quarta-feira, 10 de maio de 2023

Entrevista | Oscar Vilhena*: STF acerta ao assumir defesa militante da democracia

Professor e diretor da FGV Direito SP relança livro sobre limites a reformas da Constituição

Uirá Machado / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Oscar Vilhena vive uma situação inusitada: está relançando um livro publicado em 1999 que soa mais atual hoje do que 24 anos atrás.

"A Constituição e sua Reserva de Justiça", agora reeditado, analisa até onde é possível reformar a Carta Magna brasileira e como a democracia pode se defender de ataques feitos de dentro do próprio sistema.

Na virada do século, esse era um problema apenas teórico no Brasil: "Havia um otimismo em relação à estabilização da democracia brasileira", afirma o professor e diretor da FGV Direito SP. "Hoje nós enfrentamos a fera de frente; naquela época, era uma fera hipotética", completa.

Quem saiu na linha de frente da defesa da democracia foi o STF (Supremo Tribunal Federal), nem sempre com o aplauso da comunidade jurídica e quase sempre sob vaias do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.

Para Vilhena, que é colunista da Folha, é possível apontar exageros pontuais, mas, de forma geral, ele aprova a atuação do STF dentro do conceito de "democracia militante", que ele explica na entrevista a seguir.

Nesta quinta-feira (11), Vilhena participa de debate de lançamento do livro no auditório da FGV Direito (rua Rocha, 233, Bela Vista, em São Paulo). O evento será das 17h às 20h. A entrada é gratuita, com inscrições pelo site da faculdade (direitosp.fgv.br/eventos).

Como foi perceber que esse livro, publicado originalmente em 1999, soa muito mais atual hoje do que naquela época? 

Naquele momento, havia um otimismo em relação à estabilização da democracia brasileira. Os temores de regressão a um regime autoritário não estavam no horizonte.

Com a experiência de instabilidade que surge a partir de 2013 no Brasil, culminando com a eleição de Bolsonaro, nós passamos a ver que a democracia poderia sofrer um processo de erosão a partir de dentro.

E o livro trata disso. O exemplo de Weimar estava na minha mente [referência o período de 1919 a 1933 na Alemanha, conhecido como República de Weimar, quando a Constituição passou por reformas que favoreceram a ascensão do nazismo]. O que nós experimentamos a partir de 2018 levou meu colega Dimitri Dimoulis a dizer: "Esse livro não pode ficar sem uma reedição, porque ele demonstra o quanto é importante a democracia criar mecanismos de autodefesa".

Como mostram os exemplos da Venezuela, da Hungria, da Turquia e da Índia, uma das formas de erosão é o que se chama hoje de constitucionalismo abusivo: alterar cláusulas centrais da Constituição para que o poder domestique a ordem constitucional. Hoje nós enfrentamos a fera de frente; naquela época, era uma fera hipotética.

No livro, o sr. também analisa o caso da Constituição americana, em geral apontada como exemplo de estabilidade. 

Entrevista | Sérgio Abranches: ‘Não adianta ministério se a expectativa é ter emenda’

Para o intelectual, as críticas do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), à interlocução política do governo são motivadas pelo desejo de 'retornar a uma situação similar à do orçamento secreto'

Bernardo Mello / O Globo

Criador da expressão "presidencialismo de coalizão", o cientista político Sérgio Abranches avalia que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não se adaptou à lógica "mais adversa" da relação com o Congresso. Contudo, para o intelectual, as críticas do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), à interlocução política do Planalto são motivadas não pela busca de um novo modelo de relação, mas sim pelo desejo de "retornar a uma situação similar à do orçamento secreto".

O que explica a dificuldade do governo Lula na relação com o Congresso?

Em 2018, o sistema se desorganiza com a quebra da disputa entre PT e PSDB e o ápice da fragmentação partidária na Câmara. Até então, sempre havia partidos grandes que serviam de pivô da coalizão vencedora, como foi o PFL com Fernando Henrique e o PMDB com Lula. Em 2022, o fim das coligações proporcionais e a cláusula de barreira reduzem essa fragmentação, mas deixando uma série de bancadas de tamanho médio, sem poder de veto na agenda do Congresso. Ou seja, as novas regras ainda não geraram a reorganização partidária esperada. Com isso, as coalizões se tornaram líquidas. Não se consegue formar maiorias com o mínimo de espinha dorsal.

