sexta-feira, 26 de abril de 2019

Cristian Klein: 'Pulhas' acima de tudo

- Valor Econômico

Cenário de anomia, contra instituições, agrada Bolsonaro

Há pouco mais de três anos, numa entrevista na varanda de sua casa no Rio - à vontade, de chinelos, bermuda da Nike, camisa polo da Adidas e relógio Casio no pulso - o então pré-candidato a presidente Jair Bolsonaro afirmava que pediria, "pelo amor de Deus", a seus eleitores para que votassem, dali a dois anos e meio, nos nomes que indicasse a senador e deputado federal. Se não tivesse um grupo parlamentar de apoio no Congresso - como ainda não tem - Bolsonaro antevia duas alternativas, ao reconhecer a radicalidade de suas ideias. "Vão cassar o meu mandato ou vou ser um pulha - como a Dilma é pulha, como Lula foi pulha, e como FHC foi também um... vendido", dizia.

Por "pulha" Bolsonaro entendia os presidentes da República que têm necessidade de formar aliança, em sistemas multipartidários como o brasileiro. Antes mesmo de adotar os chavões da "velha política" e do "toma lá dá cá", já antecipava o comportamento refratário que dispensaria aos parlamentares, equiparados à figura de sequestradores. O eleitor deveria votar nos seus candidatos, tão radicais quanto ele: "Se não, vou ser refém desses caras".

Na tremenda onda conservadora, Bolsonaro viu suas preces atendidas, ao se eleger ao lado de uma bancada do PSL que, de nanica, tornou-se a segunda maior da Câmara, com 54 integrantes. Algo muito insuficiente, porém, para lhe dar maioria diante da extrema fragmentação do Congresso, ainda mais elevada nessa legislatura. A fatia do PSL é de meros 10,5% dos deputados e 5% dos senadores.

Em quase quatro meses de governo, Bolsonaro oscila entre o destemor com o precipício e a figura do "pulha" que imputa aos antecessores. O apoio de legendas do Centrão à aprovação da reforma da Previdência, na Comissão de Constituição e Justiça, na terça-feira, é sinal de que a crista empinada tem limite. A ideia de governar à margem dos partidos - com bancadas temáticas, como a ruralista, a evangélica ou a dos agentes da área de segurança - se mostrou um fracasso. Bem previsível, uma vez que a distribuição de poder e toda lógica interna do Congresso é partidária. Bolsonaro tentou inventar a roda e viu que a ideia o levaria a dar com os burros n'água. E, no caso do governo atual, não são poucos os jericos pelo caminho.

O presidente nem precisaria ser o "pulha", o refém do Congresso, pois já tem problemas o suficiente diante da confusão e clima de beligerância entre os principais grupos que o sustentam. O duelo entre seu filho Carlos Bolsonaro e o guru Olavo de Carvalho contra o vice Hamilton Mourão beira à sandice mas expõe o nível de conflagração entre olavistas e militares, a despeito das tentativas - raras - de apaziguamento. Bolsonaro nunca foi e nunca será um pacificador. A neutralidade não é possível, já deixou claro, quando um dos lados é "sangue do meu sangue."

José de Souza Martins*: A língua do tá e do né

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Poderia ter sido outra coisa, mas não foi. Em menos de dois meses, ficou claro que a inclusão de uma ave-maria em tupi, no discurso de posse do novo ministro das Relações Exteriores, não era uma promessa. A de que a voz dos historicamente tratados como gentios e bárbaros, os indígenas, fora reconhecida, pelos novos donos do poder, como a língua de nossa busca de identidade e de destino.

Muito ao contrário, os atos deste governo em relação às populações indígenas são atos para sua integração forçada e apressada, a pressa que mata, física e culturalmente, num capitalismo que é corrosivo para todos os desvalidos, para os quais não há nele lugar nem esperança. Sociologicamente, exclusão social é isso: integrar para banir, o traço cruel do neocapitalismo anticapitalista.

Ainda que a fala seja outra e de outro, é a voz da língua dos fundamentos profundos de uma nacionalidade, a língua dos significados, daquilo que dizemos ou fomos proibidos de dizer, mas compreendemos, do que, em boa parte, é o silêncio histórico dos simples. Língua proibida pelo rei de Portugal, em 1727. Vivíamos os tempos do ímpeto nativista da Guerra dos Emboabas (1707-1709), em que os paulistas, em nome da pátria, palavra que usaram em sua proclamação, enfrentaram os forasteiros, sobretudo reinóis, em terras das Minas Gerais.

Claudia Safatle: País precisa de 'choque de capitalismo'

- Valor Econômico

Nova Previdência é crucial, mas para crescer é preciso mais

A economia brasileira tornou-se "planificada, dirigista, intervencionista e instável na microeconomia". Essa visão, sintetizada pelo secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos Alexandre da Costa, e compartilhada por outros economistas do governo, explicaria a lenta recuperação da atividade depois da forte e prolongada recessão. Tal como na fábula do "sapo na panela, fomos fervendo, fervendo e, quando vimos, estávamos cozidos", disse ele. "O Brasil se tornou inviável. Nossa tarefa é viabilizá-lo", completou o secretário.

Durante a recessão de 2015 e 2016, as empresas se ajustaram, cortaram o endividamento, reduziram a folha de salários e várias, inclusive, sucumbiram. Agora, como gatos escaldados, os investidores esperam para ver, concretamente, se não vão cometer os mesmos erros do passado recente, quando apostaram no país, avaliou.

Há excesso de burocracia, excesso de regulamentação e excesso de impostos. Mais grave, ainda, é a Receita Federal que praticamente todos os dias solta uma nova interpretação da legislação, que já é infernal, não raro cobrando tributos sobre o passado.

Nesse direção, Costa prepara um pacote de simplificação de normas e regulamentos, de medidas pró-mercados (nas áreas de energia, gás, setor farmacêutico) e para um mercado de trabalho mais eficiente para o emprego e qualificação da mão de obra.

Serão anunciadas, também, iniciativas relativas ao programa Brasil 4.0, que pretende incorporar novas tecnologias nos processos industriais.

"Precisamos retirar os fatores que prejudicam a produtividade brasileira e focar nas medidas ativas e horizontais que aumentam a produtividade e a competição", sublinhou.

