domingo, 2 de maio de 2010

Reflexão do dia - Alexis de Tocqueville


"As sociedades democráticas que não são livres podem ser ricas, refinadas, adornadas e até magníficas e poderosas graças ao peso de sua massa homogênica; nelas podemos encontrar qualidades privadas, bons pais de família, comerciantes honestos e proprietários dignos de estima; nelas veremos até mesmo bons cristãos, pois a pátria daqueles não é deste mundo e a gloria de sua religião é produzi-los no meio da maior corrupção dos costumes e debaixo dos piores governos: o império romano em sua extrema decadência estava repleto deles. Mas o que nunca se verá em sociedades semelhantes , ouso dizê-lo, são grandes cidadãos e principalmente um grande povo, e não tenho medo de afirmar que o nível comum dos corações e dos espíritos não cessará nunca de baixar enquanto houver união da igualdade e do despotismo. "

(Alexis Tocqueville, no livro, O Antigo Regime e a Revolução, pág. 47 – Editora Universidade de Brasília, 1979)

Construir sem demagogia :: Fernando Henrique Cardoso

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Época de campanha eleitoral é propícia à demagogia. Pode servir também para a construção de um país melhor, se os líderes políticos tiverem grandeza. O embate entre PSDB e PT já dura 17 anos, desde o governo Itamar, quando iniciamos o Plano Real. É tempo de reavaliar as diferenças e críticas recíprocas. Os mais destacados economistas do PT daquela época, Maria da Conceição Tavares, Paul Singer e Aloizio Mercadante, martelaram a tecla de que se tratava de jogada eleitoreira. Não quiseram ver que se tratava de um esforço sério de reconstrução nacional, que aproveitou uma oportunidade de ouro para inovar práticas de gestão pública e dar outro rumo ao País. Como tampouco haviam visto que, por mais atribulada que tivesse sido a abertura da economia, sem ela estaríamos condenados à irrelevância num mundo que se globalizava.

A mesma cegueira impediu que se avaliasse com objetividade o esforço hercúleo para evitar que o sistema financeiro se desfizesse por sua fragilidade e pela voragem dos ataques especulativos. Proer, Proes e o respeito às regras da Basileia foram fundamentais para alcançar as benesses de hoje. Passamos pelo penoso aprendizado do sistema de metas para controlar a inflação e aprendemos a usar o câmbio flutuante, sujeito - como deve ser - à ação corretora do Banco Central. Esses processos, a despeito de críticas que lhes tenham sido feitas no passado, constituem agora um "patrimônio comum". O mesmo se diga sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi duramente criticada pelo PT e aliados e, hoje, é indiscutida, embora nem sempre aplicada com o rigor necessário. Isso revela amadurecimento do País.

Na área social o tripé correspondente ao da área econômica se compõe de: aumentos reais do salário mínimo, desde 1993; implementação a partir de 1997 das regras ditadas pela Lei Orgânica de Assistência Social, atribuindo uma pensão aos idosos e às pessoas com deficiências físicas de famílias pobres; e, por fim, bolsas que, com nomes variáveis, vêm sendo utilizadas com êxito desde o ano 2000. Esses programas, independentemente de que governo os tenha iniciado ou melhorado, tiveram o apoio de todos os partidos e da sociedade.

Infelizmente, nem em todas as áreas é assim. Sob pretexto de combater o neoliberalismo, joga-se no mesmo balaio toda política que não seja de idolatria ao "capitalismo de Estado", como se essa fosse a melhor maneira de servir ao interesse nacional e popular. Tal atitude revela um horror à forma liberal de capitalismo e à competição. Prefere-se substituir as empresas por repartições públicas e manter por trás delas um partido. No lugar do empresário ou da empresa a quem se poderia responsabilizar por seus atos e erros, coloca-se a burocracia como agente principal do desenvolvimento econômico, tendo o Estado como escudo. Supõe-se que Estado e povo, partido e povo, ou mesmo burocracia e povo têm interesses coincidentes. Outra coisa não faziam os partidos totalitários na Europa, os populistas na América Latina e as ditaduras militares.

Qualquer neófito sabe que sem Estado organizado não há capitalismo moderno nem sociedade democrática. Não se trata, portanto, da oposição infeliz e falaciosa de mais mercado e menos Estado nem de seu contrário. Na prática o neoliberalismo nunca prevaleceu no Brasil, nem depois do golpe de 1964 quando a dupla Campos-Bulhões reduziu a ingerência estatal para permitir maior vigor ao mercado. Mais recentemente, com a maré de privatizações iniciada no governo Sarney (com empresas siderúrgicas médias), prosseguida com Collor e Itamar (este privatizando a Embraer e a simbólica Siderúrgica Nacional) ou em meu governo (Telecomunicações, Rede Ferroviária Federal e Vale do Rio Doce), o que se estava buscando era tirar das costas do Tesouro o endividamento crescente de algumas dessas empresas produzido pela gestão burocrática sob controle partidário e dotá-las de meios para se expandirem. Passaram a crescer e o Tesouro, a receber impostos em quantidade maior do que os dividendos recebidos quando essas empresas eram formalmente "estatais". Mas o gasto público continuou a se expandir e o papel do governo nas políticas econômicas e na regulação continuou essencial.

Os resultados da nova política estão à vista. Algumas dessas empresas são hoje atores globais, marcos de um Brasil moderno internacionalmente respeitado. Outra não foi a motivação para transformar a Petrobrás, o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica Federal em empresas saneadas e competitivas, sem que jamais governo algum cogitasse de privatizá-las. Foram dotadas da liberdade necessária para agirem como empresas, e não como extensão burocrática dos interesses políticos. Essa é a verdadeira questão e é isto que continua em jogo: Prosseguiremos nessa trilha, mantendo as agências regulatórias com a independência necessária para velarem pelos interesses do investidor e do consumidor ou regrediremos?

Na prática, o governo Lula se envaidece, como ainda agora, de que o Banco do Brasil ou a Petrobrás atuem como global players. Não retrocedeu em qualquer privatização, começou a fazer concessões das rodovias, cogita fazer o mesmo com os terminais aéreos, chega a simular um leilão para a concessão de Belo Monte, com o cuidado de dar (pra inglês ver, é verdade) a maioria do controle a empresas privadas. Por que, então, não deixar de lado a ideologia e o uso da pecha de neoliberal para desqualificar os avanços obtidos dos quais é usufruidor?

Se esse passo for dado, o debate eleitoral poderá se concentrar no que realmente conta: a preparação do País para enfrentar o mundo atual, que é da inovação e do conhecimento. As diferenças entre os contendores recairão sobre a verdadeira questão: Queremos um capitalismo no qual o Estado é ingerente, com uma burocracia permeada por influências partidárias e mais sujeita à corrupção, ou preferimos um capitalismo no qual o papel do Estado permanecerá básico, mas valorizará a liberdade empresarial, o controle público das decisões e a capacidade de gestão?

Sociólogo, foi Presidente da República

Mundo, vasto mundo:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Classificar o Brasil como “a grande esperança do Ocidente” pode soar como uma peça publicitária do ufanismo que domina hoje o governo brasileiro, mas quem o faz é o sociólogo francês Alain Touraine, que conhece muito bem o país e sabe do que está falando.

Ele fala do Estado brasileiro, não deste ou daquele governo. Não é de hoje que ele vê o Brasil como uma das grandes potencias emergentes.

Quando me disse isso em Córdoba, onde participou do seminário da Academia da Latinidade que, dentro da perspectiva de busca de diálogo entre culturas tratou do papel dos BRICs no contexto do novo mundo multipolar, não havia ainda a reportagem da revista “Time” colocando Lula entre as personalidades mais influentes do mundo, mas o presidente brasileiro já havia sido indicado por diversos órgãos europeus como um dos principais líderes do mundo.

Mas já havia a crise econômica da comunidade européia, que marca, para Touraine, a decadência da região. Como os Estados Unidos estão vivendo problemas econômicos graves que devem persistir pelos próximos anos, dos países emergentes o Brasil é o único que representa os valores ocidentais.

Os c ompanheiros d e BRICs são Rússia, Índia e China, e Touraine acha que, deles, só o Brasil tem condições de exercer o papel de ligação entre os países ricos e os pobres.


A Índia poderia exercê-lo também, mas o Brasil tem presença política mais forte no cenário internacional, analisa Touraine.

Já o diretor do Instituto de Pluralismo Cultural da Universidade Candido Mendes, Enrique Larreta, acha que é preciso cuidado ao analisar o papel do Brasil no mundo “para não se cair no ufanismo”.

Ele lembra que a América Latina não pesa no comércio mundial, ao contrário da China, e que a Europa tem economias tão poderosas quanto a da Alemanha, cujo PIB é maior do que o de toda a América Latina.

Larreta diz que o Brasil n ã o é a i n d a u m p o d e r mundial de peso, e sim “líder de uma região que ainda é pobre”.

Uma atitude ufanista pode criar um problema grave com os vizinhos latino-americanos, ressalta Larreta, que relembra que o Itamaraty vem perdendo quase todas as disputas por cargos internacionais, não tem conseguido o apoio da América Latina devido ao temor de que o Brasil esteja contaminado pelo “chauvinismo da grande potência”.

Ele cita a discussão sobre o programa nuclear do Irã, que vem tendo o apoio do Brasil a ponto de suscitar desconfianças na Argentina sobre a posição brasileira com relação à bomba atômica, justamente o que se procurou evitar ao assinar o acordo recíproco de fiscalização com a Argentina no governo Fernando Henrique Cardoso.

O sinólogo François Julien, um dos mais influentes da atualidade na Europa, acha que, se o Brasil não começar a estudar bem a China, vai ser engolido por ela.

