- Valor Econômico
Cenário de anomia, contra instituições, agrada Bolsonaro
Há pouco mais de três anos, numa entrevista na varanda de sua casa no Rio - à vontade, de chinelos, bermuda da Nike, camisa polo da Adidas e relógio Casio no pulso - o então pré-candidato a presidente Jair Bolsonaro afirmava que pediria, "pelo amor de Deus", a seus eleitores para que votassem, dali a dois anos e meio, nos nomes que indicasse a senador e deputado federal. Se não tivesse um grupo parlamentar de apoio no Congresso - como ainda não tem - Bolsonaro antevia duas alternativas, ao reconhecer a radicalidade de suas ideias. "Vão cassar o meu mandato ou vou ser um pulha - como a Dilma é pulha, como Lula foi pulha, e como FHC foi também um... vendido", dizia.
Por "pulha" Bolsonaro entendia os presidentes da República que têm necessidade de formar aliança, em sistemas multipartidários como o brasileiro. Antes mesmo de adotar os chavões da "velha política" e do "toma lá dá cá", já antecipava o comportamento refratário que dispensaria aos parlamentares, equiparados à figura de sequestradores. O eleitor deveria votar nos seus candidatos, tão radicais quanto ele: "Se não, vou ser refém desses caras".
Na tremenda onda conservadora, Bolsonaro viu suas preces atendidas, ao se eleger ao lado de uma bancada do PSL que, de nanica, tornou-se a segunda maior da Câmara, com 54 integrantes. Algo muito insuficiente, porém, para lhe dar maioria diante da extrema fragmentação do Congresso, ainda mais elevada nessa legislatura. A fatia do PSL é de meros 10,5% dos deputados e 5% dos senadores.
Em quase quatro meses de governo, Bolsonaro oscila entre o destemor com o precipício e a figura do "pulha" que imputa aos antecessores. O apoio de legendas do Centrão à aprovação da reforma da Previdência, na Comissão de Constituição e Justiça, na terça-feira, é sinal de que a crista empinada tem limite. A ideia de governar à margem dos partidos - com bancadas temáticas, como a ruralista, a evangélica ou a dos agentes da área de segurança - se mostrou um fracasso. Bem previsível, uma vez que a distribuição de poder e toda lógica interna do Congresso é partidária. Bolsonaro tentou inventar a roda e viu que a ideia o levaria a dar com os burros n'água. E, no caso do governo atual, não são poucos os jericos pelo caminho.
O presidente nem precisaria ser o "pulha", o refém do Congresso, pois já tem problemas o suficiente diante da confusão e clima de beligerância entre os principais grupos que o sustentam. O duelo entre seu filho Carlos Bolsonaro e o guru Olavo de Carvalho contra o vice Hamilton Mourão beira à sandice mas expõe o nível de conflagração entre olavistas e militares, a despeito das tentativas - raras - de apaziguamento. Bolsonaro nunca foi e nunca será um pacificador. A neutralidade não é possível, já deixou claro, quando um dos lados é "sangue do meu sangue."