Bruno Boghossian: Bolsonaro e a geladeira

- Folha de S. Paulo

Economia patina, mas presidente age como gerente de marketing e agente de viagens

Em sua última transmissão nas redes sociais, Jair Bolsonaro contou queaprendeu a consertar geladeiras quando era tenente do Exército. O ofício não tinha relação com a carreira militar, mas ele fez o curso porque não queria pagar um técnico para fazer o serviço.

No governo, o presidente também tenta resolver por conta própria questões laterais e corriqueiras. A diferença é que, agora, ele quer fazer a manutenção dos eletrodomésticos enquanto a casa pega fogo.

Bolsonaro patina diante do desafio de retomar o crescimento econômico e não consegue aprovar seus projetos no Congresso, mas prefere trabalhar como gerente de marketing, fiscal escolar e agente de viagens.

Nos últimos dias, o presidente resolveu procurar encrenca numa propaganda encomendada pelo Banco do Brasil. O vídeo de 30 segundos pretendia atrair correntistas jovens e usava um elenco que representava a diversidade racial e sexual.

Ruy Castro*: Recruta Zero

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro parece concordar com as opiniões de Olavo de Carvalho sobre o Exército

São mesmo outros tempos. Hoje, pode-se dizer qualquer coisa do Exército sem que nada aconteça. Mas, nos anos 60, quando houve o que Jair Bolsonaro afirma que não foi ditadura, era diferente. Estudantes, jornalistas ou simples cidadãos, tínhamos de andar na ponta dos pés. Uma referência aos militares como “gorilas”, feita de passagem para um amigo na porta do seu prédio, podia ser ouvida pelo porteiro e relatada ao general de pijama que morava no seu andar. Sei disso porque meu vizinho general, aliás, de pijama, veio me cobrar no hall do elevador.

Em 1966, Nara Leão, a musa do protesto, disse a um jornal que os militares “podiam entender de canhão e metralhadora, mas não ‘pescavam’ nada de política”. E que, mesmo assim, no dia do golpe, tinham usado “veículos com pneu furado”. Costa e Silva, ministro da Guerra, quis enquadrar Nara na Lei de Segurança Nacional. O que motivou Ferreira Gullar a escrever: “Moço, não se meta/ Com uma tal de Nara Leão/ Que ela anda armada/ De uma flor e uma canção”.

Dois anos depois, quando o deputado Marcio Moreira Alves, em discurso para as cadeiras vazias da Câmara, exortou as moças brasileiras a se recusarem a dançar com os cadetes nos bailes do dia 7 de setembro, o governo tentou processá-lo, no que foi barrado pelo Congresso —e, por isso, decretou o AI-5, que nos asfixiou por dez anos.

Hoje, o astrólogo Olavo de Carvalho pode tachar os militares de “covardes”, “pústulas”, “incultos”, “preguiçosos”, “um bando de cagão”, e chamar o general e vice-presidente Hamilton Mourão de “idiota” e até acusá-lo de pintar o cabelo.

Como minha carreira militar, de reles reservista de terceira categoria, limitou-se a namorar a filha de um coronel, por acaso cassado em 1964, não concordo nem discordo. Mas o presidente Bolsonaro, cuja passagem pelo Exército lembra a do Recruta Zero, parece concordar com as opiniões de seu mestre.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Reinaldo Azevedo: O que é sério em Mourão vs. Carlucho

- Folha de S. Paulo

Bolsonaros perceberam que militares eram empecilho para exercício da tirania

Nada há de irrelevante, jocoso ou desprezível nos embates entre Hamilton Mourão, vice-presidente da República, e Carlos Bolsonaro, que atira em nome do pai. Trata-se do confronto entre a democracia liberal e o populismo autoritário, que recorre às urnas para solapar as garantias que o elegeram. Mourão é o ator improvável no papel de garantidor de direitos fundamentais? Também acho, mas isso só nos diz de algumas particularidades que o embate tomou entre nós. O fenômeno tem alcance mundial, como evidencia Yascha Mounk no livro "O Povo Contra a Democracia".

Não vou me restringir aqui às lutas palacianas, até porque o Planalto é apenas um dos palcos em que se trava essa batalha, embora tenha de caracterizá-la brevemente. Há outros. Infelizmente, setores consideráveis da imprensa se tornaram, na prática, aliados do populismo de extrema direita, e os terminais que os conectam com o autoritarismo são a Lava Jato e a luta contra a corrupção. À medida que esta se tornou um valor absoluto, relega os direitos individuais e públicos ao papel de coadjuvantes da marcha moralizadora. Se um valor é absoluto, todos os outros a ele se subordinam.

Um pouco sobre a rinha palaciana para poder avançar. Por que Bolsonaro passou a ver em Mourão o inimigo a ser abatido? Será que o general teve um "estalo de Vieira" democrático e acordou adversário do populismo de extrema direita? Foi dormir como o candidato a vice que chegou a propor uma Constituinte feita por notáveis e acordou como o empossado que defende o diálogo também com movimentos de esquerda? A resposta, nesse particular, não é complexa. Embora Mourão não seja estranho à ideia da tutela que os militares ambicionam ter da sociedade civil, marcadamente desde o golpe da República, seu conservadorismo reserva um lugar às instituições.

Hélio Schwartsman: Valeu a pena?

- Folha de S. Paulo

Cadeia não é o lugar nem para Lula, nem para Maluf, nem para Cabral

Se há uma área do direito que me é impenetrável, é a dosimetria das penas. Não posso, portanto, palpitar tecnicamente sobre a decisão do STJ de reduzir a temporada de Lula na prisão. Tenho para mim, porém, que a cadeia não é o lugar para Lula. Nem para Lula, nem para Maluf, Cabral ou qualquer outro político que tenha se apropriado de recursos públicos, não importando sua coloração ideológica.

Por que prendemos um criminoso? Há duas escolas principais. Para os retributivistas, o castigo tem valor intrínseco. Punimos o delinquente porque é a coisa certa a fazer. O problema com o retributivismo é que ele não para conceitualmente em pé sem recurso a ideias exóticas como a de um universo justo ou de um papai do céu.

Intuitivamente, somos todos retributivistas. O desejo de ver sofrer quem tenha infringido normas é a forma que a evolução encontrou de promover a sociabilidade nos grupos, mas aí já estamos falando do valor instrumental da punição, o que nos leva à segunda escola.

