segunda-feira, 25 de março de 2019

*Raimundo Santos: Itinerários intelectuais na esquerda histórica

Norberto Bobbio, o interlocutor dos comunistas italianos, termina o balanço dos seus diálogos sobre o socialismo e a democracia que se estendem da década de 1950 até o começo dos anos 1980, dizendo que “A democracia, já foi dito, é o caminho. Mas para onde?” No primeiro colóquio, ocorrido entre 1951 e 1955, escreve artigos e recebe críticas, então acreditando que o socialismo ainda podia assumir forma democrática no exercício do poder oriundo da Revolução de 1917. Já o diálogo ocorrido entre 1975 e 1976 teve maior repercussão, pois esses eram os anos em que alguns Partidos Comunistas (da Itália, francês e espanhol, principalmente) buscavam alternativas democráticas ao socialismo realmente existente nesse momento. Em dois textos escritos em 1975, chamados “Existe uma doutrina marxista do Estado?” e “Quais as alternativas à democracia representativa?”, ele não só se distanciara da hipótese mais antiga quanto à evolução democrática do socialismo, como questionava sobre a possibilidade de o próprio marxismo ter uma teoria das instituições democráticas.

Nesse segundo colóquio, Bobbio já não nutria expectativa em relação ao socialismo real, como indaga os marxistas sobre quais eram as alternativas ao modo democrático de governar. Haviam passado vinte anos, e a interpelação de Bobbio seguia sem resposta convincente. Já se refletira muito sobre os insucessos das tentativas de democratização dos países socialistas europeus nos anos 1950 e 1960, e em 1976 se começava a ver o fracasso do regime soviético. Somente mais tarde, Gorbatchev iria equacionar o esgotamento do socialismo na própria URSS com a glasnost e a perestróica, que igualmente não teriam sucesso.

Vista agora, a 78 anos da sua fundação, a esquerda histórica brasileira mostra uma longa evolução, passando, no tempo contemporâneo, por um processo de conversão de um partido revolucionário em partido da política, nessa medida cada vez mais propenso a valorizar a democracia política. As formulações se sucedem num percurso pouco linear, marcado por avanços e recuos, pois foi bem custoso o caminho dos pecebistas em direção à democracia como via e, é mais difícil dizê-lo, até mesmo como meta última para alcançar os seus próprios objetivos reformadores, como deixaremos sugerido no final destas notas, citando uma das mais expressivas vozes do campo pecebista.

Pode-se observar em duas formulações que se desenvolvem durante décadas e se fazem presentes no sistema de orientação e na prática do PCB (e mesmo em sua cultura política, se assim é possível qualificá-los). Provêm de notáveis militantes: Caio Prado Jr. e Armênio Guedes, um quadro de larga militância e experiência, podendo ser consideradas como elaborações paralelas que, no entanto, perfilam um campo democrático e reformista na esquerda clássica. Como a teorização caiopradiana, que vem de bem longe, mas não teve livre circulação no seu partido, a formulação mais contemporânea e persistente no interior do PCB tampouco chegou a se concluir. Entretanto, esta foi a elaboração que iria comparecer ao debate eurocomunista ocorrido em meados dos anos 1970, época dos equacionamentos mais emblemáticos de Norberto Bobbio em seus debates sobre o socialismo e a democracia, acima referidos.

*Marco Aurélio Nogueira: As pedras no caminho

- O Estado de S.Paulo, 23/3/2019

Até Guedes e Moro se dão ao luxo de contribuir para o besteirol que se esparrama pelo País

A repetição insistente choca e surpreende. Dia sim, outro também, um fato novo comprova a tendência. Uma declaração, um tuíte presidencial, a entrevista de um filho, a fala de algum ministro. Até os mais técnicos, como Guedes e Moro, se dão ao luxo de contribuir para o besteirol que se esparrama pelo País. Não conseguem falar com autonomia, gastam energia em bajulações desnecessárias, que decepcionam e confundem.

Precisamos, por isso, insistir, repisar pedras já desgastadas por passos recorrentes. Temos de fazer esse movimento para ver se compreendemos como é que, num curto espaço de tempo, conseguimos cair tão baixo, a ponto de não sabermos mais o que unifica o País, quem governa e o que virá pela frente.

Tudo mudou demais no Brasil de 2018 para cá, em se tratando de política e governo. A crônica tem sido abundante a esse respeito. O País enveredou por uma trilha da qual não sabe como sair e que a cada dia fica mais obscura. Há novos hábitos sendo cozinhados num caldeirão que é revolvido por uma trupe de pessoas pouco qualificadas, sem generosidade, fanatizadas por uma narrativa que não se imaginava poder sair do submundo intelectual em que vicejava. Vem daí a atitude de pasmo e surpresa que se abateu sobre o campo político laico e progressista, dos liberais democráticos às esquerdas fundamentalistas, passando pela esquerda democrática. Estão todos paralisados, com um grito preso na garganta, sem saber que rumo tomar, como se opor ou resistir à onda direitista e fascistoide que ameaça prolongar-se, misturada com um neoliberalismo impreciso na economia e todo tipo de improvisações.

Tal onda segue a cavalo de um anticomunismo apoplético que se articula com uma declarada, mas não esclarecida “moralização dos costumes”. Estabelece-se uma relação de causalidade entre duas dimensões que nada têm entre si: o “comunismo” seria o causador da decadência moral da sociedade; seu materialismo, seu desejo de poder, seus métodos de trabalho e seu caráter insidioso estariam na base da desagregação da ordem social e da corrupção das famílias, todas elas recatadas e tementes a Deus. Seria o caso, então, de desconstruir os fundamentos do mal para, quem sabe, mais à frente, construir algo novo. É assim que o novo grupo dirigente justifica sua inoperância governativa, sua falta de propostas e suas trapalhadas.

