domingo, 20 de março de 2011

Reflexão do dia - Fernando Henrique Cardoso : "EUA não têm mais como impor nada para o mundo"

É um sinal importante que ele venha e que venha agora, num momento em que não dá mais para pensar mais o mundo em termos de Norte e Sul. O Brasil olhou os EUA a vida inteira com o complexo de eles serem Norte e nós, Sul. Apesar da retórica, o fato de discriminar os EUA indicava inferioridade. Não precisamos mais disso.

HENRIQUE CARDOSO, Fernando. Entrevista: "EUA não têm mais como impor nada para o mundo". Folha de S. Paulo, 19/3/2011

Decepção na estréia:: Rubens Ricupero

A abstenção sobre a Líbia no Conselho de Segurança revela como a política externa do novo governo continua distante dos valores democráticos do povo brasileiro.

Com efeito, seja qual for a intenção, a consequência objetiva do voto seria condenar ao massacre os que tiveram a coragem de lutar pela liberdade, gerando admiração no Brasil e no mundo.

Seria, se Brasília não soubesse que a resolução dispunha dos votos para passar. O Brasil garante assim o melhor de dois mundos: não se compromete, pois outros se incumbirão do trabalho necessário e sofrerão o desgaste.

Por que se abster? Segundo a representante do Brasil, porque não cremos que a interdição de voos seja a medida mais indicada para resolver a questão.

Qual seria então essa medida? Os apelos, as exortações, o bloqueio dos bens, o embargo de armas, a abertura de processos no Tribunal Internacional por crimes contra a humanidade?

Mas tudo isso se tentou na resolução anterior, aprovada com o voto do Brasil, só despertando no ditador Gaddafi desprezo e pouco caso.

Desta vez, em contraste, bastou aprovar a resolução para o governo líbio anunciar o cessar fogo, sinal de como estavam errados os diplomatas brasileiros. Por que então a abstenção? A medida é legal, prevista na Carta da ONU. Tinha sido pedida pela Liga Árabe, órgão regional competente. Não foi precipitada, uma vez que se tinham esgotado antes todas as sanções menos graves, conforme exige a Carta.

Medidas de proteção a civis que possam implicar uso de força só devem ser contempladas em último caso, mas essa é exatamente a situação na Líbia. É difícil imaginar exemplo mais extremo do que país onde o governo bombardeia seu próprio povo e ameaça desencadear repressão sem piedade!

Na coluna de 6 de março, lembrei que do parágrafo 139 da declaração das Nações Unidas de 2005, assinada pelo presidente Lula, consta o compromisso de proteger as populações contra o genocídio, os crimes de guerra contra a humanidade e operações de limpeza étnica por meio de "ação coletiva decisiva e em tempo, caso os meios pacíficos se provem inadequados e as autoridades nacionais falhem em proporcionar a proteção".

Lembrei que não seria fácil cumprir tal dever com o voto da China, que não se dissociou do massacre de Tiananmen e da Rússia, que mantém a repressão no Cáucaso. Não imaginei que esses países de rabo preso, mais a Índia, com seus constantes problemas na Caxemira, fossem receber a cúmplice adesão do Brasil.

Ao contrário dos três BRICs, nosso país não é potência nuclear nem militar, dispondo apenas da força da persuasão e do exemplo.

Por tal motivo, a diplomacia brasileira só terá credibilidade se mostrar fidelidade a princípios e valores, aos direitos humanos e à proteção de quem luta pela democracia, condenando, sem seletividade nem hipocrisia, as violações onde quer que ocorram, na Líbia, no Iêmen, em Bahrein.

As primeiras declarações da presidente Dilma fizeram nascer a expectativa de que Brasília se afastaria do oportunismo calculista do governo passado. É uma pena que, no primeiro teste difícil, a diplomacia comece a desapontar nossa esperança.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O sexto membro:: Merval Pereira

Não é de hoje que o Brasil reivindica um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, mas nunca esteve tão próximo de consegui-lo quanto em 1945, quando da criação do organismo internacional ao final da Segunda Guerra Mundial. Essa história está relatada na tese do diplomata Eugênio Vargas Garcia, membro da delegação brasileira na ONU em Nova York, aprovada com louvor no Instituto Rio Branco, que ele pretende publicar em livro.

Com o título "O Sexto Membro Permanente ? O Brasil e a Criação da ONU", conta, com base em documentos, alguns inéditos, pesquisados tanto em arquivos nos Estados Unidos como no Brasil, como reivindicamos pela primeira vez a inclusão como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, que estava para ser criado de acordo com uma minuta aprovada na Conferência de Dumbarton Oaks, em 1944, "Propostas para o Estabelecimento de uma Organização Internacional Geral".

A tese de Eugênio Vargas Garcia é de que os EUA assumiram a dianteira do processo em parte porque seus aliados estavam ocupados demais para investir tempo e recursos em atividades de planejamento que não fossem voltadas para fins militares imediatos.

"Por um momento, a Grã-Bretanha travou quase sozinha a guerra contra a Alemanha nazista e a URSS suportou uma luta titânica de vida ou morte na frente oriental. Geograficamente distante das zonas de batalha, os EUA não tiveram seu território continental atacado durante o conflito. Eram, possivelmente, o refúgio mais seguro para conferências internacionais e conclaves do gênero", analisa em seu trabalho.

Entre outras fórmulas aventadas na época, o estudo mostra que Roosevelt acalentava a ideia de implantar um sistema chamado por ele de "tutela dos poderosos" já que, em sua avaliação, os mecanismos de consenso e participação universal da Liga das Nações não teriam funcionado. "Era preciso lançar mão de expedientes mais drásticos" .

Em discurso de 1944, Roosevelt sublinhou que o propósito supremo das Nações Unidas podia ser expresso em uma única palavra: "segurança". Este, aliás, era um ponto de sólido consenso entre os Três Grandes, ressalta Eugênio Vargas Garcia.

"Muito mais praticantes do que teóricos da Realpolitik, Roosevelt, Churchill e Stalin estavam de perfeito acordo quanto à prerrogativa dos poderosos de gerenciar a ordem internacional nos seus termos".

O plano a que se chegou em Dumbarton Oaks poderia ser visto, segundo o estudo, como uma versão fortalecida da Liga das Nações, controlada pelos Quatro Policiais (Estados Unidos, Rússia, China e Reino Unido). O Quinto Policial seria a França.

Mais tarde, na Conferência de Yalta, definiu-se a fórmula para a votação no Conselho de Segurança: a) cada membro do Conselho teria um voto; b) as decisões em questões processuais seriam tomadas pelo voto afirmativo de sete membros; e c) as decisões em todos os outros assuntos seriam tomadas pelo voto afirmativo de sete membros, inclusive os votos afirmativos de todos os membros permanentes. Neste texto, explica o trabalho, estava embutido o poder de veto.

Roosevelt instruiu sua delegação em Dumbarton Oaks a sugerir que o Brasil fosse considerado como o sexto membro permanente, uma possibilidade que ajudaria a "reforçar a posição do Brasil" na América do Sul.

Modelo de "bom vizinho", o Brasil era visto em Washington como parceiro confiável e "aliado fiel".

No entanto, analisa a tese de Eugênio Vargas Garcia, essa concordância de Roosevelt não foi uma iniciativa meticulosamente preparada nem chegou a ser amadurecida previamente nos círculos decisórios norte-americanos.

O presidente Vargas tinha a expectativa de que as aspirações do país seriam satisfeitas, como reconhecimento devido pela colaboração que o Brasil havia prestado aos Aliados.

Segundo a tese, o respaldo de Washington - particularmente de Roosevelt - era esperado como parte da "aliança preferencial" que haveria entre os dois países, pelo menos na visão do Rio de Janeiro.