Vinicius Torres Freire: A Justiça que quebra o Brasil

- Folha de S. Paulo

Decisão do Supremo reduz de modo desequilibrado a conta de impostos de certas empresas

A maioria dos ministros do Supremo decidiu que o governo vai deixar de arrecadar uns muitos bilhões de reais em impostos, em benefício de grandes empresas. Pelo menos R$ 10 bilhões por ano, talvez até R$ 16 bilhões.

Foi nesta quinta-feira (25), em decisão que beneficiou firmas que fazem (ou farão ainda mais) negócios com a Zona Franca de Manaus, um processo que rolava desde 2008.

De onde vai sair o dinheiro? Ninguém sabe ainda, mas o governo federal terá de fazer mágicas e milagres sinistros.

A alternativa é mudar parte da lei de impostos sobre produtos da Zona Franca, o que é sempre uma guerra que mobiliza de políticos do Amazonas e do Norte a empresas do Sudeste e do Sul.

Não vai rolar, pois o governo terá de mendigar votos pela reforma previdenciária, não deve arrumar mais briga. Logo, vai haver corte.

Onde, repita-se?

*Rubens Figueiredo: Um país dividido

- O Estado de S.Paulo

O governo ajuda a turbinar a barafunda com ministros-bomba. E dá-lhe pancadaria!

O Brasil está dividido, mal-humorado e turbulento. O governo tem a ala dos militares, a ala da economia e a ala dos ideológicos. O Legislativo ensaia uma guerra contra o Judiciário, que, por sua vez, ameaça o Executivo. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Ministério Público (Procuradoria-Geral da República) entram em confronto aberto e medem forças à luz do dia. Nas ruas, simpatizante de um lado aplica mata-leão em manifestante do lado oposto. A base de apoio do governo não se entende nem a respeito das prioridades da pauta de votação na Câmara dos Deputados.

Existe também uma nítida divisão quanto ao que se percebe do desempenho do governo. Existem dois Brasis: um, que é veiculado nos grande meios de comunicação (ainda que com nuances), de cunho marcadamente contrário a Bolsonaro e ao governo; o outro, da opinião contundente e aparentemente majoritária espalhada nas redes sociais, que endeusa o presidente da República, aplaude com entusiasmo as ações governamentais e os arroubos presidenciais no Twitter.

No plano mais raivoso-ilustrado, as visões antagônicas se digladiam. A turma capitaneada por Olavo de Carvalho, alguns ministros da República incluídos, enxerga a esquerda como frequentadora de uma espécie de submundo das ideias. O que esquerdistas dizem não vale e nunca valeu nada. O subalterno ideário marxista e seus princípios não deveriam frequentar nem os livros de história do pensamento político moderno, pois não teriam atingido o status de pensamento, muito menos mereceriam o epíteto de moderno.

A esquerda, por sua vez, não economiza adjetivos. Seus inimigos são tachados de fascistas para cima. Um bando de insensíveis, sem nenhuma preocupação social, neoliberais a serviço do que existe de mais abjeto no imperialismo capitalista. São indivíduos racistas, que não aceitam a diversidade sociocultural-sexual e nas horas vagas se deliciam tecendo loas ao regime militar e lembrando nostalgicamente as façanhas dos torturadores da época. São sombrios semeadores de trevas. Nesse clima, tentar entender os argumentos do outro se transforma na mais absoluta perda de tempo.

Eliane Cantanhêde: Um espanto!

- O Estado de S. Paulo

Educação e Meio Ambiente estão entre as três melhores áreas do governo? Pode?!

A pesquisa CNI-Ibope confirma o quanto é complexa, indecifrável e até surpreendente a percepção popular sobre o que acontece no País. Sabem quais as três áreas mais bem avaliadas do governo Jair Bolsonaro? Segurança, Educação e Meio Ambiente.

Segurança (57%), vá lá. Afinal, o ministro Sérgio Moro é um ícone da Lava Jato e apresentou rapidamente um pacote que ataca a corrupção e o crime organizado, dois dos mais graves e cruéis males nacionais.

Mas Educação (51%)?! O pobre MEC vai tão mal que o ministro Ricardo Vélez Rodríguez caiu em menos de três meses. Aliás, caíram ele e todos os principais nomes da pasta, embolados numa guerra – entre “olavetes”, militares e técnicos – insana e pautada por um único mote: a ideologia.

Nenhuma medida prática foi proposta e aplicada. Aliás, as que chegaram a ser anunciadas foram um vexame tal que acabaram sendo suspensas: filmar alunos, ler slogan da campanha do presidente nas escolas, suspender a avaliação da alfabetização...

Logo, é um espanto a pesquisa apontar justamente a educação como a segunda área que vai bem no governo. E o Meio Ambiente (48%)?

O presidente Jair Bolsonaro e o seu governo não dão importância para a sustentabilidade, como se a proteção do ar, de florestas, rios e mares fosse um estorvo. Há até ministros que acusam ambientalistas de esquerdistas, globalistas, inimigos do Ocidente e desprezíveis – ou perigosos.

Celso Ming: A cavalgada do dólar

- O Estado de S.Paulo

A previsão correta do clima não é importante apenas para quem precisa sair com a roupa adequada. É, também, para os agricultores. Assim funciona com o câmbio. É importante não só para quem pretende viajar, mas, também, para quem põe dinheiro no comércio exterior, no mercado futuro ou em fundos multimercado.

Persiste indisfarçável insegurança quanto ao desempenho da economia brasileira. É o que leva empresas e pessoas físicas a buscar segurança. E digam o que disserem sobre Donald Trump e sobre os Estados Unidos, o dólar continua percebido como sendo bom porto seguro.

Quando pinta um clima de insegurança no Brasil, mais gente se agarra ao dólar. É o que explica a disparada das cotações da moeda estrangeira nas últimas semanas. Nesta quinta-feira, o dólar chegou a ultrapassar os R$ 4 no câmbio interno (Veja o gráfico). Foi revertido prontamente com baixa expressiva, mas mostrou aumento do azedume geral.

Há números reais puxando para o desalento. O crescimento econômico, por exemplo, vai decepcionando; em vez dos 3,5%, aponta para não mais que 1,71%. O desemprego alcança 13 milhões de trabalhadores e pode aumentar. Na quarta-feira, o Caged mostrou que 43,2 mil postos de trabalho formais (com carteira assinada) foram fechados apenas em março. A economia argentina vai engolindo água, fator que desperta a velha cisma de que, na condição de farinha do mesmo saco, o Brasil vai para a mesma fornada. E a reforma da Previdência só avança aos trancos, à mercê de um jogo político miúdo, movido por interesses corporativos. Qualquer tropeço nessa matéria detona o que nesta quinta-feira reconheceu, com alguma rima, o próprio Bolsonaro: “Se a reforma não passar, o caos vai se instalar”.

