sexta-feira, 17 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Brasília atrapalha integração com governos locais ao politizar a tragédia

O Globo

Medidas anunciadas por Lula vão na direção certa, mas seu uso político prejudica ajuda à população atingida

Em sua terceira visita ao Rio Grande do Sul desde as chuvas que devastaram o estado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou uma secretaria extraordinária, comandada in loco pelo ex-ministro da Secretaria de Comunicação Paulo Pimenta. O objetivo, diz o Planalto, é facilitar a articulação entre os governos federal, estadual e dos 497 municípios gaúchos.

Não se discute a necessidade de criar canais para dar celeridade às decisões envolvendo os três níveis de governo na assistência às vítimas e na reconstrução. Mas a nomeação de Pimenta, candidato potencial ao governo do Rio Grande do Sul pelo PT sem experiência na gestão de catástrofes, transparece mais oportunismo político que preocupação genuína com a população que perdeu tudo e, mais que nunca, depende da ajuda do Estado.

Em entrevista ao GLOBO, Pimenta afirmou que sua missão é institucional. “Nunca perguntei partido de prefeito, nunca perguntei partido de vereador”, disse. Mas, nos últimos dias, veio à tona o diálogo de surdos dele com um prefeito oposicionista em torno de ajuda federal ao município, em que ambos pareciam mais preocupados em gravar a ligação para repercutir nas redes sociais do que com as necessidades reais. A oposição interpretou a escolha de Pimenta como uma iniciativa do Planalto para se contrapor às ações do governador Eduardo Leite (PSDB). Até petistas admitem isso reservadamente.

O perfil de Pimenta como agente político é evidente no governo Lula. Dias atrás, incomodado com questionamentos à resposta às chuvas, ele pediu que o Ministério da Justiça apurasse a difusão de desinformação sobre a tragédia. Mas vários exemplos apresentados não passavam de críticas ao Planalto. Espera-se que, na nova missão, ele baixe as armas.

Enquanto o governo prega maior articulação, na prática assiste-se a conflitos entre ministros, cada um querendo ganhar protagonismo. O próprio Lula enquadrou a equipe, recomendando que conversassem com a Casa Civil antes de divulgar qualquer iniciativa. O desencontro só serve para deixar a população mais desorientada em meio a problemas longe de resolvidos.

O governo precisa manter o foco na ajuda às vítimas e na reconstrução. O cenário já está demasiadamente tumultuado pelas dificuldades logísticas, pela desinformação e disputa de narrativas nas redes sociais, por saques a casas desocupadas, por discussões inoportunas (como a tentativa prematura de adiar as eleições municipais no estado) e pelo compreensível desafio de articulação com quase 500 prefeitos.

As medidas tomadas até agora pelo governo são corretas e necessárias. Nos últimos dias, Lula anunciou um auxílio para cerca de 200 mil famílias, a incorporação de 20 mil novos beneficiados ao Bolsa Família e a construção de imóveis do Minha Casa, Minha Vida para desabrigados. Mas politizar a tragédia só atrapalha. Além de ser um desrespeito às vítimas, cria arestas entre governos federal, estadual e dos municípios — a maioria administrados por políticos de oposição. O efeito é contrário à pretendida articulação.

Avanço da IA exige respeito a direito autoral

O Globo

Empresas digitais deveriam remunerar criadores antes de usar seus conteúdos para treinar modelos

Empresas que lideram a corrida da inteligência artificial generativa (IA-Gen) anunciaram nesta semana novos serviços que comprovam o avanço avassalador no setor. Primeiro, a OpenAI, criadora do popular ChatGPT, lançou uma nova versão de seu modelo capaz de simular comportamento humano de modo ainda mais impressionante. Batizado GPT-4o, ele é capaz de interpretar em tempo real voz, imagens, equações e programas de computador, respondendo em 50 idiomas (um dos recursos mais básicos permite usá-lo como intérprete).