Ele diz que prefere o Brasil, onde tudo é aberto, e que na China você tem que interpretar tudo, é tudo voltado para o interior.

Mas isso não o impede de constatar que a China é um país disposto a explorar “sua situação potencial” de maneira pragmática, no dia a dia, sem grandes projetos de futuro que não sejam aumentar sua capacidade de tirar partido de fatores favoráveis para “aumentar sua força e sua posição no ranking das nações”.

Ao mesmo tempo, Larreta chama a atenção para a atuação internacional dos chineses, que seria tão mais discreta quanto mais efetiva.

A presença deles no Conselho de Segurança da ONU tem um perfil muito baixo, analisa Larreta, em comparação com um país que tem atuação com perfil mais alto como a França, “porque tem pouco peso específico”.

Para Larreta, os chineses têm uma política pragmática, com objetivos específicos ao que consideram os interesses nacionais, “mas até isso está mudando”.

Hoje já não apóiam com tanta força a ditadura de Burma, por exemplo, porque estão constatando que o mundo não gosta.

Outro fenômeno novo destacado por Larreta é que a política exterior tem importância na legitimação interna dos governantes, o que se constata tanto na China quanto no Brasil, onde o prestígio internacional do presidente Lula é explorado pelo governo e deve virar tema da campanha presidencial de sua sucessão.

Larreta diz que na China há uma camada de classe média emergente que está ganhando dinheiro e não se incomoda muito com direitos humanos, mas gosta do prestígio internacional do seu país.

Aqui no Brasil, o episódio da revista “Time” é exemplar de como o governo e seu partido tiram proveito do prestígio internacional de Lula ao ponto de aumentá-lo com objetivos políticos, como ao tentar vender a ideia de que ele fora eleito o político mais influente do mundo, à frente do presidente dos Estados Unidos Barack Obama ou dos primeiros ministros japonês Yukio Hatoyama, ou indiano Manmoha Singh.

Essa atitude provinciana torna-se ridícula quando o chanceler Celso Amorim é apanhado tentando fingir naturalidade diante da escolha — “E isso é novidade para você?” reagiu com desdém à primeira informação de que Lula fora escolhido o líder mais influente do mundo —, ainda mais quando se sabe que o perfil de Lula saiu com mais destaque na edição da revista por causa do texto do cineasta americano Michael Moore, e não por qualquer feito do “nosso guia”.

Da mesma maneira, quando se sabe que o economista Jim O’Neill do banco americano Goldman Sachs criou a figura dos BRICs em 2001, antes portanto de Lula ter chegado ao poder, percebe-se o que o sociólogo francês Alain Touraine quer dizer quando afirma que o processo de amadurecimento do Brasil como nação é de longa data e tem sucesso, inclusive internacional, justamente pela continuidade de políticas econômicas e sociais

Fator surpresa:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Por essa o presidente Luiz Inácio da Silva não esperava. Justiça seja feita, nem ele nem ninguém imaginava que por trás da impressão de indecisão e da bagunça generalizada reinante no PSDB houvesse uma campanha presidencial pronta para entrar em cena a tal ponto estruturada que até o adversário reconhece a sucessão de acertos na largada.

Coisa raríssima em se tratando de tucanos, cujas campanhas presidenciais de 2002 e 2006 notabilizaram-se não por desacertos corriqueiros, mas por desastres monumentais dignos de manual. Passos tão fora do compasso que até os acertos eram anulados por equívocos cometidos nos momentos seguintes.

Fiquemos nas cenas inesquecíveis: Geraldo Alckmin consegue ir ao segundo turno com Lula e a primeira coisa que faz é se atirar nos braços de Anthony Garotinho, já em franca débâcle de imagem.

De jaqueta cheia de adesivos de estatais, o tucano posa para fotos a fim de se mostrar mais realista que o próprio rei e cai na armadilha do adversário que assume a partir dali o comando da agenda do debate nacionalista.

Ao que tudo indica, Lula acreditou que a escrita se repetiria. Esqueceu-se de que ele mesmo mudou quando se viu diante do que seria a derradeira chance.

E provavelmente não levou em conta o mais importante: a conduta do adversário diante da dimensão de sua força. É possível que tenha feito essa leitura com sinais trocados.

Por ser muito forte, Lula achou que sua fortaleza bastaria. Intimidaria o inimigo, substituiria a necessidade de uma organização perfeita de campanha, a escolha de candidatura autossustentável.

Pois exatamente pelo poderio de Lula é que o adversário se preparou com antecedência, mediu cada movimento, entrou em campo estrategicamente prevenido, com tarefas divididas e o candidato dono da própria autonomia.

E o PT? Uma babel de comandantes desconectados na dependência de Lula até para administrar vontades de diretórios regionais, com Dilma ainda desconfortável no figurino de candidata.

O presidente estava certo de que dominava o terreno, mas ao se abrirem os trabalhos deparou-se com um cenário inesperado. Onde imaginava que haveria a discórdia - em Minas - fez-se a unidade.

Onde acreditou que haveria espaço para a dicotomia de um plebiscito sem nuances por falta de discurso da oposição, o adversário propõe uma pauta à qual a cada dia acrescenta um assunto diferente.

Onde esperava estabelecer a guerra na base do "nós contra eles" o oponente construiu uma barreira já no início recusando a proposta de maneira explícita e em seguida aproveitando todas as chances para amenizar o tom como quem diz "não quero briga".

Ocorre, porém, que o susto inicial não representa necessariamente a regra do jogo todo. Inclusive porque surpresa por definição dá e passa.

Em tese, o fato de Lula ter sido surpreendido por não poder combater à sombra como gostaria não quer dizer que não possa fazê-lo ao sol. E até sob forte temporal se preciso for.

Imã. Da cúpula do PMDB partiu um alerta ao comando do PT sobre a relação do senador Francisco Dornelles com o PSDB. Nada tem a ver com o lugar de vice de José Serra.

A preocupação é com o papel que o sobrinho de Tancredo Neves e tio de Aécio possa vir a ter na articulação de adesões governistas à candidatura oposicionista.

Os peemedebistas lembraram aos petistas que foi assim, pescando na seara alheia, que Tancredo conseguiu votos para se eleger presidente no colégio eleitoral em 1985.

Água nova brotando. Chico Buarque declarou voto em Dilma Roussef. Quem sabe não serve de incentivo à retomada da participação dos artistas na política.

Uma renovada de ares no ambiente é salutar e, sobretudo, necessária para tentar injetar um pouco de ânimo criativo onde reina a mesmice e a autorreferência. Faria um bem danado ao processo.

Direita, volver! :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O presidente do PT pegou um avião para "enquadrar" o partido no Maranhão, exigindo que abandone a candidatura de Flávio Dino, juiz de carreira e deputado do aliado PC do B, e apoie... Roseana Sarney, cujo sobrenome tem surgido nas confusões do Congresso e em operações da Polícia Federal.

Tudo pela aliança nacional PT-PMDB pró-Dilma Rousseff. Já o presidente do PSDB acaba de jantar com o deputado Paulo Maluf para atrair o apoio e o minuto e meio de TV do PP para José Serra. A contrapartida seria dar a vice para Francisco Dornelles, que é sobrinho de Tancredo e primo de Aécio Neves e que, aliás, almoça com Dilma nesta semana.

Uma peculiaridade da campanha é que Serra, Dilma e Marina Silva vêm da esquerda. Mas serristas e dilmistas se estapeiam pelo apoio de siglas como PP, PTB, PRB e PSC (de Joaquim Roriz no DF), e uma certeza paira no ar: alguém vai ter que ocupar o espaço "de direita".

Uma coisa é a armação do tempo na TV e dos palanques, quando os candidatos tapam o nariz e correm atrás de partidos e caciques. Outra é ajustar o discurso e os compromissos para agradar o eleitor -inclusive de setores nada desprezíveis que rejeitam as teses e práticas da esquerda e têm, além de recurso$, influência política e peso eleitoral. Como o agronegócio no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste.

Ou seja, agora é hora de montar o time, não importa se com gente de direita ou de esquerda, com ficha limpa ou ficha suja. Mas, depois, o foco sai dos partidos e dos políticos e vai para o voto do eleitor.

Marina manterá coerência, Dilma fará concessões e Serra terá que se moldar como "candidato da direita". Não é questão de convicção ou de opção.

Com poucos recursos para competir com Dilma entre os pobres e os nordestinos que endeusam Lula, Serra terá de tirar votos dela entre produtores rurais e na classe média urbana, conservadora e refratária ao PT. Com pose e discurso de esquerda é que não vai ser.

Luciana Rabello cantando

A falta da História:: Janio de Freitas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A OAB pretendeu o reconhecimento de que aqueles crimes dos porões ditatoriais não são políticos

Na garantia de impunidade dada pelo Supremo Tribunal Federal aos autores de tortura, morte, estupro e desaparecimento de presos na ditadura, o saber jurídico brasileiro não traiu o costume nacional em relação ao crime social ou politicamente forte, mas tratou a História com um desprezo desonroso e fundamental para a decisão.

Autora da ação que levou ao STF a Lei da Anistia, de 1979, a Ordem dos Advogados do Brasil pretendeu o reconhecimento, como é tese internacional crescente, de que aqueles crimes dos porões ditatoriais não são políticos. São crimes comuns, crimes de lesa humanidade, e, portanto, não abrangidos por anistia política e sem prescrição. A própria Lei da Anistia não os menciona, em sentido algum.

Sete dos votos no STF adotaram, com mínimas diferenças verbais, o argumento de que "a anistia foi amplamente negociada entre civis e militares". Mas que negociação foi essa e qual foi a amplitude alegada, agora como à época?