Elena Landau*: Simpatia quase amor

- O Estado de S.Paulo

Sem a determinação do presidente, o processo de privatização não anda

Na ressaca da ameaça de mais uma greve pelos caminhoneiros, Bolsonaro revelou ter uma “simpatia inicial” pela privatização da Petrobrás. O presidente teria chegado à inevitável conclusão de que as estatais estão sempre sujeitas ao uso político. Mesmo em um governo liberal, que não é o caso deste, as empresas públicas são naturalmente vistas como instrumento de negociação política, em sentido amplo. Desde o uso criminoso, como revelou a Lava Jato, até a expectativa de que os preços de seus produtos sejam controlados, passando por indicações políticas para cargos executivos. Severino Araújo foi apenas mais singelo ao pedir “aquela diretoria que fura poço”, mas há na classe político-partidária a presunção de que essas empresas fazem parte do jogo.

A Lei das Estatais melhorou muito a governança dessas empresas, ao exigir qualificação técnica e dificultar indicações partidárias aos seus postos de comando. Uma boa governança ajuda, mas não resolve. A intervenção do presidente na política de preços da Petrobrás é prova cabal disso.

Só há uma solução para blindar as empresas e proteger o patrimônio que, controlado pela União, é nosso: a privatização. O governo tentou, em um contorcionismo narrativo, dizer que a Petrobrás voltou atrás na sua decisão de elevar o preço do diesel por livre e espontânea vontade. A conversão de Bolsonaro à fé privatista teria sido parte do plano. Mas a versão não colou. Ao menos, a lição parece ter sido aprendida. O primeiro R$ 30 bilhões perdidos em um único dia, nunca se esquece, sendo pouco provável que novas interferências venham a ocorrer.

Luiz Carlos Azedo: Maia ressuscita a centro-esquerda

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Paulo Guedes insiste numa economia de pelo menos R$ 1 trilhão. O pano de fundo é o regime de capitalização, cuja transição custaria pelo menos R$ 370 bilhões. Por enquanto, a proposta está no telhado”

A instalação da comissão especial que vai discutir a proposta de mudanças na Previdência enviada ao Congresso pelo governo Jair Bolsonaro vai muito além do debate de mérito da reforma, altera o eixo da relação da Câmara com o governo e neutraliza a polarização PT versus PSL, que vem dando o tom nos debates de plenário e comissões. Rodrigo Maia, presidente da Casa, prestigiou o chamado Centrão ao entregar o comando da comissão ao deputado Marcelo Ramos (PR-AM); ao mesmo tempo, ressuscitou a centro-esquerda, ao decidir que o relator da comissão será o tucano Samuel Moreira (PSDB-SP). Esse blocão reagrupa o chamado “centro democrático” e aprova o que quiser na Câmara.

A comissão é formada por 49 integrantes titulares e 49 suplentes. A distribuição das vagas entre as legendas é proporcional às respectivas bancadas na Câmara. Ramos assumiu a tarefa com o discurso de que seguirá as regras regimentais na condução das atividades da comissão e que respeitará os partidos de oposição. Trocando em miúdos, pretende adotar uma linha de independência em relação ao governo: “O regimento vai orientar os nossos trabalhos”, disse.

A indicação de Moreira foi uma carta tirada da cartola de Maia, porque o relator da reforma da Previdência participa de um grupo de deputados experientes, ligados a PSDB, PMDB e Cidadania, partidos que ficaram de fora do segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Em silêncio, o grupo rearticulou a centro-esquerda na Câmara, em aliança com Maia, que assim passou a caminhar com duas pernas. A outra é o chamado Centrão (PP, PR, DEM, PRB e Solidariedade). Na primeira entrevista, Moreira deu a linha que pretende adotar na construção do relatório, negociando com o governo e a oposição: “A Previdência é um direito social; porém, uma responsabilidade fiscal. Vamos trabalhar dentro de duas premissas”, avisa.

Gordura
A liberação dos estudos realizados pelo governo para elaborar seu projeto de reforma da Previdência mostrou que realmente havia gordura para queimar no plano do governo. Os R$ 127,2 bilhões de economia previstos com as mudanças no BPC e na aposentadoria rural equivalem a 10% da economia total estimada pelo governo. De acordo com o documento divulgado pelo Ministério da Economia, a contenção de gastos com a reforma seria de R$ 1,236 trilhão também em 10 anos. O ministro Paulo Guedes, publicamente, sempre estabeleceu como meta R$ 1 trilhão. Isso explica o fato de os números terem sido mantidos em sigilo até a aprovação da admissibilidade da reforma pela Comissão de Constituição e Justiça, na terça-feira passada.

Míriam Leitão: O Brasil e suas contradições

- O Globo

STF cria R$ 16 bi de despesa para o Tesouro e a reforma da Previdência vai tirar R$ 34 bilhões dos idosos muito pobres

O Brasil é aquele país em que o dinheiro público é entendido como vindo de um emissor abstrato que tudo pode. Esquerda e direita defendem políticas que concentram renda. E liberal convive bem com o autoritarismo. Ontem foi mais um dia de se ver as contradições do país. O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu crédito de IPI para as empresas que, em outras regiões, compram insumos na Zona Franca de Manaus, isentos de impostos. O relator Marco Aurélio Mello foi contra, mas perdeu. “Vencido, mas não convencido”, disse. A benesse custará R$ 16 bilhões por ano.

O presidente Bolsonaro mandou demitir o diretor de marketing do Banco do Brasil por ele ter autorizado um anúncio estrelado por negros, jovens, tatuados e descolados. O BB pretendia atrair o público jovem, portanto o anúncio foi feito com essa linguagem da diversidade, das selfies, das tatuagens. Certo? Não. O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, disse ao Blog do Lauro Jardim: “Eu e o presidente (da República) concordamos que o filme deve ser recolhido”. A rejeição exibe preconceito, e o presidente, ao decidir sobre um filmete da publicidade do Banco do Brasil, um autoritarismo de minúcias.

