e demais produtores de conteúdo. Para “aprender”, os
modelos de IA-Gen usam textos, imagens, áudios e vídeos de forma indiscriminada
sem remunerar seus autores. Em sua nova iniciativa, o Google nem sequer se preocupou
em dar destaque às fontes de informação usadas em suas respostas.
Mesmo que tivesse dado, isso poderia ser
inócuo. “Se não há
acesso ao conteúdo original, não há clique. Sem o clique, não há publicidade e
não há receita”, disse ao GLOBO Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional
de Jornais (ANJ). “A tendência é haver mais escassez de receita
digital para os veículos de comunicação.” Empresas já sujeitas ao parasitismo
das redes sociais estariam ainda mais sufocadas.
Para garantir a sustentabilidade do
jornalismo e de outros negócios de produção de conteúdo, a ANJ defende que os
desenvolvedores de IA negociem com produtores antes de se apropriar do
conteúdo. Sem diálogo, a perspectiva é a judicialização. Nos Estados Unidos, o
New York Times entrou com processo contra OpenAI e Microsoft, porque milhões de
artigos foram surrupiados sem autorização para treinar o ChatGPT. Escritores
como Jonathan Franzen e John Grisham também acionaram a Justiça. Não deveria
haver divergência sobre como a legislação de direitos autorais se aplica a tais
casos, de todo modo uma regulação específica precisa reforçar a prerrogativa
dos criadores de autorizar todo uso de suas obras por modelos de IA-Gen.
Avanços tecnológicos sempre trazem ganhos de
produtividade. Mas progresso, entendido como bem comum, nunca foi algo
automático. As conquistas resultam das inovações, mas também de legislação
protegendo o interesse da coletividade. É preciso lembrar a lição da História
no caso da IA-Gen. Zelar pela imprensa profissional é cuidar de um pilar
insubstituível de regimes democráticos.
Apoio ao RS não deveria ser partidarizado
Folha de S. Paulo
Lula erra ao nomear potencial candidato do PT
a governador para chefiar pasta destinada a coordenar socorro ao estado
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
contaminou a tarefa de lidar com a tragédia climática do Rio Grande do Sul, já
complexa ao extremo, com um lance de oportunismo político rasteiro.
Transferiu-se o ministro da Comunicação
Social, Paulo Pimenta,
deputado federal licenciado pelo PT gaúcho, para o comando da recém-criada
secretaria extraordinária do Executivo federal de apoio à reconstrução do
estado.
Mais do que escudeiro da comunicação e da
propaganda de Lula, Pimenta é tido como candidato ao governo estadual. Sua
nomeação causou, previsivelmente, mal-estar político geral —com
razão ou não, seus atos estarão sob suspeita de partidarismo.
O diálogo com prefeitos e outras autoridades
gaúchas será entrecortado pelo ruído da disputa eleitoral neste ano, com ecos
para 2026. Em uma emergência, qualquer dificuldade adicional é grave.
Não ajuda, ademais, que Lula tenha promovido
um ato político em São Leopoldo (RS) e dito em discurso que ainda pretende
disputar "umas dez eleições".
A missão de socorrer o Rio Grande do Sul
apenas começou, e medidas relevantes já foram tomadas em âmbito federal.
Providenciaram-se dinheiro e servidores para
auxílios e obras de emergência; benefícios sociais foram antecipados; parte da
dívida do estado com a União será perdoada; haverá ajuda para quem teve a casa
danificada ou destruída.
Muito mais será necessário, e os planos devem
levar em conta critérios ambientais, econômicos e sociais. Nesse sentido,
pode-se defender coordenação federal que comece por administrar a ajuda e
dialogar com os demais âmbitos de governo, entre outros interlocutores.
As aplicações federais diretas na emergência
gaúcha já se aproximam de R$ 20 bilhões em até três anos, excluídos os
eventuais subsídios de crédito, a serem despendidos em até dez anos.
