terça-feira, 18 de agosto de 2009

O PENSAMENTO DO DIA – Werneck Vianna

“Uma perspectiva hispano-americana. É aquilo sobre o qual nossos próprios homens do momento de fundação, como José Bonifácio, advertem: a fragmentação hispano-americana não pode prevalecer aqui. Esse é o caminho da guerra civil. Enfim, mesmo diante de um ato libertário, ele diz não. É uma dissidência infernal, não há como ficar com um lado contra o outro. Nós temos que entender isso na nossa história, como foi que isso aconteceu, e agora trabalhar essas duas matrizes, valorizá-las, porque elas não são alienígenas, elas são constitutivas do país”.

Luiz Werneck Vianna, na entrevista à revista Política Democrática nº 24, pág. 24. Ver entrevista completa na seção Documentos, aqui no Blog, é só clicar.)

Candidatura em jogo

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Pode parecer estranho o presidente Lula se colocar tão abertamente na defesa da ministra Dilma Rousseff, chegando a desafiar a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira a apresentar provas de que teve realmente o encontro com sua chefe da Casa Civil, no qual teria sido pedido que “agilizasse” a investigação contra o filho do senador José Sarney, o que foi interpretado por Lina como uma orientação para encerrar a investigação. Lula tentou minimizar a discussão, tachando-a de “mexerico”.

Parece estranho, mas não é. O presidente Lula simplesmente joga seus altos índices de popularidade na defesa de sua candidata à sucessão em 2010, que está se tornando com frequência indesejável uma política envolvida com histórias mal contadas.

Desde que, em depoimento no Senado, a ministra Dilma se aproveitou de uma pergunta mal colocada pelo líder do DEM, senador Agripino Maia, e disse que se orgulhava muito de ter mentido enquanto esteve presa, em Porto Alegre, durante a ditadura, porque ajudara a salvar vida de companheiros perseguidos pelos militares, que a questão da mentira a persegue.

Naquela ocasião, ela chegou a se emocionar ao confirmar uma entrevista em que dizia que mentira muito na prisão, e, quase chorando, desmontou o senador oposicionista, que dissera temer que estivéssemos vivendo novamente no Brasil um “estado policialesco” onde a mentira prevalece.

O que era uma tentativa de desestabilizar a ministra foi, ao contrário, um estímulo a que ela exaltasse sua imagem de revolucionária corajosa que, apesar de “barbaramente torturada”, mentira para salvar seus companheiros. Mas, na democracia, discursou a ministra, não havia espaço para mentiras.

De lá para cá, pelo menos dois casos graves antes desse colocaram a ministra em posição delicada, demonstrando que o seu apreço pela democracia e pela verdade pode não passar de retórica.

O caso do dossiê sobre os gastos do governo Fernando Henrique, para rebater investigações oposicionistas sobre os gastos secretos do governo Lula, é típica atitude de autoritarismo.

Denunciada a operação, que confirmava uma afirmação da própria ministra a um grupo de empresários em São Paulo, de que o governo estava recolhendo informações da gestão anterior e que não ficaria parado diante dos ataques, ela se saiu com uma explicação sem pé nem cabeça, dizendo que se tratava apenas de um levantamento de dados, não de um dossiê.

O caso do currículo falso é mais grave, pois a única desculpa que deu foi que não vira o próprio currículo, que estava publicado em sites oficiais do governo e da Petrobras, tendo sido enviado até mesmo para a agência dos Estados Unidos que controla a Bolsa de Valores.

Esse mesmo currículo, informando falsamente que a ministra tinha mestrado e doutorado, fora lido na apresentação do programa “Roda Viva”, da TV Cultura, na presença da própria ministra, que não fez qualquer objeção.

Por isso o caso atual ganha relevância. Não se trata de mero “mexerico”, como quer o presidente Lula. A ser verdade o que a ex-secretária Lina Vieira disse, estamos diante de um crime de servidor público.

Há também um indício de que a ministra Dilma Rousseff tratava pessoalmente da crise em que o presidente do Senado está metido.

Ela esteve na casa do senador José Sarney para orientá-lo a não pedir demissão, num dos momentos mais críticos da crise política, enquanto o presidente Lula estava em viagem ao exterior.

Afinal, como o próprio Sarney e seu grupo apregoam, o que está por trás das denúncias é a eleição de 2010, em que Dilma desponta como a mais que provável candidata oficial. E o que mais interessa ao Palácio do Planalto é manter o PMDB ao lado da candidatura, dando o vice e os minutos preciosos de televisão.

A ministra Dilma desmente o encontro desde o primeiro momento, com pequenas alterações, e alega que cabe à acusadora provar que o encontro existiu.

Em nenhuma das versões Dilma admite que possa ter havido um mal-entendido entre as duas.

Embora esteja correta, ao dizer que cabe a Lina Vieira provar que fala a verdade, seria muito mais eficaz para o governo, do ponto de vista político, se o Palácio do Planalto divulgasse as imagens dos carros e pessoas que entraram pela garagem do edifício no período mencionado.

Poderia até apresentar o material a um grupo reduzido de deputados e senadores, para manter o sigilo do material. Não liberando as imagens “por questões de segurança”, e nem mesmo emitindo uma nota oficial em que alguém com responsabilidade, como, por exemplo, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Armando Felix, garanta que, revisadas todas as fitas, não foram encontrados registros da presença da ex-secretária no Palácio do Planalto, ficará sempre a dúvida de que não divulgam porque as fitas confirmariam a versão de Lina Vieira.

Do que revelar, ou acrescentar ao que já falou, ou mesmo se retirar alguma coisa, hoje na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, depende a sorte de Dilma Rousseff, que não colheu bons resultados na mais recente pesquisa do Datafolha, que a mostrou parada no mesmo ponto, em empate técnico com Ciro Gomes, que almeja ser o candidato do PSB à sucessão de Lula.

O que torna verossímil a versão da ex-secretária da Receita é que ela é petista, e foi demitida do cargo por motivos que ainda não ficaram claras. Na entrevista à “Folha de S. Paulo” em que relatou o encontro, parece claro que Lina quis se vingar, dando a entender que fora demitida por não ter atendido ao pedido/ordem da ministra toda-poderosa.

Mas a vingança pode também ser a motivação para uma mentira.

Circuito vertiginoso

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Quer dizer que, dos três apartamentos dos Sarney na alameda Franca, em São Paulo, dois foram presentes de velhos amigos da família, donos de empreiteira/imobiliária?

Os dois imóveis estão ou não no nome dos Sarney, que moram ou frequentam ambos?

O pagamento foi à vista, com cheques da empresa entregues por uma das suas sócias para os dois vendedores dos imóveis, em momentos diferentes?

Daí a mesma empreiteira mudou de nome e venceu um leilão do Ministério de Minas e Energia para construir duas usinas termelétricas em Tocantins?

Bem, a mesma empresa, além de vencer o leilão, ganhou de brinde um pacote de isenção fiscal do ministro Edison Lobão?

O ministro Edison Lobão não é aquele que foi colocado no MME pelo senador José Sarney?

O projeto passou da tal empresa dos amigos para uma outra, do Maranhão, e acabou nas mãos de uma terceira, também do Maranhão e que tem a Telemar como sócia?

E, no final das contas, a empreiteira que doou os dois apartamentos para os Sarney acabou não construindo usina nenhuma?