Nem haviam passado 24 horas, o Google — principal concorrente da OpenAI com seu modelo Gemini — também anunciou novidades. As respostas de seu onipresente mecanismo de busca passarão a ser alimentadas pela IA-Gen. Com isso, diz a empresa, será possível obter respostas mais rápidas e precisas. Os links só aparecerão depois do resumo elaborado pelo Gemini.

São incalculáveis os ganhos potenciais propiciados por avanços no campo da IA-Gen. Empresas dos mais variados setores ainda tentam entender como a nova fronteira será usada para aumentar a produtividade. Trata-se, sem dúvida, de conquista sem paralelo para a humanidade, outrora só imaginável em filmes de ficção científica.

Todo o entusiasmo, porém, deve estar acompanhado de cautela. Como costuma acontecer nessas situações, o arcabouço legal e jurídico não tem acompanhado o passo dos avanços na tecnologia. E isso pode surtir efeitos deletérios em diversas atividades. Os casos mais óbvios são o jornalismo profissional e demais produtores de conteúdo. Para “aprender”, os modelos de IA-Gen usam textos, imagens, áudios e vídeos de forma indiscriminada sem remunerar seus autores. Em sua nova iniciativa, o Google nem sequer se preocupou em dar destaque às fontes de informação usadas em suas respostas.

Mesmo que tivesse dado, isso poderia ser inócuo. “Se não há acesso ao conteúdo original, não há clique. Sem o clique, não há publicidade e não há receita”, disse ao GLOBO Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ). “A tendência é haver mais escassez de receita digital para os veículos de comunicação.” Empresas já sujeitas ao parasitismo das redes sociais estariam ainda mais sufocadas.

Para garantir a sustentabilidade do jornalismo e de outros negócios de produção de conteúdo, a ANJ defende que os desenvolvedores de IA negociem com produtores antes de se apropriar do conteúdo. Sem diálogo, a perspectiva é a judicialização. Nos Estados Unidos, o New York Times entrou com processo contra OpenAI e Microsoft, porque milhões de artigos foram surrupiados sem autorização para treinar o ChatGPT. Escritores como Jonathan Franzen e John Grisham também acionaram a Justiça. Não deveria haver divergência sobre como a legislação de direitos autorais se aplica a tais casos, de todo modo uma regulação específica precisa reforçar a prerrogativa dos criadores de autorizar todo uso de suas obras por modelos de IA-Gen.

Avanços tecnológicos sempre trazem ganhos de produtividade. Mas progresso, entendido como bem comum, nunca foi algo automático. As conquistas resultam das inovações, mas também de legislação protegendo o interesse da coletividade. É preciso lembrar a lição da História no caso da IA-Gen. Zelar pela imprensa profissional é cuidar de um pilar insubstituível de regimes democráticos.

Apoio ao RS não deveria ser partidarizado

Folha de S. Paulo

Lula erra ao nomear potencial candidato do PT a governador para chefiar pasta destinada a coordenar socorro ao estado

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contaminou a tarefa de lidar com a tragédia climática do Rio Grande do Sul, já complexa ao extremo, com um lance de oportunismo político rasteiro.

Transferiu-se o ministro da Comunicação Social, Paulo Pimenta, deputado federal licenciado pelo PT gaúcho, para o comando da recém-criada secretaria extraordinária do Executivo federal de apoio à reconstrução do estado.

Mais do que escudeiro da comunicação e da propaganda de Lula, Pimenta é tido como candidato ao governo estadual. Sua nomeação causou, previsivelmente, mal-estar político geral —com razão ou não, seus atos estarão sob suspeita de partidarismo.

O diálogo com prefeitos e outras autoridades gaúchas será entrecortado pelo ruído da disputa eleitoral neste ano, com ecos para 2026. Em uma emergência, qualquer dificuldade adicional é grave.

