quinta-feira, 15 de julho de 2010

Reflexão do dia – Blog Pitacos


O Presidente da República, pela natureza do cargo, como primeiro mandatário, não pode dar-se a condição de infrator de leis.

Em termos teóricos, ele não pode ir à guilhotina, pura e simplesmente, se cometer infrações involuntárias. Será punido, feitas as devidas ressalvas, pelos tribunais competentes.

Não é o caso de Lula. Ele não apenas manifesta plena consciência de seus atos infratores, como tripudia sobre os tribunais e até anuncia que incorrerá em novas infrações.

No caso do lançamento do Trem Bala, o Presidente avançou significativamente na violação da institucionalidade. Declarou saber dos impedimentos na vinculação e veiculação do Trem Bala à sua candidata, fez nova jacota e fez propaganda de sua candidata, utilizando-se também de recursos públicos.

Numa democracia consolidada, não há soberano. Ninguém está acima da lei. Se mandatários violam a lei, são indiciados em processos e são passíveis do rigor da legislação. Não passa pela cabeça de ninguém algo diferente.

Lula se cobre do manto de sua popularidade e se considera impune.

Onde está o Ministério Público? Onde está a Procuradoria-Geral da República?

Parte da imprensa se manifesta, felizmente. Até mesmo porque quem se considera um soberano pode muito bem comandar ou fechar os olhos a um processo de lipoaspiração da liberdade imprensa, desejo subjacente do Partido dos Trabalhadores e de sua candidata.

Espera-se que a OAB e partidos políticos tomem as iniciativas adequadas. A questão não é Lula, mas a República, aquela tal que deveria se pautar pela igualdade de todos perante a lei.

Prática antidemocrática :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Há no Brasil de Lula uma predisposição para se aceitar quebra de normas legais como se fosse a coisa mais normal do mundo. A tradição de existirem leis "que pegam" e outras que nem tanto, que marca negativamente a nossa sociedade, passou a ser um parâmetro considerado válido para o comportamento, do cidadão comum ao presidente da República.

O cidadão que não respeita sinal ou usa a calçada para estacionar o carro se sente no direito de fazer isso, ou está contando com a impunidade. Ou ainda considera o custo-benefício da multa favorável.

O presidente da República que, como Lula, joga o peso do cargo para favorecer sua candidata se sente no direito de fazer isso, ou conta com a impunidade da legislação eleitoral.

O belo verso de Fernando Pessoa em "Mar português" ("Tudo vale a pena se a alma não é pequena") já virou "Tudo vale a pena se a multa é pequena" na internet.

A quebra do sigilo da declaração de Imposto de Renda do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, admitida pelo próprio secretário da Receita Federal em depoimento no Senado, não provoca nenhum estremecimento na máquina pública, que deveria existir para servir aos cidadãos, e não ao governo da ocasião.

Os dados de declarações de renda do dirigente oposicionista, que foi ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, foram parar em um dossiê montado pelo comitê de campanha da candidata oficial Dilma Rousseff, o que foi denunciado pelo jornal "Folha de S. Paulo".

Por outro lado, o fato inédito de o presidente da República ter sido multado seguidas vezes por transgredir a lei eleitoral passa a ser considerado normal, porque todos concordamos que a lei em vigor é fora da realidade e deveria ser alterada.

Ora, como diria o deputado federal José Genoino nos áureos tempos do mensalão, "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa".

O fato de uma lei eleitoral não resistir à realidade de uma campanha política não significa que ela deva ser simplesmente ignorada pelos competidores, ainda mais pelo presidente da República, que deveria dar o exemplo de respeito às leis do país.

Além da exemplaridade, a atuação do presidente da República em uma campanha eleitoral deve ser coberta de cuidados para que o peso do Estado não distorça a competição entre os candidatos.
A desfaçatez com que o presidente Lula tem se comportado nesta sua sucessão marcará a História republicana recente como uma época em que a esperteza tem mais aceitação do que o respeito às leis e à ética pública.

O episódio em que o presidente Lula finge pedir desculpas por ter citado a ex-ministra Dilma Rousseff como a grande mentora do projeto do trem-bala é o ápice de um processo de degradação moral da política, não apenas pelo cinismo do mea-culpa, mas porque estava presente à solenidade o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowski.

O fingimento do presidente levou-o a desrespeitar a legislação eleitoral mais uma vez, e certamente a esperteza do chefe deve ter sido intimamente comemorada pelos áulicos presentes, muitos dos quais aplaudiram a primeira transgressão.

Há uma tendência a aceitar que o empenho pessoal do presidente Lula, com a força de sua popularidade, e o uso da máquina pública em favor da candidatura oficial de Dilma Rousseff a tornam a favorita das eleições de outubro.

E não se leva em conta que essa combinação de forças é ilegal.

Já o secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, admitiu ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado que vários auditores da Receita acessaram dados fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas, no período de 2005 a 2009, e por isso estão sob investigação da Corregedoria-Geral do órgão.

Mas se recusou a dar os nomes, pois essa é uma investigação sigilosa, como sigilosos deveriam ser os dados confiados à Receita Federal por um cidadão.

É até aceitável que não dê os nomes, para proteger os que eventualmente tenham tido algum motivo oficial para acessar os dados.

Parece óbvio, porém, que, se houvesse entre esses servidores da Receita algum que tivesse acessado os dados por uma razão funcional qualquer, o secretário Cartaxo teria o maior prazer em anunciar oficialmente isso na Comissão do Senado.

Poderia dizer: "O funcionário fulano de tal acessou os dados a pedido oficial desta ou daquela autoridade, que está investigando o senhor Eduardo Jorge por esse ou aquele crime".

Como não pode dizer isso, diz que a questão ainda está sendo investigada. Não deve ser difícil saber quais as razões que levaram cinco ou seis funcionários da Receita, com crachá e permissão para acessar informações de contribuintes, a entrarem nessa determinada conta.

A quebra do sigilo do caseiro Francenildo Pereira por parte de pessoas do governo que queriam proteger o então ministro da Fazenda Antonio Palocci acabou condenando o então presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Matoso, além de ter provocado a queda do próprio ministro.

Estavam à procura da prova de que o caseiro havia recebido dinheiro para fazer as denúncias contra o ministro, mas o dinheiro que recebera em sua conta devia-se a uma questão familiar.

Também desta vez o dinheiro que Eduardo Jorge declarou tinha origem em uma herança familiar, e não em alguma falcatrua que o comitê de Dilma procurava.

Como não é a primeira vez que um órgão federal quebra o sigilo de um "adversário" do governo, é preciso que a cidadania se escandalize com essa prática antidemocrática, que fere os direitos individuais.

Ficha Limpa é apenas um primeiro passo:: Maria Inês Nassif



DEU NO VALOR ECONÔMICO

Nem os militantes mais entusiasmados chegaram a acreditar piamente na hipótese de a Lei Ficha Limpa ser aprovada com tão poucas - e tão sem importância - modificações pelo Congresso. Afinal, as primeiras listas de pedidos de impugnação de candidaturas aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) já mostram o tamanho do prejuízo para os partidos que aprovaram o projeto. Entre os políticos de carreira, tendem a ser atingidos os que tiveram passagens por cargos executivos e exercem lideranças nos seus Estados - neste caso, a Lei Ficha Limpa tende a atuar como uma penalidade adicional, por exemplo, aos políticos cassados pela Lei da Compra de Voto, também originado de um projeto de iniciativa popular, que tirou o mandato de vários governadores em 2006.