O Ministério da Economia divulgou ontem os tais dados e cálculos sobre a reforma da Previdência. Será preciso muito tempo para entender tudo, porque são 30 planilhas com 2200 abas sobre o Regime Geral. A equipe apresentou uma conta espantosa. Disse que quem recebe R$ 30 mil de aposentadoria, na previdência atual, tem R$ 4 milhões de subsídio, entre o que ele contribuiu e quanto ganha na inatividade. Ou seja, se somar tudo o que a pessoa recolheu ao sistema, nesse caso o Regime Próprio, e comparar com o que receberá aposentado, há essa transferência de renda. Mas esse e outros flagrantes de que a Previdência concentra renda no Brasil não incomodam a esquerda. Ela criticará a reforma dizendo falar em nome dos pobres, mas estará ajudando a preservar um sistema injusto. O presidente que agora propõe a reforma foi adversário de todas as outras. Bolsonaro nunca quis combater desigualdade alguma.

Merval Pereira: Luta pela imagem

- O Globo

O presidente da Câmara está tratando a votação da reforma da Previdência como oportunidade de os deputados se pacificarem com a opinião pública

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, parece estar numa cruzada pessoal para resgatar a credibilidade da Câmara dos Deputados, ao transformar a aprovação da reforma da Previdência em um assunto de Estado, e não do governo Bolsonaro.

Lembrou que desde o governo do ex-presidente Fernando Henrique se tenta reformar a Previdência, uma pauta que deixou de ter coloração política. Foi o que fez questão de revelar na entrevista na noite de quarta-feira à Central GloboNews, onde manteve tom firme e fluência de pensamento que demonstram estar convencido do que defende.

Com isso, ele mantém também uma saudável distância de um governo do qual discorda em vários aspectos, mas reafirma seu apoio ao ministro da Economia, Paulo Guedes, com quem dialoga muito bem em termos econômicos e pessoais.

De Bolsonaro, diz que não tem relação pessoal, e nem está interessado em ter, pois isto não é relevante para seu trabalho à frente da Câmara. É uma maneira cautelosa de agir, pois mostra-se incomodado com a insistência do governo em passar a ideia de que Bolsonaro está lutando contra os parlamentares para não aceitar um sistema fisiológico de trocas de favores por votos, coisa que Maia garante que não está havendo.

Dora Kramer: Pelo pior dos motivos

- Revista Veja

Toffoli quis censurar por excesso de confiança no poder de intimidar

Voltando por instantes ao século passado: depois de mentir e desmentir o affair com Monica Lewinsky em plena Casa Branca, o então presidente Bill Clinton rendeu-se às evidências e, indagado sobre a razão de tal imprudência, admitiu: “Fiz pelo pior dos motivos. Fiz porque podia”. Ou melhor, pensava que podia, como demonstrado pelas consequências que quase lhe custaram o mandato, no fim dos anos 90.

Aconteceu faz duas décadas e até hoje há quem não tenha aprendido a lição, cujo ensinamento se aplica às diversas áreas de atuações impróprias (quando não criminosas) por parte de gente poderosa que insiste em exorbitar por aquela razão apontada por Clinton. Regra geral, termina sofrendo sérios reveses decorrentes do excesso de autoconfiança.

Tal como ocorreu com o presidente do Supremo Tribunal Federal. Antonio Dias Toffoli tentou censurar a publicação de documento da Lava-Jato pelo pior dos motivos: achou que podia, assim, intimidar os críticos. A censura já foi revogada, anuncia-se que o inquérito em forma de carteirada aberto no STF para investigar ataques à Corte será ao final enviado ao local apropriado, o Ministério Público, mas o episódio não é página a ser dada como virada.

O caso segue em aberto porque há gente disposta a estender o assunto. A começar pelo próprio Toffoli, que insiste em dizer que tem razão. Segundo ele, as investigações vão comprovar que ele e o colega Alexandre de Moraes estavam certos ao espancar a legalidade interditando a comunicação e mandando vasculhar a privacidade de pessoas no propósito de “fazer o bem”.

Nelson Motta: O fake como arte

- O Globo

Houve um tempo em que o fake foi admirado como arte nos melhores museus e coleções privadas do mundo, onde muitas dessas obras dos grandes mestres estão até hoje. Todos pintados pelo húngaro Elmyr de Hory, o maior falsário de arte de todos os tempos, tão talentoso que pode ser considerado um grande artista. Talvez o maior artista conceitual do século 20, pelo terremoto que provocou.

Elmyr reproduziu centenas de desenhos, aquarelas e óleos de mestres com estilos tão diferentes como Picasso, Modigliani, Matisse, Renoir, Gauguin, Monet, Braque, Degas, Vlaminck, Chagall, Toulouse-Lautrec, alguns reconhecidos pelos próprios autores originais. Falsificar com sucesso só um deles já seria uma façanha. E Elmyr enganou o mundo com sua arte, embora fosse um pintor medíocre e sem originalidade.

Como se possuído pelos espíritos dos pintores, ou um scanner humano, Elmyr era dotado de uma genialidade única, e teve sua vida e obra contadas por Clifford Irving em “Fake” e depois filmada por Orson Welles no documentário “F For Fake”, em que discute a questão da originalidade artística e são reveladas a ganância e a falta de escrúpulos do alto mercado internacional de arte, em que marchands, galerias e museus fazem fortunas com o trabalho de artistas que morreram pobres, como Modigliani. E Elmyr de Hory, que enganou todos eles agenciado por dois escroques, o egípcio Fernand Legros e o canadense Réal Lessard, que exploraram seu talento por dez anos e ficaram milionários, até serem presos e confessarem a farsa.

Mágico amador, e também profissional, pela magia do seu cinema, Welles se diverte em enganar o espectador, dizer que o engana, e mostrar como a mágica foi feita.

Elmyr nunca se sentiu culpado, um criminoso ou um falsário mercenário, estudava exaustivamente o estilo do pintor, seus temas e cenários, até produzir o que considerava uma obra de arte. De verdade, não original, mas obra de arte. E muitas continuam sendo, afinal seus fakes ainda deslumbra-me emocionam como os originais.

Ricardo Noblat: Bolsonaro é o seu pior adversário

- Blog do Noblat / Veja

Quando ele abre a boca é um desastre
O problema não é Bolsonaro meter-se em tudo e em qualquer coisa. Lula chegou a opinar sobre o cardápio de comidas servidas pelo Itamaraty em recepções oficiais. E Dilma em campanhas de propaganda do governo.

O problema é Bolsonaro vetar a exibição de um comercial de TV do Banco do Brasil só porque a maioria dos personagens ali mostrados era negra, jovem, e dançava rap. O diretor de marketing do banco perdeu o emprego por isso.