Não ajuda, ademais, que Lula tenha promovido um ato político em São Leopoldo (RS) e dito em discurso que ainda pretende disputar "umas dez eleições".

A missão de socorrer o Rio Grande do Sul apenas começou, e medidas relevantes já foram tomadas em âmbito federal.

Providenciaram-se dinheiro e servidores para auxílios e obras de emergência; benefícios sociais foram antecipados; parte da dívida do estado com a União será perdoada; haverá ajuda para quem teve a casa danificada ou destruída.

Muito mais será necessário, e os planos devem levar em conta critérios ambientais, econômicos e sociais. Nesse sentido, pode-se defender coordenação federal que comece por administrar a ajuda e dialogar com os demais âmbitos de governo, entre outros interlocutores.

As aplicações federais diretas na emergência gaúcha já se aproximam de R$ 20 bilhões em até três anos, excluídos os eventuais subsídios de crédito, a serem despendidos em até dez anos.

Trata-se sem dúvida de uma cifra relevante, dado que a receita total do governo do estado ronda os R$ 80 bilhões ao ano. O trabalho não se esgota aí, entretanto.

Para dizer a que veio, a nova pasta do primeiro escalão brasiliense deveria projetos da reconstrução —vale dizer, diretrizes e normas que deem conta de recuperar o Rio Grande do Sul em bases que mitiguem riscos de desastres naturais e que repensem partes da economia e do território.

Em termos ambientais, socioeconômicos e financeiros, é projeto gigantesco, que exige estratégia e quadros de alta reputação técnica e administrativa. Pode-se discutir a melhor forma de coordenar todos os esforços e recursos. O que não se pode é transformar uma crise real numa disputa partidária.

Boulos e Janones

Folha de S. Paulo

Suspeita de 'rachadinha' deve ser examinada à luz dos fatos, não de deturpações

O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) tem por hábito aproveitar diversas oportunidades de vociferar contra desvios de comportamento ou infrações penais cometidas por políticos em todos os níveis da Federação. Quando lhe toca passar do discurso à ação, porém, as alianças partidárias parecem ainda falar mais alto.

Como relator do Conselho de Ética da Câmara no processo de cassação de André Janones (Avante-MG), o pré-candidato a prefeito de São Paulo deixou o compadrio prevalecer sobre os fatos e votou pelo arquivamento do caso.

Verdade que não foi a primeira vez —e nem se imagina que terá sido a última, infelizmente— que o corporativismo deu o tom na Casa. Chamou a atenção, contudo, a inépcia de Boulos ao tentar preservar Janones, que integrou a linha de frente da campanha de Lula (PT) nas redes sociais em 2022.

O pedido de cassação trata da suspeita de "rachadinha" no gabinete de Janones e, por ironia, partiu do PL, sigla do ex-presidente Jair Bolsonarocujo sobrenome se liga a mais de um escândalo semelhante.

Segundo ex-assessores do deputado, ele teria embolsado parte do salário pago aos auxiliares. Para comprovar a denúncia, um deles gravou uma conversa em que o próprio parlamentar explica que o repasse do dinheiro teria o objetivo de quitar dívidas contratadas na campanha municipal de 2016.

Com autorização do Supremo Tribunal Federal, abriu-se um inquérito, e a Polícia Federal avança em sua investigação, com quebra de sigilo bancário e fiscal.

Janones diz que o áudio foi tirado de contexto, que nunca recebeu dinheiro dos assessores e que não era deputado na ocasião da conversa —ocorre que, como mostrou reportagem da Folha, o próprio teor da reunião indica o contrário.

No afã de endossar a defesa do aliado, Boulos apegou-se ao último ponto e, pior, deturpou a decisão do STF para fazer crer que tudo teria se passado em 2016.

O relatório de Boulos ainda será examinado por seus pares, e nada impede que a maioria decida arquivar o caso. Seja como for, que votem sem corporativismo e à luz dos fatos, não de adulterações.