Trata-se sem dúvida de uma cifra relevante,
dado que a receita total do governo do estado ronda os R$ 80 bilhões ao ano. O
trabalho não se esgota aí, entretanto.
Para dizer a que veio, a nova pasta do
primeiro escalão brasiliense deveria projetos da reconstrução —vale dizer,
diretrizes e normas que deem conta de recuperar o Rio Grande do Sul em bases
que mitiguem riscos de desastres naturais e que repensem partes da economia e
do território.
Em termos ambientais, socioeconômicos e
financeiros, é projeto gigantesco, que exige estratégia e quadros de alta
reputação técnica e administrativa. Pode-se discutir a melhor forma de
coordenar todos os esforços e recursos. O que não se pode é transformar uma
crise real numa disputa partidária.
Boulos e Janones
Folha de S. Paulo
Suspeita de 'rachadinha' deve ser examinada à
luz dos fatos, não de deturpações
O deputado federal Guilherme
Boulos (PSOL-SP)
tem por hábito aproveitar diversas oportunidades de vociferar contra desvios de
comportamento ou infrações penais cometidas por políticos em todos os níveis da
Federação. Quando lhe toca passar do discurso à ação, porém, as alianças
partidárias parecem ainda falar mais alto.
Como relator do Conselho de Ética da Câmara
no processo de cassação de André Janones (Avante-MG),
o pré-candidato a prefeito de São Paulo deixou
o compadrio prevalecer sobre os fatos e votou pelo arquivamento do caso.
Verdade que não foi a primeira vez —e nem se
imagina que terá sido a última, infelizmente— que o corporativismo deu o tom na
Casa. Chamou a atenção, contudo, a inépcia de Boulos ao tentar preservar
Janones, que integrou a linha de frente da campanha de Lula (PT) nas redes sociais em
2022.
O pedido de cassação trata da suspeita de
"rachadinha" no gabinete de Janones e, por ironia, partiu do PL, sigla do
ex-presidente Jair
Bolsonaro, cujo
sobrenome se liga a mais de um escândalo semelhante.
Segundo ex-assessores do deputado, ele teria
embolsado parte do salário pago aos auxiliares. Para comprovar a denúncia, um
deles gravou uma conversa em que o próprio parlamentar explica que o repasse do
dinheiro teria o objetivo de quitar dívidas contratadas na campanha municipal
de 2016.
Com autorização do Supremo Tribunal Federal,
abriu-se um inquérito, e a Polícia
Federal avança em sua investigação, com quebra de sigilo
bancário e fiscal.
Janones diz que o áudio foi tirado de
contexto, que nunca recebeu dinheiro dos assessores e que não era deputado na
ocasião da conversa —ocorre que, como mostrou reportagem da Folha, o próprio
teor da reunião indica o contrário.
No afã de endossar a defesa do aliado, Boulos
apegou-se ao último ponto e, pior, deturpou a
decisão do STF para fazer crer que tudo teria se passado em
2016.
O relatório de Boulos ainda será examinado por seus pares, e nada impede que a maioria decida arquivar o caso. Seja como for, que votem sem corporativismo e à luz dos fatos, não de adulterações.
A indecente exploração política da tragédia
O Estado de S. Paulo
Lula transformou o anúncio do auxílio federal
aos gaúchos em ato de campanha e fez do tal ministério extraordinário um
palanque político para si e para seu ministro da propaganda
É obscura a função do tal Ministério
Extraordinário para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, recém-anunciado
pelo presidente Lula da Silva, mas sua motivação é claríssima: ao escolher como
titular da pasta o agora ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação (Secom)
da Presidência Paulo Pimenta, Lula não escondeu que pretende explorar
politicamente a tragédia daquele Estado. Para que não restassem dúvidas, o
demiurgo petista transformou o anúncio das medidas num comício obsceno, em que
anunciou até que vai disputar “mais dez eleições”.
