Luis Ignácio Lula da Silva é uma figura de
relevo na vida brasileira. Por duas vezes foi eleito para a presidência da
República. É a principal liderança do Partido dos Trabalhadores e desfruta de grande
prestígio no país, tendo reconhecido carisma, mesmo porque sabe utilizar bem os
meios de comunicação.
Assumiu a postura de fazer
pronunciamentos irresponsáveis que inclusive criam problemas para os próprios
petistas. Possui projeção internacional
e influencia a atividade política em outros países na América do Sul.
Foi líder sindical no setor metalúrgico no ABC,
em São Paulo. Após um papel destacado nas greves durante a ditadura militar
tornou-se uma personalidade nacional. Nunca fez um curso superior, mas tem um
bom diálogo com setores da intelectualidade. Na condição de líder sindical
entrosou-se com o grupo de intelectuais e com personagens progressistas da
Igreja Católica para organizar o Partido dos Trabalhadores.
Com um projeto de
renovação da luta política no Brasil, o PT em poucos anos tornou-se um partido de
relevo, pela conquista do poder federal, de alguns governos estaduais e muitas
prefeituras, além de possuir uma importante bancada nas duas casas do Congresso
Nacional, inclusive a presidência da Câmara dos Deputados.
Após cumprir um segundo
mandato no Palácio do Planalto conseguiu eleger Dilma Rousseff para
substituí-lo. Há especulações de que ele, em 2014, disputará novamente a presidência
da República, ou poderá optar pela tentativa de reeleger Dilma.
Que fatores influíram para
explicar o prestígio de Lula? Como chegou a ser um líder no cenário nacional? Para
se entender esse fenômeno é indispensável analisar o quadro político e a
realidade da economia. No final do regime militar foram organizados alguns
partidos com uma plataforma de volta ao estado de direito democrático. Atualmente, há uma crítica generalizada à
atuação da maioria dos partidos e uma pressão irrefreável em favor de uma reforma
política.
O PT se destacou pelo fato
de defender os interesses dos trabalhadores e das camadas marginalizadas do
povo, em contraste com a maioria dos outros partidos que nunca defenderam os brasileiros
mais pobres. Apresentando-se dessa forma, o PT ganhou prestígio entre os
trabalhadores e as pessoas que defendem a causa de uma sociedade mais justa.
Ao mesmo tempo o PT se distinguiu por ser uma
organização diferente dos outros partidos, estimulando a atuação de seus militantes
de base e seguindo inicialmente normas de democracia interna dentro do partido.
Mas, para conquistar a presidência da
República, Lula e o PT resolveram conquistar setores conservadores da
sociedade. Assim, nasceu uma contradição entre o programa e a conduta do PT e a
prática de sua política de apoio a poderosos grupos, notadamente bancos e empresas
que realizam grandes obras no país.
Agora, na eleição de
prefeitos e vereadores o PT não obteve as vitórias que desejava. Teve ainda
nacionalmente, uma expressiva votação, mas perdeu eleições em importantes estados,
como em Minas Gerais e Pernambuco, apesar de neles ter havido uma interferência
direta de Lula e Dilma. Evidenciou-se um fato que é apontado pelos analistas –
o prestígio popular de Lula está em descenso e diversas correntes e
personalidades que antes apoiavam irrestritamente o PT não aceitam mais as decisões
de Lula. E no PT já surgem críticas ao fato do ex-presidente impor autoritariamente
sua vontade pessoal, na escolha dos candidatos nos pleitos eleitorais.
A realidade atual do Brasil
Do ponto de vista da
economia, que análise pode ser feita sobre a política e a conduta do Partido
dos Trabalhadores e de seu líder?
Lula e Dilma Rousseff
fazem loas sobre o panorama econômico de nosso país. Na verdade, em
nossa vida econômica há dados positivos. Nossa situação é melhor do que a de
outros países atingidos pela crise econômica. No
quadro mundial estamos colocados na categoria dos países em desenvolvimento.
Nem pobres e nem ricos. Nos últimos anos participamos ativamente no mercado internacional,
como grande exportador de commodities.
Dois fatores contribuíram
para esse desempenho. Em primeiro lugar, porque nos governos anteriores (de Fernando
Henrique Cardoso) houve uma reforma financeira que conseguiu controlar a
inflação, problema secular que dificultava o progresso do Brasil. Ao chegar ao Planalto,
Lula encontrou uma realidade que permitia avanços posteriores na economia, mas
jamais reconheceu essa realidade. Ao contrário, afirma haver recebido “uma
herança maldita” do governo de FHC.