Estarão de fora das eleições os políticos que foram condenados em segunda instância e procuram o abrigo do foro privilegiado num mandato de deputado federal ou de senador. Perderão essa garantia de impunidade. As listas partidárias das legendas terão que ir atrás de muito sangue novo para repor esses quadros. Sairão também das listas partidárias, por conta da nova lei, traficantes e milicianos que garantiam o acesso de outros políticos às favelas e regiões dominadas pelo crime organizado no Rio de Janeiro, por exemplo. Os partidos terão que encontrar outras formas de captar o voto em regiões sitiadas, que não seja o poder da metralhadora.

Existem muitas vantagens nessa nova lei, mas, passada a euforia de sua aprovação, é bom que se reconheça que ela é apenas um começo. Na prática, pelo menos para essas eleições, a nova norma criou duas categorias de políticos com ficha suja: aqueles sobre os quais recaem suspeitas de crimes, mas que estão protegidos de condenações porque se tornaram parlamentares antes de serem condenados em segunda instância; e aqueles que estarão fora do pleito porque sujaram a ficha antes de conseguir um mandato parlamentar. Os parlamentares sob suspeita de terem cometido crimes, mas que ainda não foram condenados em instâncias inferiores, estão protegidos pela morosidade do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem cabe julgar parlamentares, ministros e presidente; garante tranquilidade a eles a falta de aptidão do STF para inquéritos.

A lei também não resolve o problema da Justiça estadual. Embora as instituições tenham se aprimorado muito no período democrático, não se pode dizer que o Judiciário tenha conseguindo êxito completo no processo de separação das justiças estaduais dos poderes políticos locais. Nos Estados em que chefes políticos exercem influência além da conta sobre a Justiça, o projeto Ficha Limpa vai se tornar um instrumento político a mais a ser usado contra a oposição local. O caso mais emblemático é a influência da família Sarney sobre as justiças do Maranhão e do Amapá. Na Bahia, onde Antonio Carlos Magalhães tinha quase a palavra final na Justiça estadual, sua influência já era bastante reduzida quando faleceu.

Mas, antes que isso acontecesse, usou a Justiça para banir inimigos da política.

Aliás, não é preciso nem ir tão longe. Em São Paulo, a ex-prefeita Luiza Erundina, hoje deputada federal pelo PSB, foi condenada pela justiça paulista a ressarcir em R$ 350 mil os cofres da prefeitura por conta de um comunicado oficial que publicou nos jornais, quando era prefeita, numa greve de ônibus. Teve penhorado seu único imóvel e seu carro. Seu patrimônio sequer cobria o valor da sentença. É uma condenação tão fora de propósito que provocou uma onda espontânea de solidariedade à deputada, que é reconhecidamente ética.

O ex-prefeito Paulo Maluf, no entanto, apenas em 2009 sofreu sua primeira condenação, que poderá valer a ele a inclusão na lista dos Ficha Suja da justiça eleitoral. Não será nada mal ter Maluf excluído da lista dos candidatos do seu partido a deputado federal - o que garante a ele, se eleito, foro privilegiado nas demais ações a que responde. O assustador é que Erundina foi equiparada pela Justiça a Maluf. E a Lei Ficha Limpa não conserta essa injustiça, porque não tem poder para isso.

A moral da história é que a Lei Ficha Limpa é ótima. O problema é que ela tem que vir acompanhada de uma despolitização das justiças estaduais, sob pena de cometer grandes injustiças. Por isso tem que ser entendida como um começo. A outra parte da história é entender como promover de forma também incisiva um salto democrático no Poder Judiciário. Projetos consistentes de iniciativa parlamentar seriam bem-vindos.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

O abuso e o ridículo:: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Fernando Rodrigues tem a mais absoluta razão quando diz que o presidente Lula desafiou abertamente a lei eleitoral, ao participar da cerimônia de lançamento do edital do trem-bala.

Aliás, lançamento de edital merece comemoração?

De minha parte, não há nada a retirar do que disse Fernando Rodrigues. Mas há, sim, o que acrescentar, a saber: a legislação eleitoral brasileira é pândega, uma coleção completa de disparates.

Há quinhentos exemplos, mas fico no caso da cerimônia do edital do trem-bala que caracterizaria abuso de poder por Lula ter usado a máquina pública para promover a sua candidata. O presidente até pediu desculpas, maneira esfarrapada de corrigir a "falha".

Eleições, com perdão por ter que dizer tamanha obviedade, são a melhor e, às vezes, única ocasião para julgar um governo. Logo, para que o julgamento se faça de maneira informada, é preciso que sejam divulgados, pelo governo e pela oposição, todos os elementos que permitam avaliá-lo.

Se o governo vai fazer o trem-bala, que o divulgue é parte do processo de julgamento. Digamos que a obra (essa ou outra qualquer) seja polêmica ou até nociva, na opinião de uma parte do eleitorado. A oposição não poderia, levada a lei ao extremo, criticá-la em qualquer ato realizado em prédio público. Seria propaganda -no caso, negativa- de uma candidatura.

Ridículo? Claro, mas aposto que haverá mais de um advogado pronto para atuar com base na lei.

Ridícula, na verdade, é a legislação. Trata todo eleitor brasileiro como débil mental, incapaz de decidir o seu voto sem que esteja protegido por uma redoma que lhe cassa informações.Desnecessário dizer que, ridícula ou não, o presidente tem que cumprir a lei. Mas já estamos grandinhos o suficiente para dispensar a redoma. Ou não?

Teresa Cristina - Beijo Sem - Melhor Assim

Serra se reúne com artistas e intelectuais em restaurante do Rio



Entre os convidados estavam Maitê Proença e Marcelo Madureira.

Candidato passou de mesa em mesa e fez discurso em prol da cultura.


Alícia Uchôa Do G1 RJ

José Serra e as atrizes Maitê Proença e RosamariaMurtinho. (Foto: Alícia Uchôa / G1)

O candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, se reuniu na noite desta quarta-feira (14) com cerca de 150 artistas e intelectuais num restaurante na Praia do Leme, na Zona Sul do Rio.

Entre os convidados estavam os atores Maitê Proença, Carlos Vereza e Rosamaria Murtinho, o humorista Marcelo Madureira, a cantora Sandra de Sá, o ex-titã Charles Gavin, o cineasta Zelito Vianna, o poeta Ferreira Gullar, entre outros.

“Sou contra artista declarar voto e pedir verba. Estou escutando os candidatos, que é o que a gente pode fazer para escolher o voto. Mas não tenho nenhuma afinidade com o PT”, afirmou o humorista Marcelo Madureira.

“Não estou satisfeita com o governo e vim aqui ouvir as plataformas e ver se concordo”, disse a atriz Maitê Proença. “O que está dando certo tem que continuar, mas tem muita coisa pra mudar”, disse ao candidato, o escritor Ferreira Gullar.

