sábado, 13 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Pacote verde é mais um agrado para montadoras

O Globo

Setor já beneficiado por incentivos tributários pouco eficazes recebeu uma nova benesse de R$ 19 bilhões

É cheio de boas intenções o programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), lançado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva no fim do ano passado com o objetivo de estimular a descarbonização da frota de automóveis no Brasil. Mas elas não escondem que o programa promove mais um incentivo bilionário a montadoras que, há décadas, dependem da ajuda do Estado para sobreviver num mercado cada vez mais competitivo, que exige produtividade e criatividade.

Em 30 de dezembro, Lula assinou uma Medida Provisória que amplia as exigências de sustentabilidade na venda de carros e concede incentivos fiscais às empresas que investirem em descarbonização. A estimativa é que, até 2028, os créditos concedidos somem R$ 19 bilhões. Para este ano, estão previstos R$ 3,5 bilhões. Para 2025, R$ 3,8 bilhões.

Entre as exigências previstas, está a medição das emissões de carbono em todo o ciclo de energia, para todas as fontes — etanol, gasolina, bateria elétrica ou biocombustível. No caso da gasolina, ela será feita da extração do petróleo à queima do combustível. A MP prevê ainda a ampliação do uso de material reciclado na fabricação e um sistema de recompensa e penalização na cobrança de IPI às empresas. Quem poluir mais pagará mais.

Todas essas medidas são necessárias. Ninguém jamais negará que produzir veículos menos poluentes é medida bem-vinda. Mas a questão não se restringe a isso. Incentivar o transporte individual — sobretudo movido a combustível fóssil — não é exatamente uma medida que contribua para o planeta. Ainda que embrulhado numa embalagem verde, o pacote recém-lançado canaliza recursos públicos para um setor que deveria prescindir deles.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Os destrutivos “homenzinhos”

CartaCapital

O pequeno fascismo cotidiano floresce em indivíduos que carregam na alma as frustrações da sociedade de massa

As manifestações oficiais sobre a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023 foram acompanhadas de análises e proclamações que celebravam a solidez da democracia brasileira. Vou buscar aqui um caminho um tanto acidentado para inspecionar os desvarios destrutivos das massas que invadiram prédios públicos e destruíram obras de arte e outras coisas mais. O leitor de CartaCapital há de tolerar minha busca de apoio em Hannah Arendt, Wilhelm Reich e Élisabeth Roudinesco. O personagem social que deambula nas páginas desses três autores é o indivíduo que carrega na alma as dores, aspirações e conflitos da sociedade de massa capitalista.

A busca pela diferenciação dos estilos de vida é a marca registrada da concorrência de massas. Desgraçadamente para a maioria dos aspirantes, pobres e remediados, os impulsos para acompanhar os hábitos, gostos e gozos dos bem aquinhoa­dos se esboroam nas angústias da desigualdade. A maioria não consegue realizar seus desígnios, atolada no pântano da sociedade de massa. Os ganhos propiciados pela valorização da riqueza financeira sustentam o consumo dos ricos e, simultaneamente, aprisionam as vítimas da crescente desigualdade nos circuitos do crédito. No afã desatinado de acompanhar os novos padrões de vida, a legião de fragilizados compromete fração crescente de sua renda no endividamento.

Pablo Ortellado - O Brasil condena o 8 de Janeiro?

O Globo

Parcela significativa dos brasileiros acredita que as eleições presidenciais foram fraudadas

Peço desculpas ao leitor por retomar o assunto 8 de Janeiro, mas a pesquisa AtlasIntel divulgada no começo da semana traz dados preocupantes que merecem comentário. Ao contrário das pesquisas Quaest e Datafolha, que mostraram apoio bastante baixo à invasão das sedes dos três Poderes, a da AtlasIntel mostrou sustentação relevante. E também traz pistas que podem explicar por que isso acontece.