A reivindicação de anistia começou ainda no ano em que se deram o golpe e suas primeiras formas de repressão política e física, incluída a tortura na base de Ilha das Flores, da Marinha, e na Vila Militar, do Exército, ambas no Rio, como se deu também em Recife, Belo Horizonte e tantos outros lugares. Não faltam registros das reivindicações e de seus motivos.

Quando a anistia foi discutida, porém, já os militares estavam no poder havia 15 anos.

Logo, estava evidente, e poderia estar nas considerações do STF, quais eram as partes da negociação. De um lado, o poder discricionário, poder armado, sem condicionamentos institucionais, e sem pejo no uso dessas características do regime. De outro lado, os oponentes postos ainda sob a sujeição àquelas características do regime, sempre procurando pequenas brechas (e às vezes altos riscos) onde cultivar mais uns palmos de resistência. A oposição parlamentar, existente só por consentimento do regime, e "depurada" dos oponentes mais perturbadores, não esteve livre daquelas condições no decorrer do breve processo de discussão e fixação dos termos da anistia.

Foi sob a desigualdade extrema das partes que se deram as "negociações amplamente feitas entre civis e militares". De que meios a oposição ao regime dispunha para fazer exigências, ou uma que fosse? Nenhum. Nem por isso faltaram menções à punição dos autores de tortura, mortes, estupros e desaparecimentos de presos. Tais cobranças foram publicadas por alguns jornais, no Congresso houve quem ousasse levá-las à tribuna. O regime recusou-se a discuti-las. Era a limitação pela força. A oposição esticou o quanto as condições lhe permitiram. Os militares entregaram até onde começava a própria razão de admitirem a anistia parcial ao "inimigo", como dizem ainda.

A razão era objetiva: tratar de se assegurarem a impunidade, sem risco algum para a continuidade de suas carreiras ou fora dela. Assim como se dava no exterior, aqui, até entre empresários beneficiados pelo regime, a mínima abertura no governo Geisel foi bastante para demonstrar que o poder imposto entrara em esgotamento irreversível. Nessa perspectiva, admitir a possibilidade de punição a qualquer ato traria risco a suas ramificações na hierarquia das responsabilidades. Na forma e no teor, a anistia foi feita pelo poder militar para o poder militar.

A OAB não "levou 30 anos" para "rever o seu próprio juízo, como se tivesse acordado tardiamente", ao que pensa o presidente do STF, Cezar Peluso. Nem isso se dá com os que se põem contra a impunidade dos autores de tortura, mortes, estupros e desaparecimento de presos. O tempo foi necessário para que a OAB e os demais supusessem haver condições, enfim, para investigar e submeter a julgamento os crimes horrendos da ditadura.

Foi engano.

No país dos placares :: Alberto Dines

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Tudo errado: a começar pelo juridiquês, idioma foneticamente semelhante ao nosso mas tão diferente na semântica. E como a imprensa não se animou a fazer a necessária tradução para a linguagem corrente, não houve debate. Sequer uma reflexão sobre os significados do confronto. No País dos placares, mais um: 7 a 2 contra a revisão da Lei de Anistia. Ao contrário da Espanha que 71 anos depois do fim da Guerra Civil (1936-1939) não se resigna às leis de esquecimento e contrariando a hipocrisia da concertação vai em frente disposta a rever o sangrento ensaio da Segunda Guerra Mundial travado em suas entranhas.

São poucos os sobreviventes da Guerra Civil, o bravo juiz Balthazar Garzón que comanda a cruzada pela revisão dos crimes na Espanha (e por isso corre o risco de perder a toga), não corre atrás de culpados pelos massacres e torturas. Quando começou queria apenas localizar os restos mortais do poeta, dramaturgo e encenador Federico Garcia Lorca fuzilado em seguida ao levante fascista do general Francisco Franco.

A Espanha que saiu às ruas na semana passada não quer punir, quer saber: o prematuro ponto final neste capítulo da sua história é um escárnio à memória dos seus 500 mil mortos, milhares de desaparecidos, torturados e estropiados.

A OAB merece nosso respeito e nossa gratidão, mas data vênia, contentou-se em questionar a Lei da Anistia (que ajudou a aprovar em 1979), esquecida de que há outras e prementes questões legais a serem esclarecidas: quem foi morto, onde estão os seus restos, quem matou, torturou, estuprou e roubou? Como? Por queê Se os facínoras já não estão no inferno, logo lá estarão, mas suas façanhas precisam ser conhecidas, esmiuçadas e inscritas em nossa memória.

É um enorme equívoco imaginar que fazer justiça resume-se a castigar. Tão importante quanto enforcar o gerente do Holocausto, Adolf Eichman, foi conhecer a indústria que montou quase sem resistência e tanta eficácia.

Relator do processo de revisão da Anistia, o ministro Eros Grau, perseguido pelo regime militar, votou pela sua manutenção. Foi elogiado pelos colegas. Poeta, construiu um belo jogo de palavras ao afirmar que "a anistia deve ser concedida a pessoas indeterminadas e não a determinadas pessoas". Evitou generalizações, abriu as portas para revisões específicas, pontuais. Teria sido mais coerente e, sobretudo, mais didático se relatasse a natureza das perseguições que sofreu.

O placar no STF é inquestionável, mas não é desfecho. Soa como desafio para continuações.

Treinada na intermitência das telenovelas a sociedade brasileira precisa encontrar-se com grandes narrativas – contínuas, amplas, fluviais. O desvario que se designa como Anos de chumbo começou antes e vai além do período 1964-1985. Esta história de sangue e poder não ficará engavetada como quer o Judiciário, o Executivo, o Legislativo e os devotados cultores dos pontos finais.

Algo se movimenta: a Lei de Acesso às Informações teve tramitação recorde na Câmara e agora vai ao Senado. Seu anúncio solene há um ano contou com a presença de dois candidatos à sucessão do presidente Lula, o governador José Serra e a ministra Dilma Rousseff - o novo estatuto não confronta a Lei de Anistia mas quando materializado certamente comprovará a sua obsolescência.

Anistia é remédio, tem prazo de validade. Placares também.

» Alberto Dines é jornalista

Dilma está sob o efeito da Lei de Murphy:: Elio Gaspari

DEU EM O GLOBO

A nação petista está diante de uma manifestação virulenta de uma versão 2.0 da Lei de Murphy:

“Quando uma coisa pode dar errado ela dá errado. Quando uma coisa pode dar certo para nosso adversário, ela dá certo”. Em poucas semanas, tudo o que podia dar errado para Dilma Rousseff errado deu. Uma visita ao túmulo de Tancredo Neves acabou em encrenca.(Quem se lembra de outra pessoa criticada por visitar cemitério?)

Arriscou fazer uma omelete diante da apresentadora Luciana Gimenez e contentou-se com ovos mexidos. A mocinha da Passeata dos Cem Mil não era ela, mas Norma Bengell. Ciro Gomes, que em 2005 foi um dos administradores da crise do mensalão, saiu da campanha presidencial atirando em Dilma e massageando José Serra, o “mais preparado, mais legítimo, mais capaz”.


Ciro conhece sua ex-colega de Ministério: “Durante meses, amanheci todos os dias às 7 da manhã no Planalto. Eu, Dilma Rousseff e Marcio Thomaz Bastos. A gente passava a manhã inteira debatendo a crise, procurando saídas para o problema. Depois, despachávamos com Lula”, contou ele à repórter Daniela Pinheiro.

José Serra entrou em campo livre das chuvas paulistas, com um PSDB unido, beijou Aécio Neves, subiu nas pesquisas e, muito provavelmente, está numa linha ascendente. Serra propôs a criação de um ministério da Segurança e viu-se aplaudido.

Se outro candidato fizesse o mesmo, seria acusado de oferecer o mais surrado e inútil dos emplastros burocráticos. (Como o PT criou o Ministério da Pesca, é melhor que evite o tema.) Os efeitos da Lei de Murphy 2.0 são sempre transitórios. Ora as coisas começam a dar certo, ora dão errado para o adversário, mas para que isso aconteça é preciso que o candidato faça alguma coisa.

Até hoje Dilma Rousseff apresentou-se como a candidata de Lula e perguntou a um grupo de entrevistadores da revista “Época”: “Vocês acham que eu tenho cara de poste?” Como não há postes com cara de Dilma, a frase é boa, mas não quer dizer nada. Faltam seis meses para a eleição, e ela ainda não mostrou um rosto.

Ganha uma viagem de ida a Cuba quem puder escrever 20 linhas sobre o tema “O que ela traz de novo?” A ideia de que seja possível avançar na campanha sem responder a essa pergunta é suicida. Supor que o problema possa ser resolvido em conversas com Lula, a quem chamou de “Grande Mestre”, presume que Nosso Guia tem os poderes de Yoda, o sábio de “Guerra nas Estrelas”.

Uma conversa de Dilma com Lula só será decisiva a partir das angústias e dificuldades que ela tiver contado ao padrinho.

Se o PT e Dilma Rousseff acreditam que vencerão pela força de uma gravidade eleitoral de Lula, o mês de maio começa com uma advertência: há muita roda e pouca baiana

Em eventos do 1º de Maio bancados por estatais, Lula faz discurso pró-Dilma

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Adriana Carranca, Wellington Bahnemann e Fernando Scheller

Em três eventos de comemoração ao Dia do Trabalho, organizados em São Paulo por centrais sindicais e patrocinados em parte por estatais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a continuidade de seu governo e promoveu indiretamente a candidatura da petista Dilma Rousseff.