Direitos autorais

Na reunião, o candidato pediu sugestões aos presentes para montar sua plataforma política na questão da cultura.

Serra diz que 'aparato governamental foi usado para espionar gente'

Questionado sobre planos na área de direitos autorais, Serra respondeu: “Não entendo muito do tema. Mas acho que quem produz tem que ser reconhecido e tem que se encontrar maneiras de fazer isso. Quero aprender mais sobre o assunto”.

O músico Charles Gavin chamou de ultrapassada a legislação cultural no que diz respeito a impostos e questões trabalhistas no setor. O candidato pediu que lhe fossem enviadas sugestões sobre o tema, depois de defender que a Lei Rouanet não pode ser a única fonte de investimento em produção cultural.

“Minha ideia é ter um documento com itens programáticos na cultura. Mas quero ideias”, afirmou, antes de abrir a reunião para perguntas dos convidados.

Estiveram no evento ainda o desenhista Daniel Azulay, o crítico de cinema Rubens Edwald Filho, o imortal Ivan Junqueira, os diretores Moacyr Goes e Andrucha Waddington, além do músico Fausto Fawcett.

Video do Encontro de Serra, ontem

A transgressão consagrada – Editorial / O Estado de S. Paulo



Luiz Inácio Lula da Silva entrará para a história das eleições presidenciais brasileiras sob o Estado Democrático de Direito pela desfaçatez sem paralelo com que se conduz. Ele não apenas colocou os recursos de poder próprios do cargo que exerce à disposição de sua candidata ? escolhida, de resto, por um ato de vontade imperial -, como ainda assume ostensivamente o abuso e disso se jacta.

A demolição das leis e das instituições destinadas a separar Estado, governo e campanhas políticas não se fez em um dia. Lula começou a pensar no segundo mandato, e a se guiar rigorosamente por essa meta, mal tirou a faixa recebida do antecessor em 1.º de janeiro de 2003 ? se não antes. E começou a pensar no nome do sucessor, e a subordinar a administração federal aos seus cálculos eleitorais, tão logo descartou definitivamente, decerto ao concluir que se tratava de uma aventura de desfecho incerto, a possibilidade de um terceiro período no Planalto.

Depois que os dois grandes escândalos do lulismo - o mensalão e a perseguição a um caseiro -excluíram da lista dos presidenciáveis do presidente os cabeças de seu governo, José Dirceu e Antonio Palocci, a solitária decisão de lançar a candidatura da ministra Dilma Rousseff, com experiência zero em competições pelo voto popular, embutia uma consequência que só o seu patrono poderia barrar. Desde que, bem entendido, tivesse ele um mínimo de apreço pelos valores republicanos dos quais fala de boca cheia.

A consequência, evidentemente, era a conversão do Estado e do governo em materiais de construção da campanha dilmista - numa escala e com uma intensidade que talvez fossem menos extremadas se o candidato se chamasse Dirceu ou Palocci. Diga-se o que se queira deles, um e outro têm bagagem partidária e milhagem na rota das urnas bastantes para não depender, tanto quanto Dilma, do sistemático abuso de poder do chefe (ou, no caso dela, chefe e criador). Em outras palavras, a fragilidade eleitoral intrínseca da ex-ministra clamava pelo vale-tudo para ser neutralizada - e não seria Lula quem deixaria de fazê-lo.

Assim que ele bateu o martelo em seu favor, aflorou no mundo político e na imprensa a questão da transferência de votos. Seria o mais popular dos presidentes brasileiros capaz de eleger a candidata tida como um poste? Seria o seu formidável carisma suficiente para impedir que ela naufragasse por seus próprios méritos, por assim dizer- Perguntas pertinentes - e enganadoras.
Do modo como foram formuladas, tendem a fazer crer que os eventuais efeitos, em 3 de outubro, do poder de persuasão de Lula independem da sua gana de atrelar o comando do Executivo aos seus interesses eleitorais.

É bem verdade que Lula chegou lá da primeira vez (na quarta tentativa) concorrendo pela oposição. Mas, em 2002, o desejo de mudança que ele encarnava provavelmente prevaleceria ainda que o então presidente Fernando Henrique, com a mesma falta de escrúpulos que o sucessor exibiria, transformasse o seu gabinete em quartel-general da campanha do candidato José Serra. Agora, chega a ser intrigante, nas análises políticas, a dissociação entre o uso da popularidade de Lula e a sua desmesurada desenvoltura em entrelaçá-lo com o abuso de sua posição.

Não foi por falta de aviso. Já não bastassem as transgressões que cometia ao carregar Dilma nos ombros presidenciais para cima e para baixo, ele anunciou no congresso do PT, em maio passado, que a sua prioridade este ano - como presidente da República - era eleger a sua protegida. Para quem tem a caradura de escarnecer tão desbragadamente do decoro político elementar, nada mais natural do que proclamar que sabe que transgride a lei e nem por isso deixará de transgredi-la.

Foi o que fez anteontem em um evento oficial na sede temporária do governo, numa dependência do Banco do Brasil. "Eu nem poderia falar o nome dela (Dilma) porque tem um processo eleitoral", reconheceu, "mas a história (da alegada atuação da ministra no projeto do trem-bala) a gente também não pode esconder por causa de eleição." Sob medida para os telejornais e o horário de propaganda.

Perto disso, que diferença fará uma multa a mais?

Fora dos trilhos – Editorial /Folha de S. Paulo


Com pretensa sutileza, o presidente Lula mais uma vez transforma evento oficial em ato de campanha a favor da candidata Dilma Rousseff

Conhece-se bem o caso daqueles zagueiros especializados na canelada e no carrinho que, depois de derrubar o adversário sem a menor cerimônia, inclinam-se docemente sobre a vítima, pedindo desculpas e oferecendo-se para levantá-la do chão.

O hábito da gentileza cínica, que confere algum colorido de comédia aos mais tediosos jogos de futebol, vem há um bom tempo sendo transplantado para o campo da política pelo presidente Lula. Poucas vezes de forma tão deslavada, todavia, quanto nestes últimos dias.

Na terça-feira, durante o lançamento do edital para a construção do trem-bala, novamente aproveitou para fazer campanha em prol da candidata do PT à sua sucessão, Dilma Rousseff.

No dia seguinte, retratou-se pela flagrante violação do código eleitoral: "Eu não tenho por hábito desafiar nem o mais humilde dos brasileiros", disse o presidente, "quanto mais desafiar uma legislação que nós mesmos criamos no Congresso Nacional".

Para quem ainda duvidasse, Lula arrematou o lance com nova manifestação de obediência, um pouco como o jogador faltoso que ouve, com as mãos atrás das costas, as reprimendas do juiz: "Se eu cometi um erro político, eu peço desculpas".

A farsa da atitude, todavia, revela-se por inteiro. Antes de citar o nome da candidata, Lula deu mostras de saber exatamente o que estava fazendo. "Eu nem poderia falar o nome dela porque tem um processo eleitoral", disse o presidente, "mas a história a gente também não pode esconder por causa da eleição".