A moralização pretendida quer repor uma ordem que teria sido perdida, recuperar limites que teriam sido ultrapassados, enquadrar a diversidade social num quadro unitário que ressoa a autoritarismo, fazer da educação e da cultura uma extensão passiva das palavras bíblicas, num criacionismo extemporâneo e avesso ao mundo moderno e às próprias tradições nacionais. Quer fechar o País à influência de um “globalismo” não compreendido, visto como ambiente para a reprodução das esquerdas e a desnacionalização do País. Quer criar um povo submisso, que se movimente pouco, não ouse nem atravesse os Rubicões da vida, não se dê ao direito de usufruir as margens de liberdade ampliadas pela modernidade, não conteste hierarquias e autoridades, especialmente as emanadas dos super-heróis da nova era.

Tudo isso é absurdamente sem sentido, faz soar os tambores da irrazão.

Não é acidental que a bajulação se tenha convertido em estilo de atuação. Há “libertadores” que precisam ser incensados, Trump acima de todos, líderes que conduzirão a humanidade de volta ao leito da nação e varrerão os “subversivos”, os ímpios, da face da Terra. A recente viagem presidencial a Washington mostrou quão longe pode chegar tamanha disposição à subserviência.

Demétrio Magnoli: A conspiração e a ultradireita do governo

- O Globo

A teoria conspiratória eleva qualquer um à condição de sábio

Diante de uma lápide, no antigo cemitério judeu de Praga, à sombra da noite, reúnem-se 12 rabinos, representantes das tribos de Israel. O mais venerável toma a palavra. No seu discurso, proclama que “18 séculos pertenceram a nossos inimigos”, mas “o século atual e os futuros pertencerão a nós”. Em seguida, explica que a luta pela hegemonia mundial se desenrolará nos planos político, econômico e religioso, por meio da tomada de controle das finanças, do poder de Estado, dos meios de comunicação e das instituições educacionais.

A estrutura narrativa da conspiração encontra seu paradigma no mito da conspiração judaica, que emerge em romances baratos, artigos fantasiosos de jornal e uma célebre falsificação da polícia czarista russa, na passagem do século 19 para o século 20. O historiador Raoul Girardet segue a trilha desses textos no ensaio “A conspiração”, que faz parte do livro “ Mitos e mitologias políticas ” , publicado em 1986. É um guia inesperado para compreender o que se passa, hoje, no governo Bolsonaro.

A facção ultradireitista do governo, formada por seguidores de Olavo de Carvalho, nutre-se da ideia da conspiração. No lugar dos judeus, o Bruxo da Virgínia coloca os “liberais globalistas” e os “comunistas”, ligados por um pacto de dominação global que almeja destruir as “nações de sangue”. Se a constrangedora visita presidencial aos EUA nos ensina algo, a lição é que a paranoia conspiratória sedimentou-se como convicção fundamental do próprio presidente.

O Bruxo da Virgínia não inventou a versão contemporânea da conspiração mundial. De fato, ele apenas reproduz a tábua da fé da alt-right, a direita nacionalista americana, que tenta organizar um movimento nacionalista internacional. A crença difunde-se entre os fiéis pelo labirinto das redes sociais, em fragmentos de informação descontextualizada, boatos ferozes e acalorados rumores. Uma concha protetora providenciada pela aversão à imprensa profissional isola a seita da torrente de notícias que descortinam a complexidade do mundo.

Fernando Gabeira: O momento da Lava-Jato

- O Globo

É possível que avance no governo a tese de que a operação reduz as chances de aprovação da reforma da Previdência

Aqui no alto da Serra de Ibitipoca, uma bela região de Minas, chove e faz frio. Na minha cabeça, tentava organizar um artigo sobre uma possível intervenção militar na Venezuela. Rememorava a Guerra do Iraque e os grandes debates da época. Achava uma visão idealista tentar impor, numa sociedade singular, a democracia liberal à ponta do fuzil.

Continuo achando. Lembro-me de que, num debate em Paraty, o escritor Christopher Hitchens ficou bravo com meus argumentos. Nada grave. Semanas depois, escreveu um artigo simpático sobre aquela noite. Hitchens, ao lado de outros intelectuais como Richard Dawkins, dedicava-se muito ao combate da religião. Mas não percebeu como suas ideias sobre a invasão do Iraque, como observou John Gray, tinham uma ponta de religiosidade.

Esse era meu plano. No alto do morro, o único lugar onde isso era possível, o telefone deu sinal da mensagem: Temer foi preso. Moreira Franco também. A possibilidade da prisão de Temer sempre esteve no ar. Na última entrevista, lembrei a ele que ia experimentar a vida na planície.

Aqui neste pedaço da Mata Atlântica, não é o melhor lugar para se informar em detalhes. No meio da semana, tinha escrito um artigo sobre a derrota da Lava-Jato no STF, que deslocou o caixa 2 e crimes conexos para a Justiça Eleitoral.

Lembrava que o grupo de ministros que se opõem à Lava-Jato aproveitou um momento de desequilíbrio. Foi o escorregão dos procuradores ao tentar destinar R$ 2,3 bilhões, oriundos do escândalo da Petrobras, para uma fundação. Eles recuaram para uma alternativa mais democrática, um uso do dinheiro através de avaliação mais ampla das necessidades do país.

Cacá Diegues: Uma outra ética com a internet

- O Globo

Não se trata apenas de uma novidade tecnológica que aprendemos a manejar. Ela é um novo jeito de agir no mundo

Por que nos assustamos tanto com o mundo de hoje, ruindo à nossa volta? Por que achamos que ele está ruindo? Ou não é com o mundo propriamente dito que nos assustamos, mas com um pedaço dele? O pedaço que chamamos de humanidade e a civilização que ela criou, ao longo do tempo, da qual tanto nos orgulhamos sempre. O que está ruindo é a humanidade e sua civilização?