A indecente exploração política da tragédia

O Estado de S. Paulo

Lula transformou o anúncio do auxílio federal aos gaúchos em ato de campanha e fez do tal ministério extraordinário um palanque político para si e para seu ministro da propaganda

É obscura a função do tal Ministério Extraordinário para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, recém-anunciado pelo presidente Lula da Silva, mas sua motivação é claríssima: ao escolher como titular da pasta o agora ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência Paulo Pimenta, Lula não escondeu que pretende explorar politicamente a tragédia daquele Estado. Para que não restassem dúvidas, o demiurgo petista transformou o anúncio das medidas num comício obsceno, em que anunciou até que vai disputar “mais dez eleições”.

A única parte do currículo do sr. Pimenta que o liga à catástrofe do Rio Grande do Sul é sua origem gaúcha, de resto uma qualidade de milhões de outras pessoas, algumas das quais certamente bem mais familiarizadas do que ele com os enormes desafios que ali se apresentam. Mas ele não foi escolhido, é evidente, por seu talento executivo.

Há outros aspectos do currículo do novo ministro extraordinário que explicam melhor seu novo papel de “autoridade federal” no Estado. Primeiro, o sr. Pimenta é cotado para ser o candidato petista ao governo do Rio Grande do Sul em 2026, e nada melhor para uma campanha eleitoral antecipada do que ganhar a atenção dos aflitos eleitores gaúchos nos próximos meses.

Em segundo lugar, mas não menos importante, o sr. Pimenta era o responsável pela comunicação do governo, e presume-se que, com esse espírito, o tal ministério extraordinário possa servir para promover a imagem do governo federal. Consta que Lula anda muito contrariado com o fato de que, na sua visão, as ações do governo federal no Rio Grande do Sul não estão sendo devidamente reconhecidas. Logo, nada mais compreensível do que atribuir ao seu notório ministro da propaganda a tarefa de alardear os supostos feitos do Palácio do Planalto neste momento de grande comoção nacional.

O sinal mais evidente de que o espírito da coisa não é bom é o fato de que a criação da tal secretaria extraordinária pegou de surpresa o governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB). O tucano disse ter tomado conhecimento da medida por meio da imprensa. Não é desse tipo de picuinha política que os gaúchos precisam neste momento.

Não há dúvida de que reconstruir o Rio Grande do Sul não só demandará sacrifícios ainda desconhecidos, como dependerá fundamentalmente da presença da União. O governo federal, portanto, não só pode, como deve vir em socorro do Estado. Mas, primeiro, da forma constitucionalmente adequada, vale dizer, respeitando a Federação; e, segundo, utilizando os meios corretos.

Um exemplo dessa ajuda federal na medida certa foi a suspensão da dívida do Rio Grande do Sul com a União pelo prazo de três anos. Trata-se de um alívio fundamental para um Estado que ainda nem sequer tem condições de dimensionar todos os prejuízos causados pelas chuvas. É nesse tipo de ação que Lula deve se concentrar, e não em instilar cizânia política num momento dramático em que os cidadãos clamam pela união de seus governantes.

Há um governador eleito pelos gaúchos no cargo, vale lembrar. Em que pesem as críticas que possam ser feitas ao seu desempenho, é a Eduardo Leite – e ao prefeitos – que cabe liderar as ações de reconstrução do Estado, lidando com o ônus político de governar. Ao governo federal cabe somente apoiar os líderes locais, facilitando a transferência de dinheiro e a mobilização de recursos humanos para o Rio Grande do Sul.

Ajudar não é se intrometer. A criação desse ministério extraordinário – na exata medida dos interesses políticos tanto do presidente como do sr. Pimenta – não pode se travestir de intervenção federal no Estado, menos ainda como intervenção mal disfarçada. Enquanto papéis e responsabilidades não estiverem muito bem definidos, é lícita a inferência de que essa nova pasta não se prestará a outra coisa senão à politicagem em meio à tragédia climática e humanitária.