"Quando eu deixar a Presidência, vou mandar registrar em cartório tudo o que fiz (...), porque quero que quem venha depois de mim - e vocês sabem quem eu quero - saiba que vai ter de fazer mais e melhor", disse Lula, pela manhã, na festa promovida pela Força Sindical e pela Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB).

No início da noite, em evento promovido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), ele voltou à carga. Depois de destacar realizações de seu governo, disse que não é possível "mudar, em oito anos, 500 anos de desigualdade". "É preciso mais tempo, mas com sequenciamento", afirmou. Logo a seguir voltou-se para a correligionária: "Dilma, você ouviu o que eu disse?"

Após as manifestações do presidente, líderes da oposição afirmaram que ele está fazendo campanha antecipada e que o caso será levado à Justiça Eleitoral. Os oposicionistas também contestaram o patrocínio estatal a eventos que, segundo eles, viraram palanques para Dilma.

Nos discursos, o presidente destacou ganhos dos trabalhadores nos últimos anos e apoiou o projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, atualmente a principal bandeira de centrais como a CUT e a Força Sindical.

"Houve um tempo em que homens e mulheres trabalhadores tinham jornada de 16 horas", disse.
"Hoje estamos comemorando a jornada de oito horas e comemorando o projeto de redução para 40 horas semanais, para que a gente possa colocar mais gente no mercado de trabalho."

Pela manhã, em um palanque com os logotipos da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e da Petrobrás, além de empresas privadas, Lula previu que seria apontada como "política" a sua primeira participação, como chefe de governo, no evento das centrais. "Alguns vão dizer que é político, porque não vim nos outros anos do meu governo. Mas os outros que vieram não foram considerados políticos."

À noite, o presidente chegou a chorar ao dizer que aquela seria sua última participação, como presidente, em um ato de trabalhadores. Dirigindo-se ao presidente da CUT, Artur Henrique, fez um pedido: "No próximo 1º de Maio, me convide, porque, se tiver alguém ruim na Presidência, a gente vem aqui meter o pau neles, mas, se for alguém bom, a gente vem aqui cumprimentar".

Sem citar nomes, disse que os adversários estão "preocupados" com seu legado. "Depois de mim, quem vier vai ter de trabalhar muito, porque o povo aprendeu a cobrar." Nesse momento, o público começou a gritar o nome de Dilma. Lula continuou: "A legislação não me deixa falar de candidatos, só posso falar de candidato depois de julho."

A pré-candidata, sempre ao lado do presidente, fez discursos elogiosos a ele. Lembrou que foram gerados 12.4 milhões de empregos com carteira assinada em sete anos e previu que, até o fim deste ano, outros 2 milhões serão criados. "Com isso, 24 milhões de brasileiros saíram da miséria e outros 31 milhões ascenderam à classe média."

Lula comentou o fato de ter figurado na lista da revista americana Time dos homens mais influentes do mundo. "A elite brasileira dizia que eu não sabia governar e que eu não falava inglês. Eu não tenho inglês, mas tenho coração e consciência pelo povo brasileiro", frisou.

Em outro momento, voltou a mencionar a revista indiretamente. "Meu legado não vai ser um sucessor, mas colocar na cabeça do trabalhador a consciência de que vocês podem. Se eu, com diploma só de torneiro mecânico, sou hoje o presidente mais reconhecido do mundo, vocês também podem."

Ao falar de política externa, disse que o Brasil "não pode mais achar que é pior que os outros, como pensa essa elite subalterna que governou o País".

Patrocínios. O presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, disse que empresas estatais contribuíram com algo entre R$ 700 mil e R$ 800 mil para viabilizar o evento.

O presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, disse que a festa promovida por sua central e por outras duas entidades custou R$ 1,5 milhão e que cerca de 25% desse total foi custeado por estatais.

Oposição acionará novamente TSE contra Lula


A oposição se prepara para mais um round contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por causa das declarações feitas por ele ontem, durante os eventos em comemoração do Dia do Trabalho. A oposição entra amanhã na Justiça Eleitoral com nova ação contra Lula por campanha antecipada e sugere que pode pedir a anulação da pré-candidatura do PT pela insistência do presidente em demonstrar publicamente apoio a Dilma Rousseff.

Outra frente de ataque será contra as estatais que patrocinaram os eventos de ontem das centrais sindicais. O fato está sendo entendido, na avaliação de alguns integrantes do PSDB e do DEM, como um ato de improbidade administrativa.

O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), informou que o partido encaminhará amanhã os papéis com o pedido da nova ação. É a segunda acusação em menos de uma semana - já que a oposição entendeu que o pronunciamento feito na quinta-feira por Lula em cadeia de rádio e televisão também configurou campanha antecipada.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

PSDB fará nova representação à Justiça Eleitoral

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

DA REPORTAGEM LOCAL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM NAVEGANTES (SC)

O PSDB vai apresentar à Justiça Eleitoral uma representação em que apontará a realização de propaganda eleitoral antecipada em favor de Dilma Rousseff na festa de 1º de maio realizada ontem pela Força Sindical.

Segundo o advogado do PSDB, Ricardo Penteado, além da suposta promoção ilegal da candidatura da candidata petista outras duas infrações eleitorais foram cometidas ontem no evento.

Penteado afirma que a lei proíbe que sindicatos façam contribuições para candidatos nas eleições, e a abertura do palanque da festa para divulgar o nome de Dilma configura financiamento indireto de campanha.

A terceira irregularidade teria sido, segundo ele, realização de propaganda eleitoral em um evento que contou com patrocínio de estatais.

O pré-candidato tucano à Presidência, José Serra, evitou comentar o suposto uso eleitoral das festas das centrais sindicais em entrevista concedida ontem em Santa Catarina.

"Nenhuma opinião sobre isso", disse.

Questionado sobre o que achava do fato de Lula e Dilma terem participado das festas, Serra se esquivou. "Não acompanhei." Questionado se foi convidado, negou. "Se enviaram alguma coisa [convite], não chegou às minhas mãos", afirmou.

Para senador Álvaro Dias (PSDB-PR), Lula fez propaganda para a ex-ministra.

"O presidente fez um discurso político direcionado para a candidata dele. Até na forma cínica como se expressou. É proselitismo eleitoral", afirmou Dias.

José Serra participou de encontro religioso em Santa Catarina

DEU NO DIÁRIO CATARINENSE

Político voltou para São Paulo depois da visita

Raffael do Prado

O pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB, José Serra, participou neste sábado à noite do 28º Congresso Internacional de Missões dos Gideões Missionários da Última Hora, promovido pela Assembleia de Deus, em Camboriú, Litoral Norte de Santa Catarina e que ocorre até dia 4 de maio.

José Serra falou para um público de 10 mil pessoas, conforme a organização do evento. Ele discursou acompanhado do governador Leonel Pavan (PSDB), o ex-governador do Estado Luiz Henrique da Silveira (PMDB), a prefeita de Camboriú, Luzia Coppi (PSDB), e outras lideranças políticas.

O pré-candidato começou o discurso à massa de fiéis da Assembleia de Deus com um 'que todos estejam com a paz do Senhor", a tradicional saudação dos evangélicos. Em seguida, pediu que os religiosos presentes orassem por ele.

— Peçam que Ele me dê sabedoria para enfrentar as batalhas daqui por diante. Todas elas voltadas ao progresso do país — discursou, sob o olhar atento do pastor Cezino Bernardino, presidente dos Gideões.

Ele falou bastante em saúde. Citou a importância da vacinação contra a Gripe A e relacionou o fumante como uma pessoa sem Deus na vida.

— A pessoa que fuma sabe que o cigarro vai fazer mal, mas continua assim mesmo. Depois, adoece e mesmo assim continua fumando. Assim é uma pessoa sem Deus. Sabe que Ele está ali, mas não o procura — disse o pré-candidato.

Durante a coletiva de imprensa, Serra foi questionado se a investigação da Polícia Federal contra o governador Leonal Pavan (PSDB) atrapalha os planos dele em Santa Catarina com foco em Brasília.

— Não tenho avaliação sobre isso. Não conheço os termos desta investigação — salientou.

Sobre os planos para Santa Catarina, caso eleito presidente da República, disse os catarinenses precisam de melhorias na infraestrutura das rodovias e mais parcerias ligadas ao aumento do emprego.

Após quase duas horas em Camboriú, o pré-candidato seguiu com a comitiva em direção ao Aeroporto Internacional de Navegantes Ministro Victor Konder, de onde partiria de volta a São Paulo.

Serra: sem Ciro, nordeste é o alvo

DEU EM O GLOBO

Tucanos iniciam ofensiva para tentar neutralizar avanço de Dilma na região
Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti

BRASÍLIA. Com a saída do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) da disputa presidencial, o PSDB deflagrou uma ofensiva para tentar contornar problemas de palanques de seu candidato à Presidência, José Serra, no Nordeste. Os tucanos pretendem tirar proveito das sequelas provocadas pela pressão exercida pelo presidente Lula e o PT contra Ciro, na expectativa de reduzir a vantagem que a candidata do PT, Dilma Rousseff, mantém hoje na região. Continua sem solução ainda no campo da oposição um dos principais palanques do Nordeste, o de Pernambuco, onde Jarbas Vasconcelos (PMDB), o candidato pretendido por Serra, adiou por mais uma semana sua definição.

- A saída de Ciro da disputa ajudará nos acertos regionais, principalmente no Nordeste - aposta o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).

A prioridade da cúpula tucana passou a ser viabilizar candidaturas ao Senado em estados onde ainda não tem candidato ao governo. Serra precisa resolver palanques em ao menos quatro estados, onde Dilma já tem alianças consolidadas - Ceará, Pernambuco, Paraíba e Maranhão.