O Brasil chegou a apresentar proposta de emenda à Carta para conferir à América Latina representação permanente no Conselho, na esperança de que, se aprovada, o país fosse indicado naturalmente, mas não obteve êxito.

O pesquisador ressalta que o presidente Franklin Roosevelt, que se havia empenhado pessoalmente em favor da China, vencendo as objeções de Churchill e Stalin, era quem melhor poderia levar adiante sua intenção de criar mais uma cadeira permanente, mas sua morte, pouco antes da Conferência de São Francisco, eliminou em definitivo essa possibilidade.

A posição do governo dos EUA, ressalta o estudo, evoluiu de 1944 para 1945, com marcante queda no interesse em reforçar o Brasil como seu principal aliado na América do Sul e no Hemisfério Ocidental, linha que havia sido seguida por Roosevelt.

Quando a Conferência de Yalta teve lugar, a conjuntura já havia, em parte, mudado, destaca Eugênio Vargas Garcia: a guerra se aproximava do fim, o perigo maior havia passado, e esquecida a importância estratégica que o Brasil teve na luta contra o Eixo (bases aéreas no Nordeste) ou na contenção da Argentina "antiamericana".

Quando Truman assume, não era mais imperativo cultivar a amizade de Vargas ou tolerar abusos de seu regime personalista.

Para Getúlio Vargas, magoado e decepcionado, não haveria sinal maior de ingratidão, mas o estudo demonstra que ele teve contra si situações políticas que não controlava: problemas internos o obrigaram a desviar seus esforços da questão internacional, e a morte de Roosevelt roubou-lhe um aliado inestimável.

FONTE: O GLOBO

Conselho de Segurança:: Dora Kramer

A reivindicação de reforma do colegiado e cessão de um assento permanente do Brasil no Conselho de Segurança da ONU é o assunto principal da pauta de interesses brasileiros na visita do presidente Barack Obama neste fim de semana ao País.

O assunto entrou na pauta no governo Itamar Franco, saiu temporariamente de cena na gestão Fernando Henrique Cardoso, que num discurso na Cepal (Chile) afirmou que o Brasil não poderia ter como prioridade o desejo de ser "polícia do mundo", voltou com força no governo Luiz Inácio da Silva e permanece na agenda da presidente Dilma Rousseff.

Os Estados Unidos relutam em explicitar apoio já manifestado por razões estratégicas específicas, em favor do Japão e da Índia. A defesa clara em favor da reivindicação brasileira criaria arestas com a Argentina e mais acentuadamente com o México.

Do ponto de vista interno, a questão que se impõe é a seguinte: até que ponto é realmente importante o Brasil pleitear o assento permanente no Conselho de Segurança?

Na opinião de dois chanceleres do governo FH, Celso Lafer e Luiz Felipe Lampreia, a reivindicação que anteriormente não era prioritária hoje faz todo sentido.

Por quê? Na visão de Lampreia, porque o Brasil hoje tem uma posição consolidada internacionalmente e o lugar no Conselho de Segurança seria um "ícone" desse novo status.

"Antes a agenda do conselho não atendia às nossas prioridades, que eram meramente econômico-comerciais, mas agora a agenda prioritariamente político-militar dessa instância da ONU já pode se adequar perfeitamente ao papel que o Brasil joga no mundo."

Celso Lafer argumenta na mesma linha, afirmando que o País deixou de ser figurante para assumir o protagonismo adequado a uma nação de proporções (e importância) continentais e que um assento permanente no Conselho de Segurança consolidaria uma aspiração que data do início do século passado (governo Artur Bernardes), agora legitimada pela relevância conquistada pelo Brasil.

"São recursos de poder aos quais nem sempre tivemos, mas agora podemos ter acesso", conclui Celso Lafer.

Mau passo. De Ciro Gomes a Gabriel Chalita, o cientista político José Augusto Guilhon Albuquerque enxerga no PSB um "estoque de vilanias" que desaconselharia a pretendida fusão da legenda a ser criada pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, com o partido presidido pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos.

Para ele, o problema do novo partido não está na trajetória, mas "no ponto de chegada", o PSB. "O estoque de vilanias aplicadas pelo PSB é impressionante. Se tivesse ficado no ninho tucano, o Chalita teria tido votação ainda mais consagradora para deputado federal, teria a secretaria que quisesse e seria candidato quase natural à Prefeitura de São Paulo ou ao governo do Estado", argumenta Guilhon.

Com a saída de Chalita do PSDB para o PSB, argumenta o professor, "Alckmin terá de se desdobrar para apoiá-lo a qualquer cargo pelo PSB". Cita também a "aventura" de Paulo Skaf na candidatura ao governo de São Paulo, em 2010, e lembra que "seria bom" a qualquer pretendente a aliado do PSB se informar com "os irmãos Gomes" (Ciro e Cid) antes de fechar negócio com o partido de Eduardo Campos.

"Se a iniciativa de Kassab não estiver coberta por um plantel considerável de deputados, a opção pelo PSB será um suicídio para o prefeito de São Paulo e seus aliados, entre os quais José Serra. Um golpe de consequências imprevisíveis", considera o cientista político.

Prazo. O prefeito Gilberto Kassab calcula que em três meses, entre coleta de quase 500 mil assinaturas e o sinal verde da Justiça Eleitoral, o novo partido cuja criação será anunciada amanhã estará devidamente legalizado.

Faz sentido. Descoberto por arqueólogos o que o senso comum pressentia: o dinossauro brasileiro era originário do Maranhão.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O que vale é a palavra:: Clóvis Rossi

Vou ser teimoso e ainda torcer para que o discurso do presidente Barack Obama, hoje, no Rio, seja de fato capaz de produzir uma conexão entre ele e a sociedade brasileira, ou, ao menos, a parte da sociedade brasileira que se interessa por essas coisas.

Passo por cima da parte oficial da visita, que estava apenas começando enquanto escrevia, porque essa fatia é sempre acertada antes. Não promete nada de extraordinário, até porque as relações Brasil/Estados Unidos estão no ouro sobre azul desde as gestões Fernando Henrique Cardoso/Bill Clinton, passando por Lula/Bush (o melhor ponto) e assim seguindo com Lula/ Obama.

Rusgas, houve. Mas, do meu ponto de vista, bem menores do que o Fla-Flu que uma parte da mídia gosta de introduzir nas relações internacionais. Além disso, "não há relações perfeitas" entre países, quaisquer que sejam, como ensina Shannon O"Neil, especialista em América Latina do Council on Foreign Relations.

Mesmo no caso do Irã, a diplomacia brasileira seguiu basicamente o discutido com a Casa Branca. Se algo deu errado, foi culpa de um erro de cálculo do Departamento de Estado sobre a aceitação pelo Irã da proposta turco-brasileira a respeito do enriquecimento de urânio no exterior.

Ou seja, se houve irritação, ela deveria ter sido maior do lado brasileiro do que do americano.

Voltemos, pois, ao discurso. Barack Obama é rematado mestre nessa arte. Fez para os muçulmanos, no Cairo e para os europeus, em Berlim (antes ainda da vitória), discursos memoráveis pelo engajamento prometido e pela compreensão demonstrada das peculiaridades de cada tribo.

É verdade que, depois, o vento levou as palavras. Mesmo assim, espero que toque na corda certa hoje, ainda que o efeito seja efêmero. Tudo no mundo de hoje é assim.

FONTE: O GLOBO

FHC: "EUA não têm mais como impor nada para o mundo"

Entrevista: Fernando Henrique Cardoso

Para ex-presidente brasileiro, Obama chega ao Brasil em um momento que "não dá mais para pensar em termos norte-sul"

Eliane Cantanhêde

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, 79, diz que o presidente Barack Obama chega hoje ao Brasil num novo momento mundial, em que "os EUA vão parar de gritar, vão ter de sussurrar".