Em segundo lugar, no período dos governos de
Lula, a situação internacional beneficiou a economia brasileira. Ainda não
havia começado a crise que atingiu todos os países, inclusive os mais
desenvolvidos. Cresceram nossas transações econômicas e financeiras no mercado
internacional e esse fato permitiu a considerável exportação de minério de
ferro e de soja a preços elevados, em consequência das enormes importações da
China.
Ficaram também evidentes
alguns fatores que contribuem para o nosso desenvolvimento. Por exemplo, a
existência de um amplo mercado interno e as possibilidades de termos uma grande
produção agropecuária. Além disso, contamos com expressivos recursos
hidráulicos e de petróleo. Os economistas também assinalam o crescimento do
crédito para pessoas e empresas, o que se reflete no aumento da capacidade da
indústria.
Todavia, certos dados demonstram a debilidade de nossa economia,
em comparação com outros países em desenvolvimento. Neste ano o crescimento do
PIB foi de pouco mais de 1,00%. O país enfrenta uma séria crise na
infra-estrutura da economia, que determina o elevado custo dos produtos que
exportamos. Assim os fatos assinalam a diminuição dos investimentos nos últimos
anos, como ocorreu com a importação e a produção de bens de capital.
Apesar dos incentivos governamentais para viabilizar os investimentos
o setor deverá receber este ano recursos de apenas 1,96% do Produto Interno
Bruto. Será o pior desempenho desde o início do lançamento do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), peça-chave nas atividades e na propaganda
do governo federal.
Comprova esse dado a queda
dos investimentos em eletricidade, comunicações, transporte e saneamento,
comparando esses dados atuais com o sucedido nas últimas décadas, a partir dos
anos 70. Por isso, com razão afirma o
economista Mendonça de Barros que o governo diante dessa dificuldade... “corretamente acena com um grande pacote de
concessões, para atrair capital privado em investimentos em estrada de ferro,
portos, aeroportos, entre outros.” (“Folha de São Paulo”, 30/9/12)
Contudo, segundo o mesmo economista, o governo reage de forma
equivocada porque estimula a expansão do consumo ao custo do maior
endividamento das famílias e nas concessões ao capital privado estabelece condições
e regras que dificultam a participação de investidores. Assim, além de repetir
que não está realizando uma política de privatizações – tão criticada na ação
dos governos de FHC – sua atividade é contraditória, causando insegurança entre
os interessados.
O quadro se complica por alguns fatores. Foram agravadas as
dificuldades e insuficiências da Petrobrás, como acontece com os projetos das refinarias
do Rio de Janeiro e Recife e com a dependência da importação de diesel,
gasolina e etanol. A esses dados negativos deve-se acrescentar à queda na
produção de petróleo da Bacia de Campos, levando a empresa a perder receitas consideráveis,
pois foi obrigada a pagar quase o dobro pela importação de diesel e gasolina, comprados
no exterior a preços mais elevados do que os preços dos combustíveis vendidos aos
consumidores no Brasil.
Diversos outros fatores causam problemas para a administração
federal, como os sucedidos com a geração e transmissão de energia, assim como
dificuldades frequentes com projetos equivocados ou mal conduzidos, como o
projeto da usina de Belo Monte e o faraônico plano do “trem bala”.
Em resumo, pode-se dizer
aos economistas do governo – “estúpidos, apesar da propaganda, a economia só
nos dá péssimas notícias!”
Por que consideramos
nefasta a política de Lula?
Luiz Ignácio Lula da Silva,
apesar de sua formação de militante sindical, atua como um caudilho no velho
estilo latino americano, impondo sua vontade, passando por cima de normas, leis
e aspirações de diversos setores sociais.
Inteligente e sagaz contorna
suas deficiências culturais com o que vai aprendendo no diálogo com os intelectuais.
Desde jovem entendeu o que pode e o que
não pode fazer. Porém, dá voltas para obter o que deseja e diante das críticas
tem respostas inaceitáveis. Contudo, é sensível aos sentimentos dos
trabalhadores e muita habilidade na condução da massa operária, mas tem uma
noção clara da correlação de forças na luta política e paciência para galgar
posições. Busca com tenacidade um caminho para impor sua opinião, mesmo sabendo
que não está de acordo com as leis vigentes e com princípios republicanos. Em
resumo, sabe lutar pelo o que deseja sem se prender a normas estabelecidas.