Alguém tentou ser muito esperto nessa história contada pelo repórter Rodrigo Rangel. Mas os trouxas, que pagam a conta, começam a ficar espertos também. Segundo o Datafolha de domingo, 74% defendem a saída de Sarney da presidência do Senado. Devem ver bons motivos.

Pagar R$ 12 mil mensais do mordomo com dinheiro do Senado, empregar a parentada e seus namorados sem concurso e estar às voltas com a PF é feio. Mas o que dizer desse circuito apartamentos-leilão-isenção-obras não feitas? Em discurso ontem, Sarney resumiu tudo: ele está sendo acusado de se hospedar na casa do filho em São Paulo, em vez de ser elogiado por economizar o dinheiro do Senado em hotel. Incrível. Definitivamente, ele não é um "cidadão comum".

Com as barbas de molho

Wilson Figueiredo
DEU NO JORNAL DO BRASIL


RIO - A sucessão presidencial está à vista, com diferentes ângulos para ser considerada, mas faltam pretendentes suficientes para a largada. Uma andorinha não faz verão e apenas uma candidata não faz eleição. O marco histórico da fase eleitoralmente bem sucedida da esquerda, em que entramos com o pé direito de Lula, foi a quarta candidatura dele (e a primeira vitoriosa), graças à carta endereçada aos brasileiros, mais citada do que lida e praticada. Lula deu tempo ao tempo que, se não tem, não deixa de ter atributo político. A premissa agora é “ Lula não pode perder”. E o dilema ser ou não mantém o desafio.

Longe da transparência, os áulicos localizaram-se no que o poder tem de melhor e inebriaram-se com a hipótese do terceiro mandato, depois de tudo e do que ficou para depois. Ainda falta ao denominador comum montado por Lula um numerador convincente. O presidente, que sabe tanto ou mais de derrota quanto de vitória, e é ambidestro em política, faz raciocínios em todas as direções. E, diante do que as pesquisas disseram, tratou de tirar o corpo fora. Terceiro mandato, não. O PT esquivou-se, sem se comprometer. Lula deve ter percebido a predisposição petista para bloquear o processo com um nome que, não podendo ser o do presidente, fosse alguém do PT, e eleitoralmente movido pela teoria do puro sangue eleitoral. Questão genética e não de raça.

Por hábito (ou vício), Lula vê antes e mais longe. Aplicou o golpe da surpresa e inventou a ministra Dilma Rousseff, que o PT assimilou com dificuldade. Foi, internamente, uma daquelas situações classificadas na História do Brasil, desde 1930, na rubrica de batalha de Itararé. Isto é: não passou de expectativa. Lula ganhou tempo, mas ficou evidente que, por outro lado, a longa exposição poria em perigo a candidata. Acontece que o Brasil tem na sucessão presidencial um gatilho chamado vice-presidente, e a munição é a mesma para todos. Não se fala de raio nem de outras manifestações alheias à vontade humana. O vice pertence à categoria de candidatos que não comparecem com um voto sequer, além do próprio. E, à medida que o tempo passa e a sucessão fica mais perto, a escolha do vice se complica e troca o acordo de cavalheiros pelo custo que nenhum seguro banca. Foi assim até que o imprevisível se anunciou à ministra Dilma, aos seus eleitores e aos adversários. A desconversa se tornou a língua oficial no encaminhamento de um companheiro de chapa. O PMDB arregalou os olhos cobiçosos, e Lula não falou nem concedeu apartes. O PT acredita em fatalidade histórica, e a oposição está grávida de candidaturas gêmeas. Não se falou mais de companheiro de chapa para dona Dilma, que concorre como candidata do presidente, que vem a ser quem mais tem a perder. Qual seja, o próprio cargo.

Foram todos surpreendidos pelo diagnóstico médico de que a candidata era portadora de um risco que não figurava nos cálculos eleitorais. Um fato (porque não era boato) a ser considerado de outro modo. O tempo voltou a ser a incógnita geral, a ministra manteve-se na via administrativa e tropeça, aqui e ali, em versões de veemência inoportuna. Lula deixou de ser o mesmo, mas ainda não é outro. Quem perdeu o controle sobre as próprias emoções foi o PMDB, mas aproveitou a oportunidade e chegou mais perto do presidente, enquanto o PT tenta, sem maior sucesso, pensar por conta própria. O petismo resignou-se a fazer do tempo um eventual aliado. Quem sabe? Todos, aliás, e a própria oposição, se calhar, tiram o chapéu ao tempo, ao qual caberá a última palavra. A primeira devia ser a escolha do vice. As consequências não apenas se adiantam aos fatos, como não prestam contas a nenhum dos interessados que se atropelam.

Lula curou-se do terceiro mandato, embora nada impeça a recaída. Mas estará à mão. Pode-se contar com ele, enquanto a candidatura Dilma Rousseff procura ser apenas a continuação do governo de Lula pelas suas próprias mãos. Mais adiante fará novos acenos e novos exames para tranquilizar a coesão. O presidente está ciente de que a situação lhe diz respeito. O fato é que, desde antes de haver política e só depois que ela for substituída pelo consenso, não há exemplo citável de criatura que não escape ao seu criador. Mais cedo ou mais tarde. Lula suspeita que a História não é confiável. Para não haver intromissão em seara alheia, e antes que a escolha do vice se torne mais importante do que a da própria candidata, aproxima-se a hora de botar as barbas de molho. E Lula as tem.

* Jornalista

Lula pode se afastar para fazer a diferença

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


No horizonte do Palácio do Planalto figura a hipótese de que o presidente do Senado possa assumir algumas vezes a Presidência da República, no próximo ano, em plena campanha sucessória. Não é à toa, portanto, que Lula estica a corda para manter José Sarney no cargo. O rigor que a Justiça Eleitoral vem imprimindo a suas decisões e as dificuldades, na decolagem, da candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) estão na origem das aflições palacianas.

A avaliação corrente é que "se o embate estiver pau a pau", Lula terá de aprofundar seu envolvimento pessoal na candidatura da ministra, envolvimento que já é considerado no limite da responsabilidade, em áreas jurídicas.

Neste caso, Lula não teria outra saída a não ser se licenciar do governo para colocar a candidatura Dilma no colo e tentar fazer a diferença no resultado final da eleição. No cargo, essa seria uma atitude de alto risco, sujeita a pedidos de impugnação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Licenciado Lula, a Presidência da República passa para o vice José Alencar, homem de saúde reconhecidamente frágil. Nos últimos meses, Alencar precisou cada vez mais vezes de cuidados hospitalares. Como se diz do sertanejo, é um forte. Mas uma campanha presidencial exige constante estado de vigilância.

O segundo na linha sucessória é o deputado Michel Temer (PMDB-SP), presidente da Câmara. A partir de abril do próximo ano, ele não ocupará mais cargos executivos, sob pena de se tornar inelegível em outubro. Ou seja, Temer não poderia disputar a reeleição a deputado e nem a vice-presidência da República na chapa encabeçada pela ministra Dilma Rousseff, como vez por outra é cogitado.

O terceiro é o presidente do Senado. Ele mesmo, José Sarney, a bola da vez, fosse outra a conjuntura política. Por enquanto é a Sarney que cabe segurar o Senado a unha no ano da eleição.
Se chegar à eleição em condições de pressão e temperatura que julgar boas para o PT, Lula segue no cargo e faz campanha para Dilma sentado na cadeira de presidente, apenas alguns tons acima do que até agora tem feito. O temperamento da ministra Dilma Rousseff é que faz petistas e aliados de Lula desconfiar de suas condições para enfrentar uma campanha eleitoral espinhosa, onde provocações de toda ordem são lugar comum. Não é raro se ouvir no Congresso que Dilma só perde a próxima eleição para si mesma.