Em entrevista à Folha, acrescentou que os EUA precisam mudar com o mundo: "Não dá para ser mais aquele isolacionismo imperial, do "eu quero" e acontece".

Na opinião dele, o abalo nas relações Brasil-EUA na era Lula foi por causa do Irã, mas a presidente Dilma Rousseff não está promovendo guinada, "só ajustes".

Dilma convidou FHC e todos os outros ex-presidentes para participar de um almoço oferecido a Obama hoje em Brasília.

Folha - O que esperar da vinda de Obama?

Fernando Henrique Cardoso - É um sinal importante que ele venha e que venha agora, num momento em que não dá mais para pensar mais o mundo em termos de Norte e Sul. O Brasil olhou os EUA a vida inteira com o complexo de eles serem Norte e nós, Sul. Apesar da retórica, o fato de discriminar os EUA indicava inferioridade. Não precisamos mais disso.

Por que o abalo nas relações Brasil-EUA?

Sobretudo por causa do Irã. Você se meter no Irã sem ter cartas para jogar era e é arriscado. O que você ganha com isso? E com direitos humanos não dá para brincar. O Lula era visto como homem que vinha da esquerda e fazia uma política sensata. Aí, todo mundo se perguntou: "Ele teve recaída insensata?"

E com a Dilma?

Com os poucos sinais que a Dilma deu, as coisas já começam a se desanuviar.

A decisão do Obama de não vir ao Brasil no governo Lula foi um sinal de insatisfação?

Acho que sim. Nem diria de insatisfação, mas de reserva, de cuidado, por causa do Irã. O governo Lula não foi um governo antiamericano. Você pode falar que foi leniente na questão de direitos humanos, mas os americanos também são. Quando é do interesse deles, eles não se preocupam tanto assim com direitos humanos.

O que gerou a cambalhota da balança comercial? De um superavit de quase US$ 10 bilhões com os EUA em 2006 o Brasil passou a um deficit de quase US$ 8 bilhões em 2010.

Nós deixamos de exportar para os EUA, o que é uma coisa grave. Eles são o maior mercado do mundo. Como houve essa supervalorização do Sul... Não que eu ache errada em si, o que está errado é que foi em detrimento do Norte. Não sou contra a relação com o Sul, não. Sou contra é a ideologia Sul-Sul.

No discurso oficial, a cambalhota foi resultado do câmbio baixo. E o viés ideológico?

No mínimo, é um conjunto. E uma boa questão é o que o governo Dilma vai fazer para desvalorizar o real. Neste momento, é impossível. A saída é atacar o custo-Brasil, o custo-transporte, o custo do imposto, a falta de uma reforma tributária, para não falar na trabalhista.

Qual sua opinião sobre a possibilidade de os EUA fazerem compra antecipada do pré-sal, como a China já fez antes, na base do financiamento?

Tem que ir com jeito com os EUA e com a China, porque você está vendendo o futuro e não houve uma discussão profunda sobre o pré-sal.

E a política externa, o sr. está sentindo uma guinada?

Guinada é forte, pode ser ajuste. A Dilma já enviou sinais de ajustes, já avisou: "Eu não posso... pra mim, direitos humanos é universal".

Como o Brasil deve se colocar na polaridade EUA-China?

Há interesse do Brasil e dos EUA em se aliar. Os EUA, sozinhos, já não têm mais como impor nada ao mundo, mas é preciso o Brasil entender que os nossos interesses não se alinham numa só direção. Vamos ver que sinal o Obama vai emitir. Se for de que, em certas matérias, vamos jogar juntos, nós não devemos achar que estamos nos subordinando aos EUA.

Em que matérias?

Em meio ambiente, eventualmente na questão nuclear, na Rodada Doha. Vamos forçar a China a entrar num jogo mais puro para todos nós. E mantém-se a política tradicional nossa, de defesa da democracia e dos direitos humanos, sem incensar ditadores na expectativa de que votem em nós para o Conselho de Segurança.

O sr. apostaria que Obama vai repetir aqui o que fez na Índia e apoiar o Brasil para o Conselho? Se não, a viagem vai ficar carimbada como fiasco?

Fiasco eu não diria, mas frusta. E frusta o governo, porque o país nem nota, nem sabe. Acho muito mais vantajoso ter uma ação mais efetiva no G-20, no FMI, no Banco Mundial do que no CS.

Como o sr. imagina os EUA daqui a 20, 30 anos?

O polo mundial se deslocou para os EUA depois que eles ganharam a guerra, porque tiveram capacidade de inventar novas tecnologias e formas de produção. E, agora, a internet, toda essa onda de nova mídia, foi feita lá. A competição estratégica vai ser entre quem vai ter mais capacidade de inovar.

Efeitos da crise?

Eles vão ter de entender que a governança global não se dá mais num diretório fechado. Não dá mais para ser aquele isolacionismo imperial do "eu quero" e acontece.

E o Obama?

Ele entrou num mau momento, pegou uma crise gigante, teve dificuldade imensa em fazer o avanço social e algum ele fez. Se as coisas continuarem assim, pode se reeleger, porque não tem nome forte no outro lado.

E a política externa?

O Obama fez aquele discurso no Egito com uma proposta de conciliação. E daí? Assim como foram surpreendidos pelo fim da URSS, também foram agora com as revoltas no mundo árabe. E ficam atônitos, porque têm essa contradição de apoiar o errado. O chinês só grita quando pisam no calo dele, nós gritamos sem ter calo, e os EUA gritam sempre com e sem calo... Mas vão parar de gritar, vão ter de sussurrar.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO, 19/3/2011

Riodan Roett: ''O estilo Lula foi um momento, e já passou''

Gabriel Manzano

ENTREVISTA - Riordan Roett, professor da Universidade Johns Hopkins de Washington

O convívio entre o Planalto e a Casa Branca está mudando - para melhor - e o "estilo Lula" de fazer diplomacia, mais pessoal e com tintas ideológicas, "foi um momento, e já passou". É verdade que um dos pilares desse período, Marco Aurélio Garcia, continua como assessor de assuntos internacionais, "mas deverá ter muito menos influência". É difícil imaginar o ministro Antonio Patriota como "um homem de partido". Resultado: daqui por diante "o espaço do Itamaraty tende a ser muito mais amplo". Os cálculos são do professor Riordan Roett, um dos figurões da Universidade Johns Hopkins, de Washington.

Faz mais de duas décadas que ele estuda e escreve sobre as relações dos EUA com a América Latina. Roett não fala em "virada" da diplomacia com Dilma Rousseff - "eu diria câmbios, ênfases", assinala. Também não se encanta com visitas protocolares entre líderes e avisa que, nos próximos anos, "o tempo do governo americano para a América Latina será tomado por México e Cuba, um pouco também pela Venezuela".

Mas para ele Dilma "já indicou que quer relações melhores, quer negociar". Do lado americano, Roett cita Thomas Shannon, o embaixador dos EUA no Brasil, que costuma dizer: "Temos a América Latina e temos o Brasil". Ou seja: não existe uma estratégia americana para o continente, existem conversações e uma percepção sobre cada país.

Qual a percepção dos EUA sobre o Brasil?

"Não é uma potência nuclear, não tem guerras com vizinhos - quer dizer, não é um foco de preocupação. Mas não se imagina mais uma decisão importante na Rodada Doha, sobre políticas ambientais, no G-20 e outras questões mundiais, sem uma participação brasileira."

O presidente Obama chega ao País quando se fala muito de uma virada diplomática no governo Dilma. Há exagero nisso?

Não diria virada, diria câmbios, ênfases. Ela já havia dito, numa entrevista ao Washington Post, que a Presidência dela seria a Presidência dela. Não uma continuação de Lula. Quanto ao Irã, por exemplo, ela se mostrou bem diferente dele. Indicou que quer negociar, conversar sobre temas importantes.