Assim, por uma questão de "justiça", concluiu: "A verdade é que a companheira Dilma Rousseff assumiu a responsabilidade de fazer esse TAV [o trem-bala], e foi ela que cuidou...

Não podemos negar isso".

Não se trata de negar, a priori, a capacidade técnica da candidata, muito menos de aceitar acriticamente a tese da "propaganda eleitoral antecipada", que motivou várias das multas aplicadas pelo TSE ao presidente.

Era irrealista e burocrático, por certo, estabelecer um prazo oficial para o início da campanha, e esperar que candidatos deste ou daquele partido se abstivessem de movimentações eleitorais antes do tempo. Acostumando-se a infringir essa regra, o presidente Lula foi além, todavia.

Caracteriza-se plenamente o uso da administração pública, com sua máquina de projetos, anúncios, siglas e promessas, para a promoção de um interesse partidário. Lula já não se contenta em armar inaugurações para as célebres "obras do PAC", ainda que incompletas; o mero lançamento de um edital de concorrência, para uma obra como o trem-bala, transforma-se em ocasião eleitoreira.

A esta altura, vai-se tornando constrangedora a dificuldade da candidata Dilma Rousseff em alcançar autonomia eleitoral, dependendo ainda de ter seu nome carregado por Lula em toda cerimônia de governo. Inegavelmente um grande "puxador" de votos, o presidente atropela mais uma vez a lei -com a sutileza de um zagueiro, ou, se quisermos, de uma locomotiva fora dos trilhos.

Existe uma cultura autoritária no governo – Editorial/ O Globo

Parece incoerência o país completar 25 anos ininterruptos na democracia, o mais longo ciclo sem curto-circuitos institucionais da história da nossa República, e alguns setores da sociedade enfrentarem problemas de restrição à liberdade de expressão. E surpreende que sejam dificuldades já inexistentes na fase final do regime militar, antes mesmo de 1985, quando se despediu do Planalto o último general, João Baptista Figueiredo.

A explicação está na chegada ao poder, com o governo Lula, de grupos de esquerda autoritária incansáveis na perseguição da ideia fixa de contrabandear para a legislação e políticas públicas instrumentos de controle social, de maneira dissimulada. Os propósitos costumam ser os melhores possíveis, a ideia por trás das medidas não deixa de ter alguma lógica. Porém, nestas ações, há sempre a presença de um elemento fundamental: a ingerência do Estado na vida privada, de pessoas e empresas, peça-chave na construção do aparato orwelliano do Grande Irmão. O lapidar e mais recente exemplo é o projeto de lei assinado pelo presidente Lula, em meio a fanfarras pela comemoração dos 20 anos do Estatuto do Menor (ECA), que visa a estatizar a relação entre pais/escolas e filhos. A lei - destinada a coibir palmadas e beliscões de pais em filhos, de professores em alunos, destilada na incansável Secretaria de Direitos Humanos - seria apenas ridícula não fosse fruto desta cultura autoritária, que parece avançar dentro do governo à medida que se aproximam as eleições. O governo defende o tragicômico projeto como se fosse impedir a repetição do caso Isabella Nardoni. Entendem os doutos de Brasília que beliscões e palmadas podem levar a crimes como este, em que pai e madrasta foram condenados por jogar de um prédio a filha e enteada. Ora, não se pode colocar no mesmo saco distúrbios graves de comportamento, aleijões de personalidade e cenas do cotidiano de famílias e escolas.
Mas os estatistas desejam intervir em tudo. No primeiro governo Lula, o Ministério da Cultura tentou controlar o conteúdo da produção audiovisual, por meio de uma agência (Ancinav). Na mesma época, o Palácio deu espaço para corporações sindicais ameaçarem montar um aparato de patrulha das redações das empresas de comunicação profissionais e independentes (Conselho Federal de Jornalismo). Deram em nada as investidas. Mas, por se tratar de uma cultura autoritária, com militantes em vários recantos do governo, surgem iniciativas intervencionistas em diversas áreas. Como na Anvisa, agência do Ministério da Saúde, a qual insiste em intervir, via resoluções, em propagandas de alimentos, só possível por meio de lei aprovada no Congresso.
Ainda bem que existem pesos e contrapesos inerentes ao regime democrático, graças ao quarto de século de estabilidade política. Na terça, a Advocacia-Geral da União instruiu a Anvisa a suspender as restrições, por ilegais. Com é da sua índole, a direção da Anvisa disse que não acatará. Haverá, então, mais uma reclamação à Justiça sobre o cumprimento da Carta.

Há outras evidências de que existem anticorpos para repelir o autoritarismo. A atenção de todos, porém, deve ser a máxima possível. A quebra criminosa do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, na Receita Federal, alerta para a infiltração de militantes na máquina pública. Há, portanto, outras ameaças à democracia que não são percebidas a olho nu.

Planalto promove Dilma em kit por voto em mulheres

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Distribuição do material, por parte do governo, começou no mês passado, pouco antes do início oficial da campanha eleitoral

Christiane Samarco, Leandro Colon

O governo federal produziu e distribuiu 215 mil cartilhas, 20 mil cartazes e 3 mil livros defendendo o voto nas mulheres. Também foi incluído no material um discurso de seis páginas da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff.

O kit foi enviado em caixas de papelão pela Secretaria de Políticas para as Mulheres - órgão vinculado à Presidência da República - a partidos políticos, deputados, senadores e demais candidatos nos Estados.

Apesar de ter sido elaborado em 2008 e 2009, o material só foi impresso em maio. A distribuição, por parte do governo, começou no mês passado, pouco antes do início oficial da campanha eleitoral. A capa da cartilha, intitulada Mais Mulheres no Poder Plataforma 2010, traz a imagem de um botão verde com a expressão "confirma" - similar a uma urna eletrônica - e a frase "eu assumo este compromisso". Ontem, a Secretaria para as Mulheres distribuiu a publicação em Brasília numa conferência sobre a mulher na América Latina.

Militante. Já o livro intitulado Mais Mulher no Poder: uma questão da democracia & Pesquisa Mulheres na Política informa ser a Presidência da República a responsável pela obra e a secretaria pela "elaboração, distribuição e informações".

A partir da página 17, Dilma relata seu passado de militante de esquerda, seu histórico no governo Lula e destaca ter sido a primeira mulher a ocupar a chefia da Casa Civil. "Eu acredito que as mulheres são capazes de assumir esses espaços e têm uma dedicação inequívoca", diz trecho do discurso feito por Dilma num seminário no ano passado.

Em carta assinada no dia 18 de junho e enviada ao Congresso, Sônia Malheiros Miguel, subsecretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas, relata aos parlamentares detalhes sobre o livro e a cartilha. Ela avisou que, se for necessário, o governo poderá enviar mais exemplares.

Site. Em nome de Sônia Miguel está o site Mais Mulheres no Poder, que destaca a cartilha que pede votos para as mulheres com o botão verde "confirma". Ela aparece como "coordenadora-geral". O governo contribui para a manutenção do site. Em abril, por exemplo, lançou edital para contratar consultoria destinada a abastecer o seu conteúdo. No mês passado, o site oficial da campanha de Dilma indicou a visita a essa página, informando que o "governo federal" a lançou.