Cidade de muros baixos, Brasília não tardou a tomar conhecimento da maneira rude de administrar da ministra. Mas muito do que se dizia e se diz a respeito do comportamento da ministra também ficava na conta das lendas e das intrigas brasilienses, que ninguém fica sabendo ao certo de onde vieram e até aonde vão.

O pedido de demissão do ex-secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional Luiz Antonio Eiras teve o efeito de dissipar dúvidas.

Foi durante uma reunião sobre a construção da Transnordestina, quando Eiras teria informado que a rodovia não ficaria pronta no prazo estabelecido, o ano eleitoral de 2010, se o coronograma acordado no encontro não fosse acompanhado de um ajuste de recursos do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste. A reação de Dilma foi considerado grosseira

Sabe-se agora que mais ou menos no mesmo período - é uma época pessoalmente difícil para a ministra - Dilma teve outro entrevero com uma autoridade do governo. E na presença de mais de uma dezena de testemunhas.

Tratava-se de uma reunião sobre o programa "Minha Casa, Minha Vida". Presentes 11 grandes empresas (Rodobens, Bairro Novo, MRV, Cyrela, Rossi, Gafisa W.Torre, entre outras), a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, o vice-presidente de governo da Caixa Econômica Federal, Jorge Hereda.

No início da reunião, Hereda informou que a greve dos engenheiros da Caixa - responsáveis pela análise dos projetos do PAC -havia terminado naquela semana, depois de 52 dias.

A ministra então perguntou se o prazo de 30 dias para os projetos serem aprovados dentro da burocracia da Caixa estavam sendo cumpridos. O vice-presidente tergiversou. Disse que, com a greve, a Caixa estava quase cumprindo o prazo.

Dilma demonstrou irritação. Jorge Hereda tentou explicar a situação: "Tivemos um imprevisto, que foi a greve, ministra", disse, segundo testemunho de presentes.

Dilma rebateu no ato, de acordo com a versão narrada mais tarde por empresários: "Você devia ter se precavido contra imprevistos". Ao que Hereda respondeu: "Mas a greve durou mais do que nós imaginávamos".

O pessoal da construção civil acompanhava a discussão, perplexo: "Se o imprevisto durou mais do que você imaginava, então é porque você não se preparou direito para o imprevisto", criticou Dilma. Hereda começou, então, a apresentar os números do programa. Números que a ministra achou ruins.

"Está ruim o desempenho. Só os Estados pequenos contratando significa que não está bom", ela reclamou. O funcionário da Caixa rebateu dizendo que, diante da greve, era um ritmo razoável. Dilma perdeu de vez a paciência:

"Esse não é o tipo de resposta que eu gosto, Hereda. Você sabe. Ou está bom ou está ruim. E está ruim", disse, segundo a anotação feita por um dos presentes.

Nessa reunião, as grandes empresas disseram que vão conseguir fazer 307 mil habitações de 1 milhão previstos. As outras 700 mil ficariam com as empresas médias e pequenas.

Dilma foi receptiva a aspectos do discurso dos empresários. Eles reclamaram da ação do Ibama e do Ministério Público. Sobre o Ibama, ela prometeu chamar para uma reunião o instituto e os órgãos estaduais a fim de aparar as arestas. Sobre o MP, no entanto, foi cáustica: "Esse, nem Deus", disse. "O MP é muito cioso de sua autonomia".

Depois, diante de uma reclamação sobre o preço da habitação em Porto Velho (RO), onde o custo de construção é 25% maior do que em São Paulo, Dilma aquiesceu, voltou-se para o vice-presidente da Caixa e e falou:

"Hereda, você vai rever (o preço), né?"

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

''Sem liberdade, não há política''

Leonardo Barreto*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A filósofa alemã Hannah Arendt acreditava que o sentido original da política é a liberdade. Tudo porque os gregos antigos concebiam o espaço político como um lugar sem barreiras nem restrições à participação dos cidadãos no debate público. A única regra era o respeito ao direito do outro de falar, pleitear e interagir. Negar o direto à fala e à divergência seriam atos antipolíticos na sua essência.

Seguindo por um caminho semelhante, professores de ciência política de todo o Brasil ensinam em suas turmas que a política é a capacidade de resolver conflitos de forma pacífica, nunca deixando de reconhecer (novamente) o direito que o oponente tem de lutar pelos mesmos recursos de poder que você busca. A partir do momento em que os atores buscassem resolver suas diferenças pela eliminação física ou política do adversário, sairíamos da seara política e entramos no mundo da guerra.

Todos os países que decidiram abraçar a democracia escolheram a liberdade de expressão como princípio fundador. Sem ela, não há política, mas guerra. Sua extinção é o primeiro sintoma de que algo vai mal, de que o Estado está a caminho de declarar seus próprios cidadãos como "inimigos da segurança nacional", negando-lhes o direito à voz e, muitas vezes, à vida.

Por essas razões, a decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, de censurar o jornal O Estado de S. Paulo, proibindo-o de publicar detalhes de um processo judicial sobre operações suspeitas de familiares do senador José Sarney, é um ato antipolítico de extrema violência, praticado contra toda a sociedade brasileira. Na prática, ela não apenas retira a faculdade dos jornalistas de exporem publicamente o resultado de suas investigações, mas caça o direito que todos temos de sermos informados.

A censura é o recurso clássico dos regimes fechados. Ela busca anular os dissidentes políticos extinguindo o direito de falar livremente. Atores importantes como artistas, intelectuais, organizações populares e meios de comunicação são castrados naquilo que nasceram para fazer: divulgar e sensibilizar.

Em uma democracia, a capacidade crítica dos cidadãos e a qualidade de suas posições políticas estão associadas diretamente à pluralidade, independência e qualidade dos noticiários políticos. Portanto, ao redescobrir a censura no Brasil, Dácio Vieira pode ter cometido um pecado maior do que aqueles que podem estar escondidos sob o "segredo de justiça".

O recurso impetrado pelo jornal O Estado de S. Paulo contra a posição de Dácio Vieira possui contornos históricos, pois dirá o quão distante estamos da democracia plena. O passado e o futuro estão em via de se enfrentarem nas cortes superiores. De um lado estão os anos de chumbo, os atos institucionais e as receitas de bolo no lugar das notícias. Do outro, a transparência, o bem público e a maturidade política de um nação.

*Leonardo Barreto é cientista político pela UnB

Candidatura de Marina ajuda Serra, diz Freire

Ricardo Brandt e Roberta Pennafort
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, avaliou ontem que a candidatura de Marina Silva à Presidência pelo PV desestabiliza os planos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de fazer a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) sua sucessora, numa disputa com o principal candidato da oposição José Serra (PSDB). Além disso, considera que ainda abre definitivamente as portas para a candidatura de Ciro Gomes pelo PSB.

"Marina é problema para o governo. Não só para Dilma, mas para Lula, que estava imaginando que seria uma disputa plebiscitária, tanto que estava empurrando Ciro para São Paulo."

Aliado de Serra, Freire reforça desde já a condição de crítico do governo Lula. Para ele, a presença de Marina no pleito acaba com a suposta pretensão que o presidente teria de criar um confronto "Lula contra Serra".