A América Latina sempre foi um tema menor na diplomacia americana. Que espaço sobra para o Brasil?

É uma situação muito diferente. O embaixador Shannon diz sempre que temos a América Latina mas, à parte, temos o Brasil. E a atual percepção do Brasil nos EUA é muito positiva, comparada por exemplo com a do México. O futuro do Brasil não é uma preocupação em Washington. Ele não é uma potencia nuclear, não tem guerra com vizinhos, é uma potência emergente com interesses complementares aos dos EUA. Os problemas dos dois são normais e rotineiros.

Existe uma estratégia americana para o continente?

Não, infelizmente. A preocupação da Casa Branca é com os pontos de conflito - no Irã, no Afeganistão, onde houver conflito militar. Não há espaço hoje para uma coisa do tipo Aliança para o Progresso, dos anos 60. Acredito que o tempo do governo americano para a América Latina será tomado por México e Cuba, um pouco também pela Venezuela.

Mas há o tema da segurança militar. O Brasil tem uma costa enorme, o Atlântico, a escolha dos novos caças, de enorme interesse para os EUA. Qual o peso real disso na relação dos dois?

Creio que isso tudo não é uma preocupação. O que Washington vê é que a China é o novo grande parceiro do Brasil na América do Sul, e que depois de receber Obama a presidente Dilma vai à China.

Isso tem um significado especial. Acham que ela está montando agora dois pilares de uma futura diplomacia?

Exatamente. Dilma entende que o Brasil tem de ter relações normais. Dialogar na ONU e em outras arenas. O importante, para Dilma, é uma posição de Obama como a dada sobre a Índia, a respeito do Conselho de Segurança da ONU.

A diplomacia brasileira adota agora um tom menos ideológico. Qual o impacto disso?

De fato, daqui por diante creio que ela será menos ideológica. Acho que o PT vai ter muito menos importância na política externa do atual governo, do que teve nos oito anos de Lula. No resto, a relação anda bem. O ministro Nelson Jobim frequenta o Pentágono sempre que preciso. Na ONU a representante Susan Rice se entende bem com a brasileira Maria Luiza Viotti e Patriota é velho conhecido de Hillary Clinton. O problema, se é que podemos chamar assim, é que o Brasil não é muito bem entendido lá porque pouca gente fala o português.

Nesse ambiente, que papel terá Marco Aurélio Garcia, que continua no Planalto?

Mantê-lo foi, acredito, uma decisão política da presidente. Ele é um homem destacado dentro do partido. Mas, ainda que mantenha o nome da posição, creio que terá um impacto político menor, mais esvaziado. O Patriota é um homem competente, não petista - acho difícil imaginá-lo como homem de partido.

O estilo e as metas do governo Lula lhe pareceram ambiciosos?

Ficará na história, como ponto importante, que Lula estabeleceu o Brasil como um dos Brics. O País apareceu na arena global, com mais exportações, com muitas viagens, encontros no G-20. Lula é uma pessoa especial, é carismático. Não é um grande administrador, mas entendeu esse momento e o usou a favor do Brasil. Mas foi um momento, e passou. Não vai deixar recall.

Mas existe hoje uma multipolaridade, que abre mais espaços ao Brasil. Ou o sr. imagina que a bipolaridade pode voltar com EUA e China?

Acho que o Brasil tem hoje um fator essencial, a sua agroindústria, que pode oferecer algo de que o mundo precisa, comida. Em mais três ou cinco anos, será uma potência energética, com o pré-sal. E é difícil imaginar que tenhamos um acordo de Doha, ou sobre meio ambiente, ou nos temas financeiros do G-20, sem participação do Brasil. Isso não faz dele uma potência global. Ele é um player regional, com implicações globais. Hoje há mais espaços para países médios, como Brasil, Índia, África do Sul.

E a invasão de produtos chineses, não preocupa os EUA?

Acho que isso preocupa mais a Fiesp do que Washington.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Charge - Visita de Obama ao Brasil

FONTE: http://chargistaclaudio.zip.net/

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
Clique o link abaixo
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Líder do PPS participou de almoço com Obama

Rubens defende parceria entre Brasil e EUA na pesquisa e adoção de energias alternativa

Da Redação

O líder do PPS na Câmara, deputado federal Rubens Bueno (PR), esteve presente neste sábado no almoço oferecido pelo Brasil ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Após o evento, realizado no Palácio do Itamaraty, o parlamentar cumprimentou o presidente americano e a presidente brasileira, Dilma Rousseff. E trocou algumas palavras com os dois.

A Obama, que estava acompanhado da mulher, Michele, o líder do PPS disse que torcia pelo povo americano. Já a presidente do Brasil lembrou do passado de Rubens à frente de uma das diretorias da Usina Hidrelétrica de Itaipu, considerada uma das maiores do mundo.

Antes do evento, o parlamentar havia observado que a visita de Obama ao país seria uma grande oportunidade para o início de uma parceria estratégica entre os dois países na área energética. Para o deputado, americanos e brasileiros deveriam unir forças para incentivar a pesquisa e uso efetivo de fontes alternativas de energia, uma exigência urgente para o desenvolvimento sustentável mundial.

De fato, os dois presidente trataram de questões desenvolvimentistas. Após o desembarque da comitiva do presidente Barack Obama no Brasil, representantes do governo brasileiro e americano assinaram 10 acordos e tratados de cooperação.

Entre os documentos há memorandos para o Comércio e para parcerias em grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016. O acordo de Comércio e Cooperação Econômica visa “fortalecer os laços de amizade e o espírito de cooperação, expandir o comércio e fortalecer as relações econômicas” entre Brasil e Estados Unidos, e a promoção da “transparência e a não discriminação no comércio internacional e nas políticas e práticas de investimento”.

Além de parlamentares e ministros de Estado dos dois países, estiveram presentes no almoço no Itamaraty quatro ex-presidentes da República brasileiros: José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

Abstenção do Brasil

Na saída do almoço, Rubens Bueno comentou a abstenção do Brasil na votação realizada pela Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) que decidiu dar um ultimato ao governo da Líbia, com possibilidade de intervenção militar contra às tropas de Muammar Kadaffi.

"São milhares de vidas em jogo ali (na Líbia) e o Brasil adota uma posição desta. Trata-se de um tirano que está ameaçando a vida do seu povo", criticou o líder do PPS.

FONTE: PORTAL DO PPS

FHC: ''Com Dilma, há sinais de um certo ajuste de rumo''

Para o ex-presidente, o Brasil não tomou decisão ""rebelde"" ao se abster de ação contra a Líbia no Conselho de Segurança
Julia Duailibi

ENTREVISTA - Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) avalia que a abstenção do Brasil em ação aprovada, na semana passada, no Conselho de Segurança da ONU, que abre espaço para uma ação militar na Líbia, não causa constrangimentos na visita do presidente americano Barack Obama ao País.

"O Brasil não tomou uma posição isolada. A Alemanha estava junto, a China, a Rússia. Não foi uma posição, assim, impensada nem rebelde. Segue um pouco a tradição brasileira: vamos tentar negociar", afirmou FHC ao Estado na sexta-feira.

Questionado sobre a intenção inicial de Obama de fazer um discurso para os brasileiros, na Cinelândia, centro do Rio, o ex-presidente disse: "É mais apropriado fazer um discurso num recinto mais fechado. O discurso não pode ser um apelo. Porque quando você faz um discurso em praça pública, em aberto, você tem de ter um tom muito mais de apelo, de comícios, do que propriamente uma coisa reflexiva", disse.

Ao analisar a política externa do governo Dilma Rousseff, em comparação com a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, FHC disse ver sinais de certo "ajuste de rumo": "Não é uma guinada, mas é um ajuste".