O presidente do banco, não. Havia aprovado o comercial. Mas ao receber um telefonema de reclamação de Bolsonaro, concordou com ele, proibiu o comercial e pôs a culpa no diretor demitido em seguida.

Essa foi só mais uma trapalhada das tantas protagonizadas pelo presidente da República desde que tomou posse. Cada uma delas subtrai ao governo mais um naco de popularidade, conforme atestam as pesquisas.

No campo do comportamento, chamemos assim, Bolsonaro, ontem, cometeu outra atrapalhada. Perguntaram-lhe sobre turistas estrangeiros atraídos pela liberalidade dos costumes brasileiros. Então Bolsonaro respondeu assim:

– Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro.

Ouviu de volta do escritor Paulo Coelho: “Mulheres brasileiras não são uma commodity. Turismo sexual não é razão para visitar o Brasil”.

Racismo “é a discriminação social baseada no conceito de que existem diferentes raças humanas e que uma é superior às outras”.

Homofobia significa “aversão irreprimível, repugnância, medo, ódio, preconceito que algumas pessoas, ou grupos nutrem contra os homossexuais, lésbicas, bissexuais e transexuais”.

Misoginia “é a repulsa, desprezo ou ódio contra as mulheres”.
Com essas e outras, Bolsonaro dá razão aos seus adversários que o acusam de ser racista, homofóbico e misógino.

Monica De Bolle*: Toda estupidez será soberana

- Revista Época

Nelson Rodrigues dizia que os idiotas — ou estúpidos — tomariam conta do mundo pela simples quantidade.

A confusão do Brexit é estúpida. As políticas comerciais de Donald Trump são estúpidas. O nacionalismo populista que ameaça a coesão global e a economia mundial é estúpido. As brigas entre o ciclo de bolsonaristas-olavetes fundamentalistas e os militares do governo são estúpidas. A exposição excessiva que a mídia dá aos filhotes do presidente é estúpida. Voltaire achava que para ter sucesso não bastava ser estúpido, mas ter boas maneiras. Líderes mundiais desmentem a tese. Flaubert dizia que ser estúpido, egoísta e ter boa saúde eram as condições ideais para ser feliz — sem a estupidez, entretanto, tudo estaria perdido. Carlo M. Cipolla afirmava com embasamento lógico e matemático que sempre subestimamos o número de estúpidos a nosso redor e que ser estúpido é atributo que a natureza impõe sem dó ou piedade. O dramaturgo brasileiro e o historiador italiano chegaram mais próximos da verdade que os escritores franceses, talvez por uma questão de época, talvez pela ausência de um romantismo irônico incoerente com a aspereza ardente da estupidez.

Adianta dizer que o Brexit já castigou a economia britânica de forma quase irreversível? Adianta mostrar com dados e fatos que o protecionismo de Trump já gerou perdas para vários dos setores e trabalhadores que ele prometera defender? Adianta apontar no nacionalismo populista as sementes que já levaram a exaltação da política industrial a criar rivalidades transnacionais e estraçalhar a solidez fiscal e a estabilidade monetária? Adianta repetir que as brigas no entorno de Bolsonaro podem prejudicar toda a agenda de reformas de que o país tanto necessita? Adianta avisar que a constante atenção dispensada à família de Bolsonaro é diversionismo barato, entretenimento pobre, distração dos problemas que realmente afligem o país? A resposta para todas essas perguntas é um ruidoso “Não”. De nada adianta escrever, apontar, ponderar nada disso. Ninguém está interessado. Ou a pequena parcela de pessoas que está interessada em refletir sobre como todas essas coisas são danosas é frequentemente devorada pela sanha das redes sociais, onde sempre há um argumento estúpido para uma reflexão cheia de complexidades e nuances.

Entrevista / A cabeça da direita

Helio Beltrão, o criador do Instituto Mises, onde estudou Eduardo Bolsonaro, diz que o presidente é um ‘liberal emprestado’ e que o Brasil é ‘socialista’

Por João Batista Jr. Revista Veja

Embora não tenha um cargo no governo de Jair Bolsonaro, o engenheiro Helio Beltrão formou e capacitou quadros hoje instalados em ministérios e no Congresso Nacional por meio do Instituto Mises. Com nome que homenageia o economista austríaco Lud¬wig von Mises (1881-1973), a escola se dedica a dar cursos para disseminar os princípios da economia liberal, cujos pilares fundamentais são a pregação do Estado mínimo, do livre mercado e da propriedade privada. Ao lado do atual ministro Paulo Guedes, Beltrão foi membro-fundador do Instituto Millenium, outro think tank liberal. Filho de Hélio Beltrão (1916-1997), ministro da Previdência Social e da Desburocratização durante o período do último presidente da ditadura militar, João Figueiredo, ele se apresenta como um “ultraliberal”. Para Beltrão, Bolsonaro é um “liberal emprestado, não de verdade”, mas que “soube captar como ninguém a vontade da população de se livrar dos pensamentos da esquerda”.

• Como avalia o desejo — depois revisto — de Jair Bolsonaro de regular o preço do diesel?

Foi um grave erro. Não cabe ao acionista majoritário ou ao presidente da República controlar a empresa. A verdade é que ele teve uma ação instintiva por medo de perder sua alta popularidade. O erro custou caro. Afinal a empresa perdeu 32 bilhões de reais de valor de mercado em um único dia. Bolsonaro reviu a decisão e permitiu o aumento. Ele não pode cometer equívocos desse tipo, se bem que houve um erro anterior.

• Qual?

A questão da reforma da Previdência. Não existe uma vontade de formar uma coalizão junto ao Congresso. O que se vê é uma articulação a distância, como se ele quisesse omitir-se na responsabilidade que pertence ao presidente. Atuando dessa forma, Bolsonaro põe em risco a reforma em si. O mercado sofreu com a tentativa de taxar o diesel, mas o problema de percepção em relação ao governo vem da desarticulação no capítulo da Previdência.

• O presidente barrou o aumento do diesel para evitar briga com os caminhoneiros. Isso é um equívoco?

É um erro reagir às pressões da sociedade. Fica a sensação de que ganha aquele que chora mais. O Poder Executivo federal não deve ficar refém de um determinado grupo. Na verdade, o governo deveria remover os obstáculos às exportações de caminhões usados. O excesso de caminhões que rodam no Brasil torna o frete muito barato. A categoria também sugeriu a possibilidade de o BNDES recomprar caminhões usados, o que não faz sentido algum.