A principal aposta dos tucanos é que a saída de Ciro da sucessão presidencial possa aproximar ainda mais seu irmão e governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), ainda que numa aliança informal. Tasso pretende disputar um novo mandato para o Senado, com o apoio de Cid.

- A minha base eleitoral é quase a mesma de Ciro no Ceará. Minha expectativa é que uma boa parte dos votos que Ciro teriam no estado migrem para Serra - afirmou Tasso.

Segurança pública: Um debate atrasado e urgente

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

ENTREVISTA - Rogério Bastos Arantes é professor do departamento de Ciência Política da USP

Segurança pública não é só um problema cotidiano dos cidadãos – é questão de governo e de Estado, diz especialista

Ivan Marsiglia


Quando o cientista político Rogério Bastos Arantes decidiu, em um trabalho inédito, construir um banco de dados para analisar 600 operações da Polícia Federal ocorridas entre 2003 e 2008, ele esperava conhecer a ação do Estado contra a corrupção e o crime organizado no País. O que acabou conhecendo melhor, conta ele, foi outra coisa: "Como o crime organizado e a corrupção são dependentes do Estado".

Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e docente da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) de 1995 a 2008, Arantes, 41 anos, é um especialista no funcionamento das instituições políticas e judiciais brasileiras. Goiano de Anápolis, ele viu sua pesquisa sobre a atuação da PF ganhar relevância extra essa semana, quando notícias sobre o grupo criminoso Primeiro Comando da Capital (PCC) extrapolaram as fronteiras nacionais.

Dois brasileiros supostamente ligados à organização foram presos em Pedro Juan Caballero após um atentado contra o senador paraguaio Robert Acevedo. Não foi só isso: na segunda-feira, o governo dos EUA emitiu um comunicado pedindo que seus cidadãos evitem o litoral sul paulista, onde 13 assassinatos foram atribuídos à facção criminosa nos últimos dias.

Diante dos fatos, os principais pré-candidatos à Presidência da República foram à guerra. O postulante tucano, José Serra, prometeu, se eleito, a criação de um Ministério da Segurança Pública. A petista Dilma Rousseff rebateu, exaltando a coordenação federal da área, que já vem sendo feita via Ministério da Justiça. "Pela Constituição, cabe aos governos estaduais o combate ao crime", ressalta Rogério Arantes, "mas segurança pública diz respeito também a políticas de governo e de Estado".

Na entrevista a seguir, o cientista político fala do atraso com que o tema da segurança entrou na agenda da redemocratização, dos R$ 22 bilhões em recursos sugados do País pelas organizações criminosas - mais que o orçamento anual do Bolsa-Família -, do papel decisivo e dos riscos da atuação da PF e da conivência que marca por vezes o cidadão brasileiro: "As pessoas costumam ver a corrupção apenas no Estado, mas ela está na sociedade também".

Pesquisas de opinião mostram que a segurança, ao lado da educação, é a segunda maior preocupação dos eleitores brasileiros, atrás apenas da saúde. O tema será decisivo na campanha presidencial?

Sem dúvida, é um dos temas candentes da opinião pública nacional por aquilo que cerca as pessoas em seu cotidiano. Mas o debate entre os principais candidatos, Serra e Dilma, me parece, vai além: diz respeito a políticas de governo e de Estado. Foi o que os levou a divergir sobre a criação de um Ministério da Segurança Pública.

Um novo ministério é o caminho?

Eu diria que é natural que essa ideia apareça no contexto atual. Uma política que, segundo a Constituição, é fundamentalmente estadual, sofreu nos últimos anos um deslocamento para o plano federal - em função da política de segurança capitaneada pelo Planalto. Esse deslocamento envolve um fortalecimento das instituições federais de combate ao crime organizado e à corrupção, como a Polícia Federal e o Ministério Público. O governo chamou para si a responsabilidade de coordenar a área, e a proposição de um Ministério da Segurança viria consolidar esse processo.

E por que Dilma rejeitou a proposta?

Foi como se Serra se apropriasse de uma política que vem sendo conduzida de modo bem-sucedido pelo atual governo - na linha da estratégia de campanha tucana, que é a do "podemos mais". Dilma disse que a questão é mais de coordenação que de institucionalização em forma de ministério, pois é o que o Ministério da Justiça já vem fazendo. E em nível bastante agressivo: hoje, 17 Estados têm como secretários de segurança delegados da PF que foram conduzidos ao cargo mediante essa política articulada entre o governo federal e estaduais. E as Secretarias de Segurança sempre foram cargos estratégicos para as elites locais - que hoje não se incomodam ou se veem obrigadas a cedê-los para o nível federal. Dilma também disse: "Nós fizemos a Força Nacional". Mas o eleitor pergunta: onde está essa força? Ela não existe como corporação, é um conceito, que serve, nos casos previstos pela lei, para reunir policiais de corporações já existentes. A verdadeira força nacional hoje é a PF.

Por quê?

Ela é uma novidade republicana. Para repetir o bordão de Lula, nunca na história deste país se teve uma força policial de caráter civil, sob o comando do Poder Executivo federal e com capacidade de atuação em todo o território nacional. Nem os militares ousaram "empoderar" assim a organização. Após a ditadura não se fez isso, o governo FHC não o fez - exceto no final, quando inicia o reaparelhamento da PF. Quem de fato "soltou os federais" foi Lula. Já a criação de um ministério específico para a área esbarraria no texto constitucional. Seria uma tarefa mais complicada.

Nos últimos dias, o PCC saltou do noticiário paulista para o internacional, com o atentado no Paraguai e a recomendação do governo americano para que seus turistas evitem o litoral sul de São Paulo. A pressão de fora pode mobilizar as autoridades brasileiras?

Esses episódios pressionam o governo, mas são de fôlego curto. Entretanto, é perigoso para a segurança do Estado brasileiro o fato de que na região fronteiriça haja uma confluência do tráfico de drogas, de armas e do crime organizado. Quando um Estado não consegue controlar minimamente seu território e o uso da força nele, a ponto de ter que decretar "estado de exceção", como fez o Paraguai, passa a caminhar na direção do que a literatura chama de failed states - "Estados falidos". No Brasil, o crime organizado nunca chegou a ameaçar a ordem nesse nível. Mas a atenção do País deve ser redobrada.

Depois de um período de retração, o número de homicídios em São Paulo, a principal unidade da federação, voltou a subir. Outro dado preocupante: desde 2004, 21.240 das 97.549 armas de fogo registradas em nome de empresas de segurança privada foram roubadas ou furtadas. O que fazer?

Cabe à PF a fiscalização do porte de armas pelas empresas de segurança. A polícia não vinha sendo capaz de exercer esse controle de fato, e a sociedade desconhecia esses números e seu significado. Nós realizamos um referendo nacional sobre comercialização de armas e não dispúnhamos dessa informação crucial sobre o ingresso de armas no mercado ilegal brasileiro.

Por que o debate sobre segurança parece tão atrasado no País?

Porque desde a redemocratização a questão da segurança foi muito mais trabalhada sob o signo dos direitos humanos do que do fortalecimento do aparato policial. Isso foi muito benéfico, mas travou a discussão sobre a questão do crime a necessidade de reaparelhar as instituições de segurança pública. Naquele momento, importava mais reconstruir o Estado de Direito. O que ocorre agora é uma mudança de paradigma, e não deixa de ser curioso que tenha tido início na passagem da era FHC para a era Lula. Talvez por isso o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) não tenha encontrado terreno propício no debate público ou o STF tenha posto uma pedra sobre a ideia de revisão da Lei de Anistia. Não sei se essa é a melhor forma de encerrar o longo ciclo da redemocratização, mas diria que foram os últimos suspiros do cisne.

Uma das conclusões da pesquisa que o sr. realizou foi de que o crime organizado no Brasil é "dependente-associado" do Estado em 4 de cada 10 casos. O que isso quer dizer?

Que, em grande parte dos casos, o crime organizado depende do Estado e de seus agentes para se realizar. Seja de modo ativo, pelo assalto a recursos públicos, seja passivo, pela corrupção das atividades de fiscalização e de policiamento. Quando decidi estudar as operações da PF, estava motivado pela ideia de conhecer a ação do Estado contra a corrupção e o crime organizado. O que acabei conhecendo melhor foi como o crime organizado e a corrupção são dependentes do Estado. O maior número de operações da PF, por exemplo, ocorreu no combate à corrupção no INSS - que, no orçamento federal, detém a maior rubrica. Uma única operação desbaratou uma quadrilha que desfalcou a Previdência em R$ 1 bilhão. De modo que a PF a apelidou de "Ajuste Fiscal". O volume de recursos movimentados pelas organizações criminosas, estimado a partir de 125 dessas operações, foi da ordem de R$ 22 bilhões (o orçamento do Bolsa-Família previsto para 2010 é de R$ 13,7 bi). Isso quer dizer que boa parte da riqueza socialmente produzida no Brasil não é apropriada pelas vias legais - mas pelo crime, pela sonegação, pela facilitação de negócios ilícitos, etc. As pessoas costumam ver a corrupção apenas no Estado, mas ela está na sociedade também.

Sua pesquisa considera a atuação da PF positiva. Há problemas também?

A PF aparece na linha de frente dessas operações, mas por trás dela há quase sempre uma "força-tarefa", envolvendo também o MP e o Poder Judiciário e até agentes de outras instituições. Isso gera maior eficácia, mas preocupa os defensores das garantias e liberdades individuais. É o receio de que resultem em abuso de autoridade - como chegou a alertar o ex-presidente do STF, Gilmar Mendes.