O sr. destacaria a viagem de Obama ao Brasil pelo caráter simbólico ou pelos eventuais acordos entre os dois países?

Não creio que sejam firmados acordos propriamente. Os acordos na diplomacia não são uma coisa assim, preto no branco. Acho que é muito mais para criar um clima. Mas não é só simbólico também. Abre espaço para que haja entendimento em temas que nos interessam.

Os americanos vêm com a intenção de aumentar as exportações para o Brasil. Qual deveria ser a pauta brasileira?

A recíproca: aumentar as nossas exportações. E muitas outras, como reclamações de dumping, as tarifas excessivas nos Estados Unidos e a questão do álcool e do etanol, principalmente. São questões permanentes. O Brasil terá provavelmente alguma discussão sobre a facilitação de vistos. Isso vai se desenrolar num processo. As relações exteriores não se dão em negociações preto no branco.

O sr. acha que o País deve insistir, durante a visita, na campanha pelo assento permanente no Conselho de Segurança da ONU?

Acho que, se o Obama quiser fazer um gesto para o governo, porque isso é um tema em que o governo sempre esteve empenhado, ele pode fazer o que ele fez na Índia: se houver reforma, quando houver reforma... Mas não sei se ele vai fazer, não.

Integrantes do governo viram certo caráter "imperialista" na tentativa de Obama de fazer um discurso para os brasileiros.

Não acho que seja imperialista. Mas não acho que seja o mais apropriado. É mais apropriado fazer um discurso num recinto mais fechado. O discurso não pode ser um apelo. Porque quando você faz um discurso em praça pública, em aberto, você tem de ter um tom muito mais de apelo, de comícios, do que propriamente uma coisa reflexiva. Seria mais útil neste momento uma coisa mais reflexiva. Não sei se ele queria fazer isso. Falaria em inglês? Acho mais apropriado fazer uma aproximação com o povo. Isso pode ter um simbolismo de outra natureza. Pode ser uma expressão de afeto. Vejo muito mais com essa intenção.

A abstenção do Brasil na ação contra a Líbia no Conselho de Segurança da ONU causa algum constrangimento na visita?

Não, porque na verdade o Brasil tem de ter sua própria posição independente. Não pode condicionar uma visita a uma posição no Conselho de Segurança. Não teria cabimento. Segundo, o Brasil não tomou uma posição isolada. A Alemanha estava junto, a China, a Rússia. Não foi uma posição, assim, impensada nem rebelde. Segue um pouco a tradição brasileira: vamos tentar negociar. Se o Brasil votasse "não", aí sim poderia ser uma coisa saindo do mainstream. Mas abstenção, não vejo que seja nada que possa provocar reação negativa. E se provocar, aí também é outra coisa. O Brasil tomou a posição que parecia melhor para o governo.

Numa perspectiva histórica, como avalia a relação do Brasil com os Estados Unidos?

O Brasil sempre teve uma relação correta com os Estados Unidos. A coisa ficou mais complicada em certos momentos, porque eles apoiaram o golpe (militar) e teve a guerra fria. Depois, por causa dos direitos humanos na guerra fria. Mas a partir da redemocratização não houve alteração. Foi uma relação hora mais chegada, hora menos chegada, mas nunca nem muito positiva, nem muito negativa. Eu acho que o Brasil não tem que ter complexos. Tem de ser uma relação natural. Cada país tem seus interesses. Às vezes, coincidem. Às vezes, chocam. Nem também é baixar a cabeça. Acho que a grande diferença entre países maduros, e o Brasil é um País maduro nesta matéria, é que você não trata o tema globalmente, contra o povo do outro país. É caso a caso. Isso é normal nas relações internacionais. Mas sem ter a preocupação de dizer ostensivamente "sou independente". Quem é independente não precisa provar nada, já é. E nós somos.

O sr. vê diferença entre a política externa de Dilma e a de Lula?

Esta muito no começo do governo dela. Mas eu acho que há sinais de um certo ajuste de rumo. Não é uma guinada, mas é um ajuste. Toda essa coisa relativa à declaração dela sobre o Irã dificilmente teria sido feita no governo Lula. Mesmo certas decisões relativas a postergar compras de aviões. São sinais. Mas não se trata de ruptura. Assim como Lula não fez nenhuma ruptura com a linha do meu governo. Mais uma retórica de terceiro-mundista do que na prática. E uma ação, que talvez foi exagerada, de retraimento com relação ao hemisfério. Mas eu acho que há alguns sinais de ajuste de rumo, sim.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O apocalipse em pauta :: Alberto Dines

O homem contemporâneo aprendeu a conviver com as calamidades - não tem pavores. Esta talvez seja a sua graça e sua desgraça: sabe explicá-las, entende porque acontecem, leva sustos, mas logo se acostuma porque sua multiplicação e o acervo de informações produzidas criam um confortável sistema de acomodações. Isso é bom, ruim? Inescapável. Embora na sua origem a palavra apocalipse signifique descoberta, revelação, na era do racionalismo as catástrofes perderam sua porção escatológica, despojadas de conotações divinas. O fim dos tempos já não é iminente, tornou-se adiável. Sine die.

O que aconteceu no Japão há uma semana foi mais do que um "evento máximo" foi "mega" porque compreendeu um inédito e triplo encadeamento envolvendo os três elementos - terra, mar e ar: terremoto, maremoto (tsunami) e vazamento radioativo para a atmosfera de consequências ainda imprevisíveis.

Embora o pânico esteja instalado em Tóquio, mais ao sul, em Osaka, na segunda maior cidade do país criou-se apressadamente uma espécie de refúgio. Refúgio de estrangeiros, diga-se. Embaixadas e multinacionais estabeleceram sucursais improvisadas e enquanto as lojas de departamento da capital parecem desertas, as de Osaka estão cheias, conforme contou a correspondente Cláudia Sarmento do Globo (18/3).

O estoicismo japonês, o seu senso de disciplina e respeito coletivo - marcas de uma civilização ilhoa - confrontam-se abertamente com o estresse ocidental do qual não se livram os decasséguis que se acotovelam nos aeroportos para voltar ao Brasil. Este agito pode ser visto e denunciado como herança capitalista mas também como resultado de um cartesianismo anterior a Descartes, iniciado ainda na Grécia antiga.

Ao avaliar o que se passa, o homem contemporâneo dispara automaticamente o seu acervo de soluções. Perdeu o seu senso trágico, é verdade, diminuiu a sua sensibilidade para o sofrimento espiritual, mas ganhou um tipo de operacionalidade que nas grandes emergências pode ser vista como solidariedade.

Ou mutualidade. O pesadelo nuclear não tira o sono apenas dos japoneses. É transnacional, cósmico. Mesmo com a proteção dos oceanos e das grandes distâncias os efeitos de um vazamento radioativo serão desastrosos para o resto do mundo. Em curto, médio ou longo prazo.

As transgressões humanas como as praticadas por Muamar Kadafi, combinadas as pandemias, tragédias naturais e humanitárias - todas difundidas em tempo real - estão fadadas a fortalecer um tipo de compromisso elementar de sobrevivência. Os seis bilhões de habitantes do planeta não são loucos como alguns dos seus líderes. Podem até incomodar-se com os vizinhos, mas contam com a compreensão daqueles que estão a distância. E como a humanidade está distribuída num vasto território todos convivem numa gangorra, próximos e distantes ao mesmo tempo.

Apesar de sacudido constantemente por tremores de terra, o arquipélago japonês irradia estabilidade, seus imperadores pertencem à dinastia mais antiga do mundo, as imagens e mensagens culturais que exporta contêm uma dose de serenidade.