A gente acorda todo dia com essas dúvidas. Ou, pelo menos, eu acordo todo dia com a angústia que elas promovem na minha mente. Ou no meu coração, sei lá. A dor não diz de onde vem, ela apenas se instala. E pronto.

Depois da Segunda Guerra Mundial, todo o mundo achou que os problemas mais graves da humanidade tinham se acabado, íamos ser felizes para sempre, em paz. No Brasil, esse tempo coincidiu com uma das taxas de crescimento mais altas do Ocidente. O que nossos eternos pessimistas profissionais nunca nos deixaram comemorar. Mesmo a Guerra Fria não esfriou a nossa esperança de ver o mundo mais justo e ajustado.

Tínhamos certeza de que a razão estava do nosso lado. Íamos ser um grande país, com um povo realizado, sorridente e feliz, cintura fina do drible e do samba. Qualquer um, de direta ou de esquerda, liberal ou conservador, qualquer um que se dedicasse a fazer esse tipo de previsão tinha que chegar a essa conclusão. Para nós, não importavam as certezas do iluminismo racionalista ou o delírio de nossos políticos barrocos. Só rindo, porque dava tudo na mesma. O Brasil era esperto e jeitoso, resolvia todas essas paradas e seria um paraíso em festa, com qualquer nome de regime que fosse.

*Marcus André Melo: Por que falham os controles?

- Folha de S. Paulo

Colapso do controle parlamentar leva à hipertrofia do Judiciário

Assistimos recentemente ao colapso espetacular do controle parlamentar no país. Senão vejamos.

O PSDB passou 63 horas em fila na Assembleia Legislativa de São Paulo para evitar uma CPI sobre Paulo Preto. Como apenas cinco comissões desse tipo podem funcionar simultaneamente, a apresentação de múltiplos requerimentos para a instalação destas é tática recorrente de obstrução.

Em 2014, o relator da CPMI da Petrobras, Marcos Maia, não indiciou ninguém em seu relatório final, mesmo tratando-se de um dos maiores casos de corrupção da história. E mais: vários depoentes receberam o gabarito das respostas, preparado pela Secretaria de Relações Institucionais do governo, às questões que parlamentares aliados lhes fariam.

Mais importante, a lápide: Temer sobreviveu a duas denúncias da PGR na Câmara.

Sob o presidencialismo de coalizão, em seu modo normal de operação, o presidente conta com uma maioria estável que lhe garante certa imunidade quanto a desmandos, ao mesmo tempo que assegura a aprovação de sua agenda.

Quando o Executivo está enfraquecido, com baixíssima popularidade, devido a escândalos (de corrupção ou outros crimes) ou à crise econômica aguda, ele pode perder o controle da maioria.
Não se trata aqui de nenhuma jabuticaba: a literatura de ciência política já demonstrou que sob o parlamentarismo —em que o gabinete é uma espécie de comitê executivo do Parlamento— ocorre a fusão dos Poderes Executivo e Legislativo, o que debilita os incentivos para o controle parlamentar do Executivo.

*Celso Rocha de Barros: A Lava Jato vai se deixar usar por Bolsonaro?

- Folha de S. Paulo

O sonho bolsonarista é uma sequência de crises que enfraqueçam as instituições

A força-tarefa da Lava Jato sempre fez política. No começo, o adversário era o PT, onde há mesmo muita gente que gostaria de ter parado a operação. Depois do impeachment, a Lava Jato perdeu a briga para o acordão de Temer e sofreu derrotas sucessivas. Ao menos alguns de seus membros parecem ter visto em Bolsonaro a possibilidade de virar de novo o placar.

Se foi isso, vão ter que seguir na briga sem o apoio dos democratas brasileiros.

Dez dias atrás, o STF resolveu que processos envolvendo caixa dois seriam julgados pela Justiça Eleitoral. A turma da Lava Jato protestou, porque a Justiça Eleitoral não tem estrutura para dar conta desses casos.

Não sou advogado, não sei se a decisão do STF tem amparo legal, mas os efeitos práticos parecem mesmo ser os que os procuradores da Lava Jato alegam. Achei a decisão do STF ruim, portanto.

Bom, poucos dias depois houve uma passeata contra a decisão. Nem pensei em comparecer, e torci para que o ato fosse o fracasso que foi. Por quê?

Durante a sessão do STF, os bolsonaristas, como sempre fazem, surfaram a onda de indignação popular para transformá-la em ataque à democracia. Subiram a hashtag #Umsoldadoeumcabo, referência ao discurso de Eduardo Bolsonaro defendendo o fechamento do Supremo.

Agora me digam, membros da força-tarefa; me diga, Moro: eu devo ir a passeatas com esses caras?

Em seu já clássico artigo sobre a operação Mãos Limpas, Sergio Moro enfatizou o papel importantíssimo da imprensa no combate à corrupção. E a Lava Jato não teria sido nada sem apoio da mídia.

Mas qual mídia deve apoiá-los agora, procuradores?; qual mídia, Moro?

A Folha, contra quem Bolsonaro declarou guerra no dia seguinte à vitória? A Globo, a quem Bolsonaro se refere como "o inimigo"? O Estadão, cujos jornalistas são perseguidos pela bolsosfera da maneira mais imunda possível? Nem o site O Antagonista, que apoiou Bolsonaro com entusiasmo, escapou da ira dos cruzados de videogame.

Leandro Colon: Cadê a nova política?

- Folha de S. Paulo

Não há mágica que altere um modelo lógico de trabalhar com o Congresso

Essa tal nova política de Jair Bolsonaro tem se revelado um desastre em quase cem dias de governo. Usando-a como escudo, o presidente tenta fugir da culpa que terá pelo eventual fracasso na aprovação da reforma da Previdência.