Afastado do poder, o pernambucano Freire vai lançar candidatura em 2010 para a Câmara, mas por São Paulo. E assumirá a missão de articulador político da campanha ao governo paulista de Soninha Francine pelo PPS.

POSSÍVEL VICE

O compositor Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura do governo Lula, disse ontem no Rio que se encontrará com a senadora Marina Silva (PT-AC) para conversar sobre sua possível candidatura pelo PV, partido de Gil, à presidência da República e sua transferência de legenda. Disse também que não foi convidado por Marina para ser vice em sua chapa, conforme já foi noticiado.

"Eu prefiro dizer a ela se quero ou não. Não quero dizer à imprensa antes. Existe a possibilidade de dizer sim e existe a possibilidade de dizer não."

O músico faz parte dos quadros do PV desde fim dos anos 80, quando criou a Fundação Onda Azul. "O PV é um partido pós-moderno, contemporâneo, que talvez seja, do ponto de vista de configuração de ideário, o partido mais interessante que existe hoje no mundo."

Na opinião de Gil, a senadora seria um quadro importante "para qualquer partido" e "traz uma postura muito contributiva para o desenvolvimento da vida política brasileira".

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

PMDB blinda Dilma, e PT absolve Sarney

Denise Rothenburg
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Peemedebistas estão dispostos a cerrar fileira em defesa da ministra da Casa Civil. Querem retribuição no Conselho de Ética

Uma mão lava a outra. O ditado popular é a base do acordo que o PMDB oferece ao PT para manter a blindagem em favor de Dilma Rousseff hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, durante o depoimento de Lina Vieira, ex-secretária da Receita Federal. Lina promete detalhar aos senadores como foi o encontro em que a ministra da Casa Civil teria lhe pedido para que terminasse logo as investigações sobre os negócios de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Dilma nega que tenha recebido a secretária para tratar desse assunto. O PMDB estará a postos hoje para ajudar a fortalecer a posição da ministra. Isso, é claro, se sentir que o PT lhe dará lastro no Conselho de Ética da Casa, na reunião prevista para amanhã. Os petistas farão uma reunião hoje às 13h para discutir o comportamento no conselho. O líder Aloizio Mercadante (PT-SP) manteve ontem a posição inicial da bancada em favor do afastamento temporário do presidente do Senado e defesa das apurações, só que, no Conselho de Ética, ele tem dito que cada integrante do partido votará de acordo com a “consciência”.

Basta um voto do PT em favor de Sarney no colegiado para que toda a crise relacionada ao presidente da Casa vá para o arquivo. A expectativa dos peemedebistas é de que a líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (PT-SC), vote a favor de Sarney amanhã para evitar que Mercadante tenha de indicar integrantes de outros partidos ao Conselho de Ética, que entrariam com a missão de salvar o presidente do Senado. Ontem, Mercadante mergulhou.

Ele está sob pressão para nomear Romero Jucá (PMDB-RR) e Roberto Cavalcanti (PRB-PB), aliados do presidente.

Defesa

Da parte de Sarney, ele tem feito o dever de casa para dar discurso aos aliados no conselho. Ontem, foi à tribuna indignado responder a uma nova reportagem sobre um apartamento da família em São Paulo que, segundo ele, foi comprado pelo deputado Sarney Filho (PV-MA) e ainda não foi quitado, por isso está em nome de uma construtora. Logo depois, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) disse que gostaria de ver Sarney afastado e defendendo as investigações com a mesma indignação com que respondeu à reportagem.

Hoje, o peemedebista recebe o relatório final da Fundação Getulio Vargas sobre a reestruturação do Senado. Assim, quem quiser dizer no conselho que Sarney está reformando a Casa e acabando com as mordomias e atos secretos poderá citar o documento.

O texto trará apenas a primeira parte das reformas. A segunda será um novo plano de cargos e salários.

PSDB aposta que Lula vai manter Ciro na sucessão

Catia Seabra e Pedro Dias Leite
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Aliados de Serra acham que presidente buscaria evitar vitória tucana no 1º turno

O presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, reafirma a disposição de investir numa disputa plebiscitária entre os projetos petista e tucano


Os petistas negam. Mas o comando do PSDB aposta que, mantido o principal cenário da última pesquisa Datafolha, o governo federal apoiará a candidatura do ex-ministro Ciro Gomes (PSB-CE) para impedir que a disputa presidencial seja encerrada no primeiro turno.

A mais recente pesquisa Datafolha mostra que a permanência de Ciro na disputa levaria a eleição para o segundo turno: José Serra (PSDB) tem 37%, Dilma Rousseff (PT) aparece com 16%, empatada com Ciro, com 15%, e Heloísa Helena (PSOL) vem em seguida com 12%.

Sem Ciro, Dilma sobe para 19%, mas Serra vai a 44%, o que o aproxima de vitória no primeiro turno no ano que vem.

Embora aliados do governador Serra duvidem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva venha a apoiar um candidato com perfil mais crítico ao governo, o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra (PE), disse acreditar no lançamento de Ciro para deter a vitória dos tucanos no primeiro turno.

"A situação se complica para Dilma. Ela não está convencendo. O Ciro já não fica em São Paulo e pode se lançar no cenário nacional", afirma Guerra.

Já o presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, reafirma a disposição do partido de investir no confronto de dois projetos: "o do presidente Lula (e aliados) ao do PSDB-DEM-FHC e Serra".

"Apesar dos riscos, temos a avaliação de que o melhor para nós é fazer um embate de projetos", reitera Berzoini.

O presidente do PT de São Paulo, Edinho Silva, chega a afirmar que o PSDB estimula o lançamento de candidaturas alternativas para impedir a polarização Lula versus PSDB já no primeiro turno. "O melhor quadro para nós é o plebiscitário. E o PSDB vai fazer tudo para que isso não aconteça."

Para aliados de Serra, o PT preferiria perder a admitir a possibilidade de Ciro superar Dilma nas eleições do ano que vem. Para esses tucanos, não é remota a chance de Serra vencer num primeiro turno sem Ciro Gomes.

A alternativa para Ciro é disputar o governo de São Paulo, projeto acalentado por Lula, com dois objetivos: manter a disputa "plebiscitária" no plano nacional e, ao mesmo tempo, dar um palanque forte a Dilma no principal centro tucano.

Só que o próprio Serra tem dito, em conversas, que acredita na candidatura de Ciro à Presidência. Ontem, governador comemorou o resultado. A aliados, disse que se sentia "jovem". Em entrevistas, admitiu: "É lógico que é muito bom estar bem colocado na pesquisa e ter uma boa avaliação da população de São Paulo".

Mas, apesar da comemoração, o tucanato identificou dois pontos fracos na pesquisa. Além de uma queda de desempenho no Sul, como produto da crise enfrentada pela governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, a constatação de que a candidatura de Marina Silva (PT), que deve se filiar ao PV, prejudica o PSDB no Rio.

Pesquisa não influencia candidatura, diz Marina

Da sucursal de Brasília
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A senadora Marina Silva (PT-AC) reiterou ontem que os seus 3% de intenções de voto apontados pela pesquisa Datafolha não influenciam em sua decisão de se lançar candidata à Presidência pelo PV. "O resultado dessa reflexão não está subordinado às pesquisas, mesmo que tivesse apenas um traço", disse a senadora, que anuncia nos próximos dias a resposta ao convite feito pelo PV.