Vera Magalhães – A insistência no caminho difícil

O Globo

Ação contra modelo de privatização da Eletrobras causa desconforto em ministros e é repetição de estratégia que levou a derrota no Congresso

Depois de sofrer sua primeira derrota no Congresso, na antessala da votação do novo marco fiscal, o que o governo Lula resolveu fazer? Tentar a sorte com o mesmo tipo de pauta do outro lado da Praça dos Três Poderes, no Supremo Tribunal Federal.

O raciocínio da Ação Direta de Inconstitucionalidade contra aspectos da privatização da Eletrobras parece ser o seguinte: se não passa na Câmara nem no Senado, por que não tentar no STF, que tem sido mais “amigável” em relação ao governo?

Será esse um bom caminho? A julgar pela reação reservada que colhi de alguns ministros, não há garantia de sucesso na empreitada, pelo contrário. Esses integrantes do Supremo acham um erro primário de avaliação o governo abrir esse flanco de batalha enquanto sabe que a Corte está toda mobilizada pelo monumental trabalho, apenas no começo, de julgar os responsáveis pela tentativa de golpe de 8 de janeiro.

Causou certa perplexidade entre os magistrados que não seja Lula o maior interessado em preservar os ministros — já superexpostos e enfrentando acusações por parte de parcela grande da sociedade de querer interferir em temas que não são da sua alçada e instituir uma “ditadura do Judiciário” — para que possam definir até a logística de um julgamento que, só de peixe pequeno, já tem mais de 550 réus.

Além desse aspecto político e estratégico do cenário, existe uma incompreensão primordial do governo, a mesma que apontei neste espaço na semana passada em relação ao Parlamento: o estatismo com que Lula vai querendo caracterizar seu terceiro mandato não é claramente majoritário no Supremo, como não é na Câmara e no Senado.

Miguel Caballero* - Uma armadilha para Lula no Congresso

O Globo

Bolsonarismo deu as primeiras mostras de que poderá ser eficaz em atrapalhar o novo governo

A polarização ideológica decisiva para a vitória de Lula nas eleições ensaia se tornar uma armadilha para as propostas de seu governo no Congresso. À parte o desmonte do Estado e a ausência de projeto de sua gestão, Jair Bolsonaro foi o presidente que conduziu de forma criminosamente negacionista a pandemia. A condição de único oponente viável a ele foi a essência do triunfo lulista.

À diferença da disputa majoritária, o Congresso saído das urnas tem inclinação à direita, com forte tom antipetista. Jogado à oposição, o bolsonarismo tem como estratégia o acirramento da batalha de valores, e ela deu as primeiras mostras de que poderá ser eficaz em atrapalhar o novo governo.

O Planalto já acumula duas derrotas: o adiamento do PL das Fake News e a suspensão dos decretos do saneamento. Com maior ou menor frequência, virão outras, cada uma com enredo próprio, mas em todas será incluída na lista de culpados a debilidade da “articulação política” do governo. Ao menos no caso do projeto que visa a regulamentar as redes sociais, a capacidade da oposição de levar a discussão para o ringue da “guerra cultural” foi decisiva.

Derrotar o PT é um mote com aderência entre deputados, que pode gerar engajamento e derrubar mesmo projetos que não sejam propriamente de esquerda. Se, na eleição, partidos e eleitores de centro ou da direita democrática se sentiram moralmente compelidos a aderir a Lula, isso não ocorre mais. O aperto por que passa o colombiano Gustavo Petro — eleito numa frente ampla contra a extrema direita e logo isolado a uma raquítica base parlamentar — é um exemplo vizinho, guardadas as diferenças.