“A bola está com ele [Rodrigo Maia], já fiz a minha parte, entreguei, o compromisso dele é despachar e o projeto andar dentro da Câmara”, disse Bolsonaro, durante viagem ao Chile. “A responsabilidade no momento está com o Parlamento brasileiro”, reforçou, em resposta às críticas do presidente da Câmara.

Se a mudança previdenciária fracassar, não haverá nenhum outro culpado que não seja o governo de Bolsonaro, por mais que o presidente da República tergiverse para fazer colar a versão de que já fez sua parte ao enviar a proposta ao Congresso.

A poucos dias de completar três meses de mandato, o capitão reformado não conseguiu formar uma base aliada. Não há nova política (seja lá o que signifique) que faça projetos de interesse governista seguir adiante sem um bloco de apoio. Não há, por exemplo, crime algum na prática de discutir cargos com os partidos, desde que não haja negociação espúria por trás das cortinas.

Vinicius Mota: Impasse com Bolsonaro atiça debate parlamentarista

- Folha de S. Paulo

Política brasileira convive com semente adormecida do sistema desde que foi extinto, em 1889

O Brasil, por um dos acidentes chamados de história, governou-se pelo parlamentarismo de 1824 a 1889. O mecanismo logo reduziu, na lei de 1827 que deu aos legisladores o poder de processar os ministros de Estado, o escopo para o absolutismo do imperador.

Não foi menos acidental a forma como se instalou a República ao final desse ciclo. Em setembro de 1888, o marechal Deodoro advertia um sobrinho: “Não te metas em questões republicanas, porquanto República no Brasil é desgraça completa”.

Há quem tenha dito que, em 15 de novembro do ano seguinte, entrou a gritar “Viva o imperador!” no quartel em que anunciaria a deposição do gabinete Ouro Preto. O próprio visconde defenestrado deu azo a versão semelhante em suas memórias.

Embora a sobrevivência da monarquia além do segundo Pedro fosse hipótese improvável até para o statu quo da época, a transição rumo à república parlamentarista parecia a alguns uma evolução possível, e até mais natural, do processo político.

Bruno Carazza: Acabou a lua de mel

- Valor Econômico

Mercado superestimou Bolsonaro e sua nova política?

A ideia de que presidentes gozam de um período de lua de mel no início do mandato deve-se sobretudo a Franklin Delano Roosevelt. Eleito em meio à Grande Depressão, FDR imediatamente inundou o Congresso americano com dezenas de projetos de lei para incentivar o emprego e recolocar a economia nos trilhos. Contando com maioria na Câmara e no Senado, em 100 dias Roosevelt aprovou a maioria das propostas. Nascia ali a crença de que existe um período de boa vontade do Congresso, da imprensa e do mercado nos primeiros meses do governo - e o imperativo de que ele não deve ser desperdiçado.

Ainda inebriado pela visita a Trump, Bolsonaro viveu sua pior semana. A divulgação da pesquisa Ibope captando queda de popularidade, a péssima recepção da nova previdência dos militares e o atrito com Rodrigo Maia seriam o sinal de que a lua de mel acabou antes da hora?

Os últimos presidentes brasileiros investiram de forma diferente o capital político recebido das urnas nos primeiros 3 meses de governo.

Fernando Henrique Cardoso foi pródigo em reformas, enviando ao Congresso 9 propostas de emenda à Constituição e 21 projetos de lei complementar e ordinária, além de ter editado 41 medidas provisórias e 62 decretos. Com boa base parlamentar e bem articulado com os presidentes da Câmara e do Senado, conseguiu aprovar rapidamente a desregulamentação dos setores de petróleo, gás, navegação de cabotagem e mineração. Mas nem tudo foram flores. Sua proposta de reforma da Previdência só foi aprovada no final do primeiro mandato, e ainda assim numa versão bem aquém do desejado. Fica o alerta para os mais otimistas.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros: ALR e o silêncio do mercado

- Valor Econômico

Economistas ortodoxos penam para explicar como algumas de suas âncoras teóricas não funcionam mais

O mercado financeiro recebeu com um silêncio ensurdecedor o novo e profundo artigo sobre a economia contemporânea escrito por André Lara Resende1. Agora um economista maduro, com sucesso profissional inquestionável, o Lara dos heróis heterodoxos do Plano Real volta a questionar a sabedoria dominante sobre questões fundamentais da teoria econômica de hoje. E mostra uma coragem intelectual que apenas poucos conhecem ao se arriscar a ser confundido com Guido Mantega e sua Nova Matriz Macroeconômica.

Diferentemente de seu companheiro na descoberta da moeda indexada dos anos finais da ditadura militar, André não perdeu sua capacidade de questionar o senso comum dos economistas que se autotitulam ortodoxos diante das alterações institucionais e operacionais de uma economia de mercado em constante mutação.

Quando questionou a teoria monetária dominante como instrumento eficiente para se combater a inflação como a que ocorria no Brasil de então, as teorias de Milton Friedman já estavam sendo enterradas pelas inovações financeiras que ocorriam nas economias mais avançadas. Mesmo assim a reação dos ortodoxos foi de um incontido desprezo intelectual. Com o fracasso do chamado Plano Cruzado - a primeira versão do Plano Real - o desprezo foi substituído pela chacota que os conservadores sempre reservam aos fracassos dos que ousam desafiar o senso comum. Mas na radicalização do conceito da moeda indexada que ocorreu com a introdução da URV, a dupla Larida alcança o sucesso definitivo de suas ideias revolucionárias para a época.

Cida Damasco: Previdência no escuro

- O Estado de S. Paulo

Obstáculos não surgiram agora, mas podem aumentar com crise entre poderes

O ex-presidente Michel Temer na cadeia, o conflito entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e Bolsonaro cada vez mais escancarado, o embate entre a Lava Jato e o STF idem e o Congresso sob forte tensão. No meio disso tudo, a reforma da Previdência às vésperas de iniciar a tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, e a proposta específica para os militares enfrentando fogo cerrado. É preciso mais?