Enquanto a pesquisa Quaest registrou apoio de apenas 6% à invasão do Congresso, Palácio do Planalto e STF, a Atlas mostrou 15% de concordância com a ocupação dos três Poderes. A diferença entre as duas pesquisas, 9 pontos percentuais, é grande, acima da margem de erro, e merece análise.

Carlos Alberto Sardenberg - Muita conversa para pouca ação

O Globo

Pelo jeito, demorará para o governo federal ir para cima da milícia e do narcotráfico. A Polícia Civil do Rio tentou

Com a devida licença poética, foi mais ou menos assim.

Do prefeito do Rio para o ministro interino da Justiça, no X (Twitter):

— Tem bandido cobrando 500 mil de empreiteira que toca obra pública.

Ministro, também no X:

— Tô sabendo. Seu colega de Nova Iguaçu também alertou. Vamo pra cima.

Não foram. Ficaram ocupados consigo mesmos, com as trocas no Ministério da Justiça e Segurança Pública. O então ministro interino, Ricardo Cappelli, continua secretário executivo da pasta, mas entrou em férias, depois deixará o cargo. Também se dá como certo que o atual secretário de Segurança Pública, Francisco Tadeu Barbosa de Alencar, será substituído, provavelmente por Benedito Mariano, quadro do PT que participou da transição nas questões de segurança.

Eduardo Affonso - Palavras, palavras, palavras

O Globo

Resumir o ano numa palavra não há de ser tarefa das mais fáceis, mesmo para grupos bem restritos

A escolha da “palavra do ano” é uma prática recente, mas já consolidada — pelo menos em países de língua inglesa. As mais comentadas são as feitas pelos dicionários Oxford e Merriam-Webster, levando em conta uso e relevância cultural.

No Brasil, nos últimos cinco anos as escolhidas (por uma consultoria e um instituto de pesquisa) foram “mudança” (2018, possivelmente devido à eleição de Bolsonaro), “dificuldades” (2019, talvez por causa do governo Bolsonaro), “luto” (2020, idem), “vacina” (2021, ibidem), “esperança” (2022, certamente pelo fim do governo Bolsonaro) e “mudanças climáticas” (2023, ampliando o conceito de “palavra”, reconhecendo o ano mais quente já registrado e evitando retomar o ciclo de mudança, dificuldade, dor, frustração, esperança — de que não conseguimos sair). “Resiliência” — um dos substantivos mais insuportavelmente resilientes dos últimos tempos — esteve na disputa, mas não resistiu.

Dom Odilo Pedro Scherer* - Inteligência artificial e paz

O Estado de S. Paulo

Papa Francisco manifesta grave preocupação de que essa nova maravilha da tecnologia venha a ser colocada a serviço da guerra

A inteligência artificial, nova maravilha da ciência e da tecnologia, está cada vez mais presente na vida pública e privada. Não há como não reconhecer que a chegada da inteligência artificial representa o início de uma nova etapa no desenvolvimento da humanidade.

Porém, já são muitas as discussões, em diversos níveis de responsabilidade, sobre a inteligência artificial, e ainda não se chegou a definir certos parâmetros mínimos e básicos que sejam aceitos por todos os interessados na sua produção e uso. É inevitável constatar, pela experiência da humanidade, que as melhores invenções humanas acabaram sempre sendo utilizadas com finalidades opostas: para promover o que é bom, ou para promover o mal. Com a inteligência artificial, que traz um potencial enorme de aplicações, o risco de mau uso também é enorme.

Bolívar Lamounier* - A difícil arte de calibrar o gasto público

O Estado de S. Paulo

Não temos um método claro que permita ao cidadão sopesar o acerto ou desacerto das decisões tomadas por sucessivos governos

Merece copiosas congratulações o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pelo afinco que tem dedicado à boa gestão das contas do governo e ao fato de ter colocado a reforma tributária no topo da agenda pública.