O custo de impressão das cartilhas, dos livros e dos cartazes foi de, pelo menos, R$ 72 mil - o dinheiro saiu de um convênio entre o governo e o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Coube à Secretaria de Políticas para as Mulheres enviar para a gráfica o arquivo com o material a ser impresso, aprovar o produto final e recebê-lo para distribuição em todo o País. Dois funcionários da secretaria foram destacados para cuidar dessa etapa de produção.

Inicialmente, seriam impressas 100 mil cartilhas ao preço total de R$ 27 mil, mas um pedido extra de mais 115 mil foi feito à gráfica contratada, acrescentando uma despesa de mais R$ 31 mil. Os livros custaram R$ 9,7 mil e os cartazes, R$ 4,7 mil.

Oposição. As caixas enviadas pelo governo ao Congresso - cada uma com 450 publicações - pegaram os parlamentares da oposição de surpresa. O conteúdo do material chamou a atenção por defender o voto nas mulheres com um discurso de Dilma Rousseff dentro de um livro.

A Procuradora Especial da Mulher na Câmara dos Deputados, a deputada Solange Amaral (DEM-RJ), que preside o DEM Mulher, considerou a publicação um "escândalo". A irritação do DEM deu-se também porque a cartilha cita o nome do partido entre as legendas que, alega o governo, aprovaram o seu conteúdo em 2008, num fórum nacional sobre os direitos da mulher.

"Estão tentando usar a gente para lavar a autoria da cartilha e legitimar a publicação.

Querem usar o fórum para laranjar o material", diz a deputada. "O DEM nunca faria uma cartilha com essa cara, com a cara da Dilma." Irritadas, as senadoras Lúcia Vânia (PSDB-GO) e Rosalba Ciarlini (DEM-RN) decidiram não levar o material para seus Estados.

Presidente testa os limites e dá visibilidade a Dilma

DEU EM O GLOBO

Gerson Camarotti

Avaliação é que, durante ida de Lula à África, Serra apareceu mais no Brasil

BRASÍLIA. A primeira citação à candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, no lançamento do edital para construção do Trem de Alta Velocidade (TAV), anteontem, e o pedido de desculpas, ontem, foram estrategicamente pensados pelo presidente Lula como forma de dar mais visibilidade à petista. Ele está testando não só os limites da lei para divulgar Dilma, na sua condição de presidente, mas também o tom para que suas ações tenham mais efeito.

Lula optou por usar a velha fórmula que funcionou em passado recente, quando quis convencer o próprio PT e aliados do acerto de sua escolha: elogiar a participação de Dilma no governo em eventos oficiais. Foi assim que Lula tirou a ex-chefe da Casa Civil do patamar de 5% nas intenções de voto, nas primeiras pesquisas, para um empate técnico com José Serra.

A decisão de retomar as citações à ex-ministra destina-se a "equilibrar", na avaliação dele, o noticiário eleitoral. Avaliação feita internamente no governo e no comando do PT é que, na primeira semana de campanha oficial, Serra ganhou visibilidade e ficou ofensivo. O fato de Lula ter ido à África teria favorecido Serra. Certos de que a estratégia do PSDB é levar Dilma para o confronto direto com Serra, o PT vai insistir com Lula.

Lula participará amanhã de comício ao lado da petista

Na estratégia de testar o tom certo, o presidente capitalizou duplamente: primeiro ao dizer que Dilma tinha sido fundamental para o projeto do trem-bala; depois, quando, com a justificativa de pedir desculpas, retomou os elogios à ex-ministra.

A avaliação feita ontem no Palácio do Planalto é que esse tipo de citação dá resultado porque repercute junto à população. Também já está decidido que Lula estará mais presente em eventos e na articulação política, até o início da propaganda eleitoral no rádio e na TV, em agosto, quando ele será protagonista com Dilma no horário gratuito.

Para recuperar o tempo perdido semana passada, Lula decidiu participar do comício de Dilma amanhã no Rio. Anteontem, Lula foi desaconselhado a participar do comício de inauguração do comitê eleitoral de Dilma, em Brasília, após constatação de que seria um evento fraco, com pouca mobilização popular.

- Lula vai aparecer em momentos especiais, nos grandes comícios e nas articulações políticas. E terá grande destaque na televisão - disse o líder do governo e coordenador da campanha, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).

Dilma falta a evento realizado por central que não a apoia

DEU EM O GLOBO

Serra e Marina estiveram no encontro da UGT; petista tem recusado convites

SÃO PAULO. A petista Dilma Rousseff foi a única entre os três principais candidatos à Presidência que não compareceu ao evento realizado ontem pela União Geral dos Trabalhadores (UGT) para entregar um documento com propostas da central sindical aos presindenciáveis. O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) representou Dilma.

- Acho que ela (Dilma) estava tentando vir e não teve condições. Ela se comprometeu a visitar a UGT - disse Aldo.

Terceira maior central sindical do país, com 787 sindicatos filiados, a UGT diz representar entre 5 milhões e 7 milhões de trabalhadores. É a única das seis centrais que não declarou apoio a Dilma e não assinou um manifesto em que as outras centrais acusam o candidato tucano, José Serra, de "mentir" sobre a criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador. A petista já participou de eventos promovidos por outras centrais, como CUT e Força Sindical.

Além de não ao ir encontro da UGT, Dilma também não foi este mês ao debate promovido pela Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária. Também não participou da sabatina da "Folha de S. Paulo" e do UOL, em junho. No mesmo mês, se recusou a dar entrevista à jornalista Míriam Leitão, na GloboNews, que entrevistou seus adversários.

Para Serra e Marina, Lula desrespeita a lei ao citar Dilma em atos oficiais

DEU EM O GLOBO

Tucano diz que petista não anda com as próprias pernas; verde, que exemplo vem do alto

Flávio Freire e Sérgio Roxo

SÃO PAULO. Os candidatos à Presidência pelo PSDB, José Serra, e pelo PV, Marina Silva, criticaram ontem o presidente Lula por ter feito campanha aberta para a petista Dilma Rousseff em evento do governo. Para o tucano, a atitude de Lula mostra que a ex-ministra "não consegue andar com as próprias pernas". Marina disse que o presidente não pode usar sua alta popularidade para "extrapolar a legislação eleitoral". Os dois participaram de encontro com sindicalistas da União Geral dos Trabalhadores (UGT), em São Paulo.

- Usar a máquina governamental para fazer campanha fere um sentimento de justiça. E também mostra basicamente que a candidata não consegue andar sobre as próprias pernas, essa é a realidade. Isso tende a acontecer quando a candidatura é produto de marquetagem - disse Serra.

Minutos antes, Marina também condenara a forma como Lula tem conduzido o processo eleitoral:

- A atitude do presidente, inclusive por ser homem que goza de alta credibilidade, popularidade, de carisma, não pode ser usada para extrapolar a legislação eleitoral. O exemplo tem que vir do alto. Sou favorável à ideia de que quanto mais é amigo do rei, mais alta é a forca - disse a verde.