Luiz Carlos Azedo - Modelo de articulação de Lula está em colapso

Correio Braziliense

Pode ser um erro o presidente Lula assumir diretamente a articulação política, como vem sendo anunciado, porque não haveria mais arbitragem, nem a quem reclamar, muito menos a quem culpar 

O cientista político Carlos Melo, professor sênior do Insper, é mais um analista da conjuntura a convergir para o diagnóstico de que o modelo de formação de maioria adotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode estar esgotado. Segundo ele, as derrotas na Câmara e a instalação de duas comissões parlamentares de inquérito indesejadas pelo Palácio do Planalto sinalizariam a impossibilidade de formação de uma base parlamentar ampla por meio apenas da formação de um governo de ampla coalizão. “O Executivo ainda perambula sôfrego pelos corredores do Congresso, sem consolidar maioria digna e segura para chamar de sua. Isso é pouco comum já com quase cinco meses de governo”, avalia.

Melo considera um erro o presidente Lula assumir diretamente a articulação política, como vem sendo anunciado, porque não haveria mais arbitragem, nem a quem reclamar, muito menos quem culpar pelas derrotas. Para o cientista político, a dinâmica da formação da maioria passa por transformações. “É possível que nada seja suficiente para deter esse processo. A hipótese a considerar é que há uma crise de modelo e a simples ação direta e pessoal do presidente pode até amenizar o problema, mas não o resolverá”, escreveu no seu Headline Ideias em Foco.

Bruno Boghossian - Congresso mostra as rédeas

Folha de S. Paulo

Barbeiragem do saneamento deu ao centrão chance de estreitar margem de atuação do Planalto

A barbeiragem do governo na tentativa de mudar o marco do saneamento expôs um problema bem maior do que uma possível derrubada dos decretos de Lula para o setor. A revisão das regras é considerada um item lateral da agenda do petista, mas o risco de derrota desse plano deve afetar toda a operação política do Planalto no Congresso.

Descrita por integrantes do próprio governo como "um resultado humilhante", a votação da Câmara mostrou que falta um termômetro na cozinha de Lula. Auxiliares do presidente foram incapazes de antever a reação dos parlamentares e, pior, conquistar a fidelidade de partidos que deveriam compor sua base.

Fernando Exman - A ‘teoria do poder’ aplicada no Planalto

Valor Econômico

Entre os objetos de decoração de um amplo gabinete localizado no quarto andar do Palácio do Planalto, o que mais chamava a atenção de autoridades do novo governo era a galeria de fotografias em homenagem aos ex-ministros do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) que incluía os retratos de todos os antigos chefes do Serviço Nacional de Informações (SNI). “É uma herança da ditadura”, ouvia-se, entre vestígios do quebra-quebra realizado dias antes por uma turba de golpistas.

Até o dia 31 de dezembro, véspera da posse, quem por lá despachava era justamente o ex-ministro do GSI do governo anterior, general Augusto Heleno, homem de confiança do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A decoração da sala também continha o quadro de uma onça pintada, símbolo do Centro de Instrução de Guerra na Selva (Cigs) do Exército, organização da qual Heleno fizera parte em sua longa carreira militar. A imagem daria lugar, pelo menos de acordo com os planos iniciais dos novos inquilinos, à foto oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Nilson Teixeira* - Proposta de mudança nas reuniões do BC

Valor Econômico

Autonomia formal do BC impõe o fim de encontros fechados com colaboradores de empresas associadas à gestão de recursos

Alguns membros do Executivo, parlamentares, acadêmicos e representantes empresariais têm sido eloquentes em suas críticas sobre a atuação do Banco Central (BC). A argumentação é de que, ao manter alta a taxa Selic, a autoridade monetária reduz o crescimento e piora as condições do mercado de trabalho, sem diminuir a inflação, que seria determinada por condições de oferta. As medidas adotadas e a proposta de arcabouço fiscal são vistas por esse grupo como um compromisso do governo com a solvência das contas públicas e uma abertura de espaço para o corte da taxa Selic. A expectativa de continuação do atual recuo da inflação também seria um fator para permitir o início do ciclo de afrouxamento monetário.

Essa linha de raciocínio está equivocada em várias dimensões. A imposição de uma política monetária muito restritiva, dadas as condições fiscais frouxas, é a única forma de combater a atual inflação. Só seria possível reduzir a taxa Selic no curto prazo caso houvesse um impensável aperto fiscal imediato. Como o governo não cortará despesas nos próximos anos, será preciso elevar os impostos para ampliar o resultado primário. Será uma tarefa árdua, em função da oposição da população. Por fim, as projeções do Focus para a inflação sugerem sua alta, e não uma queda, no 2º semestre.