O importante é não perder de vista a transitoriedade dos negócios humanos: o Japão era até o dia 10 de Março, véspera do desastre, a terceira potência econômica mundial. No fim deste ano ou no início do próximo, terá caído algumas posições. Impossível prever quando, como e qual o preço que pagará para recuperar-se. Ou se, depois de enterrar as vítimas e chorar os desaparecidos, terá a determinação para alcançar o status anterior sem prestar atenção ao niilismo do "vale a pena?".

Depois do holocausto nuclear de 1945, os japoneses disseram "sim, vale a pena".

» Alberto Dines é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

A antirreforma de Dilma :: Suely Caldas

A expectativa de saírem do seminário "O Futuro da Previdência Social no Brasil" ideias e propostas do novo governo para a Previdência foi transformada em decepção, frustração e na lamentável sensação de que privilégios e injustiças de um sistema desigual e caro para os brasileiros serão mais uma vez postergados. Não serão corrigidos nos próximos quatro anos e sabe-se lá quando surgirão um governante e um Congresso dispostos a enfrentá-los. Na campanha eleitoral a candidata Dilma Rousseff evitou falar em reforma. Limitou-se a defender o aumento da idade mínima para quem se aposenta no setor privado, e nenhuma palavra sobre mudanças para o funcionalismo. Tudo bem, não é assunto que candidato goste de falar em campanha. Mas os seis anos de comando no governo Lula deram a Dilma conhecimento, dimensão das injustiças e diagnóstico mais que suficientes do problema. É decepcionante começar o mandato sem absolutamente nada a propor.

"Não há plano novo para a Previdência", confessou no seminário o ministro Garibaldi Alves Filho, escolhido aleatoriamente por ser do PMDB, e não por virtudes técnicas ou de especialização. E acrescentou que a única ação determinada pela presidente é o "empenho" do governo em aprovar o fundo de previdência complementar dos servidores, parado há quatro anos no Congresso. No papel de senador, Garibaldi votou pelo fim do fator previdenciário. Como esperar que, no papel de ministro, ele se empenhe em convencer senadores e deputados a aprovar o fundo?

No caso da Previdência a presidente Dilma desistiu antes de começar. Não jogou a toalha porque dela nem sequer fez uso. Não deu a menor importância a um problema que cresce em ritmo progressivo e devora verbas públicas, prejudicando áreas socialmente mais carentes e abrangentes, como saúde, educação, segurança e até o programa Minha Casa, Minha Vida, seu filhote predileto. A aguerrida Dilma, que enfrentou o PMDB na ocupação de cargos no setor elétrico, nomeou um técnico para a Infraero, avisou que privatizará aeroportos e indicou Henrique Meirelles para garantir lisura em obras da Copa e da Olimpíada, não é a mesma quando dá de costas às injustiças da Previdência, curvando-se a interesses da classe política.

As injustiças começam pela existência de dois sistemas diferentes: o que regula a aposentadoria de servidores públicos, que têm garantido o mesmo benefício recebido na ativa; e o que limita ao teto de R$ 3.689,66 o benefício do setor privado do INSS. Essa duplicidade foi responsável em 2010 pela absurda disparidade: o déficit de R$ 51,2 bilhões do setor público, que beneficia menos de 1 milhão de pessoas, é 16% maior do que o de R$ 42,8 bilhões do INSS, que contempla 24 milhões de aposentados. É injusto e intolerável que os aposentados privados ganhem, em média, R$ 715, enquanto o salário médio de servidores do Legislativo e do Judiciário supere R$ 13 mil. Ou seja, 18 vezes mais.

Em 2010 saíram R$ 94 bilhões dos cofres públicos para cobrir os déficits dos dois sistemas, beneficiando 25 milhões de pessoas. É um inegável disparate social, quando comparado com o valor de R$ 70,9 bilhões previsto para atender mais de 100 milhões de brasileiros que dependem de saúde pública e o de R$ 54 bilhões para garantir educação a milhões de estudantes pobres distribuídos pela rede pública de ensino.

Aí está a prioridade em reformar a Previdência. Os números expressam um quadro alarmante de injustiça social e péssima distribuição do dinheiro público que, infelizmente, a presidente Dilma não quer enxergar. E na hierarquia de prioridades desponta a urgência em mudar a previdência pública, que a cada ano piora perigosamente. Para ter uma ideia, em 1995 a União gastava R$ 15,1 bilhões com a aposentadoria de seus funcionários. Em 2009 o valor quase quintuplicou, para R$ 67 bilhões. Embora não resolva o problema, a aprovação do fundo pelo Congresso ao menos estanca a sangria do crescimento sem limites do déficit. Mas determinar, vagamente, "empenho" em aprová-lo e entregar a tarefa a um senador do PMDB, convenhamos, não é o caminho certo.

Jornalista, é professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Afirmação e fato:: Míriam Leitão

A presidente Dilma Rousseff disse que não negociará com a inflação nem aceitará que ela suba. Daí em diante, todo seu raciocínio desmontou a afirmação. Acha que não há componente de demanda na inflação - que está perto do topo da meta, depois do PIB de 7,5% -; diz que se o país crescer, a inflação cairá; não vê contradição entre cortar R$50 bilhões e elevar gastos em R$55 bilhões.

Na primeira entrevista longa concedida pela presidente, e brilhantemente conduzida por Cláudia Safatle, do "Valor", fica claro que a presidente desposa um conjunto de confusões teóricas que já nos levou a apuros no passado.

Não há, como Dilma parece acreditar, um bando de malfeitores sádicos que tenha decidido no passado "derrubar a economia" só pelo prazer da derrubada. A luta do Brasil contra a inflação descontrolada levou à adoção de medidas que reduziram o ritmo do crescimento, em alguns momentos; mas a falta de crescimento sustentado se deve a obstáculos não resolvidos ainda, como a falta de poupança.

Um grupo de pensadores econômicos sempre defendeu a tese de que é preciso aumentar a oferta de bens para depois derrubar a inflação. Esse debate tem data vencida. A tese ficou para trás por absoluta incapacidade de dirimir uma duvida básica: antes de ser crescimento, o investimento é demanda agregada. Se a inflação baixa não é pré-condição, mas resultado final do processo, o que acontecerá no meio do caminho: alguma inflação e alguma gravidez?

O mais sensato é manter a economia estabilizada, como primeiro objetivo, para que haja mais segurança para o investimento e o crescimento se sustente. Depois de décadas de falso dilema, já está provado que a estabilização é base do crescimento; e que é perigoso pegar o caminho pelo lado contrário: aumentar o crescimento para elevar a oferta e assim derrubar a inflação.

Está datada também a tese defendida pela presidente de que a inflação não é de demanda. Houve um tempo em que o Brasil ficou parado nessa discussão: é-de-demanda-não-é-de-demanda. Hoje, já se sabe que a inflação quando se eleva nunca tem uma razão apenas. A taxa subiu porque algumas commodities, principalmente alimentos, subiram de preços. Inúmeros fatores influenciam nesses preços, como se viu nos últimos dias. Há aumentos sazonais, como os escolares, mas nem todo aumento de preço é de temporada apenas. Há também o fato de que o governo gastou demais no ano passado, o BNDES manteve seus estímulos em empréstimos subsidiados, o crédito cresceu fortemente animando consumidores às compras. Todas as lenhas alimentaram a mesma fogueira. Numa situação assim, alguém tem que recuar. Melhor que seja o governo. Os gastos públicos são cortados para que se possa manter o consumo privado. É diferente de "derrubar a economia". É apenas uma questão de bom senso.

A presidente diz que o Brasil não cresceu além das suas possibilidades e que não vai derrubar a economia, mas os juros subiram e já se sabe que a economia crescerá menos este ano. Ela não vê contradição entre anunciar R$50 bilhões de corte no orçamento e endividar-se em mais R$55 bilhões para emprestar para o BNDES, que emprestará para as empresas a juros abaixo do que o Tesouro paga. Isso é gasto público também e portanto incoerente com o corte de gasto.