A única parte do currículo do sr. Pimenta que
o liga à catástrofe do Rio Grande do Sul é sua origem gaúcha, de resto uma
qualidade de milhões de outras pessoas, algumas das quais certamente bem mais
familiarizadas do que ele com os enormes desafios que ali se apresentam. Mas
ele não foi escolhido, é evidente, por seu talento executivo.
Há outros aspectos do currículo do novo
ministro extraordinário que explicam melhor seu novo papel de “autoridade
federal” no Estado. Primeiro, o sr. Pimenta é cotado para ser o candidato
petista ao governo do Rio Grande do Sul em 2026, e nada melhor para uma
campanha eleitoral antecipada do que ganhar a atenção dos aflitos eleitores
gaúchos nos próximos meses.
Em segundo lugar, mas não menos importante, o
sr. Pimenta era o responsável pela comunicação do governo, e presume-se que,
com esse espírito, o tal ministério extraordinário possa servir para promover a
imagem do governo federal. Consta que Lula anda muito contrariado com o fato de
que, na sua visão, as ações do governo federal no Rio Grande do Sul não estão
sendo devidamente reconhecidas. Logo, nada mais compreensível do que atribuir
ao seu notório ministro da propaganda a tarefa de alardear os supostos feitos
do Palácio do Planalto neste momento de grande comoção nacional.
O sinal mais evidente de que o espírito da
coisa não é bom é o fato de que a criação da tal secretaria extraordinária
pegou de surpresa o governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB). O tucano disse ter
tomado conhecimento da medida por meio da imprensa. Não é desse tipo de
picuinha política que os gaúchos precisam neste momento.
Não há dúvida de que reconstruir o Rio Grande
do Sul não só demandará sacrifícios ainda desconhecidos, como dependerá
fundamentalmente da presença da União. O governo federal, portanto, não só
pode, como deve vir em socorro do Estado. Mas, primeiro, da forma
constitucionalmente adequada, vale dizer, respeitando a Federação; e, segundo,
utilizando os meios corretos.
Um exemplo dessa ajuda federal na medida
certa foi a suspensão da dívida do Rio Grande do Sul com a União pelo prazo de
três anos. Trata-se de um alívio fundamental para um Estado que ainda nem
sequer tem condições de dimensionar todos os prejuízos causados pelas chuvas. É
nesse tipo de ação que Lula deve se concentrar, e não em instilar cizânia
política num momento dramático em que os cidadãos clamam pela união de seus
governantes.
Há um governador eleito pelos gaúchos no
cargo, vale lembrar. Em que pesem as críticas que possam ser feitas ao seu
desempenho, é a Eduardo Leite – e ao prefeitos – que cabe liderar as ações de
reconstrução do Estado, lidando com o ônus político de governar. Ao governo
federal cabe somente apoiar os líderes locais, facilitando a transferência de
dinheiro e a mobilização de recursos humanos para o Rio Grande do Sul.
Ajudar não é se intrometer. A criação desse
ministério extraordinário – na exata medida dos interesses políticos tanto do
presidente como do sr. Pimenta – não pode se travestir de intervenção federal
no Estado, menos ainda como intervenção mal disfarçada. Enquanto papéis e
responsabilidades não estiverem muito bem definidos, é lícita a inferência de
que essa nova pasta não se prestará a outra coisa senão à politicagem em meio à
tragédia climática e humanitária.
Lula dá as costas ao clube das democracias
O Estado de S. Paulo
A entrada na OCDE – o fórum das nações com os
melhores índices de liberdade, igualdade e prosperidade – traria ganhos
econômicos e geopolíticos ao Brasil. Mas o PT não quer
Em artigo recente no Estadão (OCDE: menos
ideologia e mais pragmatismo, 14/5/2024), o embaixador Rubens Barbosa fez um
apelo por “menos ideologia e mais pragmatismo” a propósito da adesão do Brasil
à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “A questão do
Brasil na OCDE tem de ser tratada como estratégia de Estado.” É um modo
diplomático de advertir que a aparente decisão de manter o Brasil fora da OCDE
não é uma estratégia de Estado, e sim uma estratégia do lulopetismo.