Os principais candidatos à Presidência parecem bem informados sobre segurança?

O primeiro round travado entre os dois revela baixo grau de entendimento dessas questões. Quero crer que a campanha eleitoral seja capaz de produzir informação mais qualificada. Se a gente considerar que nas áreas econômica e social o mais provável é que haja continuidade, independentemente de quem assumir a Presidência em 2011, o que pode fazer diferença nas eleições deste ano são áreas como a da segurança. Seria muito útil, por exemplo, se esses candidatos pelo menos antecipassem o perfil dos futuros ocupantes dos cargos de ministro da Justiça e procurador-geral da República. São estes que lideram as organizações mais importantes para a segurança hoje, a PF e o MP, e terão que enfrentar o desafio de manter o equilíbrio das funções no interior do sistema. Eu definiria o meu voto em função dessas escolhas.

Governo abriga ministros e aliados nos conselhos de estatais e de bancos

DEU EM O GLOBO

Levantamento mostra que muitos não têm qualificação para justificar cargo

Regina Alvarez

BRASÍLIA. Ao largo de critérios técnicos, estatais e grandes bancos públicos abrigam nos seus conselhos fiscal e de administração ministros de Estado, assessores do segundo escalão, apadrinhados e aliados políticos do governo. A prática não é nova, mas está disseminada na atual administração. Funciona, em muitos casos, como uma forma de engordar os rendimentos mensais dos ministros e de um grupo de assessores mais próximos do poder. Levantamento feito pelo GLOBO mostra a presença de 12 ministros nos conselhos das maiores estatais e bancos federais, sendo que alguns sem qualquer qualificação técnica que justifique a ocupação dessas cadeiras. Os salários chegam a R$ 14 mil para participar de uma reunião por mês.

A lista de conselheiros das estatais e bancos públicos — montada a partir de respostas das empresas a um requerimento de informações do deputado Arnaldo Madeira (PSDBSP) — traz informações que reforçam a ação entre amigos por trás dessas nomeações. Um dos casos emblemáticos é o da arquiteta Clara Ant, que ocupa uma das vagas do Conselho de Administração do BNDESPAR, com salário mensal de R$ 4.600 para participar de uma reunião a cada três meses.

Considerada uma das pessoas mais próximas de Lula, até poucos dias, Clara ocupava o cargo de chefe de gabinete adjunta do presidente, mas o Diário Oficial do dia 15 de abril trouxe a sua exoneração, já que a militante histórica do PT se engajou na campanha da candidata Dilma Rousseff.

Perguntado na sexta-feira sobre a permanência de Clara Ant no conselho do BNDESPAR, mesmo após ter deixado o governo para reforçar a campanha de Dilma, o BNDES informou, por meio da assessoria, que a arquiteta havia solicitado o seu desligamento e não participaria da próxima reunião do conselho, mas não soube informar a data do pedido.

Erenice está em dois conselhos

No topo do organograma das empresas, os conselhos de administração e fiscal têm importância estratégica em qualquer organização, mas no governo a gestão profissional é muitas vezes deixada em segundo plano para atender a interesses políticos.

O critério que prevalece em muitos casos é a proximidade com o poder. Erenice Guerra, recém empossada ministra da Casa Civil, já era poderosa antes de ocupar a vaga de Dilma Rousseff. E isso se reflete em sua presença nos conselhos de empresas e bancos federais.

Erenice faz parte do Conselho de Administração do BNDES e da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), que tem uma das vagas ocupada por outro assessor da Casa Civil: Swedenberger Barbosa — que ultimamente está mais envolvido com a reforma do Planalto.

Outros dois assessores que despacham no Palácio do Planalto — Cezar Alvarez e Luiz Alberto Santos — têm vagas garantidas em conselhos federais.

Cezar, assessor direto do presidente Lula, está na Finep, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, enquanto Santos, assessor da Casa Civil, está nos conselhos da Eletronorte e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Apadrinhados do governo e de aliados políticos estão acomodados em conselhos de estatais importantes, como é o caso de Silas Rondeau, ex-ministro de Minas e Energia, que deixou o cargo em 2007 por suspeitas de envolvimento em corrupção. Rondeau — que é afilhado político do presidente do Senado, José Sarney — recebe R$ 5.500 mensais da Petrobras e 13osalário, para participar de uma reunião mensal do Conselho de Administração.

Tesoureiro do PT recebe R$ 14 mil

Já o sindicalista João Vaccari Neto, eleito recentemente para o cargo de tesoureiro do PT, continua assentado em uma vaga do Conselho de Administração da Itaipu Binacional, com salário mensal de R$ 14 mil. O mais disputado dos conselhos abriga também os ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e das Relações Exteriores, Celso Amorim, além do ex-governador do Rio Grande do Sul Alceu Collares, militante histórico do PDT e amigo de Dilma Rousseff.

Outros dois sindicalistas: João Felício, da CUT; e Cláudio Guimarães da Silva, o Janta, presidente da Força Sindical no Rio Grande do Sul, ocupavam cadeiras no Conselho de Administração do BNDES até poucos meses. Cláudio foi exonerado em 1ode abril, porque é candidato às eleições de outubro.

— Esse procedimento para favorecer apadrinhados e interesses pessoais é uma prática política das mais rasteiras.

Mostra como continuamos com uma visão patrimonialista do papel do Estado — observa o deputado Arnaldo Madeira, que inquiriu as empresas sobre a ocupação dos conselhos, com base em prerrogativa garantida pela Constituição.

— No setor privado, mesmo as empresas familiares têm conselhos de administração profissionalizados.

Enquanto nas estatais o patrimônio público é usufruído por alguns poucos — destaca o parlamentar.

A distribuição das vagas nos conselhos em muitos casos não atende a requisitos essenciais, como um mínimo de afinidade do ocupante com a área em que a empresa atua. É o caso, por exemplo, do ministro Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência, que está assentado no Conselho de Administração da Eletrobrás, junto com Miriam Belchior, a nova mãe do PAC.

A lista de secretários ou assessores dos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo, que ocupam vagas nos conselhos dos bancos e estatais ultrapassa uma dezena.

Em vários casos não há também relação direta entre a atividade da empresa e a função do assessor no governo. Como acontece com Alexandre Rosa, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, que está no Conselho de Administração de Furnas, junto com o ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde, do grupo do deputado Eduardo Cunha, do PMDB do Rio.

O Ministério do Planejamento, que indica conselheiros para várias empresas e bancos, não quis comentar os critérios que utiliza

PF vê fraude bilionária em 5 obras da Petrobras

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Ao menos cinco grandes obras da Petrobras licitadas no governo Lula foram alvo de acordos e manobras clandestinas de empreiteiras que resultaram, de acordo com a Polícia Federal, em custo adicional de R$ 1,4 bilhão, informam Leonardo Souza e Renata Lo Prete. Segundo a PF, as construtoras participaram indiretamente da elaboração dos editais.

Fraude na Petrobras provoca rombo de R$ 1,4 bi, afirma PF

Segundo polícia, construtoras fizeram acordos clandestinos para simular concorrência

Investigação mostra que empresas participaram da elaboração de editais para diminuir a concorrência e combinaram lance vencedor

Leonardo Souza
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Renata Lo Prete
EDITORA DO PAINEL

Ao menos cinco grandes obras da Petrobras licitadas no governo Lula foram alvo de acordos e manobras clandestinas de empreiteiras que resultaram num custo adicional de R$ 1,4 bilhão para a estatal.

O superfaturamento foi constatado por peritos da Polícia Federal a partir de documentos apreendidos em cinco operações desde 2008.

Técnicos da PF descobriram que construtoras participaram indiretamente da elaboração dos editais, de maneira a restringir a quantidade de concorrentes, e combinaram previamente o lance vencedor dos certames. Em um dos casos, o acerto incluiu também a divisão "por fora" da execução do projeto e do sobrepreço imposto à petrolífera.

Desde o início de março, a Folha publica uma série de reportagens a respeito de "consórcios paralelos" montados por empreiteiras em todo o país para repartir contratos públicos à margem do resultado das licitações. Em volume de recursos, os casos relacionados à Petrobras são, de longe, os maiores até agora identificados. Os valores contratados pela estatal somam R$ 5,88 bilhões.

Referem-se aos seguintes empreendimentos: Unidade de Tratamento de Gás de Caraguatatuba, Unidade de Coque da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), Refinaria do Nordeste, Refinaria do Vale do Paraíba (Revap) e Unidade Termelétrica de Cubatão.

Entre as empresas participantes do conluio, de acordo com os documentos da PF, estão a Camargo Corrêa e a GDK, protagonista de um escândalo envolvendo a Petrobras e o então secretário-geral do PT, Silvio Pereira, em 2005.

Ele recebeu um carro Land Rover, avaliado em R$ 73,5 mil, do dono da GDK. O episódio foi investigado na ocasião pela CPI dos Correios, que considerou a doação "um caso exemplar de tráfico de influência".

A participação da construtora baiana GDK se deu na licitação da unidade de Caraguatatuba (SP). Em uma primeira disputa, realizada em 2006, a GDK havia apresentado a menor proposta, com valor de R$ 988 milhões. Mas ela não foi qualificada. Nenhuma empresa foi, levando a Petrobras a fazer nova concorrência no ano seguinte.

Da segunda vez, a GDK não participou. O consórcio vencedor, composto por Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e IESA, deu um lance de R$ 1,462 bilhão -R$ 474 milhões acima do oferecido pela GDK no ano anterior. Posteriormente, após negociação imposta pela Petrobras, o valor do contrato caiu para R$ 1,395 bilhão.