Então suas frases fortes de que não aceitará a volta da inflação em nenhuma circunstância são tão convincentes quanto tudo o mais que ela disse que desmonta a frase. O governo não pretende conter de fato seus gastos, nem os gastos extra-orçamentários via BNDES, e avalia que a inflação é um problema sazonal, que dá e passa.

O BNDES usa todos esses abundantes empréstimos para continuar tomando decisões controversas: financiar siderúrgica a carvão de Eike Batista e entrar de sócio nessa térmica da energia suja; financiar hidrelétricas na Amazônia sem cautela social e ambiental; ser sócio de frigoríficos que não comprovam a origem da carne que compram.

O crescimento moderno tem que ter qualidade. Não é possível repetir os mesmos erros. Este fim de semana chegou com as duas obras de hidrelétricas do Rio Madeira paralisadas. Em Jirau, por assustadores problemas trabalhistas, e em Santo Antônio, por anúncio preventivo feito pela empreiteira responsável.

Por ironia, o consórcio que constrói Jirau chama-se Energia Sustentável. E nada é sustentável, a começar do preço estabelecido inicialmente. O consórcio ganhou a disputa pelo preço baixo, que foi considerado irrealista pelo concorrente. Na época, o governo disse que não aconteceria de novo o velho truque do passado de as empreiteiras pediram revisão de preço ao longo da obra. Pois já aconteceu: segundo o jornal "Valor Econômico" de 10 de março, Jirau que estava orçada em R$9 bilhões já está em R$13 bilhões. O truque? O mesmo de sempre: alegar que no meio do caminho havia uma pedra. Mais escavações foram necessárias e a obra ficou mais cara. Simples.

Mas caro mesmo ficou nos últimos dias quando uma rebelião de trabalhadores estourou no canteiro de obras e o governo em vez de mandar fiscais do Ministério do Trabalho para ouvir os operários mandou a Força Nacional para ajudar a empresa num conflito trabalhista.

Hoje em dia, crescimento tem que ser sustentável do ponto de vista ambiental, e sustentado do ponto de vista econômico. A presidente não parece estar atenta para as duas exigências quando defende velhas interpretações sobre a natureza da inflação brasileira e quando seu governo toca projetos de grande porte na Amazônia sem as devidas garantias ambientais e sociais. Afirmações e fatos precisam coincidir, do contrário, são palavras ao vento.

FONTE: O GLOBO

À mesa com ex-presidentes

Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco, José Sarney e Fernando Collor aceitam o convite feito por Dilma Rousseff, em um gesto que supera divergências político-partidárias

Ivan Iunes e Denise Rothenburg

Antecessor da presidente Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva foi o único ex-presidente da República a não comparecer ao almoço no Palácio do Itamaraty com o norte-americano Barack Obama. A versão oficial é de que Lula preferiu não atrair os holofotes de Dilma e tinha compromissos familiares, mas antigas rusgas com os Estados Unidos devido à posição brasileira em relação ao Irã também teriam motivado a falta. O tucano Fernando Henrique Cardoso considerou o convite uma gentileza e foi o único ex-presidente sem mandato eletivo a ocupar lugar na mesa principal da cerimônia.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já tinha anunciado que não compareceria à cerimônia desde o início da semana passada, alegando motivos familiares. Em contrapartida, vieram ao encontro de Obama os hoje senadores Itamar Franco (PPS-MG), Fernando Collor (PTB-AL) e José Sarney (PMDB-AP), além de FHC, todos ex-presidentes. “Achei uma coisa de gentileza, senão eu não teria vindo. É um gesto. Eu acho que, em matéria de Estado, quando está se representando o país, como é o caso aqui, não cabem divisões político-partidárias. Eu acho que a presidente Dilma demonstrou que tem uma compreensão correta dessa matéria”, elogiou Fernando Henrique.

Entre os ex-presidentes presentes ao almoço, Collor e Itamar ficaram em mesas próximas à principal. A de Collor ficava de costas para Obama e a de Itamar em frente — o senador sentou-se ao lado do ministro da Defesa, Nelson Jobim. Durante o evento, Lula participava das comemorações pelo aniversário de 26 anos do filho caçula, Luiz Cláudio da Silva. A assessoria dele informou que o convite feito, por telefone, se repetiu a mais de uma centena de pessoas, por isso o presidente preferiu não cancelar o compromisso em família.

O assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, reforçou a tese de que Lula ainda está “desencarnando” da Presidência e tem preferido não ofuscar Dilma. “Deve ter havido um problema de agenda. Além disso, é preciso ter em conta que o presidente ainda está na quarentena”, ressaltou Garcia. Mesmo com a explicação oficial, houve quem trouxesse de volta as divergências entre Brasil e Estados Unidos durante o governo anterior como motivação para a ausência de Lula no encontro. A insatisfação diz respeito à posição contrária dos EUA ao acordo para utilização de energia nuclear para fins pacíficos, firmado entre Brasil, Irã e Turquia no ano passado.

Com a ausência de Lula, FHC surfou sozinho na polêmica e não se furtou de cutucar o sucessor. O tucano elogiou a defesa brasileira por uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, mas criticou a falta de diálogo de Lula. “Temos que ter uma relação (ex-presidentes). Não é necessário tratar um como Deus e outro como demônio”, pediu Fernando Henrique. O tucano ironizou a falta de convites de Lula quando era presidente. “É que o Lula é tão meu amigo que achou que não era necessário. Acho que tem que conversar”, disse. Além de FHC, a mesa principal tinha a presença de Sarney. “A visita de Obama marca um novo capítulo nas relações entre Estados Unidos e Brasil”, afirmou ao sair do almoço.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Ataques à Líbia roubam a cena da visita de presidente

Bombardeios começaram quando ocorria banquete e brinde de líder norte-americano e Dilma no Itamaraty

Início do conflito fez diplomacia brasileira temer o cancelamento das agendas da comitiva americana no Brasil


Eliane Cantanhêde, Fernando Rodrigues e Natuza Nery

BRASÍLIA - O ataque à Líbia roubou a cena na primeira visita ao Brasil do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, com um detalhe que deixou as autoridades brasileiras desoladas: os bombardeios começaram na hora do banquete e dos brindes dele e de Dilma Rousseff no Itamaraty.

Obama fez um discurso muito rápido, ofereceu o tradicional brinde e acabava de sentar à mesa, às 14h30, quando Thomas Donilon, conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, aproximou-se e cochichou algo ao seu ouvido: a guerra havia começado.
Simultaneamente, o chefe da assessoria de imprensa do Itamaraty, ministro Tovar Nunes, recebeu a informação pelo celular de um assessor e entrou quase correndo no salão para comunicar ao chefe, o chanceler Antonio Patriota.

Patriota deu a volta na mesa e avisou a presidente. Obama, Dilma, o chanceler brasileiro e o conselheiro americano falaram então, ali mesmo, sobre a guerra.

Líbia foi o assunto do banquete e permeou todo o dia em Brasília. Ocorreu o que o Planalto e a diplomacia brasileira temiam: que o conflito ofuscasse a visita de Obama no noticiário internacional.

ATRASO

Desde a véspera, a equipe de Dilma monitorava os passos de Obama, temendo que ele pudesse cancelar a vinda de última hora. A primeira providência da presidente, ontem, foi perguntar a assessores se os ataques haviam começado.

Obama manteve a viagem, mas o episódio atrasou a chegada dele ao Planalto. Antes de subir a rampa, ele participou de uma teleconferência para discutir o ataque.
Os dois presidentes se reuniam quando um assessor de Obama lhe entregou um bilhete.

Após ler a mensagem, o presidente disse a Dilma que acabara de dar autorização ao bombardeio. A cúpula de países ocidentais e árabes em Paris decidia então pelo ataque.