A OCDE é um fórum de políticas públicas
baseadas em evidências. O Brasil iniciou seu processo de adesão em 2022. Esse
processo implica compromissos em áreas como ambiente regulatório, segurança
jurídica e governança política, garantias institucionais que conferem um “selo
de qualidade” e facilitam acordos internacionais. O Ipea estima que o ingresso
agregaria anualmente 0,4% ao PIB.
Barbosa listou ativos geopolíticos: “O Brasil
estaria participando e influindo na definição de políticas econômicas,
comerciais, sociais e ambientais que são discutidas e aprovadas no âmbito da
OCDE e que são aplicadas internacionalmente, mesmo por países de fora da OCDE”.
Num cenário de tensões econômicas e internacionais, o governo “poderia reforçar
sua posição como um canal confiável de comunicação e de influência na definição
de políticas que poderiam interessar a todos no Sul Global e entre os países desenvolvidos”.
O Brasil seria o primeiro membro simultaneamente da OCDE e do Brics, e a
participação no primeiro bloco compensaria a diluição da influência no segundo
após seu alargamento. “As prioridades que o governo brasileiro elegeu para as
discussões no G-20 – transição energética, combate à fome e à pobreza e nova
governança global – poderiam ganhar o apoio da OCDE”, escreveu o diplomata.
O Brasil está entre as maiores economias do
mundo e é a segunda maior democracia do Ocidente. Entre os postulantes, o País
já tem os maiores índices de aderência às convenções da OCDE. O ingresso seria
natural e acarretaria muitos prós e nenhum contra.
Mas muitos dos bônus para o Estado brasileiro
são um ônus para o PT. A adesão implica compromissos de governança sobre o grau
de interferência do Estado na economia; isonomia em licitações e compras
públicas, para permitir a participação de empresas estrangeiras; ou padrões de
controle da taxa de juros, de câmbio e de tributação de capital estrangeiro. Se
há um ônus, é para políticos demagogos e empresários clientelistas. Não por
coincidência, o governo lulopetista tenta minar marcos recentes que se aproximam
dos padrões da OCDE de racionalização e moralização da governança pública, como
a autonomia do Banco Central ou as leis das Estatais e das Agências
Reguladoras.
Mas além desse “pragmatismo” peculiar, Lula e
seus companheiros têm razões ideológicas e até psicológicas para devolver a
adesão do Brasil à geladeira onde ficou em todas as gestões petistas. A OCDE é
conhecida como o “clube dos ricos”, e de fato é: seus 38 membros respondem por
mais de 70% do PIB mundial e 80% do comércio e investimentos. Como se sabe, na
mitologia lulopetista “rico” é o opressor.
A própria OCDE, porém, se define como “uma
comunidade de nações comprometidas com os valores da democracia baseada no
estado de direito e nos direitos humanos, e com a adesão aos princípios de uma
economia de mercado transparente e aberta”. Nem todos os membros são ricos.
México, Chile, Costa Rica e Colômbia já fazem parte; Peru, Argentina, Indonésia
e Tailândia querem fazer. Emergentes podem entrar. Autocracias não, por mais
ricas que sejam.
A rigor, trata-se de um clube de democracias
liberais, com os melhores índices de liberdade econômica, civil e política. Não
por coincidência, são também países mais igualitários, com melhor distribuição
de renda e serviços públicos. A riqueza é consequência. Na essência, a OCDE é
uma “frente ampla democrática” internacional que tende a reforçar o Estado de
Direito e o pluralismo político em seus membros. Talvez seja justamente por
isso que o PT tanto resiste à ideia de integrá-la.