A empreiteira baiana, contudo, deixou a concorrência apenas oficialmente. Por fora, de acordo com a PF, a GDK levou 20% do empreendimento.

Os peritos da polícia encontraram também, na sede da Camargo, uma proposta individual da empreiteira para a mesma licitação, com valor de R$ 1,263 bilhão -R$ 200 milhões a menos do que o lance vencedor.

Ou seja, quando a GDK se retirou oficialmente, e a Camargo se associou às demais construtoras, a proposta vencedora aumentou consideravelmente. A PF acredita que o valor do lance tenha sido acertado antes da formação do consórcio.

Numa análise detalhada do contrato de Caraguatatuba, os peritos identificaram superfaturamento de R$ 351 milhões -33,65% a mais no valor total.

No projeto das unidades da Repar ocorreu algo semelhante. Um consórcio liderado pela Camargo Corrêa, do qual fez parte a Promon, venceu a concorrência com lance de R$ 2,488 bilhões.

Também nesse caso, a Polícia Federal encontrou uma proposta individual da Camargo, com valor de R$ 2,261 bilhões -mais uma vez, com a redução da competição, o lance vencedor aumentou. Além disso, a perícia constatou um superfaturamento na obra no valor de R$ 655 milhões.

Privilégio

Tanto nas unidades de Caraguatatuba quanto na Repar e em outras duas obras da Petrobras (Revap e UTE de Cubatão), os peritos constataram que a CNEC Engenharia, braço da Camargo Corrêa até janeiro deste ano, foi responsável pela elaboração dos projetos básicos dessas obras constantes dos editais das licitações.

Assim, de acordo com os técnicos da polícia, a Camargo Corrêa e seu grupo passaram a ter informações privilegiadas, prejudicando a competitividade dos certames. Na Revap, UTE de Cubatão e na Refinaria do Nordeste, o superfaturamento constatado pelos peritos somou R$ 405 milhões.

O esquema dos "consórcios paralelos" foi identificado pela PF, CGU e TCU em diversas obras importantes do país, como os metrôs de Rio, Brasília, Fortaleza, Salvador e Porto Alegre e a BR-101. As investigações, porém, estão suspensas por determinação do Superior Tribunal de Justiça.

Solavancos na eurolândia: Luiz Gonzaga Belluzzo

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Diante da expectativa de calote, os prêmios de risco dos países vão às nuvens, e o euro declina ante do dólar

As bolsas de Valores andam aos solavancos no mundo inteiro. Dançam ao ritmo das expectativas e avaliações dos investidores a respeito da solução da crise grega. Pior ainda, diante das hesitações da liderança europeia, os mercados endurecem o jogo e transmitem o vírus da desconfiança para as demais economias frágeis da eurolândia e da Europa do Leste. Em meio às expectativas sombrias dos mercados financeiros quanto à solvência dos papéis soberanos da periferia europeia, os prêmios de risco dos infelizes vão às nuvens, e o euro declina diante do dólar.

A edição da revista "The Economist" que chegou às bancas na sexta-feira faz coro à tese do contágio, diante da fragilidade da dupla ibérica -Portugal e Espanha, também encalacrados em deficit externos e fiscais elevados, endividamento público próximo ou superior a 100% do PIB (Produto Interno Bruto) e uma quase insanável deficiência competitiva.

Na impossibilidade de uma desvalorização cambial, o ajustamento "made in Germany" vai requerer, além do corte de gastos, a redução de salários nominais, tanto no setor público como no privado. Isso tudo, dizem os alemães, para restaurar a competitividade dos combalidos compradores de seus produtos e devedores de seus bancos.

Não vai funcionar, sugere a "The Economist". Em manobra de alto risco, os europeus criaram o euro, a moeda comum, sem construir um espaço fiscal comum e, assim, diante da crise financeira de seus membros mais frágeis, ficaram à mercê da boa vontade dos alemães, os grandes beneficiários da moeda única.

Na ausência de um programa de refinanciamento e de transferências confiável, a "saída" mais provável é uma "corrida" contra os bancos gregos, portugueses e espanhóis, naturalmente com reverberações sobre os demais credores europeus, inclusive os alemães.

Até ontem danificados em sua credibilidade por suas próprias façanhas, os "mercados" foram revigorados por formidáveis injeções de dinheiro, uma espetacular "inflação" de passivos monetários dos bancos centrais.

Eles abrigaram em seus balanços a escumalha financeira do "subprime" e adjacências, montaram programas de troca de papéis podres por passivos de sua emissão, ou seja, dinheiro, enquanto os Tesouros emitiam títulos públicos para proteger a riqueza privada em estado periclitante.

No auge da crise, os bancos centrais da cúspide capitalista cumpriram sua missão. Tão logo o pânico cedeu, os senhores da finança, montados na grana, não trepidaram em exigir prêmios de risco mais compensadores para rolar a dívida dos governos da Grécia, da Irlanda, da Itália, da Espanha e de Portugal.

Os governos dos países supracitados, diga-se, são, ao mesmo tempo, vitimas e algozes da farra financeira e de seu triste destino, alvos e beneficiários da orgia de endividamento público e privado promovida pela internacionalização da "exuberância irracional".

Luiz Gonzaga Belluzzo, 67, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

O eleitor e a reforma do Estado:: Suely Caldas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Aí está um bom tema de campanha. Para o eleitor, com certeza, para o candidato, nem tanto. A proposta de José Serra de criar dois novos ministérios e extinguir outros dois, bem podia ser ampliada para a reforma do Estado inteiro, o tamanho de governo que o País precisa e quanto em dinheiro os brasileiros estão dispostos a pagar para sustentá-lo. Se eleito for, o candidato tucano prometeu criar os ministérios da Segurança Pública e do Deficiente Físico e extinguir o de Portos e a Secretaria de Assuntos Estratégicos. A adversária, Dilma Rousseff, revidou: os novos são desnecessários, mas calou em relação aos outros. Até porque, quando ministra, enviou ao Congresso medida provisória transformando em ministérios quatro secretarias - Direitos Humanos, Promoção de Igualdade Racial, Políticas de Mulheres e de Portos. Já Marina Silva foi direto ao ponto: "Criar novos ministérios é empilhar mais estruturas."

O ex-presidente Itamar Franco deixou para o sucessor 22 ministérios, FHC terminou o segundo mandato com 21 e mais 9 secretarias. Em 2003, Lula inventou novas Pastas para abrigar companheiros derrotados nas urnas (Olívio Dutra, Benedita da Silva, etc.) e contemplar partidos aliados.

Hoje, há 37 ministérios e secretarias com status de ministério e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que nada aconselha e se reúne mensalmente para ouvir glórias ao governo. O debate sobre uma reforma de Estado verdadeira, orientada pelas carências do País e da administração pública e não pela conveniência política do plantonista do Planalto, pode até não seguir adiante nesta campanha eleitoral, mas é absolutamente necessário constar dos planos de governo dos candidatos.

Em nome da governabilidade, Lula aumentou o tamanho do Estado, contratou milhares de novos funcionários, povoou o governo com políticos despreparados, aparelhou o poder público com petistas, mediocrizou a gestão pública e multiplicou a folha de salários. É preciso rever tudo isso. Não se trata de cortar pessoas, nem de reduzir o estado ao mínimo, como rotula o PT.

Trata-se de eliminar o supérfluo, reforçar áreas onde o Estado tem atuação vital, racionalizar a máquina pública, valorizar funcionários de carreira, premiar a eficiência e tornar a administração menos onerosa para uma população que já paga 37% do PIB em impostos e chegou ao seu limite e não pode ser mais extorquida. Um Ministério da Segurança será bem-vindo, se for dotado de estrutura técnica e profissional, com especialistas capacitados e treinados, capaz de cumprir metas de queda da criminalidade e ficar longe, muito longe, da interferência dos políticos. Mas um Ministério para Deficientes é tão dispensável quanto alguns criados por Lula: Pesca, Portos, Mulheres, Igualdade Racial.

São ações de políticas públicas necessárias sim, mas que podem ser tocadas por outros ministérios, não precisam de estruturas próprias, inúteis, dilatadas e caras, que só incham a máquina sem nada retribuir ao contribuinte. Afinal, a infraestrutura portuária continua deficiente, a pesca não expandiu e a situação das mulheres e negros pouco ou nada mudou.

E para que uma Secretaria de Assuntos Estratégicos se já há um Ministério do Planejamento?
O rumo do governo Lula em direção a um Estado forte e perdulário mudou em novembro de 2005, quando Dilma Rousseff, em entrevista ao Estadão, desqualificou um plano de redução dos gastos públicos arquitetado pela dupla Palocci-Bernardo, que ela classificou de "rudimentar".

Não se tratava de uma reforma do Estado, mas de uma simples trajetória de economia de despesas para reduzir a dívida pública. Ali, Dilma ganhou a briga, o governo passou a gastar mais, a dívida cresceu, o superávit primário encolheu e o País perdeu oportunidade rara de aproveitar a prosperidade para reduzir sua dívida e garantir o desenvolvimento de longo prazo.

E neste ano eleitoral o quadro piorou: no trimestre encerrado em março, o governo expandiu seus gastos em 19,3%, muito acima da inflação, e o superávit primário virou déficit.

Jornalista e professora de Comunicação da PUC-Rio

É pegar ou largar:: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O aperto dos juros decidido quarta-feira pelo Copom está levantando as críticas tribais que sempre se fazem, sejam quais forem a decisão tomada e a dosagem adotada.

O Banco Central pode estar errado uma, duas ou mais vezes. Mas não pode estar sempre. Mal ou bem, cumpre a função de administrar o sistema de metas de inflação, que é, no Brasil, o critério adotado para definição da política monetária (política de juros).