Nicolau da Rocha Cavalcanti* - Sem Hobbes, vamos à guerra civil

O Estado de S. Paulo

Nos dias de hoje, deixamos, enquanto sociedade, de renunciar ao estado de guerra. Queremos a justiça pelas próprias mãos

Na obra Leviatã, de 1651, Thomas Hobbes estabelece uma forte relação entre a origem do Estado e a aspiração pela paz. No pacto social configurador do poder estatal, os indivíduos entregam sua liberdade irrestrita em troca da segurança proporcionada pelo Estado. Na visão de Hobbes, o poder soberano é essencial para a sociedade sair do estado de guerra permanente, que inviabiliza o desenvolvimento coletivo e a própria conservação pessoal.

A perspectiva proposta por Hobbes tem plena atualidade. São muitas as críticas contemporâneas ao poder público: sua disfuncionalidade, seus gastos, seus privilégios, sua falta de representatividade, sua reprodução de desigualdades. Ao contrário do que às vezes se pensa, Hobbes não atenua a responsabilidade do Estado. Para ele, a legitimidade do soberano depende, em boa medida, de sua capacidade de prover segurança aos cidadãos. Se a população não tiver uma percepção de segurança, certamente o poder público irá sofrer forte contestação.

Mais do que uma questão teórica e distante – reflexões de um filósofo nascido em fins do século 16 –, a relação entre Estado e paz continua sendo hoje fundamental para o exercício do poder. Se o governante não entrega paz – se ele não é percebido como alguém que contribuiu efetivamente para a segurança da população –, muito dificilmente será reconduzido ao poder.

Paulo Delgado* - A diplomacia como angústia

O Estado de S. Paulo

É justo se indispor com a mania às vezes hipócrita do protocolo entre nações, mas em situações de confronto o clássico tem a força do romântico

Os países fundam seu direito na relação com as nações segundo aspectos doutrinários e históricos que caracterizam sua diplomacia. Documentos e fatos são fundamentais quando as nações buscam suas reclamações, pois são os títulos que apresenta que podem colocar o interlocutor num plano em que não haja dúvida sobre a legitimidade do que se pleiteia. Segundo o embaixador e crítico literário Álvaro Lins, é com habilidade de advogado que se conduz a argumentação nos fóruns internacionais, de etapa em etapa, até a revelação final dos objetivos, para que o elemento irrefutável seja uma surpresa e a habilidade técnica atinja todos os seus efeitos. Nesse sentido, a profundidade de entendimento do negociador torna a diplomacia uma obra-prima com técnica de grande advogado.

Para se colocar como árbitro de um litígio, é preciso estar no mesmo tempo histórico em que ele acontece e dispor de condições técnicas para acompanhar o mapa dos incidentes que o precederam. E deixando o estado de febre e a tensão política de fora da argumentação, pois é um dado irrefutável que uma nação tem mais interesses do que amigos. Assim, uma nação pode até querer colocar limites para a expansão da outra, definindo uma linha política de princípios e de tolerância. Isso, porém, não lhe dá o direito de estabelecer fronteiras, expandindo zonas territoriais, para além daquelas que já possui.

Marcelo Godoy - A lição de Macron para Lula

O Estado de S. Paulo

Atitude de francês e a derrota de Boric no Chile mostram os limites das escolhas do petista no Brasil

Quando Emmanuel Macron decidiu ir, anteontem, ao memorial da antiga prisão de Montluc, em Lyon, onde Jean Moulin foi preso e torturado pelos nazistas, o chefe de Estado francês associou a figura do líder da resistência à do historiador Marc Bloch, deportado e morto pelos nazistas. “Moulin e Bloch nos dizem que a República francesa não é, por definição, boa ou má; ela é necessária, vital e justa. Tenhamos confiança em nós e no que vai se seguir.”

Moulin foi preso em 21 de junho de 1943. Torturado pela Gestapo, não falou. Morreu quando o levavam para a Alemanha.