Lula dá as costas ao clube das democracias

O Estado de S. Paulo

A entrada na OCDE – o fórum das nações com os melhores índices de liberdade, igualdade e prosperidade – traria ganhos econômicos e geopolíticos ao Brasil. Mas o PT não quer

Em artigo recente no Estadão (OCDE: menos ideologia e mais pragmatismo, 14/5/2024), o embaixador Rubens Barbosa fez um apelo por “menos ideologia e mais pragmatismo” a propósito da adesão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “A questão do Brasil na OCDE tem de ser tratada como estratégia de Estado.” É um modo diplomático de advertir que a aparente decisão de manter o Brasil fora da OCDE não é uma estratégia de Estado, e sim uma estratégia do lulopetismo.

A OCDE é um fórum de políticas públicas baseadas em evidências. O Brasil iniciou seu processo de adesão em 2022. Esse processo implica compromissos em áreas como ambiente regulatório, segurança jurídica e governança política, garantias institucionais que conferem um “selo de qualidade” e facilitam acordos internacionais. O Ipea estima que o ingresso agregaria anualmente 0,4% ao PIB.

Barbosa listou ativos geopolíticos: “O Brasil estaria participando e influindo na definição de políticas econômicas, comerciais, sociais e ambientais que são discutidas e aprovadas no âmbito da OCDE e que são aplicadas internacionalmente, mesmo por países de fora da OCDE”. Num cenário de tensões econômicas e internacionais, o governo “poderia reforçar sua posição como um canal confiável de comunicação e de influência na definição de políticas que poderiam interessar a todos no Sul Global e entre os países desenvolvidos”. O Brasil seria o primeiro membro simultaneamente da OCDE e do Brics, e a participação no primeiro bloco compensaria a diluição da influência no segundo após seu alargamento. “As prioridades que o governo brasileiro elegeu para as discussões no G-20 – transição energética, combate à fome e à pobreza e nova governança global – poderiam ganhar o apoio da OCDE”, escreveu o diplomata.

O Brasil está entre as maiores economias do mundo e é a segunda maior democracia do Ocidente. Entre os postulantes, o País já tem os maiores índices de aderência às convenções da OCDE. O ingresso seria natural e acarretaria muitos prós e nenhum contra.

Mas muitos dos bônus para o Estado brasileiro são um ônus para o PT. A adesão implica compromissos de governança sobre o grau de interferência do Estado na economia; isonomia em licitações e compras públicas, para permitir a participação de empresas estrangeiras; ou padrões de controle da taxa de juros, de câmbio e de tributação de capital estrangeiro. Se há um ônus, é para políticos demagogos e empresários clientelistas. Não por coincidência, o governo lulopetista tenta minar marcos recentes que se aproximam dos padrões da OCDE de racionalização e moralização da governança pública, como a autonomia do Banco Central ou as leis das Estatais e das Agências Reguladoras.

Mas além desse “pragmatismo” peculiar, Lula e seus companheiros têm razões ideológicas e até psicológicas para devolver a adesão do Brasil à geladeira onde ficou em todas as gestões petistas. A OCDE é conhecida como o “clube dos ricos”, e de fato é: seus 38 membros respondem por mais de 70% do PIB mundial e 80% do comércio e investimentos. Como se sabe, na mitologia lulopetista “rico” é o opressor.

A própria OCDE, porém, se define como “uma comunidade de nações comprometidas com os valores da democracia baseada no estado de direito e nos direitos humanos, e com a adesão aos princípios de uma economia de mercado transparente e aberta”. Nem todos os membros são ricos. México, Chile, Costa Rica e Colômbia já fazem parte; Peru, Argentina, Indonésia e Tailândia querem fazer. Emergentes podem entrar. Autocracias não, por mais ricas que sejam.