Vários episódios
demonstram como Lula não tem como uma das normas de seu comportamento a luta
pela democracia e o zelo pelos princípios republicanos.
Seu posicionamento político fica evidenciado pela
posição que tomou na Assembleia Constituinte de 1988. Compreendia a importância
de elaboração das leis básicas do País, defendeu com firmeza as teses dos
trabalhadores e compreendeu que a obtenção de determinadas vitórias tinha
limites na Constituinte. Porém, estranhamente, não aprovou o texto
constitucional. Mas, afinal, resolveu assinar
a Constituição da República Federativa do Brasil.
Cometeu um erro político
que é sempre lembrado: combateu a reforma financeira que instituiu a nova moeda
- o real - simplesmente porque foi lançada pelo governo de FHC, quando era uma
providência básica para reduzir drasticamente a inflação, tormento que
prejudicava especialmente os trabalhadores.
Um traço marcante de Lula
é seu desprezo pelas instituições e organizações políticas e sociais criadas ao
longo dos anos, quando são elas que garantem e impulsionam o progresso social,
sendo mais importantes que os planos e projetos dos governos transitórios. Para deixar claro vejamos alguns exemplos:
Vargas tornou-se imortal pela instituição da Justiça do Trabalho e das leis
trabalhistas, além da criação de algumas empresas, como a Petrobras; Kubitschek
tornou-se inesquecível pela criação de Brasília e do impulso dado à
industrialização do país; líderes políticos como Ulisses Guimarães e Tancredo
Neves, se conceituaram eternamente pelo fato de conduzirem a batalha pela
redemocratização e o restabelecimento do Estado de Direito no país.
A lição é, portanto, clara
– governantes passam para a História se construírem ou fortalecerem instituições
ou adotarem políticas fundamentais e se não cometerem erros políticos
essenciais. Por isso, nada sobra de positivo na atuação dos presidentes da
República durante o regime militar.
Não será esquecida a
política de Lula para desmoralizar organizações sociais. A CUT se tornou uma
agência mantida por verbas oficiais a fim de aplaudir o governo e o movimento
sindical deixou de ser uma poderosa arma usada pelos trabalhadores. O mesmo
aconteceu com a gloriosa União Nacional dos Estudantes. São um marco em seu
governo os projetos irrealizáveis, como a transposição do rio São Francisco, o
“trem bala” e paralisou diversas obras do PAC. Também está destruindo até o
Partido dos Trabalhadores, com o arquivamento de seu projeto de reformas
sociais e de sua estrutura interna democrática, impondo nas eleições candidatos
afinados com o ex-presidente.
Nas relações
internacionais dissipou totalmente a tradição de respeito à soberania e à
amizade com os países vizinhos e de busca de uma colaboração com todos os
países. Sob a inspiração de Lula, o Itamaraty abandonou a política de
negociações na Rodada de Doha na Organização Mundial do Comércio. Deixando de
enfatizar a busca de soluções no diálogo multilateral, o Brasil perdeu sua
capacidade de negociar acordos comerciais. Assumiu posições equivocadas na
América do Sul, pelo apoio à política aventureira de Chávez, na Venezuela,
criando uma desavença com o Paraguai e desarticulando o Mercosul.
Ao lado disso, Lula
interfere diretamente na política externa desmoralizando o Itamaraty com
declarações contraditórias na defesa dos direitos humanos. Daí suas afirmações como
a de comparar presos políticos em Cuba com os criminosos no Carandiru, como de negar
o apoio a adversários do governo do Irã, além de não protestar contra os
massacres na Síria. Depreende-se desse comportamento de Lula um dado objetivo:
ele leva para a política internacional seu menosprezo pela causa da democracia
e pela defesa dos direitos do homem.
Outro traço indelével da atuação
de Lula reside no fato de, seguindo a trajetória de todos seus predecessores no
Palácio do Planalto, não ter como princípio exigir de todas as esferas da
administração pública o zelo permanente pelo meio ambiente. Um exemplo
demonstra bem a adoção de medidas que deveriam ser evitadas – os benefícios constantes
dados às montadoras de automóveis (todas elas poderosas empresas estrangeiras),
quando são evidentes os malefícios dos automóveis particulares para o meio
ambiente, notadamente nas grandes cidades. Esses benefícios são dados porque o
governo se preocupa em manter os empregos nessa indústria, não considerando que
soluções alternativas existem para se transferir essa mão de obra para outros
empreendimentos.