Acostar Moulin a Bloch na comemoração do fim da guerra na Europa tem uma razão. Macron pretende não ser apenas julgado, mas compreendido.

Bloch acreditava que a ciência histórica se consumava na ética. “A história deve ser verdade; o historiador se realiza como moralista, um justo”, escreveu Jacques Le Goff sobre o autor de Apologia da História. “Ele procura verdade e justiça não fora do tempo, mas no tempo.” Compreender, no entanto, nada tem de passividade. A receptividade passiva só nos leva a negar o tempo e, por conseguinte, nossa própria história.

Fábio Alves - O estranho no ninho

O Estado de S. Paulo

A indicação de Galípolo tende a dificultar a tarefa do BC na hora que a Selic poderia cair

A não ser que Gabriel Galípolo, braço direito de Fernando Haddad no Ministério da Fazenda, renegue sua ligação próxima com o presidente Lula e também tudo o que disse no passado em termos de política econômica, a sua indicação para assumir a diretoria de Política Monetária do Banco Central será um grande tiro no pé.

Na segunda-feira, quando seu nome foi anunciado, o dólar subiu 1,37%, passando de R$ 5,00. Na curva de juros, houve aumento no prêmio de risco nos contratos mais longos de DI, com o vencimento em janeiro de 2029 saltando 14 pontos-base.

Diante da pressão insana de Lula para o BC cortar juros o quanto antes, é provável que a nomeação de Galípolo – mesmo que ele represente uma minoria entre os votos no Copom até o fim do ano – deva gerar muito ruído na comunicação da política monetária, que tem um peso importantíssimo na condução das expectativas de inflação e no movimento dos preços dos ativos, como o dólar e os juros futuros.

Vinicius Torres Freire - Mudança na equipe econômica

Folha de S. Paulo

Galípolo é um contraponto a certas ideias petistas; seu substituto, um mistério

indicação de Gabriel Galípolo para o Banco Central motivou as especulações de praxe sobre a política para a taxa de juros, grosso modo. Rendeu muito menos conversa a nomeação de Dario Durigan para o lugar de Galípolo, o de secretário-executivo, vice-ministro da Fazenda de Fernando Haddad.

A desproporção do debate, ou da fofoca, sobre as nomeações não faz muito sentido. Galípolo no Banco Central não vai provocar reviravolta, por vários motivos. O papel de Durigan como vice-ministro da Fazenda é um mistério e a mudança é precoce. Talvez Haddad quisesse ocupar um lugar no BC antes que alguém sugerisse a Lula um nome ruim.

Zeina Latif - Nem tudo é Maktub

O Globo

Peço licença aos leitores e leitoras. Hoje não consigo escrever sobre economia. Um pouco, talvez

Meu pai foi um homem de sorte.

Nasceu em uma aldeia na Palestina, na época do mandato britânico, após a partilha do Império Otomano. O mundo dividido pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial trouxe graves consequências históricas. Ao menos meu pai aprendeu inglês, atributo que lhe abriu muitas portas profissionais. Uma reflexão: por ironia, o domínio da língua inglesa pode ter contribuído para a Índia se inserir no mundo da tecnologia digital.

Jovem inquieto e desajeitado para seguir a profissão de pedreiro, dos familiares, contou com a sorte de ter um pai sábio, que o mandou estudar em Belém. Mais sorte ainda ter sido acolhido por uma família cristã, amiga do meu avô, mesmo ele sendo muçulmano. Não fosse isso, teria sido impossível realizar o sonho de estudar.

Foi, assim, acumulando capital humano por meio da escola. O conhecimento de matemática e o raciocínio lógico fizeram a diferença adiante. Papai não fugiu à evidência empírica quanto à importância da educação para a mobilidade social.