A rigor, trata-se de um clube de democracias liberais, com os melhores índices de liberdade econômica, civil e política. Não por coincidência, são também países mais igualitários, com melhor distribuição de renda e serviços públicos. A riqueza é consequência. Na essência, a OCDE é uma “frente ampla democrática” internacional que tende a reforçar o Estado de Direito e o pluralismo político em seus membros. Talvez seja justamente por isso que o PT tanto resiste à ideia de integrá-la.

A longa guerra de Putin

O Estado de S. Paulo

O Kremlin quer a economia como máquina de guerra, mas a resposta do Ocidente ainda é incerta

O autocrata russo, Vladimir Putin, anunciou mudanças de alto escalão. O ministro da Defesa, Sergei Shoigu, será substituído pelo vice-primeiro-ministro Andrei Belousov e assumirá a posição de Nikolai Patrushev como secretário do Conselho de Segurança. São mudanças inesperadas. Patrushev, há 16 anos no Conselho, é um adepto das mais selvagens teorias da conspiração e conhecido como o “falcão dos falcões”; Shoigu, há 12 anos no Ministério da Defesa, é um leal servidor de Putin; Belousov é um economista que nunca serviu um só dia como soldado. Na superfície, poderia até parecer que Putin está moderando sua belicosidade expansionista. Na verdade, é o oposto. “Os tecnocratas estão em ascensão”, constatou o historiador militar Mark Galeotti em artigo na Spectator. “O objetivo, contudo, não é a paz, mas uma guerra mais eficiente.”

No Estado mafioso de Putin, a lealdade é um critério fundamental. Mas ela impõe dilemas. Putin “precisa de mudanças se quiser vencer a guerra”, disse Konstantin Sonin, especialista em política russa da Universidade de Chicago. “Mas ele sempre foi extremamente cauteloso sobre trazer pessoas com carisma ou com suas próprias bases políticas em cargos importantes.” A substituição de Patrushev – cujo destino é incerto – por Shoigu responde a esse imperativo. Belousov, por sua vez, é também próximo a Putin, mas não alguém que lhe faria sombra.

Mais importante, Belousov é um economista competente com profunda experiência dentro do governo. Desde que Putin ascendeu ao poder, ele serviu como ministro do Desenvolvimento Econômico, conselheiro econômico de Putin e vice-premiê. “Ele não ambicionará liderar o Exército como um general cheio de medalhas. Ele é um workaholic; um tecnocrata; é muito honesto, e Putin o conhece bem”, disse ao Financial Times uma fonte próxima ao Kremlin.

Sem uma base de poder própria, Belousov é um estatista obstinado formado pela ortodoxia soviética. Sua indicação sugere que Putin deseja mais controle sobre os gastos de defesa, com o objetivo de mobilizar a economia e a indústria de defesa da Rússia para uma longa guerra de atrito com a Ucrânia e possivelmente um confronto com a Otan. “A nomeação nos diz que os gastos com defesa não encolherão”, disse Alexandra Prokopenko, do Centro Carnegie Russia Eurasia. “Belousov é um fã do keynesianismo militar.”

Assim, a escolha pode ser inesperada, mas não ilógica. “À medida que a Rússia de Putin está sendo cada vez mais construída ao redor da invasão da Ucrânia e de um confronto mais amplo com o Ocidente, sem um fim à vista, a experiência de Belousov será crucial para que a economia se torne essencialmente de guerra”, disse Galeotti.

Não pode haver dúvidas sobre os objetivos de Putin: ele está dobrando a aposta em sua estratégia de uma guerra de atrito, na expectativa de superar o desempenho militar da Ucrânia e seus aliados. “O cálculo”, disse Konstantin Kalachyov, um ex-conselheiro do Kremlin, “é que os aliados da Ucrânia se cansarão antes.” Por trás da dança das cadeiras de Putin, esta sim é a grande dúvida.