Marina Silva lembrou que também começou com 3% nas pesquisas de intenções de voto quando disputou o primeiro mandato ao Senado, em 1994. Ela observou que a pesquisa Datafolha expressa "a realidade de quem nunca se expôs" entre os candidatos ao Planalto. "Estou tranquila", insistiu.

A senadora participou ontem em São Paulo de reunião do Movimento Brasil Sustentável, ainda em formação e que conta com empresários e acadêmicos. Em sua página na internet, o movimento se apresenta como articulação da sociedade civil voltada "para a construção e disseminação de uma nova visão de país, com o objetivo de colocar a sustentabilidade no centro das decisões estratégicas nacionais".

O movimento é coordenado por Oded Grajew, um dos primeiros empresários a apoiar a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto.

Hoje, Marina Silva irá a Belo Horizonte (MG) para tomar posse no conselho consultivo da Fundação Dom Cabral, escola de negócios e de formação de empresários.

Segundo a senadora, a participação nos encontros com empresários ontem e hoje já estava acertada antes do convite para disputar a eleição de 2010 pelo PV.

Marina Silva deve anunciar a troca de partido antes de confirmar a candidatura ao Planalto. A formalização da candidatura dependerá da definição de um projeto de governo.

Serra comemora pesquisa e volta a alfinetar PT

Silvia Amorim e Clarissa Oliveira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Tucano diz que não pretende ""colocar o bloco na rua"" e reclama de inserções petistas no rádio e na televisão


O governador de São Paulo, José Serra, provável candidato do PSDB à Presidência da República no próximo ano, comemorou ontem a manutenção do seu nome na liderança da disputa eleitoral. Pesquisa Datafolha divulgada anteontem mostrou Serra como favorito, com 37% das intenções de voto. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, principal aposta do PT para a eleição, e o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), apareceram tecnicamente empatados com 16% e 15%, respectivamente.

"Fiquei contente. Não porque eu acho que pesquisa é o resultado da eleição. Não tem campanha na rua. Nós só vamos decidir sobre candidaturas no ano que vem. Agora, ter o reconhecimento tão positivo da população brasileira a respeito do meu trabalho indiscutivelmente me agrada bastante", disse o governador, ao encerrar uma cerimônia de lançamento de obras para expansão da rede de metrô na capital paulista, que começarão a ser entregues em 2011.

Sempre lacônico quando o assunto é uma eventual candidatura a presidente em 2010, Serra voltou a dizer estar pensando sobre a possibilidade. Ele disputa com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, a vaga de presidenciável pelo PSDB. "A gente sempre pensa quando está na véspera de um ano eleitoral no que vai fazer", declarou, quando perguntado se os resultados da pesquisa eram um estímulo a concorrer ao cargo. "Outra coisa é a decisão e botar o bloco na rua, coisa que não está passando pela minha cabeça agora", ponderou.

Serra já disse que somente decidirá sobre os planos políticos para a próxima eleição em 2010. Pela legislação, ele tem até março para anunciar uma postulação. A postura do tucano contraria parte do PSDB que defende que o candidato do partido seja escolhido o mais rápido possível para começar um trabalho de mobilização.

Embora diga que não é candidato, desde o início deste ano, o governador tem aumentado o ritmo de viagens pelo País, especialmente ao Nordeste. Na semana passada, ele foi a Alagoas, único Estado nordestino comandado pelo PSDB, para um compromisso com o governador Teotônio Vilela. Somente neste ano, o tucano viajou ao menos seis vezes para a região.

PROPAGANDA

O governador, que já acusou os petistas de anteciparem o debate eleitoral, criticou ontem uma propaganda do PT paulista que foi ao ar na semana passada dizendo que o governo federal investe no metrô em São Paulo. "É uma propaganda, eu diria, muito enganosa. Você pode procurar que você não vai achar R$ 100 bilhões em investimentos em obras aqui em São Paulo e em nenhum lugar do Brasil."

Uma das inserções dizia: "Você sabia que São Paulo é o Estado brasileiro que mais recebe dinheiro do governo Lula? São obras em todo o Estado. Mais de R$ 100 bilhões destinados pelo PAC". Outra apostava no metrô e no Rodoanel. "Você sabia que as obras da linha 2 verde do metrô e do Rodoanel contam com investimentos do governo Lula? São investimentos do PAC aplicados em obras de grande porte, como a ampliação da linha 2 verde do metrô e a construção do Rodoanel, onde o governo Lula investiu mais de R$ 1 bilhão."

"É até engraçado porque é um exercício de ficção. Tem recursos para o Rodoanel, uma parte menor, que já vêm desde o governo do Fernando Henrique. No caso do metrô, não tem nenhuma, exceto autorizações para financiamentos ou mesmo financiamentos do BNDES. Não são aportes de recursos. É como você dizer que a Casas Bahia, quando financia uma geladeira, está dando a geladeira ao consumidor", disse.

Serra fez questão de destacar que a crítica era para o PT local. "Essa propaganda não é do governo federal, que, eu acredito, não faria isso. É uma propaganda político-partidária. Faz parte da disputa eleitoral, embora eu confesse que não teria coragem de fazer uma propaganda desse tipo", cutucou.

Ala do PTB admite trocar Dilma por tucano

Luciana Nunes Leal
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Múcio não será substituído no ministério, avisa Jefferson, que prefere Aécio a Serra como candidato em 2010

No momento em que o PV e o PSB procuram construir candidaturas próprias à Presidência, o PTB é outro partido com vaga no primeiro escalão do governo que começa a se distanciar da candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. O presidente da legenda, Roberto Jefferson - deputado que denunciou o mensalão e teve o mandato cassado em 2005 - anunciou que o PTB não indicará um substituto para José Múcio Monteiro, titular das Relações Institucionais, se for confirmada a nomeação do único ministro petebista para o Tribunal de Contas da União (TCU).

Jefferson está trabalhando pela aliança com o PSDB dos governadores José Serra e Aécio Neves. "O PTB não indicará ninguém porque quer ficar com liberdade. O ideal é não ter mais ninguém no governo. Quando Múcio sair, não teremos nenhum pedido para fazer ao Lula. O presidente poderá até fazer uma escolha pessoal de algum integrante do partido, mas nós não vamos indicar", disse.

O deputado cassado reconhece a divisão interna. Segundo ele, o PTB do Nordeste, com o pernambucano José Múcio à frente, e do Distrito Federal, por meio do senador Gim Argello, "são mais lulistas" e querem o apoio a Dilma. "Eu torço pelo Aécio, que é muito mais light que o Serra. No Sul e no Sudeste, a tendência é o PSDB. Não vamos liberar o partido, teremos um candidato", avisou.

"Meu coração não pulsa pelo PT, não tenho nenhum afeto, nenhuma boa lembrança", diz o ex-deputado, autor de acusações que, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tiraram do governo os ex-ministros petistas José Dirceu, que teve o mandato de deputado cassado, e Luiz Gushiken.

Em São Paulo, onde PTB e PSDB são aliados, os petebistas aguardam a garantia dos tucanos de apoio à candidatura do senador Romeu Tuma (PTB, ex-DEM), que quer a reeleição. "Os pactos regionais são fundamentais para a sobrevivência do partido", afirma Jefferson, que pretende aumentar a bancada de 22 para 35 deputados.

AUTONOMIA

A autonomia para fechar alianças estaduais é reivindicada pelo PR, mais um partido com representante no ministério ( Alfredo Nascimento, dos Transportes). Ao contrário do PTB, porém, a legenda pretende continuar no governo até o fim do mandato de Lula.