• Além de interferir na questão do diesel, Bolsonaro se mostra contrário à privatização do Banco do Brasil e da Caixa. Também é um erro?

Bolsonaro é um liberal emprestado. Mas está aprendendo a ter simpatia pelas ideias. Vamos ver até onde isso vai. Paulo Guedes, sim, é favorável à privatização dos bancos estatais. Uma leitura no mercado é que o presidente trouxe Guedes para o seu time porque precisava dele dentro da composição; outra é que acredita mesmo nos fundamentos do liberalismo. Talvez a resposta certa esteja no meio do caminho. Os freios do presidente são mais ligados à viabilidade política, não à crença econômica. Embora liberal no discurso, Bolsonaro se mostra nacionalista quando fala de China e Amazônia. Mas ao menos ele está dando aval a Paulo Guedes.

• O Instituto Mises formou, além de Eduardo Bolsonaro, quadros do governo atual como Letícia Catelani, ligada ao chanceler Ernesto Araújo. Como a sua escola se transformou no reduto da nova direita do Brasil?

Não foi por acaso. Em A Revolta de Atlas, livro da americana Ayn Rand, publicado pela primeira vez em 1957, há um recrutamento secreto das pessoas mais capacitadas. É um dos poucos livros em que o empresário é herói, e não vilão. Inspirei-me nesse recrutamento imaginado por Ayn Rand para reunir mentes inteligentes. Há mais de dez anos, existia no Brasil um grupo no Orkut chamado Liberalismo, que contava com 3 000 participantes. Pensando num projeto de longo prazo, entrei naquela rede social para descobrir quem eram os melhores entre os interessados no tema. Quando lancei discussões sobre a economia nacional, o dono da comunidade ficou irritado comigo. Então saí do grupo, mas criei outro, chamado Liberalismo Verdadeiro. Os bons migraram para mim. Foi uma ebulição. Os jovens de 16 anos queriam saber de economia e como ascender na vida com o trabalho, mas sem esse ranço da esquerda. Decidi criar o Instituto Mises em 2007 porque as faculdades de economia do Brasil, em geral, são ruins e tomadas por ideologias.

• Quais ideologias?

Até pouco tempo atrás, a Universidade Federal do Ceará tinha as disciplinas Marx 1 e Marx 2. As faculdades não falam da teoria austríaca dos ciclos econômicos, ensinam apenas os estudos de John Maynard Keynes, para quem tudo é questão de subdemanda. Keynes fez suas linhas mestras em cima dos ciclos recessivos, tendo como um dos principais remédios o investimento por parte do governo. O Estado seria o fiador. A esquerda domina a academia e alimenta o pensamento geral de que o Estado precisa tomar conta de tudo.

Para-choque econômico: Editorial / Época

A greve dos caminhoneiros de maio de 2018 durou 11 dias. Eles bloquearam estradas e impediram a circulação de itens essenciais, como alimentos, gás de cozinha e combustíveis. Serviços básicos, como transportes públicos, foram prejudicados.

A paralisação — que contou com o apoio do então deputado federal Jair Bolsonaro — levou à contração da economia em 3,34% naquele mês, derrubando ainda mais a reduzida taxa de crescimento do ano passado. A principal reivindicação da categoria era a redução do preço do diesel, que foi atendida pelo governo Michel Temer depois de o caos estar estabelecido, e danos irreversíveis causados.

Quem são esses agentes econômicos tão poderosos? Uma pesquisa recente da Confederação Nacional do Transporte demonstrou que são trabalhadores com renda mensal de menos de R$ 5 mil, trabalhando quase 12 horas por dia, chegando a rodar 9 mil quilômetros todo mês — o equivalente a contornar o litoral brasileiro de norte a sul. Quase todos são homens (mulheres não atingem 1% da categoria), com 20 anos de profissão e 45 anos de idade.

Assaltos e roubos são os maiores entraves à rotina, só comparáveis ao preço do combustível, afirmam. Dos que estão rodando neste ano, 65,3% dos caminhoneiros participaram da greve de 2018. A grande maioria (65%) dessa parcela disse ter sido mobilizada à greve por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp. O pior de tudo foi que 56% disseram que não ficaram satisfeitos com as conquistas da paralisação.

A fábrica de crises: Editorial / Veja

O governo do presidente Jair Bolsonaro conseguiu uma vitória relevante no Congresso Nacional: aprovou, por 48 votos a 18, o projeto de reforma da Previdência Social. É apenas o primeiro passo de um longo caminho a percorrer, mas representa um avanço que, em governos normais, estaria sendo devidamente celebrado. No caso do governo de Bolsonaro, em vez de a conquista ser festejada, as atenções acabaram concentradas na crise da hora — agora envolvendo ninguém menos que o vice¬-presidente, o general Hamilton Mourão.

Bolsonaro, incendiado pelo filho Carlos, o Zero Dois, está convencido de que Mourão tem feito movimentos conspiratórios contra o seu governo. Em reportagem produzida pela sucursal de VEJA em Brasília, publicada na página 38, o leitor tomará conhecimento dos bastidores — às vezes ininteligíveis, outras vezes inacreditáveis — dessa crise que, novamente, foi forjada na inclinação incontrolável deste governo à autossabotagem. É como se um fiscal do bolsonarismo, ao vagar entre ministérios e palácios, se orientasse por um lema de subversão mosqueteira: se está ficando bom para todos, alguém precisa estragar algo. É uma fábrica de crises sem capacidade ociosa.

As confusões cobram a conta: Editorial / O Estado de S. Paulo

Cresceu de 21% para 40%, entre janeiro e abril, o porcentual de brasileiros que desaprovam o modo como o presidente Jair Bolsonaro governa o País. Esse recorte da mais recente pesquisa de opinião feita pelo Ibope sobre o desempenho de Bolsonaro indica uma evidente perda de confiança na capacidade do presidente de realizar a contento as muitas e desafiadoras tarefas inerentes a seu cargo.

É certo que o próprio Bolsonaro já declarou, mais de uma vez, que “não nasceu” para ser presidente e que às vezes pergunta a Deus “o que eu fiz para merecer isso?”. Seu principal articulador político, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, também admitiu que todos ali ainda estão “aprendendo” e que o País “precisa ter um pouquinho de paciência com a gente”.