A longa guerra de Putin
O Estado de S. Paulo
O Kremlin quer a economia como máquina de
guerra, mas a resposta do Ocidente ainda é incerta
O autocrata russo, Vladimir Putin, anunciou mudanças de alto escalão. O ministro da Defesa, Sergei Shoigu, será substituído pelo vice-primeiro-ministro Andrei Belousov e assumirá a posição de Nikolai Patrushev como secretário do Conselho de Segurança. São mudanças inesperadas. Patrushev, há 16 anos no Conselho, é um adepto das mais selvagens teorias da conspiração e conhecido como o “falcão dos falcões”; Shoigu, há 12 anos no Ministério da Defesa, é um leal servidor de Putin; Belousov é um economista que nunca serviu um só dia como soldado. Na superfície, poderia até parecer que Putin está moderando sua belicosidade expansionista. Na verdade, é o oposto. “Os tecnocratas estão em ascensão”, constatou o historiador militar Mark Galeotti em artigo na Spectator. “O objetivo, contudo, não é a paz, mas uma guerra mais eficiente.”
No Estado mafioso de Putin, a lealdade é um
critério fundamental. Mas ela impõe dilemas. Putin “precisa de mudanças se
quiser vencer a guerra”, disse Konstantin Sonin, especialista em política russa
da Universidade de Chicago. “Mas ele sempre foi extremamente cauteloso sobre
trazer pessoas com carisma ou com suas próprias bases políticas em cargos
importantes.” A substituição de Patrushev – cujo destino é incerto – por Shoigu
responde a esse imperativo. Belousov, por sua vez, é também próximo a Putin, mas
não alguém que lhe faria sombra.
Mais importante, Belousov é um economista
competente com profunda experiência dentro do governo. Desde que Putin ascendeu
ao poder, ele serviu como ministro do Desenvolvimento Econômico, conselheiro
econômico de Putin e vice-premiê. “Ele não ambicionará liderar o Exército como
um general cheio de medalhas. Ele é um workaholic; um tecnocrata; é muito
honesto, e Putin o conhece bem”, disse ao Financial Times uma fonte próxima ao
Kremlin.
Sem uma base de poder própria, Belousov é um
estatista obstinado formado pela ortodoxia soviética. Sua indicação sugere que
Putin deseja mais controle sobre os gastos de defesa, com o objetivo de
mobilizar a economia e a indústria de defesa da Rússia para uma longa guerra de
atrito com a Ucrânia e possivelmente um confronto com a Otan. “A nomeação nos
diz que os gastos com defesa não encolherão”, disse Alexandra Prokopenko, do
Centro Carnegie Russia Eurasia. “Belousov é um fã do keynesianismo militar.”
Assim, a escolha pode ser inesperada, mas não
ilógica. “À medida que a Rússia de Putin está sendo cada vez mais construída ao
redor da invasão da Ucrânia e de um confronto mais amplo com o Ocidente, sem um
fim à vista, a experiência de Belousov será crucial para que a economia se
torne essencialmente de guerra”, disse Galeotti.
Não pode haver dúvidas sobre os objetivos de Putin: ele está dobrando a aposta em sua estratégia de uma guerra de atrito, na expectativa de superar o desempenho militar da Ucrânia e seus aliados. “O cálculo”, disse Konstantin Kalachyov, um ex-conselheiro do Kremlin, “é que os aliados da Ucrânia se cansarão antes.” Por trás da dança das cadeiras de Putin, esta sim é a grande dúvida.
Fake news no RS reforça apelo por regulação
das redes
Valor Econômico
Já passou da hora de buscar uma resposta adequada à propagação de notícias falsas que tanto ameaçam a sociedade e a democracia
As enchentes que devastaram o Rio Grande do
Sul e causaram uma das maiores tragédias ambientais da história do país vieram
acompanhadas de um dos principais males que afetam a sociedade brasileira e
mundial nos últimos anos: uma onda de desinformação. Assim como em outros
momentos recentes de crise, como a pandemia de covid-19, as plataformas
digitais foram mais uma vez usadas para a divulgação desenfreada de notícias
falsas que atrapalham os esforços de autoridades e voluntários na luta para
ajudar as vítimas em todo o Estado.
A circulação das fake news veio pouco depois
de o país tomar ciência da magnitude da catástrofe que se abateu sobre os
gaúchos. Enquanto a maioria dos brasileiros se engajou em uma campanha de
solidariedade sem precedentes, outros poucos se dispuseram a publicar
falsidades sobre os motivos que causaram o desastre, as ações dos governos em
resposta à crise e as doações destinadas ao Estado, chegando ao absurdo de até
invadir um galpão da Defesa Civil que armazena os donativos para insuflar o
movimento desinformativo.
Levantamento realizado por “O Globo”
identificou pelo menos 20 notícias falsas que circularam pelas redes sociais e
aplicativos de mensagens nas duas últimas semanas. Apenas as postagens
originais tiveram quase 13,5 milhões de visualizações, conforme os dados
públicos das próprias plataformas. Veículos especializados na checagem de
notícias estão recebendo o dobro da média de pedidos de verificação, patamar
comparável ao que se vê durante períodos eleitorais. Uma pesquisa da Quaest
mostrou que 31% dos brasileiros reconheceram ter recebido alguma fake news
relacionada à tragédia. Embora a ampla maioria (69%) tenha afirmado não ter
sido exposta a conteúdo falso, há a hipótese de que muitos não tenham
identificado a desinformação.
Parte do impulso ao movimento veio de
influenciadores e de políticos, o que gerou reações. O governo federal
solicitou a abertura de um inquérito à Polícia Federal contra algumas figuras
acusadas de compartilhar notícias falsas e lançou uma campanha de conscientização
à população. No Congresso, o Psol apresentou uma representação judicial contra
sete deputados federais por propagação de fake news relacionadas às chuvas
trágicas no Rio Grande do Sul.
É preciso, porém, ir além de simplesmente
buscar a responsabilização individual dos autores de tais conteúdos
comprovadamente inverídicos. Mais uma vez, as plataformas digitais servem como
ferramenta para a propagação de notícias falsas em um momento de crise,
exatamente quando a população mais depende de informações críveis para tomar
decisões que podem ser vitais.
Há instrumentos para enfrentar o vale-tudo
que prevalece no ambiente digital. Um deles é o Projeto de Lei (PL) da
Regulação das Redes Sociais, que está parado na Câmara por decisão das
lideranças da Casa, apesar de já ter sido aprovado pelo Senado e submetido a
ampla discussão entre os deputados. Os debates retornaram ao ponto inicial no
começo de abril, quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), determinou
a criação de um grupo de trabalho, argumentando que o texto não estava “maduro”
para ir à votação no plenário.
A última versão do texto do PL das Redes
Sociais se inspirava na legislação da União Europeia, que tem se tornado uma
referência global para criação de normas para regular a atividade das Big
Techs, e previa que as empresas pudessem ser responsabilizadas pelos crimes
cometidos por usuários nas próprias plataformas ou por meio delas, desde que
comprovada a negligência.
Ao contrário do que dizem os opositores, o
projeto não visava a censurar a circulação de informações no ambiente digital -
não há a imposição de restrições à liberdade de expressão além das já previstas
em lei no país -, e estabelecia a criação de regras para a moderação dos
conteúdos com garantia de amplo direito ao contraditório a usuários afetados
pelas normas, além de transparência às decisões tomadas pelas companhias.
Diante da falta de ação da Câmara, é provável
que a responsabilidade da regulação caia sob os ombros do Supremo Tribunal
Federal (STF), que deve julgar nos próximos meses uma ação sobre a
constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que isenta as
plataformas digitais de responsabilidade pelos conteúdos nelas publicados - um
argumento defendido pelas empresas para fazer pouco caso do problema. Também no
início de abril, o ministro Dias Toffoli, relator do caso, afirmou que deve
liberar a ação para o julgamento até o fim de junho.