O presidente do PR, Sergio Tamer, planeja aumentar em 15% a bancada atual de 43 deputados. No Rio, o PR levou o ex-governador Anthony Garotinho (ex-PMDB), que deverá disputar o governo com Sérgio Cabral (PMDB). Na Bahia, o principal nome do partido é o senador César Borges, ex-DEM.

Lula desafia ex-secretária a provar encontro com Dilma

Lisandra Paraguassú e Denise Chrispim Marin
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em entrevista, presidente afirma que seria ""simples e fácil"" se Lina Vieira apresentasse sua agenda

Pressionada pela oposição, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, foi socorrida ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula desafiou a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira a mostrar sua agenda e provar o encontro com a ministra da Casa Civil na qual as duas teriam conversado sobre as investigações envolvendo o presidente do Senado, José Sarney. Em entrevista ao fim de um encontro com o presidente do México, Felipe Calderón, Lula afirmou que seria "simples e fácil" se Lina apresentasse sua agenda.

Ela vai prestar depoimento hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a oposição já tem pronto requerimento para pedir acareação dela com a ministra.

"Seria tão mais simples e tão mais fácil se a secretária mandasse a agenda que ela se encontrou com a Dilma. Não precisaria nem gastar dinheiro, pagar passagem, nem advogado. Era só pegar a tal da agenda e ver o que aconteceu", afirmou. "Toda vez neste país que se começa a fazer carnaval com coisa que não dá samba as coisas vão ficando mais desacreditadas na opinião pública."

Lula foi questionado no fim da declaração à imprensa feita pelos dois presidentes, em uma sala do Itamaraty onde havia dois púlpitos. Para responder, o presidente brasileiro desalojou Calderón de seu lugar para "ficar mais perto" da jornalista encarregada de fazer a pergunta.

Ele desqualificou a polêmica em torno do encontro que Lina teria tido com Dilma. "Sinceramente, acho que o País tem coisa mais séria para discutir. O Brasil tem coisas tão mais importantes que eu acho uma pobreza muito grande um assunto como esse estar na pauta da política brasileira", reclamou.

De acordo com a ex-secretária da Receita, as duas teriam se encontrado para tratar de vários assuntos. Entre eles, Dilma teria pedido que a Receita acelerasse a investigação sobre as empresas de Fernando Sarney, filho do senador, o que Lina entendeu como um pedido para enterrar o assunto.

"Qual a razão que essa secretária tem em não mostrar a agenda?", questionou Lula. "A Dilma já disse que não tem agenda com ela. Ora, como eu não sei da vida das duas e não tenho propensão a ser mexeriqueiro, se as duas se encontraram é só ver a agenda. E não precisa fazer um cenário de crise desnecessariamente entre duas pessoas que conversaram."

Em pé atrás do presidente, ao lado do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, Dilma não gostou da pergunta. Fechou o rosto e cochichou com Lobão.

Lula chegou a elogiar Lina, dizendo que a secretária tinha feito um bom trabalho quando estava na Receita Federal, mas reclamou do que chamou de "manipulação" e desconsiderou o tema, afirmando que vai desaparecer logo do noticiário. "Isso mais dia menos dia vocês não vão me perguntar mais. O povo vai ficar ouvindo ela dizer que conversou e não conversou. Só tem um jeito: abrir a mala em que ela levou a agenda e mostrar a agenda para todo mundo", disse. "Eu, sinceramente, acho que esse processo de manipulação da política brasileira até agora tem mostrado que quem perde com isso é o Brasil."

Assessora da ministra esteve na Fazenda

Geralda Doca e Luiza Damé
DEU EM O GLOBO

Novo levantamento poderá indicar com quem Erenice Guerra conversou e se foi à Receita

BRASÍLIA. O Ministério da Fazenda confirmou ontem que a secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, esteve várias vezes no prédio em novembro e dezembro do ano passado.

A ex-secretária da Receita Lina Vieira afirma que Erenice foi ao seu encontro, no fim do ano passado, para acertar uma reunião com a ministra Dilma Rousseff. Na suposta reunião, segundo Lina, Dilma teria pedido para agilizar investigação da Receita sobre empresas da família Sarney.

Segundo a assessoria da Fazenda, Erenice teria ido ao ministério para participar de discussões sobre a elaboração do programa habitacional Minha Casa Minha Vida.

A assessoria da pasta informou ainda que está sendo feito um levantamento preciso sobre quantas vezes Erenice entrou no prédio e com quem foi falar. Esse trabalho está sendo baseado na agenda dos secretários; portanto, um encontro informal, se houve, pode não constar nos registros. O gabinete da Secretaria da Receita Federal funciona no prédio do Ministério da Fazenda na Esplanada.

Na semana passada, Erenice divulgou nota atestando que a única vez em que esteve na Receita foi no dia 19 de maio deste ano. Na ocasião, segundo Erenice, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e outros assessores também estavam na sala de reunião da Secretaria da Receita Federal.

Visitas costumam ser registradas em livro pela segurança As visitas de Erenice ao prédio podem ter sido registradas pelas câmeras do ministério. No edifício, há equipamentos na entrada e no hall da portaria privativa para autoridades.

Além disso, as guardas de serviço na portaria principal do prédio costumam registrar no livro a entrada de visitas, embora não seja necessária a assinatura dessas pessoas.

A Receita Federal fica no 7oandar do Ministério, mas, desde que Lina assumiu, o local está em reforma. O o gabinete da Receita passou a funcionar no 6oandar, onde, segundo a assessoria de imprensa da Receita, não há câmeras de vídeo.

Já no Palácio do Planalto, onde Lina disse ter ido para reunião com Dilma, todos os veículos que entram na garagem devem ser registrados.

Só não há registros para carros oficiais com placa de bronze, usados por ministros de Estado. Os seguranças anotariam a placa do veículo, o nome da autoridade e qual órgão autorizou a entrada pela garagem. Esse seria o caminho da ex-secretária da Receita ao comparecer ao encontro com a ministra da Casa Civil.

Quem entra pelas demais portarias do Planalto também tem de se identificar e informar onde irá.

O governo também começou a instalar no Planalto um sistema de monitoramento por câmeras, mas até o início da reforma do Palácio nem tudo estava pronto. Toda a segurança do Palácio é da responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que não respondeu ontem às indagações do GLOBO sobre esses registros. Assessores da Presidência dizem duvidar que exista algum registro da entrada de Lina no Planalto.

No Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde funciona temporariamente a Presidência, as autoridades que têm audiência com Lula entram por um acesso exclusivo e passam por um detector de metais. Na entrada há uma lista com as audiências de Lula. Na entrada geral, no bloco três do CCBB, os seguranças anotam nome e número de identificação de quem entra, além da sala para a qual a pessoa se dirigirá.

Amigos é para isso: Erenice deve ganhar vaga no STM

DEU EM O GLOBO

BRASÍLIA. Depois de perder a indicação para o Tribunal de Contas da União (TCU) para o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, a secretáriaexecutiva da Casa Civil, Erenice Guerra, poderá ficar com uma vaga no Superior Tribunal Militar. O presidente Lula deverá indicar Erenice, braço direito de Dilma Rousseff, para o lugar do ministro Flávio Bierrenbach, que fará 70 anos no dia 25 de outubro.