Aparentemente, contudo, a paciência está acabando, e mais rapidamente do que aconteceu com qualquer outro antecessor de Bolsonaro – salvo o caso de Michel Temer, que enfrentou inusitada impopularidade a despeito de ter reorganizado a economia e encaminhado reformas depois do desastre do governo de Dilma Rousseff.

Desemprego pressiona em favor de reformas: Editorial / O Globo

A da Previdência é básica para destravar a economia, mas o custo do emprego precisa ser enfrentado
A economia não para de sinalizar que falta tração na retomada de crescimento esboçada no fim do ano passado. Os analistas do mercado financeiro junto aos quais o Banco Central recolhe projeções de indicadores, reunidas no Relatório Focus, chegaram a estimar, no fim de 2018, um crescimento para 2019 na faixa dos 2,5%. Hoje, a estimativa já se encontra abaixo de 2%, mais próxima de 1,5%, sem perspectiva palpável de melhoria.

Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, indicam que em março o saldo dos empregos formais foi reduzido em 43,1 mil vagas. Ou seja, voltaram a aumentar as demissões, e especialistas não relacionam este desemprego a qualquer sazonalidade. As empresas demitiram mesmo devido à situação ruim dos mercados.

A extinção de postos de trabalho ocorreu em 19 dos 27 estados da Federação. A indústria demitiu 3 mil; a construção civil, com grande capacidade de gerar empregos, mandou embora 7,8 mil. Na agropecuária também houve corte de folha de salários (9,5 mil).

Sustos em dólar: Editorial / Folha de S. Paulo

Alta da divisa decorre, em boa parte, de fatores externos, mas gera custos

Com incertezas em torno do andamento da reforma da Previdência, somadas a novas tensões internacionais, a cotação do dólar no Brasil voltou a se aproximar do patamar de R$ 4, associado a momentos de crise nos últimos anos.

A taxa decerto carrega algum apelo psicológico, e o cenário de fato inspira cuidados. Entretanto existem elementos atenuantes que não devem ser desconsiderados.

O comportamento recente do real segue, em parte, uma tendência global. Com a economia dos Estados Unidos ainda se destacando de modo positivo em relação ao restante do mundo, a divisa americana continua a ganhar terreno diante das principais moedas.

Não se mostra favorável, por exemplo, a situação da Europa, cujo crescimento continua a decepcionar. Nos países emergentes, da mesma forma, há casos em que preocupações maiores se justificam.

Governo precisa se organizar para aprovar a reforma: Editorial / Valor Econômico

A proposta oficial de reforma da previdência passou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sua primeira etapa, com escoriações leves. Dos governos que tentaram reforma semelhante (Fernando Henrique, Lula e Temer), o texto atual foi o que mais demorou na comissão (60 dias), embora nos episódios anteriores houvesse grandes coalizões costuradas para isso e, com Bolsonaro, não há, nem mesmo coordenação do próprio partido do presidente, o PSL. As falhas observadas durante a tramitação na CCJ terão de ser corrigidas logo, porque na comissão especial, o próximo passo, serão discutidas mudanças no projeto que afetarão a potência da reforma, e a consequência dos erros aumenta de importância e escala.

Os quatro pontos retirados não afetam a economia prevista com a reforma e tinham relação apenas tangencial com ela - embora a discussão fosse sobre admissibilidade e o normal seria que esses pontos caíssem na etapa seguinte. O fim do pagamento do FGTS e de sua multa a aposentados que ainda trabalham e o limite de idade para a aposentadoria compulsória do servidor não têm impacto sensível nos cofres públicos. A redução para 70 anos do fim do trabalho foi uma tentativa de contrabandear um dispositivo com o objetivo de permitir a nomeação, pelo governo atual, de mais dois ministros no Supremo Tribunal Federal. Os outros dois pontos, a questão do foro judicial e a exclusividade do Executivo para enviar projetos de lei complementar sobre a previdência não eram essenciais.

Cláudio de Oliveira*: 45 anos da democracia em Portugal

A democracia portuguesa nasceu com a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, quando capitães do Exército puseram fim a 51 anos da ditadura de direita liderada por Oliveira Salazar.

A ditadura atrasou Portugal, à época um dos países mais pobres da Europa. A democracia modernizou o país: além da liberdade, trouxe também prosperidade.

Houve percalços no caminho, como a crise do início desta década que levou milhares ao desemprego. Porém, a economia do país está em recuperação.

A meu ver, o ponto fundamental a observar foi a rápida consolidação do regime democrático logo após 1974, assentado em um sistema político de cerca de cinco a seis partidos, fortes e representativos da sociedade portuguesa. A centro-esquerda (PS) e a centro-direita (PSD) desde então se alternam no poder.

A elevação da renda dos portugueses e a organização de um sistema de saúde e educação públicos e de qualidade foram decorrência do bom funcionamento das instituições da democracia portuguesa.

Na primeira eleição democrática, à Constituinte, em 1975, o Partido Socialista recebeu o maior número de votos. Apesar dos receios então de certos setores, o PS não levou Portugal a um socialismo de tipo soviético, mas a uma democracia parlamentar inspirada nos modelos socialdemocratas da Europa, como Suécia e Alemanha.

Creio que um dos fatores determinantes para a constituição do relativamente estável quadro político democrático e partidário português foi a adoção do sistema parlamentarista de governo, sistema que faz e precisa de partidos fortes.

Para nós do Brasil, em crise econômica e política, às voltas com o presidencialismo e 25 partidos representados Câmara, só nos resta torcer para que o verso da canção Fado Tropical, de Chico Buarque, se realize:

“Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso Portugal”.

Ou seja, um Brasil democrático, quem sabe também parlamentarista, próspero, pacifista e com renda elevada para todos.

Mais um vez, comemorarei o 25 de abril ao som de Grândola, Vila Morena, na bela voz da nossa Nara Leão.

*Cláudio de oliveira é jornalista e cartunista

Nara Leão: Grândola Vila Morena

Manuel Alegre: Abril de Abril

Era um Abril de amigo Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos.

Era um Abril comigo Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril.

Era um Abril na praça Abril de massas
era um Abril na rua Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos.

Abril de vinho e sonho em nossas taças
era um Abril de clava Abril em acto
em mil novecentos e setenta e quatro.

Era um Abril viril Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se Abril palavra
esse Abril em que Abril se libertava.

Era um Abril de clava Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
esse Abril em que Abril floriu nas armas.