Serra: "Profissionais da mentira ficam buscando coisas novas"

No evento da UGT, Serra reagiu às críticas feitas por cinco centrais sindicais de que ele mente ao dizer que criou o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o seguro-desemprego. Segundo Serra, são comentários feitos por "profissionais da mentira":

- No final dos anos 1980, cheguei a publicar um manual dos direitos dos trabalhadores, e também fiz a emenda que vinculou o PIS-Pasep ao seguro-desemprego. Meu projeto é que falava do FAT, mas, nesta campanha, os profissionais da mentira ficam buscando coisas novas, que é para a gente ficar desmentindo a mentira da mentira da mentira...

Serra apontou o presidente do PT, José Eduardo Dutra, como um dos responsáveis por esses ataques:

- O Dutra também está endossando essas mentiras. Se continuar assim, teremos nova profissão no Brasil, que é a do profissional da mentira. Daqui a pouco, esse pessoal vai até reivindicar piso, adicional de férias, quinquênios..

O evento também foi marcado pela troca de farpas entre Marina e o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB), que representou Dilma. Relator do projeto de reforma do Código Florestal na Câmara, Aldo disse que o fato de o vice de Marina, Guilherme Leal, estar sendo investigado pelo Ibama por desmatamento numa fazenda na Bahia mostra o rigor da lei.

- Nesse negócio de desmatamento ilegal, parece que na República não escapa ninguém - disse, frisando que crê "na boa fé de Leal e de milhões de outros agricultores".

Marina defendeu seu vice:

- O Ibama está no seu papel de vistoriar. E o Guilherme tem a clareza de ter toda a documentação. O que o deputado não pode fazer é usar isso como justificativa para o estelionato que estão tentando promover com a mudança do Código Florestal.

Lula se desculpa e desafia lei de novo

DEU EM O GLOBO

Como no dia anterior, o presidente Lula voltou ontem a fazer campanha para a candidata do PT, Dilma Rousseff, em evento oficial, desafiando a Justiça Eleitoral. Ao discursar no fim da reunião da Cúpula Brasil/União Europeia, no Itamaraty, ele chegou a se desculpar por ter elogiado Dilma no lançamento do edital para a construção do Trem de Alta Velocidade, anteontem, no CCBB, sede provisória do governo federal. Mas, em seguida, disse que tinha a "obrigação moral" de fazer um "reconhecimento histórico" de que Dilma foi responsável por "todo o trabalho para que a gente pudesse publicar o edital do trem-bala". Desta vez, a menção a Dilma foi feita diante do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, um dos convidados para o evento. Os adversários reagiram. José Serra disse que Dilma "não consegue andar sobre as próprias pernas"; Marina disse que o respeito à lei deve "vir do alto".

Desculpa e reincidência

Lula volta a exaltar Dilma ao se explicar sobre elogio à candidata em evento oficial

Luiza Damé, Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti

Depois de ter exaltado sua ex-ministra e candidata à Presidência, Dilma Rousseff (PT), em evento oficial sobre o trem-bala, desafiando a Justiça Eleitoral, o presidente Lula ontem repetiu o gesto, desta vez na frente de autoridades estrangeiras e até do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski. Ao se desculpar por ter citado Dilma no evento oficial da véspera, Lula foi ainda mais enfático nos elogios durante entrevista no Itamaraty, ao final da reunião da Cúpula Brasil/União Europeia.

- Não tenho por hábito desafiar nem o mais humilde dos brasileiros, quanto mais desafiar uma legislação que nós mesmos criamos no Congresso Nacional. Possivelmente eu tenha cometido uma falha, mas acho que era preciso que a gente não tratasse a citação de fatos históricos como aproveitamento de questão eleitoral. Fiquei quase que na obrigação moral de dizer que quem tinha começado a trabalhar a questão do trem-bala, começar o projeto e a discutir tinha sido a companheira Dilma - disse ele ontem, referindo-se ao evento da véspera, realizado no CCBB, sede provisória da Presidência.

- O dado concreto é que vocês, como jornalistas, sabem que foi ela (Dilma) que começou, que trabalhou, que organizou e fez todo o trabalho para que a gente pudesse publicar o edital do trem-bala - disse Lula, que completou:

- Se eu cometi um erro político, eu peço desculpas, mas a intenção era apenas fazer um reconhecimento histórico a quem trabalhou para concluir uma coisa.

O presidente já foi multado seis vezes por fazer campanha eleitoral para Dilma fora do período legal. Agora, pela legislação, a campanha já começou, mas não pode ser feita em eventos oficiais de governos.

PSDB estuda se entra com ação

Ao final da entrevista, Lewandowski evitou avaliar o comportamento do presidente. Argumentou que, se houver alguma representação, o TSE vai julgar:

- Vamos examinar esse caso quando chegar ao TSE. Tudo depende do contexto e das provas que integram o processo. O TSE não age, reage. Quando houver alguma impugnação, algum processo em relação a esse pronunciamento, examinaremos essas declarações dentro do contexto em que foram pronunciados.

Os tucanos rejeitaram a desculpa de Lula. Para o deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA), "muita gente já perdeu o mandato" por ações semelhantes à de Lula, anteontem, na cerimônia do CCBB.

- A lei eleitoral é claríssima quando estabelece que nenhum candidato pode chegar nem perto de um evento financiado com recursos públicos. Muito menos alguém pedir votos em uma cerimônia dessas. É um crime gravíssimo - afirmou Jutahy.

O PSDB estava em dúvida, até o início da noite, se ingressaria com nova ação na Justiça Eleitoral contra o presidente. Havia a expectativa de que o Ministério Público Eleitoral tome essa iniciativa, até porque estaria caracterizado crime de abuso do poder político, o mesmo que justificou a cassação de governadores.

Já o PT defendeu Lula:

- Existe exagero de interpretação da Justiça Eleitoral quando ele cita Dilma num discurso. Qual o problema? Ele não falou nenhuma mentira - reagiu o líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP).

Receita já sabe quem acessou IR de tucano, mas não conta

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Órgão se nega a dar nome do suspeito de ver dados de Eduardo Jorge e diz que investigação deve durar 120 dias

A Receita Federal já tem o nome de ao menos um auditor suspeito de acessar “com motivação duvidosa" a declaração de Imposto de Renda do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas. Os dados fiscais do tucano abasteceram dossiê levantado pelo "grupo de inteligência" da então pré-campanha presidencial de Dilma Rousseff (PT), com o suposto objetivo de atingir a candidatura de José Serra (PSDB). No momento, a sindicância se concentra nos acessos às declarações de 2008 e 2009 do tucano. Ontem, em depoimento no Senado, o secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, disse que, após 20 dias de investigação interna, já sabe o dia, a hora, os computadores usados e os nomes dos funcionários que acessaram os dados. Ele se negou a revelar esses detalhes, mas disse que “cinco ou seis" acessos foram de "fora de Brasília". Segundo Cartaxo, a sindicância sobre o vazamento deve durar 120 dias.

Receita já tem nome de quem viu IR de tucano, mas se recusa a contar

Em depoimento na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o secretário Otacílio Cartaxo se negou a informar a identidade do auditor que teve acesso aos dados de Eduardo Jorge para, supostamente, atingir a candidatura de José Serra ao Planalto

Rui Nogueira, Rosa Costa de Brasília

A Receita Federal já tem o nome de pelo menos um auditor suspeito de acessar "com motivação duvidosa" a declaração de Imposto de Renda do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas. No momento, apurou o Estado, a sindicância se concentra nos acessos às declarações de 2008 e 2009 do tucano.