Advogada, Erenice é filiada ao PT desde 1981. Erenice Guerra é hoje a principal assessora de Dilma. Responsável pela administração da Casa Civil, ela substitui oficialmente a ministra.

Além dela, outros dois nomes são cogitados no meio jurídico: o de Reginaldo de Sá, assessor da vice-presidência da República, e Ronald Christian Alves Bicca, presidente da Associação Nacional dos Procuradores Estaduais (Anape).

A vaga é de ministro civil e depende exclusivamente da vontade de Lula.

Candidatura Dilma enfrenta quinzena de dificuldades

De Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O depoimento de hoje da ex-secretária da Receita Federal, Lina Vieira, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, marca uma quinzena de sucessivos problemas na candidatura a presidente da chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff. Além da acusação de que Dilma teria, em uma reunião secreta com Lina, pedido para que o processo fiscal contra Fernando Sarney fosse acelerado - um recado entendido por Lina como encerrado - o PT e Dilma viram frustrados o intuito de convencer o PSB a retirar a candidatura de Ciro Gomes à Presidência, sepultando, por enquanto, os planos de Lula de fazer uma eleição plebiscitária em 2010.

"São tempos difíceis, que vão se aprofundar cada vez mais até a disputa eleitoral do ano que vem", confirmou um petista com bom trânsito no partido e no governo. Para ele, as dificuldades podem ter chegado ao seu ápice nestas duas últimas semanas, mas elas não começaram agora. O primeiro baque foi a descoberta de que a ministra tinha um câncer linfático, o que a obrigou a diminuir o ritmo de trabalho no governo e os eventos políticos. "Quando foi escolhida candidata, Dilma, por não ter tradição política, foi aconselhada a aproximar-se mais dos movimentos sociais e dos partidos políticos, em atividades a serem realizadas normalmente nos fins de semana. Teve de dar uma parada nessa programação por conta do tratamento."

Alguns auxiliares do governo atribuem a isso uma das razões para que a ministra parasse de crescer nas pesquisas de opinião - o último levantamento do Datafolha mostrou Dilma com 16% das intenções de voto, 21 pontos percentuais atrás do tucano José Serra. Depois da doença, o governo passou a se enroscar com a crise do Senado e a cobrança de apoio explícito feito pelo PMDB e pelo presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). "A pauta era importante para a oposição, não para nós, mas fomos enredados nesse tema e não conseguimos sair", disse a fonte petista. A própria Dilma também teve de sair em defesa de Sarney.

Seria natural, na visão desse militante partidário, a defesa de Lula a Sarney, alguém que lhe foi fiel no momento mais crítico do governo - o escândalo do mensalão. "Mas o PMDB aproveitou para nos colocar um torniquete. Ou nós apoiamos o partido ou eles não apoiam com tanto gosto a candidatura Dilma", disse. Surge então Lina Vieira, envolvendo diretamente o governo na crise do Senado.

Na visão de um integrante do diretório nacional, Dilma errou na resposta ao negar veementemente o encontro com a ex-secretária. "Ela podia ter dito que algumas vezes se encontrou com Lina, como disse depois. A melhor defesa seria frisar que não pediu para que as investigações fossem encerradas. Se quisesse dizer isso, diria de forma clara", sugeriu o petista. Para ele, com a pressão da oposição e a insistência de Lina em manter a versão inicial, a cada dia o governo se vê obrigado a desmentir o encontro, numa inversão do ônus da prova. "Guerra política gera isso, nós todos sabemos. Podiam ter facilitado as coisas."

Um assessor governista vê alarmismo nas palavras do petista e discorda delas, reafirmando o pacote da campanha da candidata governista. Diz que, mesmo se todos esses fatos não tivessem vindo à tona, Dilma seria atacada pela oposição por ser a candidata do governo: "Ela tem o que mostrar. Ela está concluindo o marco regulatório do pré-sal, um legado para este país. Vai depois se debruçar sobre o trem de alta velocidade. O PAC está andando, o Bolsa Família é elogiado até pela oposição. Isso é desespero do outro lado, vindo de uma oposição que não tem projeto." (PTL)

A peste holandesa

Luiz Gonzaga Belluzzo
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O real se valoriza sobranceiro diante do dólar e de outras moedas. A moeda americana dobra os joelhos sob o peso das injeções de liquidez inoculadas pelo Federal Reserve e da prodigalidade dos déficits fiscais engendrados pelos Tesouro americano. Mas nada se compara ao desempenho do real: desaçaimados em sua incessante busca de rendimentos, entre crispações e redemoinhos, os gestores de portfólios globais, inquietos com a trajetória da moeda americana, cuidam de rearranjar suas carteiras. Encontram repouso e refrigério na apetitosa arbitragem com o coupon cambial administrado por Meirelles & Cia.

Num ritual farsesco, renova-se em sua caducidade tediosa a discussão sobre a efetividade (ou inefetividade) das intervenções do Banco Central no mercado de câmbio. A controvérsia sobre o câmbio, tão acerba quanto monótona, termina indefectivelmente com a vitória da turma da bufunfa, aqueles que se refestelam na arbitragem financeira e engordam seus cabedais sob o patrocínio das vacilações, medos e inconsistências do governo. Com essas e outras, a competitividade da indústria brasileira se debilita rapidamente, patrocinada pela estupidez de alguns em solerte aliança com a cobiça cega, descomprometida e impudente de outros.

Sergio Lamucci e Vera Saavedra Durão sublinham, em sua competente matéria de segunda-feira deste jornal Valor, a participação declinante das exportações na produção brasileira de manufaturados. Num ambiente de queda da demanda global, a valorização do real torna ainda mais grave e preocupante a decadência das exportações. Ela vai dos têxteis aos calçados, dos automóveis aos ônibus da internacionalizada Marcopolo, para finalmente culminar na degradação das vendas externas de máquinas e equipamentos da nossa indústria de bens de capital. O declínio da exportação de manufaturados, iniciado já em 2005-2006, bem antes da crise, faz parceria com a invasão das importações, prenhes de incentivos e subsídios oferecidos generosamente pelos competidores espertos. Enquanto isso, na Terra Brasilis, as burocracias judiciárias, irresponsáveis e razoavelmente desinformadas, fazem genuflexão diante dos idola teatri do livre comércio e geram desestímulos às exportações, prolatando decisões desastrosas sobre temas que não entendem.

O quadro negativo para a indústria brasileira tende a se agravar diante das brilhantes perspectivas do pré-sal, que prometem expungir definitivamente do horizonte brasileiro os episódios de crise cambial que, quase sempre, deixavam o país entregue à intempéries de graves problemas fiscais e surtos inflacionários. Parece óbvio que os mercados financeiros, restaurados sua confiança pela intervenção munificente dos Estados nacionais cuidem de antecipar a solidez do balanço de pagamento e das reservas brasileiras para os próximos anos. Sob as delícias de curto prazo do câmbio valorizado crescem as terríveis das ameaças da peste holandesa que prometem transformar a economia urbano-industrial brasileira em escombros.

A esta altura do torneio, o óbvio torna-se iniludível. Não são poucas as almas recentemente convertidas à heresia: acusam a política monetária de cumplicidade com a arbitragem financeira, ao sustentar os ainda espantosos diferencias entre a policy rate nativa e as similares globais. Mas, como é de conhecimento geral, também na seita dos economistas e quejandos habitam reputados fundamentalistas da Teologia dos Mercados. Diante das liberalidades do século, ameaçam os hereges com o mesmo ergástulo que Bento XVI recomenda para castigar os tresmalhados do rebanho que recalcitram na violação da "natureza" das coisas, tal como definida pelo discurso da Revelação.