Podemos acrescentar ainda
outro comportamento equivocado da política de Lula, continuada por Dilma
Rousseff - a violação dos dispositivos constitucionais que garantem os direitos
das comunidades indígenas de serem consultadas sempre que obras sejam projetadas
em terras por elas ocupadas. Um exemplo dessa violação ocorre com o projeto da
construção da usina de Belo Monte, no Estado do Pará.
Então, já se pode perguntar: qual será o legado de Lula?
Além de se preocupar
positivamente com algumas reivindicações dos trabalhadores ele não adotou uma
política para diminuir a desigualdade social existente no Brasil.
Assumindo a presidência da
República, Lula entendeu que necessitava de maior apoio no Congresso Nacional e
nos meios de comunicação com o objetivo de manter-se no poder por muitos e
muitos anos. Para tanto um grupo de seus
dirigentes criou o “mensalão”, a fim de garantir a aprovação de projetos de
leis encaminhados pelo governo. Estrutura alicerçada em recursos públicos e de
empresas privadas a fim de obter o apoio de parlamentares de outros partidos.
Mas deixará um legado
fundamental: a organização no Palácio do Planalto do chamado “mensalão”, grupo encarregado
de usar recursos financeiros públicos e de empresas privadas para aliciar o apoio
de parlamentares à tramitação de projetos de interesse do governo. Essa atuação criminosa foi denunciada pela Procuradoria
Geral de República ao Supremo Tribunal Federal.
Pela primeira vez no
Brasil as inúmeras sessões do Supremo Tribunal Federal foram transmitidas na
totalidade pela televisão e a imprensa acompanhou o desenrolar do julgamento. E
um fato se tornou indiscutível – esse julgamento foi conduzido respeitando-se
rigorosamente todas as normas jurídicas, notadamente os direitos dos acusados
de se defenderam.
O ministro Celso de Mello,
no julgamento, fez o seguinte pronunciamento: “Entendo que o Ministério Público expôs na peça acusatória eventos
delituosos revestidos de extrema gravidade e imputou aos réus ora em julgamento,
ações moralmente inescrupulosas e penalmente ilícitas que culminaram, a partir
de um projeto criminoso por eles concebido e executado, em verdadeiro assalto à
Administração Pública, com graves e irreversíveis danos ao princípio
ético-jurídico da probidade administrativa e com sério comprometimento da
dignidade da função pública, além de lesão a valores outros, como a integridade
do sistema financeiro nacional, a paz pública, a credibilidade e a estabilidade
da ordem econômico-financeira do País, postos sob a imediata tutela jurídica do
ordenamento penal.”
A divulgação desse julgamento
pela primeira vez mostrou alguns aspectos da trajetória do PT para tentar conseguir
o total controle do país. Esse processo
pós a nu as táticas de Lula para introduzir aqui a estratégia de Chávez, na
Venezuela, de ficar indefinitivamente no poder, esmagando a resistência da
maioria de nosso povo.
O julgamento do “mensalão”
é a condenação mais vigorosa da atuação criminosa do PT, formulada pelos
ministros do STF. Lula tentou de várias
maneiras adiar esse julgamento iniciado sete anos atrás. Depois afirmou ser uma
farsa. Mas, agora, quando os dados concretos da trama vieram à tona, na
divulgação do julgamento, Lula e o PT declaram que o “mensalão” é um conluio
golpista da oposição e dos meios de comunicação para derrubar o governo.
Essa resposta de Lula e do
PT indica claramente que eles consideram justo prosseguir no mesmo caminho
iniciado pelo “mensalão”, pois seu objetivo é liquidar a democracia, enterrando
para sempre a Constituição de 88 e os princípios republicanos.
Mas a Lula e seus
companheiros nessa atividade serão derrotados por uma oposição contra seus
projetos. Por isso, em boa hora, procede a observação de uma pessoa isenta, como
cientista que acompanha de perto a América Latina. Eliana Cardoso, professora
titular da FGV da São Paulo, afirmou: “Teremos
sorte se o julgamento do mensalão vier a livrar a sociedade brasileira do
lulismo.” (“O Estado de S. Paulo, 10/10).
São Paulo, outubro de
2012
Marco Antonio
Coelho é advogado, jornalista, ex-dirigente nacional do PCB, ex-editor
executivo da revista Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, autor dos
livros Herança de um sonho – memórias de um comunista (Editora Record) e Rio
das Velhas – memória e desafios, (Editora Paz e Terra) e atual editor da
revista Política Democrática.