Roberto DaMatta - Privilégios à brasileira

O Globo

Bolsonaro prefere explodir, não seguir regra, a obedecer ao sinal de não fumar num sanatório de doentes pulmonares graves

Se você pensa que à brasileira só existem comidas — linguiça, churrasco, brigadeiro, filé à Oswaldo Aranha, peru —, a esta altura deve saber muito bem, sobretudo no clima de polarização rotineira, que existe mais ainda o privilégio à brasileira. Refiro-me à possibilidade de as leis serem apropriadas por determinados segmentos, estamentos, partidos, num sistema jurídico, e também por pessoas que se apropriam delas e as confundem com cargos especiais. O ideal democrático é que as leis sejam divorciadas de interesses pessoais ou particulares, sejam de indivíduos ou de instituições. No Brasil, porém, quem controla um determinado espaço no universo sociopolítico sabe imediatamente que também tem controle das regras que orientam e limitam o mesmo espaço. Mas — e esta é a banana do peru à brasileira — há também um axioma do princípio estrutural, permanente e perverso: o fato de a “autoridade” negar tudo para todos, menos para seus amigos. E me permita acrescentar esta frase — seguindo, aliás, Oliveira Vianna — que contém a evidência principal do privilégio no Brasil: aqui, a perspectiva personalista, familística, permite contrariar não só leis que controlam a corrupção, mas até mesmo as regras do bom senso. Por isso todas as leis contêm subleis ou leis adjacentes, adicionais, que podem ser manipuladas.

Bernardo Mello Franco – Rita contra a repressão

O Globo

Censura acusou artista de "ferir o decoro" e induzir o público aos "maus costumes". Ela nunca se curvou nem perdeu a irreverência

A ditadura já agonizava quando Rita Lee compôs “Lança perfume”, em 1980. A música se tornaria um dos maiores sucessos de sua carreira. Antes disso, precisava passar pelo crivo da Polícia Federal.

Como exigia a lei, a letra viajou até Brasília. Foi parar na mesa de Laura Bastos, técnica da Divisão de Censura em Diversões Públicas. Escalada para proteger a moral e os bons costumes, a senhora não foi capaz de notar a referência às drogas no título da canção. Mas implicou com o penúltimo verso, que considerou malicioso.

“A letra musical em questão utiliza a expressão ‘Me deixa de quatro no ato’, que no contexto desenvolvido deixa margem para duplo sentido”, anotou. “Sendo assim, opino pela não liberação da mesma”, concluiu, antes de carimbar o documento.

Mariliz Pereira Jorge - Rita Lee e os progressistas caretas

Folha de S. Paulo

É curioso como o Brasil se une no puritanismo quando menos se espera

Tento imaginar a reação de Rita Lee se lesse os comentários indignados dos leitores com o título de um texto da Folha que relaciona a cantora a drogas. Houve quem chamasse de desrespeitoso, nojento, vergonhoso, baixaria, inaceitável. Outros atribuíram misoginia, fascismo, insensibilidade ao jornal e à autora. E houve a exigência de que o post fosse apagado e a jornalista, demitida –além de caçada nas redes sociais.

É curioso como o Brasil se une no puritanismo quando menos se espera e como o progressismo se revela tão careta quanto o seu extremo oposto. Fossem os cidadãos de direita, que relacionam o uso de drogas a marginais e vagabundos, seria compreensível que esperassem que parte da biografia da maior estrela do rock ficasse escondida no meio do obituário.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Arsenal comprado sob Bolsonaro ainda é ameaça

O Globo

A cada dia, três armas de fogo compradas legalmente por CACs são extraviadas ou desviadas para o crime

É preocupante constatar que, a cada dia, três armas de fogo compradas legalmente por colecionadores, atiradores desportivos ou caçadores (os CACs) são extraviadas ou roubadas. No ano passado, esse número bateu recorde. Foram 1.315 casos, de acordo com dados do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército, obtidos pelo GLOBO por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Casos de extravio podem ser atribuídos não só ao maior número de armas em circulação, mas também à simulação de furtos ou roubos para que as armas sejam desviadas para organizações criminosas. Tal fraude tem sido corroborada pelas apreensões policiais. Em março, a polícia do Espírito Santo descobriu que um fuzil apreendido com traficantes de Vila Velha constava como furtado no Exército. Estava registrado em nome de um CAC detido depois de investigações mostrarem que abastecia o crime com armas legais.

Poesia | Citações de Pablo Neruda

 

Música | Rita Lee - Saúde