No regime de câmbio flutuante e de relativa liberdade de fluxo de capitais não se conhece sistema melhor. É mais eficiente e mais moderno do que o sistema de controle dos agregados monetários anteriormente adotado.

Qualquer política de controle inflacionário lida com um fator muito delicado, que é o da expectativa de inflação. Se os marcadores de preços não estão convencidos de que a autoridade controla o volume de moeda na economia e se, ao mesmo tempo, não confiam no trabalho do banco central, a inflação tende a descarrilar. Essa é tarefa em que o banco central não pode vacilar.

No Brasil, é o governo federal, por meio do Conselho Monetário Nacional, que decide qual a inflação a ser tolerada no ano. E o Banco Central é a instituição que cuida de ajustar a economia (o que implica definir o tamanho dos juros) de maneira a garantir a meta estabelecida.

É regra de jogo que exige de toda economia uma atitude radical. É pegar ou largar. Como avisa o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, o sistema de metas é ou não é. Não há sistema parcial de metas, como não há meia gravidez. Às vezes, aparece gente que pede certa flexibilização que, na prática, consiste em aceitar uma inflaçãozinha a mais, como se esse extra não tivesse nenhuma consequência sobre a arrumação.

Num primeiro momento, pode não ter. No entanto, o jogo mais importante se passa na cabeça dos formadores de preço. Se eles se convencem de que o Banco Central está afrouxando, lá vem remarcação em cima de remarcação e a inflação tende a levantar voo. Se, ao contrário, veem que o Banco Central mantém o controle, sabem que serão punidos com encalhe de mercadoria se ousarem remarcar demais.

Isso não significa que o sistema de metas não dê lugar a manejos diferenciados. Há três maneiras de conduzi-lo. A primeira é a do Fed (o banco central americano) que trabalha com uma meta de inflação de 2% ao ano. No entanto, o ponto de referência não é propriamente a inflação cheia, mas o núcleo dela (core inflation). Ou seja, da inflação cheia expurgam-se as variações mais ou menos aleatórias de preços que não têm relação com o volume de dinheiro na economia, mas se devem a fatores diversos (choque de oferta, alta de commodities, clima adverso, etc.).

A segunda maneira de trabalhar é a que estabelece a meta de inflação no período móvel de 12 meses, que não tem a ver com o ano-calendário. É como funciona no Reino Unido cujo banco central persegue a meta em determinado prazo e depois trata de mantê-la. Eventuais desvios são corrigidos ao longo do curso.

A terceira modalidade é a do Brasil, em que a meta deve ser atingida dentro do ano-calendário. Como nem sempre é possível segurar a inflação na mosca do alvo, a meta anual comporta desvios tanto para cima como para baixo, que, aqui, são de 2 pontos porcentuais.

Enquanto não aparecer cão melhor, é preciso caçar inflação com esse aí. Goste-se dele ou não.

Contra os fatos:: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

A empresa tem que fornecer água potável para os trabalhadores. Essa é uma das 252 normas do Ministério do Trabalho para as fazendas. Por que escrever uma exigência óbvia? Entre 2003 a 2008, em 451 fazendas ficou constatado que os trabalhadores não tinham acesso à água minimamente aceitável. Há regras que não precisariam ser escritas desde o fim das senzalas.

Exemplos de regras espantosamente básicas: é preciso haver banheiro nos alojamentos; água para lavar o agrotóxico das mãos antes das refeições; os alojamentos têm que ser divididos por sexo; alojamentos de famílias não podem ser coletivos; trabalhador não pode pagar pelo equipamento de trabalho; se sofrer acidente, tem que receber primeiros socorros. Não deveria existir instruções assim tão detalhistas. O normal é que não houvesse.

Mas os relatórios dos grupos móveis de fiscalização, que foram a quase 1.800 fazendas d e s d e 2003, mostram que o que deveria ser normal numa sociedade civilizada, nem sempre é oferecido ao trabalhador de certas propriedades rurais.

A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), disse à “Veja” que é impossível cumprir essa lista de 252 itens, conhecida como NR-31. Sugeriu que o descumprimento de qualquer dessas normas levaria a empresa rural a ser enquadrada por praticar o crime. Citou como exemplo de distorções o impedimento de que o trabalhador cuide do gado, depois das galinhas e depois limpe o pasto.

Quem acompanha o tema tem dificuldade de entender a senadora, ou de encontrar o nexo entre o que ela diz e os fatos. Primeiro, a Norma Regulamentadora 31 foi discutida, durante quatro anos, por uma comissão tripartite da qual a CNA participou; segundo, o que configura o trabalho escravo ou degradante é o artigo 149 do Código Penal e não essa instrução; terceiro, não há na lista nada que impeça que um trabalhador tenha várias funções na fazenda.

Até 2003, o artigo do Código Penal que condenava o trabalho análogo à escravidão era genérico, e isso favorecia as fazendas irregulares.

Mas o Congresso alterou o texto — com voto contrário da então deputada Kátia Abreu. O Código, agora, descreve quatro condutas que configuram o crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo: trabalho forçado; servidão por dívida; jornada exaustiva; trabalho degradante.

A senadora reclama dessas normas dizendo que elas são fruto de preconceito ideológico contra a propriedade privada. Na verdade, não parecem ser contra o capitalismo, mas sim a favor do trabalho assalariado e, com garantias e direitos, que é da natureza do próprio capitalismo. Não cumprir essas regras seria restituir uma ordem medieval do trabalho.

Só uma minoria das empresas é encontrada com trabalho escravo, mas os casos não deixam dúvidas de que o país não está diante de uma picuinha de fiscais preconceituosos, ou de normatização compulsiva do governo. Os flagrantes são repulsivos. E o Ministério do Trabalho admite que só se fixa em 30% daquelas normas, as que são mais elementares.

Em 2005, a destilaria Gameleira, em Mato Grosso, foi autuada com mil trabalhadores com salários atrasados, em condições de moradia e alimentação inaceitáveis.

A empresa foi autuada quatro vezes pelo mesmo crime. Não mudou de conduta, mas mudou de nome. Em julho de 2007, 1.064 trabalhadores foram encontrados na fazenda Pagrisa, no Pará, em alojamentos superlotados, esgoto a céu aberto, salário com descontos de remédios ao preço seis vezes mais alto que nas farmácias da cidade, e água de beber “da cor de caldo de feijão”, como diz o relatório. No dia 13 de novembro de 2007, os fiscais encontraram 820 índios trabalhando numa das sete fazendas do grupo José Pessoa de Queiroz Bisneto, em Brasilândia, Mato Grosso do Sul. Eles trabalhavam com agrotóxico e depois comiam, sob o sol, sem ter, ao menos, água para retirar o produto das mãos. Entre várias cenas grotescas, os fiscais encontraram os trabalhadores amontoados em alojamentos mínimos. Em um deles, eram 20 pessoas em 26 metros quadrados.

Em abril de 2010, em Aragarças, Goiás, 143 cortadores de cana vindos de vários estados eram obrigados a pagar pela comida e habitação, dormiam em barracos, e foram pagos com cheques sem fundo, não tinham repouso remunerado.

Ao todo, de 2003 para 2009, foram encontrados 30 mil trabalhadores em condições análogas às da escravidão nas fazendas inspecionadas.

Uma minoria é autuada. Outras são simplesmente advertidas ou orientadas sobre o cumprimento da lei. Nestas, em geral a fiscalização depois encontra tudo resolvido. A dúvida é: se não houvesse a fiscalização, elas mudariam a atitude? No caso de J.

Pessoa de Queiroz Bisneto, no dia seguinte à operação ele me contou que tinha contratado banheiros químicos para os trabalhadores, instalado local com sombra para eles almoçarem e garantiu que reformaria os alojamentos.

A senadora sabe que o problema existe. Algumas dessas fazendas, como a Pagrisa, ela até visitou para prestar solidariedade aos proprietários. A melhor defesa dos produtores rurais seria separar a minoria criminosa e lutar contra essa prática. Em vez disso, a líder ruralista ataca as exigências feitas pela fiscalização.

Com ações assim, ela acabará convencendo o país que os empresários rurais são todos iguais. Se a CNA quiser falar sério sobre modernização, tem que começar desistindo de lutar no Supremo contra a lista que informa quem são as empresas criminosas.

O QUE PENSA A MÍDIA

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Amir Katz plays Schumann Piano concerto op.54 a minor part 1

A Bruxa :: Carlos Drummond de Andrade


1967 - JOSÉ & OUTROS

Nesta cidade do Rio
De dois milhões de habitantes
Estou sozinho no quarto
Estou sozinho na América.

Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
Anunciou vida a meu lado.
Certo não é vida humana,
Mas é vida. E sinto a Bruxa
Presa na zona de luz.

De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto...
Precisava de um amigo,
Desses calados, distantes,
Que lêem verso de Horácio
Mas secretamente influem
Na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
E a essa hora tardia
Como procurar amigo?

E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
Que entrasse nesse minuto,
Recebesse esse carinho
Salvasse do aniquilamento
Um minuto e um carinho loucos
Que tenho para oferecer.

Em dois milhões de habitantes
Quantas mulheres prováveis
Interrogam-se no espelho
Medindo o tempo perdido
Até que venha a manhã
Trazer leite, jornal, calma.
Porém a essa hora vazia
Como descobrir mulher?

Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
Conheço vozes de bichos,
Sei os beijos mais violentos,
Viajei, briguei, aprendi
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras

Mas se tento comunicar-me,
O que há é apenas a noite
E uma espantosa solidão

Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
Querendo romper a noite
Não é simplesmente a Bruxa.
É antes a confidência
Exalando-se de um homem.