Os demais acessos feitos por outros auditores, entre 2005 e 2009, foram preliminarmente considerados "motivados", isto é, com "razões explícitas de trabalho".

Ontem, em depoimento na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, disse que, depois de 20 dias de investigação interna, já sabe o dia, a hora, os computadores usados e os nomes dos funcionários que acessaram os dados de Eduardo Jorge. Apesar de ter pelo menos um suspeito, Cartaxo se recusou a dizer o nome desse auditor e dos demais que tiveram acesso ao IR do tucano e apresentaram justificativas aceitáveis para o trabalho.

Os dados fiscais de Eduardo Jorge abasteceram dossiê levantado pelo chamado "grupo de inteligência" da então pré-campanha da petista Dilma Rousseff. A papelada foi amealhada por arapongas ligados ao empresário Luiz Lanzetta, na ocasião integrante do núcleo de comunicação do comitê, para supostamente atingir a candidatura de José Serra (PSDB).

Na apuração preliminar, o auditor suspeito da Receita apresentou justificativas que, segundo fontes do Fisco, precisam de "melhor investigação".

Segundo Cartaxo, houve, "fora de Brasília, em torno de cinco ou seis acessos" aos dados fiscais do vice-presidente do PSDB. "Sei o nome deles, onde estão lotados, o dia e a hora e a máquina que utilizaram", afirmou, na audiência pública realizada na CCJ do Senado.

Indagado pelo senador Geraldo Mesquita (PMDB-AC), Cartaxo alimentou a especulação de que a violação teria ocorrido em São Paulo, ao descartar apenas Brasília como local do ocorrido.

Prazo. Convidado por iniciativa do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) para falar sobre o caso, o secretário disse não haver hipótese de a Receita concluir a apuração antes das eleições de outubro. Segundo ele, a comissão de sindicância que investiga o vazamento, iniciada em 21 de junho, deve durar o prazo máximo previsto, de 120 dias. "Caso contrário, há o risco de ser impugnada", alegou.

Cartaxo reiterou várias vezes que não houve violação nem invasão do sistema de proteção da Receita. "Vazamentos são pontuais e casuais", justificou. "Felizmente ficou constatado que não houve a violação ou invasão do sistema através de hackers."

As afirmações de Cartaxo não surpreenderam os senadores. Para Dias, o secretário "confessou" que os dados saíram da Receita, "como se pensava". Na opinião do tucano ouve "uma orquestração" para tentar atingir os candidatos adversários do governo, referindo-se também ao empresário Guilherme Leal, vice da candidata do PV, Marina Silva.

Francenildo. Nas duas horas em que esteve na comissão, Cartaxo tentou defender os funcionários da Receita, sem muito sucesso. Os senadores citaram episódios de quebra ilícita do sigilo fiscal que até hoje não foram explicadas. Um dos casos citados foi o do caseiro Francenildo dos Santos Costa, cuja violação da conta bancária na Caixa Econômica Federal teria começado pelo acesso a seus dados na Receita. "Pedi informações sobre o episódio e até hoje não me deram", disse Dias.

Quebra de sigilo

12 de junho
"Folha" revela quebra de sigilo de dados fiscais de Eduardo Jorge

14 de junho
PT pede abertura de inquérito para apurar vazamento

23 de junho
Otacílio Cartaxo (foto) é convidado a depor no Senado

24 de junho
Receita Federal abre sindicância

8 de julho
Cartaxo confirma que declarações de tucano foram consultadas

'Origem é equipe de inteligência do PT' Eduardo Jorge Caldas Pereira, vice-presidente do PSDB

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

BRASÍLIA - O vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, qualificou como "uma enrolação" as declarações dadas pelo secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O tucano acompanhou ontem toda a audiência pública.

Mesmo convencido de que a sindicância em curso naquele órgão não identificará os responsáveis pelo vazamento, Eduardo Jorge aponta um fato positivo: o de Cartaxo ter desmentido a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, que culpou o Ministério Público pelo vazamento.

Eduardo Jorge disse que vai entrar com uma ação por danos morais contra a União pelo vazamento de seus dados fiscais pela Receita Federal.

O que o senhor achou do depoimento do secretário da Receita, Otacílio Cartaxo?

Foi uma enrolação. Eles já sabem e se recusam a dizer porque a resposta é comprometedora. O secretário podia ter tomado a decisão de revelar os nomes, mas estava ali cumprindo um papel de governo.

O senhor fala comprometedora em que sentido?

No sentido de que fornece pistas para chegar à origem da equipe de inteligência da campanha do PT, todo mundo sabe qual é.

Houve algo de novo nas afirmações do secretário?

Ele desmentiu a candidata Dilma, que tinha culpado o Ministério Público pelo vazamento das informações, quando disse que o vazamento não ocorreu em Brasília, onde está a tal hipotética ação, já encerrada, contra mim.

Como não acredita que os responsáveis serão identificados, o senhor dá o caso por encerrado?

É possível, sim, saber quem acessou e vazou os dados. A questão é saber se eles querem chegar a alguma conclusão. Das outras vezes em que pedi à Receita que investigasse vazamentos de meus dados, a Receita não chegou a nenhuma conclusão. Desta vez eu pedi à Receita uma cópia da sindicância que eles dizem que abriram. A corregedoria me informou que eu tinha todo o direito de receber, mas não atendeu ao meu pedido. Estou insistindo para que eles cumpram a obrigação legal e me entreguem cópia da sindicância inteira.

O senhor concorda com senadores que viram nesse episódio uma estratégia eleitoral para prejudicar os adversários do governo?

Concordo plenamente. Há também uma estratégia de abafar o caso e de esconder os servidores e membros da campanha que cometeram o delito. / R.S.

Receita Federal ganha feições de portão da casa da mãe Joana:: Josias de Souza

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A Receita Federal ganhou ontem a incômoda aparência de portão de acesso à casa da mãe Joana. Uma mãe simpática à presidenciável Dilma Rousseff (PT).

Embora ostente o apelido de "contribuinte", o brasileiro que aufere rendas mantém com o fisco relação forçada.

Manda a lei que o cidadão deve fornecer todos os dados -de informações pessoais a rendimentos- e submeter-se à coleta de impostos.

Determina também a legislação que, além de recolher os tributos, cabe à Receita proteger as informações que lhe chegam à força.

Pois bem. Em exposição feita no Senado, o secretário da Receita, Otacílio Dantas Cartaxo, admitiu: auditores do fisco -"cinco ou seis vezes"- varejaram nas máquinas da repartição dados sigilosos de um "contribuinte" que milita na oposição.

Trata-se do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge. Noutro caso, ocorreu a divulgação indevida de um auto de infração de empresa do candidato a vice-presidente na chapa de Marina Silva (PV), Guilherme Leal.

Quando "motivados", acessos desse tipo fazem parte da rotina de trabalho dos auditores. "Imotivados", constituem crime.