Infelizmente – e quanto a este ponto não cabe referência alguma à gestão do ministro Haddad – é que não temos debatido em profundidade o outro lado da moeda: a questão do gasto público. Temos ótimos especialistas na matéria, mas, salvo melhor juízo, não temos conseguido fazê-la chegar aos corações e mentes do povão. Com vistas a tal objetivo, parece que nem temos um método claro, compreensível, que permita ao cidadão sopesar o acerto ou desacerto das decisões tomadas por sucessivos governos. Como leigo na matéria, o que proponho fazer neste artigo é um exercício singelo, que requer apenas um mapa e instrumentos escolares de desenho.

Oscar Vilhena Vieira* - Exemplo do Equador mostra custo da omissão na segurança

Folha de S. Paulo

Convulsão no país deveria servir de alerta sobre equívoco das políticas antidrogas adotadas nas últimas décadas

As sociedades convivem com muitas adversidades, como inflação, recessão, ou mesmo catástrofes, mas dificilmente toleram a desordem generalizada.

convulsão provocada pelo crime organizado no Equador, a partir do interior de suas prisões dominadas pelo narcotráfico, deveria servir de alerta para os demais países latino americanos, entre eles o Brasil, sobre o equívoco das políticas antidrogas adotadas nas últimas décadas, assim como uma indisposição quase atávica para assegurar o império da lei.

Tal como no Equador, o sistema prisional brasileiro, que hoje abriga mais de 600 mil presos, é fonte de enorme insegurança. Dominadas por facções criminosas, boa parte das prisões brasileiras se tornaram um dispositivo de recrutamento do crime organizado, que dali coordena suas operações.

Dora Kramer - Voz macia, coração amargo

Folha de S. Paulo

Não foi amigável a saída de Marta e não será cordial a campanha se ela for vice de Boulos

Foi tudo, menos amigável a saída de Marta Suplicy da Secretaria Municipal de Relações Internacionais para apoiar a candidatura de Guilherme Boulos (PSOL), o principal adversário do prefeito Ricardo Nunes (MDB) na tentativa de reeleição. Ficaram mágoas ainda em processo de digestão.

Será tudo, menos amigável, a campanha que se avizinha tendo à frente o presidente Luiz Inácio da Silva e o antecessor, Jair Bolsonaro. Na boca de cena estão todos por enquanto razoavelmente civilizados. No bastidor, o clima prenuncia refrega pesada, embora com incertezas.

Demétrio Magnoli - 8/1, um dia sem heróis

Folha de S. Paulo

Brasil foi exceção à regra diante de outras tentativas frustradas de golpe

Frustrar tentativas de golpe de Estado geralmente faz heróis. Pense em De Gaulle, no 23 de abril de 1961, em Juan Carlos, rei da Espanha, no 24 de fevereiro de 1981, e em Boris Ieltsin, no 19 de agosto de 1991. O Brasil foi exceção à regra, como se depreende do incisivo documentário "8/1: A Democracia Resiste", de Julia Duailibi e Rafael Norton, produzido pela GloboNews. Naquele dia de 2023, sobraram vilões, mas não emergiram heróis.

Hélio Schwartsman - Hipocrisia global

Folha de S. Paulo

Seletividade de governos em relação a direitos humanos reduz confiança em instituições responsáveis por protegê-los

Relatório da ONG Human Rights Watch (HRW) afirma que a seletividade com que governos tratam direitos humanos mina a confiança nas instituições responsáveis por proteger esses direitos. Não vejo como discordar.

Líderes globais são rápidos em denunciar violações cometidas por países com os quais têm diferenças, mas mostram tolerância inesgotável para com abusos perpetrados por nações amigas. "Quando governos condenam veementemente os crimes de guerra do governo de Israel contra civis em Gaza, mas silenciam frente aos crimes contra a humanidade do governo chinês em Xinjiang, ou exigem punições internacionais em relação aos crimes de guerra russos na Ucrânia ao mesmo tempo que minimizam a responsabilização dos EUA pelos abusos no Afeganistão, enfraquecem a crença na universalidade dos direitos humanos e na legitimidade das leis destinadas a protegê-los", diz a HRW.

Poesia | "Procura da Poesia" - Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Menina Pernambucana - Alceu Valença