Fake news no RS reforça apelo por regulação das redes

Valor Econômico

Já passou da hora de buscar uma resposta adequada à propagação de notícias falsas que tanto ameaçam a sociedade e a democracia

As enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul e causaram uma das maiores tragédias ambientais da história do país vieram acompanhadas de um dos principais males que afetam a sociedade brasileira e mundial nos últimos anos: uma onda de desinformação. Assim como em outros momentos recentes de crise, como a pandemia de covid-19, as plataformas digitais foram mais uma vez usadas para a divulgação desenfreada de notícias falsas que atrapalham os esforços de autoridades e voluntários na luta para ajudar as vítimas em todo o Estado.

A circulação das fake news veio pouco depois de o país tomar ciência da magnitude da catástrofe que se abateu sobre os gaúchos. Enquanto a maioria dos brasileiros se engajou em uma campanha de solidariedade sem precedentes, outros poucos se dispuseram a publicar falsidades sobre os motivos que causaram o desastre, as ações dos governos em resposta à crise e as doações destinadas ao Estado, chegando ao absurdo de até invadir um galpão da Defesa Civil que armazena os donativos para insuflar o movimento desinformativo.

Levantamento realizado por “O Globo” identificou pelo menos 20 notícias falsas que circularam pelas redes sociais e aplicativos de mensagens nas duas últimas semanas. Apenas as postagens originais tiveram quase 13,5 milhões de visualizações, conforme os dados públicos das próprias plataformas. Veículos especializados na checagem de notícias estão recebendo o dobro da média de pedidos de verificação, patamar comparável ao que se vê durante períodos eleitorais. Uma pesquisa da Quaest mostrou que 31% dos brasileiros reconheceram ter recebido alguma fake news relacionada à tragédia. Embora a ampla maioria (69%) tenha afirmado não ter sido exposta a conteúdo falso, há a hipótese de que muitos não tenham identificado a desinformação.

Parte do impulso ao movimento veio de influenciadores e de políticos, o que gerou reações. O governo federal solicitou a abertura de um inquérito à Polícia Federal contra algumas figuras acusadas de compartilhar notícias falsas e lançou uma campanha de conscientização à população. No Congresso, o Psol apresentou uma representação judicial contra sete deputados federais por propagação de fake news relacionadas às chuvas trágicas no Rio Grande do Sul.

É preciso, porém, ir além de simplesmente buscar a responsabilização individual dos autores de tais conteúdos comprovadamente inverídicos. Mais uma vez, as plataformas digitais servem como ferramenta para a propagação de notícias falsas em um momento de crise, exatamente quando a população mais depende de informações críveis para tomar decisões que podem ser vitais.

Há instrumentos para enfrentar o vale-tudo que prevalece no ambiente digital. Um deles é o Projeto de Lei (PL) da Regulação das Redes Sociais, que está parado na Câmara por decisão das lideranças da Casa, apesar de já ter sido aprovado pelo Senado e submetido a ampla discussão entre os deputados. Os debates retornaram ao ponto inicial no começo de abril, quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), determinou a criação de um grupo de trabalho, argumentando que o texto não estava “maduro” para ir à votação no plenário.

A última versão do texto do PL das Redes Sociais se inspirava na legislação da União Europeia, que tem se tornado uma referência global para criação de normas para regular a atividade das Big Techs, e previa que as empresas pudessem ser responsabilizadas pelos crimes cometidos por usuários nas próprias plataformas ou por meio delas, desde que comprovada a negligência.

Ao contrário do que dizem os opositores, o projeto não visava a censurar a circulação de informações no ambiente digital - não há a imposição de restrições à liberdade de expressão além das já previstas em lei no país -, e estabelecia a criação de regras para a moderação dos conteúdos com garantia de amplo direito ao contraditório a usuários afetados pelas normas, além de transparência às decisões tomadas pelas companhias.