Segundo Cartaxo, foi aberto um processo disciplinar na Corregedoria-Geral do fisco. Sinal de que há, no mínimo, a fumaça do malfeito. Evoluiu-se da fumaça para o fogo quando se recorda a notícia que deu origem à encrenca. Foi veiculada pela Folha.

Os dados de Eduardo Jorge viraram recheio de um dossiê manuseado por uma equipe de "inteligência" que operava no comitê de Dilma.

Em 2000, a Receita já virara caso de polícia, nas dobras de inquérito aberto em São Paulo. Vigaristas negociavam por R$ 4.000 CD com dados sigilosos extraídos de computadores do fisco.

O vazamento expusera 11,5 mil "contribuintes". Após investigação, informou-se que o dreno havia sido instalado no Serpro.

Em 2006, novo incômodo. Investigação sigilosa atestou o acesso aos dados fiscais de 6.000 contribuintes. O processo foi ao arquivo. E os auditores movem ação indenizatória contra a União.

Agora, o problema é mais complicado. À suspeita de quebra de sigilo fiscal acrescenta-se o indício de utilização da máquina fiscal com propósitos eleitorais.

O governo está intimado pelos fatos a acomodar o episódio em pratos asseados. Manda o bom senso que os esclarecimentos cheguem antes de outubro, o mês da eleição. Sob pena de equiparação do Brasil a uma ditadura africana.

Presidente do PT defende programa que critica a mídia

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O presidente do PT, José Eduardo Dutra, defendeu o ponto do programa de Dilma Rousseff que diz que a mídia é "pouco afeita" ao debate democrático e à qualidade: "É uma constatação". Amenizada, a segunda versão do programa manteve a crítica.

Presidente do PT critica a "parcialidade" da mídia

José Eduardo Dutra diz que alguns veículos, como a "Veja", não são plurais

Direção da publicação não quis se manifestar sobre a crítica; dirigente do partido afirma que não defende a censura

Ranier Bragon

BRASÍLIA - O presidente do PT, José Eduardo Dutra, defendeu na noite de anteontem o ponto do programa de governo de Dilma Rousseff que afirma que as cadeias de rádio e TV, em geral, são "pouco afeitas" à qualidade, ao pluralismo e ao debate democrático.

"É uma constatação", disse Dutra, coordenador da campanha de Dilma. Questionado a quais órgãos se referia, ele não citou TVs ou rádios, mas sim a revista "Veja", da Editora Abril.

"Isso [a crítica à mídia] não se refere a programa de governo, é uma constatação. Estamos vendo isso. Basta analisar se a postura de alguns órgãos de imprensa tem sido plural. Minha avaliação é de que não tem sido", afirmou após o jantar em que Dilma se reuniu com mais de 200 deputados e senadores no Lago Sul de Brasília.

"Por exemplo, a revista "Veja". Minha visão é a de que eles não têm sido plurais", disse.

Dutra negou que a avaliação embasará alguma ação de Dilma, caso eleita.

"O que vamos fazer, vamos censurar? Claro que não, mas tenho também a liberdade de poder expressar a minha opinião. O fato é que a liberdade de imprensa é irrevogável, ponto." Procurada pela Folha, a "Veja" informou que não iria se manifestar a respeito das críticas.

A primeira versão do programa de governo de Dilma, protocolada no TSE na manhã do dia 5, tinha reivindicações de alas radicais do PT, como medidas para "combater o monopólio dos meios eletrônicos de informação, cultura e entretenimento".

Após reação de aliados, o PT recuou e enviou ao TSE, no final do mesmo dia, uma "errata" em que suprimia alguns dos pontos polêmicos, mas mantinha a crítica à mídia e a avaliação de que há "monopólio e concentração dos meios de comunicação".

O partido argumentou ter havido um mero erro administrativo, embora as rubricas de Dilma constassem apenas na primeira versão. Dutra não disse se a avaliação sobre a imprensa permanecerá na nova versão do plano que será apresentada.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Paulo Moura & Arthur Moreira Lima - Chorando Baixinho - Kaiser Bock Winter Festival - SP - 1997

CANTO PARA AS TRANSFORMAÇÕES DO HOMEM * :: Moacyr Felix



A Ênio de Silveira,
M. Cavalcanti Proença
Moacir Werneck de Castro e Miguel Arraes de Alencar

A todos os que sonham e trabalham por um mundo melhor, libertado dos obscurantismos e dos dogmas, do apodrecimento da própria existência pela miséria física e da perda dos valores dos humanismo pela miséria moral.

(I) INICIAÇÃO

- Meu pai, o que é a liberdade?

- É o seu rosto, meu filho,
o seu jeito de indagar
o mundo a pedir guarida
no brilho do seu olhar.
A liberdade, meu filho,
é o próprio rosto da vida
que a vida quis desvendar.
É sua irmã numa escada
iniciada há milênios
em direção ao amor,
seu corpo feito de nuvens
carne, sal, desejo, cálcio
e fundamentos de dor.
A liberdade, meu filho,
é o próprio rosto do amor.

- Meu pai, o que é a liberdade?

A mão limpa, o copo d’água
na mesa qual num altar
aberto ao homem que passa
com o vento verde do mar.
É o ato simples de amar
o amigo, o vinho, o silêncio
da mulher olhando a tarde
- laranja cortada ao meio,
tremor de barco que parte,
esto de crina sem freio.

- Meu pai, o que é a liberdade?

È um homem morto na cruz
por ele próprio plantada,
é a luz que sua morte expande
pontuda como uma espada.
É Cuauhtemoc a criar
sobre o brasileiro que o mata
uma rosa de ouro e prata
para altivez mexicana.
São quatro cavalos brancos
quatro bússolas de sangue
na praça de Vila Rica
e mais Felipe dos Santos
de pé a cuspir nos mantos
do medo que a morte indica.
É a blusa aberta do povo
bandeira branca atirada
jardim de estrelas de sangue
do céu de maio tombadas
dentro da noite goyesca.
É a guilhotina madura
cortando o espanto e o terror
sem cortar a luz e o canto
de uma lágrima de amor.
É a branca barba de Karl
a se misturar com a neve
de Londres fria e sem lã,
seu coração sobre as fábricas
qual gigantesca maçã.
É Van Gogh e sua tortura
de viver num quarto em Arles
com o sol preso em sua pintura.
É o longo verso de Whitman
fornalha descomunal
cozendo o barro da Terra
para o tempo industrial.
É Federico em Granada.
É o homem morto na cruz
por ele próprio plantada
e a luz que sua morte expande
pontuda como uma espada.

- Meu pai, o que é a liberdade?

A liberdade, meu filho,
é coisa que assusta:
visão terrível (que luta!)
da vida contra o destino
traçado de ponta a ponta
como já contada conta
pelo som dos altos sinos.
É o homem amigo da morte
Por querer demais a vida
- a vida nunca podrida.
É sonho findo em desgraça
desta alma que, combalida,
deixou suas penas de graça
na grade em que foi ferida...
a liberdade, meu filho,
é a realidade do fogo
do meu rosto quando eu ardo
na imensa noite a buscar
a luz que pede guarida
nas trevas do meu olhar.