A questão, porém, requer urgência e deve ser resolvida antes das eleições de outubro, que serão certamente um alvo de novas campanhas de desinformação em meio à polarização política do país. O que se viu após a tragédia no Sul é mais uma prova de que já passou da hora de buscar uma resposta adequada à propagação de notícias falsas que tanto ameaçam a sociedade e a democracia.
Medidas simples para salvar o coração
Correio Braziliense
Somente o Brasil concentra nada menos que 51
milhões de pessoas hipertensas (35% da população adulta), segundo dados da
Organização Mundial da Saúde (OMS)
Não é novidade para ninguém que a pressão
alta é um dos males do século. Somente o Brasil concentra nada menos que 51
milhões de pessoas hipertensas (35% da população adulta), segundo dados da
Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgados em setembro do ano passado.
Hoje, Dia Mundial da Hipertensão, vale uma reflexão sobre as estatísticas.
Esse contingente de brasileiros faz parte de
um número exponencialmente maior: 1,3 bilhão de pessoas sofrem de hipertensão,
ou seja, condição em que a pressão arterial permanece sistematicamente igual ou
maior que 140mmHg por 90mmHg (milímetros de mercúrio). Pouca gente sabe, mas o
primeiro índice refere-se à pressão arterial máxima e corresponde à contração
do coração e o segundo diz respeito à pressão mínima, quando o músculo do coração
relaxa.
O mais estarrecedor disso tudo é que somente
20% dos hipertensos estão diagnosticados, tratados ou sob controle. A impressão
que dá é que é difícil dar alguns passos sem encontrar um hipertenso pela
frente, mas que nem faz ideia do mal que o permeia. Se for um idoso com idade
mais avançada, a prevalência pode ultrapassar 60% em se tratando de pessoas
acima de 70 anos.
Se pensarmos que uma medida simples como o
controle da pressão arterial evitaria uma série de doenças cardiovasculares e
mortes prematuras por infarto do miocárdio ou acidentes vasculares cerebrais
(AVCs), hoje com certeza a sobrevida do brasileiro se prolongaria e o país não
registraria 400 mil mortes por ano decorrentes de problemas no coração.
É fato que as comorbidades e os hábitos de
vida contribuem — e muito — para o estado geral do brasileiro.
Tabagismo, excesso de bebidas alcoólicas, estresse, sedentarismo, diabetes,
colesterol alto. Alista não se esgota em poucas linhas. Obesidade, apneia do
sono, alimentação inadequada, insônia, ansiedade, poluição, depressão.
Interligados ou não, muitos desses fatores de risco são plenamente evitáveis.
Outros, nem tanto, a exemplo do gênero (masculino e feminino), da genética e do
envelhecimento natural da população. Nada mais óbvio que tentarmos estancar os
fatores evitáveis para que os não evitáveis ocorram de forma, digamos, mais
branda, a começar pela monitorização regular da pressão arterial. E isso não é
assim tão difícil.
Recursos, como a Monitorização Ambulatorial
de Pressão Arterial (Mapa), ainda estão longe de ser oferecidos em larga escala
via Sistema Único de Saúde (SUS), mas há uma centena de
dispositivos eletrônicos de aferição, capazes de acompanhar a saúde cardiovascular
do indivíduo, o que nos obriga a voltar à questão da importância do controle da
pressão arterial.
Campanhas de conscientização também são importantes, assim como eventos em locais públicos que reúnem famílias em torno de informação correta, geralmente fornecida por profissionais de saúde, combinada com a prática de atividades físicas, como ciclismo, caminhada, corrida, dança etc. Enfim, medidas simples que podem evitar sequelas. E o mais importante: salvar vidas
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