Diante da falta de ação da Câmara, é provável que a responsabilidade da regulação caia sob os ombros do Supremo Tribunal Federal (STF), que deve julgar nos próximos meses uma ação sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que isenta as plataformas digitais de responsabilidade pelos conteúdos nelas publicados - um argumento defendido pelas empresas para fazer pouco caso do problema. Também no início de abril, o ministro Dias Toffoli, relator do caso, afirmou que deve liberar a ação para o julgamento até o fim de junho.

A questão, porém, requer urgência e deve ser resolvida antes das eleições de outubro, que serão certamente um alvo de novas campanhas de desinformação em meio à polarização política do país. O que se viu após a tragédia no Sul é mais uma prova de que já passou da hora de buscar uma resposta adequada à propagação de notícias falsas que tanto ameaçam a sociedade e a democracia.

Medidas simples para salvar o coração

Correio Braziliense

Somente o Brasil concentra nada menos que 51 milhões de pessoas hipertensas (35% da população adulta), segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS)

Não é novidade para ninguém que a pressão alta é um dos males do século. Somente o Brasil concentra nada menos que 51 milhões de pessoas hipertensas (35% da população adulta), segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgados em setembro do ano passado. Hoje, Dia Mundial da Hipertensão, vale uma reflexão sobre as estatísticas.

Esse contingente de brasileiros faz parte de um número exponencialmente maior: 1,3 bilhão de pessoas sofrem de hipertensão, ou seja, condição em que a pressão arterial permanece sistematicamente igual ou maior que 140mmHg por 90mmHg (milímetros de mercúrio). Pouca gente sabe, mas o primeiro índice refere-se à pressão arterial máxima e corresponde à contração do coração e o segundo diz respeito à pressão mínima, quando o músculo do coração relaxa.

O mais estarrecedor disso tudo é que somente 20% dos hipertensos estão diagnosticados, tratados ou sob controle. A impressão que dá é que é difícil dar alguns passos sem encontrar um hipertenso pela frente, mas que nem faz ideia do mal que o permeia. Se for um idoso com idade mais avançada, a prevalência pode ultrapassar 60% em se tratando de pessoas acima de 70 anos.

Se pensarmos que uma medida simples como o controle da pressão arterial evitaria uma série de doenças cardiovasculares e mortes prematuras por infarto do miocárdio ou acidentes vasculares cerebrais (AVCs), hoje com certeza a sobrevida do brasileiro se prolongaria e o país não registraria 400 mil mortes por ano decorrentes de problemas no coração.

É fato que as comorbidades e os hábitos de vida contribuem — e muito — para o estado geral do brasileiro. Tabagismo, excesso de bebidas alcoólicas, estresse, sedentarismo, diabetes, colesterol alto. Alista não se esgota em poucas linhas. Obesidade, apneia do sono, alimentação inadequada, insônia, ansiedade, poluição, depressão. Interligados ou não, muitos desses fatores de risco são plenamente evitáveis. Outros, nem tanto, a exemplo do gênero (masculino e feminino), da genética e do envelhecimento natural da população. Nada mais óbvio que tentarmos estancar os fatores evitáveis para que os não evitáveis ocorram de forma, digamos, mais branda, a começar pela monitorização regular da pressão arterial. E isso não é assim tão difícil.

Recursos, como a Monitorização Ambulatorial de Pressão Arterial (Mapa), ainda estão longe de ser oferecidos em larga escala via Sistema Único de Saúde (SUS), mas há uma centena de dispositivos eletrônicos de aferição, capazes de acompanhar a saúde cardiovascular do indivíduo, o que nos obriga a voltar à questão da importância do controle da pressão arterial.

Campanhas de conscientização também são importantes, assim como eventos em locais públicos que reúnem famílias em torno de informação correta, geralmente fornecida por profissionais de saúde, combinada com a prática de atividades físicas, como ciclismo, caminhada, corrida, dança etc. Enfim, medidas simples que podem evitar sequelas. E o mais importante: salvar vidas

Nenhum comentário: