sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Vera Magalhães: 2022: o primeiro ano do resto de nossas vidas

O Globo

O clima que cerca a chegada de 2022 é de ansiedade. Viradas de ano costumavam, antes da pandemia e de Bolsonaro, ser épocas cercadas de renovação de esperanças, um relaxamento de quem quer deixar tudo de ruim no ano que se encerra e começar o novo com tudo zerado.

Mas não é assim desta vez. 2021 foi, no Brasil e no mundo, a parte 2 de 2020, repetindo confinamento, mortes, incerteza quanto à recuperação da economia, agravamento das desigualdades e a confirmação de que vivemos uma emergência climática cada vez mais presente no dia a dia. De novo vimos ameaçados consensos civilizatórios, como direitos individuais e coletivos e a adesão às leis, à democracia e à razão.

E se 2022 vier para constituir uma trilogia macabra que conspurcará para sempre a terceira década do século 21? Há componentes que fogem ao nosso controle para definir se esse cenário distópico vai se concretizar, mas na última coluna do ano prefiro ficar no que está ao alcance de nós, brasileiros, para que vivamos o primeiro ano do resto de nossas, vidas, e não o terceiro do caos.

É preciso que exijamos dos governantes atitudes racionais, baseadas em dados e evidências, que contribuam para o bem da maior parcela da sociedade, e não de grupos de pressão ou de afinidade ideológica.

É necessário que a democracia seja um valor inegociável para qualquer brasileiro, independentemente de sua crença político-ideloógica, porque, à medida que ela continue a ser enfraquecida, como vem sendo de forma sistemática e deliberada pelo presidente e seus apoiadores, nenhum governo, seja de direita, de esquerda ou de centro, terá tranquilidade e segurança jurídica e institucional para administrar o país.

Pedro Doria: Desejo de Ano-Novo

O Globo / O Estado de S. Paulo

O Brasil nunca elegeu um extremista para a Presidência — até que aconteceu, em 2018. A não ser que algo de muito improvável ocorra, pela primeira vez desde o início da reeleição, o ocupante do terceiro andar do Planalto não ganhará um segundo mandato. Não importa o vencedor, por si só já é uma boa notícia. Não há muito o que desejar para 2022. Teremos a mais agressiva eleição presidencial da Nova República. Derrotado, com ainda dois meses de mandato, não podemos esperar civilidade de Jair Bolsonaro. Mas podemos sonhar com 2023. Meu desejo para o Brasil é que a esquerda encare enfim uma de suas maiores contradições. É gostar de empresário grande, mas ter horror a empreendedores.

Para sair do buraco em que nos metemos faz uma década, precisaremos muito de novas ideias.

Luiz Carlos Azedo: No ano que vem a gente não morre mais

Correio Braziliense

Não é fácil, numa época de confraternizações, como foi o Natal e será o ano-novo, puxar o freio de mão nas comemorações coletivas. Mas é preciso cuidado

A música Sujeito de sorte, de Belchior, foi um dos hits de 2021, na voz de Emicida, Maju e Pablo Vittar, desde que a velha canção do álbum Alucinação foi sampleada pelo rapper paulista no álbum AmarElo, ganhador do Grammy Latino. A gravação ao vivo, no Teatro Municipal de São Paulo, lotado de moradores da periferia de São Paulo, deu origem a um excelente documentário, uma boa pedida para quem ainda não viu e não quer “olhar pra cima” (ou já olhou) nessa virada de ano. Emicida se destaca não apenas por sua atuação artística, mas também por suas ideias generosas, que trazem para o centro do debate a realidade das periferias urbanas e puxam os fios de história que ligam o hip hop brasileiro ao nosso samba tradicional.

O sucesso da regravação de Sujeito de sorte tem a ver com os tempos de cólera política e de pandemia que estamos vivendo: “Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte/ Porque apesar de muito moço me sinto são e salvo e forte/ E tenho comigo pensado/ Deus é brasileiro e anda do meu lado/ E assim já não posso sofrer no ano passado/ Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro/ Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro/ Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro/Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro”.

Vinicius Torres Freire: Um ano novo com mais vacinados

Folha de S. Paulo

Ainda falta dar dose 2 a quase 35 milhões, o equivalente a três cidades de SP

Em janeiro, faz um ano da primeira vacinação da campanha contra a Covid no Brasil. A primeira dose foi para a enfermeira Mônica Calazans. A gente então meio que ria e meio que chorava de ver o sorrisão da mulher vacinada, de pensar que era possível vencer a peste. Apesar de tudo, e bota "tudo" nisso, o SUS mostrou sua conhecida capacidade de vacinar, um raro motivo de orgulho nacional.

Depois de muito combate contra a criatura do inferno que ocupa o poder e suas falanges de demônios, conseguimos vacinas bastantes. Agora dá certa tristeza de ver que elas sobram.

Hélio Schwartsman: Bolsonaro apequena a Presidência

Folha de S. Paulo

Presidente deu uma banana para as dificuldades enfrentadas pelos flagelados baianos

O ser humano é uma espécie supersticiosa, amedrontada e infantil. Do suposto Criador ao presidente, voltamo-nos a todo instante a figuras paternas em busca de sinais que aplaquem nossos temores e indiquem o caminho a seguir. Embora as constituições não o explicitem, uma das funções dos governantes é prover seus governados com clareza moral, confiança e esperança. Isso pode gerar situações paradoxais.

Objetivamente, deslocar um presidente, com seu séquito de seguranças, jornalistas e curiosos, para uma área de catástrofe mais atrapalha do que ajuda o trabalho das equipes de resgate. Mas é obrigação do dirigente dar as caras. É o que a população espera dele, e eventuais confusões que sua presença ocasione tendem a ser compensadas pelo sentimento de união e propósito que ele despertará.

Ruy Castro: Bolsonaro de uniforme listrado

Folha de S. Paulo

Há gente prevendo que o presidente será preso em 2022

Dentro de algumas horas, a televisão começará a nos bombardear com a manchete: "Já é 2022 na Austrália!". E tome de fogos naquela ponte. A Austrália está 12 horas à nossa frente, donde tudo lá acontece primeiro, e não apenas arremesso de bumerangue e corrida de canguru. A tal ponto que, quando uma coisa está para acontecer aqui, dizemos que na Austrália ela já aconteceu.

Há gente prevendo, por exemplo, que Jair Bolsonaro será preso em 2022. Pois, quando acontecer, ele já terá sido preso na Austrália 12 horas antes.

Eliane Cantanhêde: Apagão em 2021, incertezas em 2022

O Estado de S. Paulo.

Desesperados pelo fim de 2021 e apavorados com o começo de 2022

Estamos todos desesperados para 2021 acabar, mas morrendo de medo que 2022 comece, com tantas incertezas, fome, pobreza, desemprego, inflação, inundações e calamidades, gripe H1N1 e H2N3, variantes Delta e Ômicron da covid-19 e uma campanha eleitoral sangrenta, em que não interessa discutir o País, só destruir o adversário.

O Brasil vive um apagão de dados numa área literalmente vital, durante uma pandemia de destino incerto. Impossível cuidar da saúde pública sem dados, voando no escuro. Pior: sem piloto. Pior ainda: com um piloto cabeça dura, que desdenha da ciência, da medicina, das estatísticas..., da saúde.

Celso Ming: As incertezas e projeções para 2022

O Estado de S. Paulo.

De profeta e louco todo mundo tem um pouco, diz o ditado modificado para este texto. A cada fim de ano, a demanda por previsões aumenta. Mas é difícil separar o que são previsões propriamente ditas de meros votos ou de apostas.

Quem olha para a tabela ao lado verifica que até mesmo consultores tarimbados e gente graúda que põe dinheiro grosso a prazo, como a que está reunida pelo Banco Central, podem fracassar nas projeções. As que estão sendo feitas agora para o ano de 2022 parecem ainda mais sujeitas a erros.

De positivo para os próximos 12 meses, há as contas externas que deverão continuar excelentes. As reservas estão a US$ 364,2 bilhões, quase dois anos de importações. A produção do setor agropecuário será recorde e contribuirá para mais exportações. E certo grau de normalização dos fluxos globais de comércio também parece inevitável.

Flávia Oliveira: Importante, mas com ressalvas

O Globo

Um presidente da República passeando de jet ski num raro balneário onde ainda é popular, enquanto no quarto colégio eleitoral do país 670 mil pessoas sofrem efeitos de inundações que já mataram 24, serviria ao roteiro da sátira distópica que mobiliza as redes sociais desde o Natal. Infortúnio nosso, não é cinema. São evidências do negacionismo, da indiferença, da necropolítica no Brasil sob Jair Bolsonaro. É ele o mandatário capaz de sepultar uma bem-sucedida política social para tirar proveito eleitoral e mais desidratá-la que ampliá-la. É o líder político que sabota vacinação de crianças. É o chefe do Executivo federal que visita parque de diversões e rejeita ajuda humanitária de adversário ideológico, quando compatriotas garimpam bens e memórias de escombros.

Tal como Donald Trump nos Estados Unidos, a gestão Bolsonaro lançou o Brasil numa escalada de mentira, incompetência e extremismo digna do cinema catástrofe. Daí a repercussão nos dois países do último longa de Adam McKay, que reúne elenco estelar e foi lançado pela Netflix na véspera de Natal. “Não olhe para cima” é uma sátira sem sutileza, bem mastigadinha. Não doura a pílula na crítica feroz à negação à ciência, ao populismo dos líderes de extrema direita, à espetacularização da notícia, ao culto às celebridades, mesmo tendo DNA hollywoodiano.

Eleição no Chile é um 'exemplo poderoso' para o mundo, diz Biden ao presidente eleito Boric

Líderes discutiram compromisso com justiça social, democracia, direitos humanos e crescimento

Reuters / O Globo

WASHINGTON — As eleições livres e justas do Chile são um "exemplo poderoso" para a América Latina e para o mundo, disse o presidente dos EUA, Joe Biden, ao líder esquerdista Gabriel Boric. Biden ligou para Boric, nesta quinta-feira, para parabenizá-lo pela sua eleição à Presidência, no último dia 19, como informou a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, em um comunicado.

Segundo Jen, os dois líderes discutiram seu compromisso comum com justiça social, democracia, direitos humanos e crescimento. 

"O presidente [Biden] aplaudiu as eleições livres e justas do Chile como um exemplo poderoso para a região e o mundo", disse a secretária de imprensa da Casa Branca.

A vitória de Boric representou um avanço para a esquerda da América Latina, reforçando as conversas sobre uma nova "maré rosa" na região, à medida que a pobreza crescente — alimentada pela pandemia de Covid-19 — direciona os eleitores para aqueles que prometerem reformas econômicas que favoreçam um governo maior e mais gastos sociais.

Biden também destacou a importância da cooperação EUA-Chile para promover uma recuperação da pandemia e para enfrentar a ameaça representada pela mudança climática.

O presidente americano ofereceu ainda suas condolências pela morte da chilena Valentina Orellana-Peralta, de 14 anos, que foi morta a tiros em uma loja de North Hollywood em 23 de dezembro, quando um policial abriu fogo contra um homem que estava atacando outro comprador. Valentina nasceu e foi criada em Santiago, e chegou aos EUA há seis meses com sua mãe para visitar uma irmã mais velha, informou o Los Angeles Times.

Em sua conta no Twitter, Boric comentou sobre a conversa com Biden:

"Acabo de receber uma chamada do presidente dos EUA. Além da alegria compartilhada por nossos respectivos triunfos eleitorais, conversamos sobre desafios comuns como comércio justo, crise climática e fortalecimento da democracia. Continuaremos conversando."

Nelson Motta: O ano em que o mito miou

O Globo

O ano que vem pode ser pior, bem pior, se muita coisa não mudar. Para melhor. Dentro e fora de nós

A última reflexão do ano é: já vai tarde. Certamente um dos piores, senão o pior, ano de nossas vidas. Para o vovô e o netinho, atravessando gerações que suportaram presidentes bêbados, tirânicos, incompetentes, ladrões ou doentes mentais, e crises econômicas e políticas quase permanentes. Brava gente brasileira.

Mas não adianta chorar pelo ódio derramado. O ano que vem pode ser pior, bem pior, se muita coisa não mudar. Para melhor. Dentro e fora de nós. Não é possível que uma minoria de 20% de fanáticos mande no destino de 210 milhões de brasileiros usando a mentira como método e os truques mais sujos para minar e destruir a democracia.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Golpismo derrotado

Folha de S. Paulo

Arquitetura da democracia resiste a Bolsonaro; cumpre proteger setores cruciais

Encerra-se um ano particularmente tumultuoso na política nacional, sobretudo pelo comportamento anômalo do presidente da República. Apesar dos percalços e da dissipação de energia cívica, a arquitetura da democracia brasileira resistiu ao golpismo aloprado.

O apogeu da cavalgada autoritária aconteceu nas manifestações do Dia da Independência, mas ela foi desmoralizada em menos de 48 horas por ausência de materialidade.

Jair Bolsonaro ameaçou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, com algo que nem soube enunciar —porque não há nada que o chefe de Estado possa fazer contra a autonomia de um Poder sob a Constituição de 1988.

Atiçou a massa de fanáticos com mentiras sobre a urna eletrônica e com bravatas sobre sair morto do Palácio do Planalto. As eleições de 2022 ocorrerão normalmente sob a égide das urnas eletrônicas, e Bolsonaro sairá da sede do governo derrotado, não martirizado, caso falhe a tentativa de reeleger-se, como hoje apontam as pesquisas.

Poesia | João Cabral de Melo Neto: Chuvas do Recife (Trecho)

Sei que a chuva não quebra osso
que há defesas contra seu soco.
Mas sob chuva tropical
me sinto ante o Juízo Final
em que não creio mas me volta
como o descreviam na escola:
mesmo se ela cai sem trovão
demótica em sua expressão.

No Recife, se a chuva chove,
a chuva é a desculpa mais nobre
para não se ir, não se fazer,
para trancar-se no não ser.
Mais que corda, é chuva em sabres
que aprisiona o dia em grades,
e mesmo que tenha gazuas
da grade viva, evita a rua.

(...)
Há no Recife uma outra chuva
(embora rara) rala, miúda
Não como a chuva da chuvada,
que cai, agride, e é pedra d'água,
passa em peneira esta chuva,
não traz balas, não tranca ruas:
mas faz também ficar em casa,
quem pode, antevivendo o nada.

Música | Maria Bethânia: Luminosidade