Esta semana e muitas outras pela frente prometem grandes emoções. Está cada vez mais difícil ter uma luz dos rumos do governo Bolsonaro e, por tabela, do seu programa econômico, concentrado na reforma da Previdência. Quem fazia apostas sobre o número de votos que a reforma já teria assegurado no Congresso, pode ir se recolhendo. Pelo menos até segunda ordem, é recomendável manter cautela em relação ao impacto dos últimos eventos nas negociações entre Executivo e Legislativo – que vai bem além da resposta das bancadas à “volta” da Lava Jato.

Ricardo Noblat: Quanto pior, melhor para o capitão

- Blog do Noblat / Veja

Ameaça à democracia

Ao Congresso, uma vez que queira se comportar com responsabilidade, cabe pôr suas impressões digitais na reforma da Previdência e aprová-la em tempo razoável. Porque para o presidente Jair Bolsonaro, tanto faz como tanto fez.

Bolsonaro votou contra todas as propostas de reforma da Previdência nos seus sete mandatos de deputado. Para isso até alinhou-se com o PT. Terceirizou a área econômica de um eventual governo só para obter o apoio do mercado.

Uma vez que se elegeu, pouco se lhe dá se a reforma for aprovada ou não. Cumpriu o ritual de ir ao Congresso apresentá-la. Vez por outra repete que sem ela o país quebrará. Mas ao mesmo tempo a torpedeia sempre que pode.

Se ela passar, Bolsonaro dirá que se deveu ao seu empenho e ao do ministro Paulo Guedes. Do contrário, culpará o Congresso pelo que possa acontecer ao país mais tarde. Jamais confessará que aposta no pior. É nisso, de fato, no que aposta.

Os que analisam o governo Bolsonaro cedem à tentação de normalizá-lo, de o observarem como a maioria dos governos que o país já teve – particularidades à parte. Mas ele não é e não quer ser um governo como qualquer outro.

Embora tenha ficado quase 30 anos na Câmara, Bolsonaro nada aprendeu ali, nada quis aprender, e por isso jamais se destacou entre seus pares – salvo como um tosco parlamentar, estridente e monotemático, em defesa das piores causas.

Ele foi a primeira pessoa a surpreender-se com a descoberta de suas chances de se eleger presidente – a segunda foi sua mulher. Isso ocorreu depois da facada em Juiz de Fora. À falta de equipe e de um plano de voo, montou o pior governo das últimas décadas.

Sem compromisso com coisa alguma, apreciador de ralas e confusas ideias, todos os seus passos até aqui têm sido na direção do enfraquecimento da democracia. Direto ao ponto: Bolsonaro sonha com o estabelecimento de um regime autoritário sob seu comando.

Daí seu desprezo pelos partidos, seu pouco caso com a Justiça cada vez mais acossada por seus devotos nas redes sociais, e seu ódio à imprensa independente. Se não houver a ruptura institucional tão desejada por ele, seguirá em frente aos trancos e barrancos.

Se sua situação no cargo tornar-se insustentável, será capaz de jogar tudo para o alto e ir gozar a vida confortável de ex-presidente. Era seu plano original: ajudar os filhos a se reelegerem e desfrutar da companhia de dona Michele e da filha mais nova. Aí deu no que deu.

A resistência de Rodrigo Maia

Bolsonaro, o fabricante de crises

Bolsonaro estimula celebração do golpe militar de 1964; generais pedem prudência

Presidente orienta Forças Armadas a comemorar aniversário do golpe militar de 31 de março

Tânia Monteiro / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro orientou os quartéis a comemorarem a “data histórica” do aniversário do dia 31 de março de 1964, quando um golpe militar derrubou o governo João Goulart e iniciou um regime ditatorial que durou 21 anos.

Generais da reserva que integram o primeiro escalão do Executivo, porém, pedem cautela no tom para evitar ruídos desnecessários diante do clima político acirrado e dos riscos de polêmicas em meio aos debates da reforma da Previdência.

Em um governo que reúne o maior número de militares na Esplanada dos Ministérios desde o período da ditadura (1964-1985) – o que já gerou insatisfação de parlamentares –, a comemoração da data deixou de ser uma agenda “proibida”. Ainda que sem um decreto ou portaria para formalizá-la, a efeméride volta ao calendário de comemorações das Forças Armadas após oito anos. Veja onde estão os oficiais das Forças Armadas no governo no "mapa dos militares".

Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff, ex-militante torturada no regime ditatorial, orientou aos comandantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha a suspensão de qualquer atividade para lembrar a data nas unidades militares.

O Planalto pretende unificar as ordens do dia, textos preparados e lidos separadamente pelos comandantes militares. Pelos primeiros esboços que estão sendo feitos pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, o texto único ressaltará as “lições aprendidas” no período, mas sem qualquer autocrítica aos militares. O período ficou marcado pela morte e tortura de dezenas de militantes políticos que se opuseram ao regime.

O texto também deve destacar o papel das Forças Armadas no contexto atual. De volta ao protagonismo no País, militares são os principais pilares de sustentação do governo Bolsonaro. Por isso, generais da reserva disseram à reportagem que no entendimento da cúpula das Forças Armadas e do próprio presidente, a mensagem precisa ser “suave”. Eles afirmam que não querem nenhum gesto que gere tumulto porque não é hora de fazer alarde e/ou levantar a poeira. O momento, dizem, é de acalmar e focar em reverter os problemas econômicos, como reduzir o número de desempregados.

Maltratar quem preside a Câmara é caminho para o desastre, diz FHC

Por Cristiane Agostine | Valor Econômico

SÃO PAULO - Em meio à crise entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou neste domingo que presidente pode cair se não entender a força do Congresso. Segundo Fernando Henrique, tratar mal o presidente da Câmara é o “caminho para o desastre”.

“Paradoxo brasileiro: os partidos são fracos, o Congresso é forte. Presidente que não entende isso não governa e pode cair; maltratar quem preside a Câmara é caminho para o desastre”, afirmou o ex-presidente tucano, que governou o país por dois mandatos. “Precisamos de bom senso, reformas, emprego e decência. Presidente do país deve moderar, não atiçar.”

Ao bater boca com Maia, Bolsonaro tem reforçado a crise com o presidente da Câmara nos últimos dias, apesar de o deputado ser o fiador e principal articulador da reforma da Previdência no Congresso.

Na semana passada, Maia ameaçou deixar a articulação pela aprovação da reforma da Previdência depois de uma série de ataques e provocações de aliados de Bolsonaro contra ele — incluindo o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente — nas redes sociais.

‘O Presidente precisa descer do palanque’, diz Marcos Pereira

Após críticas de Rodrigo Maia, vice-presidente da Câmara compara relação entre governo e Congresso à da gestão Dilma

Entrevista com Marcos Pereira (PRB), vice-presidente da Câmara

Renata Agostini e Naira Trindade, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Após as críticas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (PRB-SP), diz que Jair Bolsonaro precisa “descer do palanque” e se colocar no papel de presidente. À frente do PRB e com forte ascendência sobre a bancada, que tem 31 deputados, ele reclama da falta de atenção do governo com os parlamentares, que não estão sendo recebidos nos ministérios.

“O novo Brasil tem de começar de onde o Brasil estava dando certo, não do zero. Eles parecem que querem começar o Brasil do zero.”

Ex-ministro de Indústria de Michel Temer, Pereira, que é advogado de formação e bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, avalia que o mal-estar no Congresso hoje é generalizado e que as reclamações lembram o governo Dilma. “É muito parecido. Política é diálogo, é atenção, são gestos. Não tenho visto gestos, atenção nem diálogo”.

Incomoda o discurso do governo contra a política tradicional?

Evidentemente. O presidente não pode dizer que não é político estando há 28 anos na política. Ele se elegeu sem partido, porque o PSL praticamente não existia, e acha que não precisará dos partidos agora. Mas são os partidos que têm como dialogar e conversar com os parlamentares. Quando há fechamento de questão, o deputado tem de seguir a orientação sob pena de responder ao estatuto do partido. As frentes temáticas não têm como fechar questão. Quero deixar claro que não estou falando de troca-troca ou de “toma lá, dá cá”. Estou falando de diálogo. É isso que incomoda.

Respondendo a Rodrigo Maia, o presidente Jair Bolsonaro disse que seu trabalho na reforma da Previdência já estava feito.

O presidente parece não querer aprová-la. Como deputado, sempre votou contra todas as propostas de reforma. Como candidato, a criticou. Agora, como presidente, joga a responsabilidade no Parlamento. O Rodrigo está sendo muito proativo. O problema é que o governo não se ajuda. Ele constrói e o governo, do outro lado da rua, desconstrói. Nós não podemos negar a política. Ao negar, corremos o risco de voltarmos ao momento que o Brasil já teve e que não é bom: momentos autoritários.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a falar que só faltavam 48 votos para aprovar a reforma da Previdência.

Hoje o governo não tem 50 votos. Nem o PSL vota 100%. Talvez o governo tenha sido amador por falta de experiência. O governo foi eleito em outubro. Teve todo o período de transição para dialogar e formar uma base mínima. Já era para o Congresso tomar posse com os líderes indicados. Essa morosidade… Esse timing é importante: de escolher as pessoas certas e empoderá-las.

Câmara quer testar 'parlamentarismo à brasileira'

Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro | Valor Econômico

BRASÍLIA - A crise política acentuou tratativas para instituir na Câmara dos Deputados um "parlamentarismo à brasileira". A tese é de que como o governo não tem coordenação, base aliada no Congresso nem uma agenda própria fora a reforma da Previdência, caberá ao Legislativo propor a pauta de votações que julgar importante para o país e formular políticas públicas até que o governo consiga votos suficientes para as mudanças nas aposentadorias.

Apesar do discurso de independência entre os Poderes, a praxe é o Executivo controlar a pauta do Congresso com projetos de lei e medidas provisórias (MPs), mas aliados do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), veem o presidente Jair Bolsonaro como incapaz de liderar esse processo. No parlamentarismo, a maioria no Legislativo indica o primeiro-ministro e monta o governo. Na versão "à brasileira", o Legislativo lideraria o debate sobre as políticas públicas.

As conversas ainda não envolvem a votação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para mudar o sistema político do país agora, segundo parlamentares e assessores ouvidos pelo Valor. Essa seria uma segunda etapa, já que há resistências no Congresso, no Judiciário e na sociedade, além de enfrentar a oposição do Executivo, que não quer perder poder. Por enquanto, seria um teste de o Congresso andar sozinho e propor as ações para melhorar o ambiente do país e vetar "exageros" do governo.

Governo aposta em 'pressão popular' para avançar projetos

Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto | Valor Econômico

BRASÍLIA -O governo tem uma fórmula do que não fazer na relação com o Congresso Nacional, repetida inúmeras vezes pelo presidente Jair Bolsonaro ao anunciar que não fará o presidencialismo de coalizão. No entanto, ainda não sabe como fazer para construir uma base no Congresso, segundo avaliação feita até mesmo por parlamentares aliados. Assessores mais próximos têm apontado o caminho agora: a pressão popular. É improvável, porém, imaginar protestos em frente ao Legislativo pedindo a aprovação da reforma da Previdência - o usual é manifestações para pressionar contra as mudanças nas aposentadorias.

Bolsonaro começou dizendo no governo de transição que negociaria com as bancadas temáticas (agronegócio, evangélica, segurança pública e saúde, por exemplo) e indicou os ministros seguindo essa estratégia, com nomes referendados por frentes suprapartidárias. Mesmo os coordenadores desses grupos eram reticentes a este modelo e o presidente acabou nem tentando votar seus projetos dessa forma - nunca organizou, por exemplo, uma reunião com os ruralistas pedindo o apoio a determinado projeto em votação.

Antes mesmo do início da legislatura, o líder do governo indicado por ele - o deputado major Vítor Hugo (PSL-GO), um parlamentar de primeiro mandato que era consultor legislativo da Câmara até janeiro - disse que a articulação política mudaria de foco e a negociação seria com os partidos. Bolsonaro só se reuniu uma vez com os líderes, às vésperas de mandar a reforma da Previdência ao Congresso. Ontem, em meio à crise com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente reuniu-se com major Vitor Hugo para tratar da Previdência.

Bolsonaro recebeu poucos presidentes de partidos e, segundo dois deles, nunca os convidou para participar da base aliada. E, se não há convite, não há apoio automático, disseram. O governo tampouco tem realizado encontro com partidos antes das votações, prática que era semanal nos governos do PT e MDB. A maioria dos projetos tem andado por acordos fechados na legislatura passada entre as siglas.

O governo terá que começar a mostrar trabalho em breve, quando chegarem ao plenário os primeiros projetos de Bolsonaro: sete medidas provisórias editadas desde janeiro para reestruturação dos ministérios, combate a fraudes no INSS e restrições à contribuição sindical. Nenhuma delas sequer tem comissão instalada para começar a ser discutida.

Assessores do governo defendem usar a "pressão popular" sobre o Congresso porque não seria possível que, no diálogo, os que se "beneficiaram do sistema patrimonialista" e de "esquemas da corrupção e do crime organizado" vão aprovar reformas e o pacote anti-crime".

"A única forma de ativar a lógica da sobrevivência política é por meio da pressão popular, da mesma força que converteu a campanha eleitoral do presidente Bolsonaro em um movimento cívico e tornou possível sua vitória", escreveu o assessor especial da presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins. "Já que os deputados acham que seus pedidos não estão sendo atendidos e não se mostram dispostos a apoiar a Nova Previdência, que a sociedade se articule para cobrar de seus representantes as razões que justificam eles sacrificarem o país e fazerem o povo pagar a conta", disse o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra.

Decreto do governo cortará apenas 159 cargos

Medida que supostamente extinguiria 21 mil cargos da União vai se restringir a eliminar adicionais que servidores recebem por funções exercidas além daquelas para as quais foram aprovados em concurso. Economia será de R$ 195 milhões por ano, valor considerado baixo por especialistas.

Limites na tesoura: Governo cortará 159 cargos, e não os 21 mil prometidos

Manoel Ventura e Daniel Gullino / O Globo

BRASÍLIA - O corte de 21 mil cargos, funções e gratificações anunciado em 13 de março pelo presidente Jair Bolsonaro não terá como consequência a exoneração de funcionários e trará uma economia aos cofres públicos de apenas R$ 195 milhões por ano, considerada baixa por especialistas. O detalhamento do decreto foi obtido por O GLOBO com o Ministério da Economia.

A medida está entre as 35 metas dos primeiros cem dias de governo apresentadas em janeiro pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Embora tenha falado da importância de enxugar a máquina pública, o governo cortará apenas 159 cargos. O resto estará focado em funções (17.349) e gratificações (3.492).

Esses adicionais são pagos a servidores efetivos do governo federal por desempenharem algum papel além do qual ele foi aprovado em concurso público. É, por exemplo, um cargo de coordenação de curso em uma universidade federal.

Atualmente, a União tem 131 mil cargos, funções e gratificações. Em média, cada uma delas custava R$ 570,79 para o governo federal. Por isso, o resultado final da medida tem efeito reduzido. Para efeito de comparação, só em janeiro, o governo gastou R$ 8,6 bilhões com pessoal civil ativo do Poder Executivo.

Além disso, vários cargos, funções e gratificações que o governo anunciou ter cortado imediatamente no início do ano não estavam sequer ocupados. Do total de 21 mil, 6.587 (ou 31,4%) já estavam vagos quando o decreto foi assinado por Jair Bolsonaro.

EDUCAÇÃO NO TOPO
Os cortes serão escalonados durante o ano. A partir de 30 de abril, a meta do governo é de extinguir mais 2.001. Outros 12.412 serão encerrados depois de 31 de julho.

Para Nelson Marconi, professor da FGV-SP, não houve uma economia efetiva, mas sim um corte de eventuais gastos, que poderiam ou não existir.

O Estado de Direito agredido: Editorial / O Estado de S.Paulo. 23 / 03 / 2019

A possibilidade de que um juiz determine a prisão de uma pessoa simplesmente porque esse é seu desejo agride frontalmente o Estado Democrático de Direito. Em tese, esse risco não deveria existir no País, tendo em vista as garantias e liberdades asseguradas pela Constituição. No entanto, tal perigo não apenas existe, como vem se tornando assustadoramente frequente nos últimos anos. Magistrados têm decretado prisão preventiva sem que os requisitos legais estejam preenchidos, numa evidente configuração de abuso de poder. A lei processual é ignorada. Os fatos pouco importam. O que prevalece é o arbítrio do juiz.

Na quinta-feira passada, houve mais um caso de abuso da prisão preventiva. O ex-presidente Michel Temer, o ex-ministro Moreira Franco e outros investigados por suposta formação de cartel e pagamento de propina a executivos da Eletronuclear foram presos por ordem do juiz Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que não apontou nenhum elemento atual que justificasse a prisão preventiva. Ao longo de 46 páginas, fica evidente que o fundamento da medida é simplesmente a vontade do juiz de mandar prender.

A harmonia entre os Poderes: Editorial / O Estado de S. Paulo

Para voltar aos trilhos do desenvolvimento econômico e social, o País tem claras e imediatas necessidades. É preciso realizar reformas estruturantes, a começar pela reforma da Previdência. É preciso restabelecer um ambiente de normalidade e estabilidade jurídico-institucional. Há ainda um longo caminho no combate à criminalidade e à impunidade, mas nem tudo é corrupção ou podridão, e tratar o cenário nacional como terra devastada, além de injusto, significa pôr a perder muitas coisas boas construídas ao longo do tempo. É preciso também amenizar a polarização político-ideológica. Compreensível numa campanha eleitoral, o clima de conflito, se estendido ao longo do tempo, esgarça as relações sociais e gera danos em todas as esferas da vida nacional.

Se as atuais necessidades do País são evidentes, está claro também que os Três Poderes têm sido incapazes – ao menos, até o momento – de atender a contento a essas demandas. Na semana passada, houve um almoço em Brasília que reuniu a cúpula dos Três Poderes a respeito dos possíveis caminhos para, diminuindo as tensões entre Executivo, Judiciário e Legislativo, torná-los mais funcionais. É preciso, por exemplo, trabalhar coordenadamente para que a reforma da Previdência, prioridade nacional, seja de fato aprovada pelo Congresso.

“Há um intuito de todos de construir uma nova agenda e de aprovar a reforma da Previdência. Este encontro é um sinal importante, estamos construindo um pacto para governar o Brasil”, afirmou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, anfitrião do almoço.

Em suspenso: Editorial / Folha de S. Paulo

Bloqueio no Orçamento federal diz bastante sobre o estado geral da economia

A frustração do crescimento econômico se tornou também evidente nas finanças públicas. O Ministério da Economia anunciou que, por precaução, vai suspender gastos de quase R$ 30 bilhões neste ano, até segunda ordem, a depender de melhoras no cenário.

Conforme o jargão brasiliense, o governo recorreu ao contingenciamento, tradicional expediente de início de ano destinado a corrigir excessos de otimismo na elaboração do Orçamento e evitar o descumprimento de metas.

Dado que a maior parte das despesas tem caráter obrigatório, caso do pagamento de salários, aposentadorias e benefícios assistenciais, a contenção provisória deve recair, como é também de costume, sobre a conta de investimentos.

Esses desembolsos, em obras e equipamentos, estão à míngua desde 2015. No último ano, mal passaram de R$ 50 bilhões, o equivalente a apenas 4% do gasto federal não financeiro —entre 2008 e 2015, essa proporção foi em média de 6,5%.

A reforma da Previdência precisa de transparência: Editorial / Valor Econômico

A divulgação da proposta de aposentadoria dos militares na semana passada, que veio junto com uma reestruturação das carreiras das Forças Armadas, adicionou o ingrediente que faltava para que a discussão sobre a reforma da Previdência atingisse o ponto de ebulição. O assunto já mobiliza corações e mentes.

Não se pode desconhecer que há distorções graves na remuneração dos militares que precisam ser corrigidas. Hoje, um general recebe menos que um servidor civil em início de algumas das carreiras. É indispensável ainda que se reconheça as peculiaridades das atividades militares, como disponibilidade permanente e dedicação exclusiva.

Mas é preciso questionar se o momento de corrigir todas as distorções existentes é este, justamente quando o governo está exigindo um sacrifício bastante duro dos trabalhadores da iniciativa privada e dos servidores públicos civis.

Pelo que foi divulgado, a economia que será obtida em dez anos com a reforma das aposentadorias dos militares, estimada em R$ 97,3 bilhões, será quase toda consumida pela reestruturação das carreiras das Forças Armadas, cujo gasto foi previsto em R$ 86,85 bilhões. Em termos líquidos, a economia será, portanto, de apenas R$ 10,45 bilhões. Este será o ganho fiscal com a proposta.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, estabeleceu como meta para a reforma do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Regime Próprio de Previdência dos Servidores da União (RPPS) um ganho fiscal de mais de R$ 1 trilhão. Comparando-se os valores, a contribuição dos militares para o ajuste das contas da União será, portanto, pequena, para não dizer irrelevante.

O retrocesso no combate ao sarampo: Editorial / O Globo

Com circulação do vírus, Brasil perde certificado de erradicação da doença dado pela Opas em 2016
A decisão já era esperada, mas, nem por isso, a notícia de que o Brasil perderá o certificado de erradicação do sarampo, conferido pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), em 2016, se torna menos desastrosa. É consequência natural da confirmação, em 23 de fevereiro deste ano, de mais um caso da doença no Pará, significando que o vírus já circula há 12 meses no país —a primeira notificação acontecera em 19 de fevereiro de 2018. Motivo suficiente para que o atestado de área livre do sarampo seja revogado pela instituição.

Na tentativa de estancar o prejuízo, o Ministério da Saúde anunciou que agirá para retomar o certificado nos próximos 12 meses. Mas será preciso ir além das boas intenções, já que o cenário da doença no país é preocupante. Segundo o próprio ministério, o Brasil teve no ano passado 10.302 casos confirmados de sarampo, espalhados por 11 estados, embora 90% deles tenham se concentrado no Amazonas. O pico da doença aconteceu entre julho e agosto, e pelo menos três unidades da Federação —Amazonas, Roraima e Pará —enfrentaram surtos.

Ezra Pound: Saudação

Oh geração dos afetados consumados
e consumadamente deslocados,
Tenho visto pescadores em piqueniques ao sol,
Tenho-os visto, com suas famílias mal-amanhadas,
Tenho visto seus sorrisos transbordantes de dentes
e escutado seus risos desengraçados.
E eu sou mais feliz que vós,
E eles eram mais felizes do que eu;
E os peixes nadam no lago
e não possuem nem o que vestir.

Mônica Salmaso - Água da minha sede