Os chineses sofreram de forma aguda os efeitos da desaceleração global. Mas graças a estratégias eficazes, não só crescem acima da média mundial, como ainda sustentam alentados superávits comerciais, fomentados por políticas fiscais e creditícias agressivas de estímulo às exportações. Desde janeiro de 2009 o governo chinês ampliou os tax rebates para mais de 500 produtos manufaturados. O yuan praticamente não se moveu nos últimos doze meses, protegido pelas intervenções do Peoples Bank of China que não só compra agressivamente divisas como interfere duramente nas posições compradas e vendidas em moeda estrangeira dos bancos chineses.

Eles colhem altas taxas de investimento na indústria e na infraestrutura e rápida escalada no gradiente do horizonte tecnológico. No caso da China, a política de defesa do yuan e a oferta ilimitada de mão-de-obra barata se juntam para esfolar o que resta das indústrias intensivas em mão-de-obra nos concorrentes incautos e desavisados da periferia.

Já observei em outra ocasião que, na China, o aumento da participação das exportações de manufaturas foi acompanhado por um aumento correspondente na geração do valor agregado manufatureiro mundial. Isto tem uma implicação importante: o valor das exportações se elevou com a maior integração da economia ao comércio internacional e induziu o crescimento da renda interna. Neste caso, pode-se concluir que houve um "adensamento" das cadeias manufatureiras domésticas que permitiram a apropriação do aumento das exportações pelo circuito doméstico de geração de renda e de emprego.

Na América Latina, inclusive no México, a história foi outra. O México, diferentemente do Brasil e da Argentina, aumentou bastante sua participação relativa nas exportações mundiais. Mas caiu a sua parte na formação do valor agregado manufatureiro global, exprimindo a desarticulação das cadeias produtivas depois da assinatura do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o NAFTA.

As trajetórias de Brasil e Argentina mostram que a integração das economias foi mal concebida e isto determinou não só a desindustrialização relativa, mas também na perda de posição no ranking do valor agregado manufatureiro.

A teologia do saber convencional só revelará suas nefastas consequências daqui a algum tempo.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

Terreno instável

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Foi um início de semana típico de crise. O Japão anunciou um inesperado número positivo no segundo trimestre, depois de a Alemanha e a França terem feito o mesmo na semana passada. E o que aconteceu? As bolsas caíram. Isso lembra a todos que o mundo ainda se move em terreno instável. A boa notícia é que o Brasil parece que ficará entre os países com número positivo no segundo trimestre.

O economista José Roberto Mendonça de Barros disse que sua consultoria está prevendo que no dia 10 de setembro o dado divulgado pelo IBGE será de 2% de crescimento do PIB, ainda que isso signifique uma retração de 1,2% em relação ao mesmo trimestre do ano passado. José Roberto acha que o Brasil está no grupo dos países que saem mais cedo da crise por não ter tido crise bancária.

— Está havendo uma cacofonia na economia internacional.

Alguns países crescendo forte como China, Índia, Indonésia, Vietnã.

Alguns países saindo da recessão e tendo números positivos mais cedo do que se esperava, como Japão, Alemanha e França. Os Estados Unidos com um consumo ainda fraco mas tendo um número positivo do PIB no terceiro trimestre, e outros países muito mal, como a Rússia — explicou.

De qualquer maneira, as bolsas caíram em todo o mundo. Tóquio recuou 3,10%, no pior dia dos últimos cinco meses. Xangai tombou 5,79%, no pior resultado do ano. No Brasil, o Ibovespa recuou 2,5%. A mudança de humor foi provocada pela China. Depois de ver o crescimento do PIB saltar de 6,1%, no primeiro trimestre, para 7,9%, no segundo trimestre, muita gente apostou que haveria uma grande aceleração até o final de 2009. Essa alta do PIB chinês puxaria o crescimento mundial, principalmente dos países vendedores de commodities.

Mas ontem a ficha parece que começou a cair. Apesar de ainda estar com ritmo forte de crescimento — já que 8% de alta não é pouca coisa — a aceleração não será tão forte quanto parece porque o comércio global e principalmente o consumo americano continuam fracos. Ainda na madrugada do Brasil, empresas chinesas já estavam despertadas para o fato de que há vários problemas no país: anunciaram que não enxergavam crescimento robusto nos próximos meses, mas uma manutenção do ritmo atual. O Investimento Estrangeiro Direto na China caiu pelo décimo mês seguido, em julho. As exportações e as importações recuaram pelo nono mês consecutivo.

Há dados muito bons na economia mundial, e há outros preocupantes. Momento de transição ainda. Os piores riscos ficaram para trás, mas nem todos foram ainda superados. O Japão ter 0,9% de crescimento no segundo trimestre é um resultado realmente excelente. Na pesquisa feita pelo “Japan Times” com as 108 maiores empresas do país, 66% disseram que a recuperação começaria no final do ano. Só 12% já acreditavam num resultado positivo.

Além do mais, Japão e Alemanha estão se recuperando mais rápido em parte porque voltaram a exportar e isso é uma boa notícia que vai além das fronteiras das duas máquinas exportadoras. Mesmo assim, há sustos em outras áreas. A China foi puxada em parte por forte investimento das estatais, que pode ter formado uma bolha.

— A grande dúvida é a sustentabilidade da melhora.

O mundo também se pergunta o que vai acontecer quando acabarem os efeitos das medidas de estímulo fiscal — disse José Roberto.

O fato evitou o aprofundamento da recessão com fortes anabolizantes. Manter a forma sem eles é que será o teste definitivo.

Na visão do Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco, a decepção com o ritmo de aceleração do crescimento chinês foi um dos fatores que provocaram o dia de realização nas bolsas: “Muitos analistas projetaram crescimento acima de 9% para o PIB chinês em 2009. Mas para que isso aconteça, o país teria que acelerar muito fortemente no segundo semestre.

O que estamos vendo até agora é uma acomodação nesse patamar de 8%. Isso não significa que seja um resultado ruim, mas é uma quebra de expectativa em relação ao que muitos economistas haviam previsto”, disse o Bradesco.

José Roberto acha que a crise mostra que os países que têm mercado interno forte, e que não tinham crise bancária, estão retomando o crescimento mais rapidamente.

O Brasil é um desses. Tanto que depois de dois trimestres ruins, o país colherá um número positivo no segundo trimestre deste ano. E ainda que não cresça em 2009, vai ter, na visão de José Roberto, 4% de crescimento no ano que vem. Vários analistas estão revendo para cima as previsões de alta do PIB de 2010 para o Brasil.

Para José Roberto, uma das boas notícias no mundo é que ninguém está piorando: — Alguns estão crescendo, alguns melhorando e ninguém piorando. Mas países como a Espanha, México e Rússia não vão nada bem — afirmou.

A Carta Econômica Galanto, do economista Dionísio Dias Carneiro, chama a atenção para o fato de que a maior parte da melhora é devido aos estímulos financeiros, mas a recuperação ainda não está sendo puxada pela recuperação do consumo.

É isso. O mundo continua em transição, de uma grave crise, para a recuperação.

No atual momento dessa transição o mundo ainda pisa em terreno instável.

Maracangalha - Tom Jobim e Dorival Caymmi

Bom dia!
Vale a pena ver o vídeo

Clique o link abaixo