No Itamaraty, em seguida, o foco de Obama também foi a Líbia, tanto que ele determinou que o conselheiro Donilon trocasse sua cadeira na mesa principal por outra mais discreta, de onde pudesse acompanhar a situação minuto a minuto. Em seu lugar, sentou-se seu chefe de gabinete, William Daley.

A Casa Branca também cancelou a coletiva de imprensa do vice-conselheiro de segurança nacional, Mike Froman, sobre os acordos econômicos feitos ontem.

Em vez de uma entrevista coletiva, como se esperava, o presidente norte-americano preferiu uma conversa com um grupo de jornalistas estrangeiros.

Na declaração ao lado de Dilma no Planalto, com a decisão sobre o ataque tomada, mas antes do início dos bombardeios, ele disse que "houve um consenso muito forte [a favor da resolução da ONU que permitiu o ataque]".

Naquele momento, o que menos interessava era a visita ao Brasil e os acordos selados e já se falava até em cancelamento do resto da viagem no país.

Colaborou Patrícia Campos Mello, enviada especial a Brasília

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo

Com Leonardo Santos

Alô pra galera

Ao contrário do que imaginavam os organizadores dos protestos na Cinelândia, a visita de Barack Obama hoje ao Rio de Janeiro deve bombar e provocar grande mobilização popular. Máscaras do presidente norte-americano e lenços com a bandeira dos Estados Unidos praticamente esgotaram no velho Saara, o bairro do comércio popular onde árabes e judeus convivem numa boa. Foram arrematados pelos camelôs, que sabem das coisas.

Essa avaliação é do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e do prefeito carioca, Eduardo Paes, anfitriões de Obama, ambos do PMDB. O estafe do presidente norte-americano é que desistiu do ato público na Cinelândia antes mesmos dos gritos dos manifestantes, e optou por um discurso com pompa e circunstância dentro do Theatro Municipal. Temiam é a repercussão negativa de um incidente com manifestantes perante aos eleitores norte-americanos.

Segundo Cabral, a visita já enche de orgulho os cariocas. E o discurso no Theatro Municipal pode sair melhor que o soneto: de todos os lugares chegam informações de que a afluência à Cinelândia será muito grande, mesmo que para ver Obama falar num telão. Não será surpresa, porém, se ele aparecer na sacada principal do teatro para dar um alô pra galera.

Para o mundo// O discurso de Obama no Theatro Municipal será precedido de duas breves intervenções, uma do prefeito Eduardo Paes e outra do governador Sérgio Cabral. A expectativa é de que sirva para reposicionar a relação dos Estados Unidos com os países emergentes.

Outro lado

O governador Sérgio Cabral (foto) está rindo à toa com a visita de Obama à Cidade de Deus, ocupada por uma das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Por causa do filme do mesmo nome do bairro, de Fernando Meirelles, protagonizado pelo ator Leandro Firmino no papel de Zé Pequeno, a localidade virou o retrato da violência no Rio de Janeiro mundo afora.

Quem foi

Dificilmente os militantes do PSTU acusados de terem lançado os coquetéis molotov no consulado norte-americano na quinta-feira serão liberados neste fim de semana. São acusados de agressão e provocação de incêncio, mas o líder do partido no Rio, Ciro Garcia, afirma que não foram os seus militantes os autores da provocação. “Quem fez isso está rindo da gente.” Uma idosa presa foi liberada, mas duas jovens estão no Presídio de Água Branca e 10 rapazes em Bangu 8.

Prestígio

O velho sorriso de aeromoça voltou a ser exibido pelo ex-presidentre Fernando Henrique Cardoso, que ocupou a cadeira destinada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na mesa do almoço do Itamaraty ao lado da presidente Dilma Rousseff e do presidente Barack Obama. Grande ausente dos eventos de ontem, Lula foi indelicado duas vezes: uma ao esnobar o convite da Presidência para o encontro com o líder americano, outra ao justificar a ausência com o argumento de que não pretendia ofuscar a presidente Dilma. Macaco velho em matéria de diplomacia, Fernando Henrique fez a festa e não poupou elogios a Dilma. No novo governo, está sendo tratado com a deferência que um ex-presidente da República merece.

Sem saída

A preferência do governador Sérgio Cabral era pela visita de Obama ao Morro Chapéu Mangueira, onde foi gravado o filme Orfeu negro — baseado na peça teatral Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes —, assistido pela mãe do presidente norte-americano. Esse episódio é relatado em duas páginas da biografia oficial do presidente norte-americano. Mas a segurança não deixou.

Deslumbramento


Foi o próprio Obama que decidiu incluir o Corcovado no roteiro da visita, sabedor da vista magnífica que a cidade oferece daquele ponto estratégico, a 710m de altitude.

Vão cantar

Está praticamente certo que o cantor Seu Jorge e o grupo AfroReggae vão se apresentar no Theatro Municipal, num show que servirá para esquentar o ambiente antes de Obama falar para 2.500 convidados.

Refresco/ Os convidados de Obama terão que chegar ao Theatro Municipal às 11h30, mas Obama deve falar por volta das 15h. O desespero das autoridades cariocas era geral quando o discurso estava programado para a Cinelândia, onde ficariam ao sol, todos engravatados. Agora, já dá para esperar sentado e no ar-condicionado.

Cozinha/ Se a qualidade de nossa diplomacia for medida pela comida oferecida aos visitantes e pela educação dos agentes de segurança brasileiros, o Itamaraty não merece lugar no primeiro time. A comida estava péssima, segundo as autoridades brasileiras que participaram do almoço. Já a segurança institucional não respeitava nem o pessoal do cerimonial do Itamaraty.

Na pista/ Apesar do forte lobby, não houve acordo entre Obama e a presidente Dilma Rousseff para a compra dos caças americanos F-18 pela Força Aérea Brasileira (FAB). Durante a visita, brilharam os caças Rafale da França em ação na Líbia. O assunto, porém, continua na geladeira.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

O trinado do passarinho:: Ferreira Gullar

Ao passar a gravação para o disco, verificou ter captado um passarinho e, então, decidiu destruí-lo

Ele é um excelente e raro poeta, que terá escrito uns 20 poemas em toda a sua vida. Sou certamente o único amigo que possui no mundo. Tem alguns parentes, filhos de uma irmã já falecida.

Como herdou dos pais alguns bens, esses parentes tentaram obter um diagnóstico médico para considerá-lo louco e, portanto, incapacitado para gerir a herança da família.

Ele percebeu o golpe, fugiu de casa e nunca mais apareceu. Mudou-se para Lisboa, onde viveu alguns anos, e depois voltou, na moita, de modo que, para os parentes gananciosos, ele deve ter morrido.

Na verdade, reside, faz alguns anos, num pequeno apartamento no centro do Rio, num prédio onde só há escritórios e firmas comerciais. Ninguém sabe quem ele é nem o que faz. Com o resto do dinheiro, comprou um terreno em Magé, no Estado do Rio, e o doou à prefeitura para que instalassem ali um clube esportivo para meninos pobres, com campos de futebol e quadras de tênis.

A prefeitura aceitou a doação e nada fez. Agora ele está tentando anulá-la para entregar o terreno ao governo do Estado, a fim de ali construir escolas e moradias para desabrigados. O processo burocrático está em marcha; marcha lenta, claro.

Quando o conheci, em 1952, na casa de Mário Pedrosa, ele era funcionário do Centro Psiquiátrico Nacional, do Engenho de Dentro, onde ajudou a dra. Nise da Silveira em seus ateliês de terapêutica ocupacional. Se não me enganou, quem o levou a Mário Pedrosa foi Almir Mavignier, braço direito de Nise. Ele escrevera já então os poucos poemas que constituem a sua obra poética.

Tornamo-nos amigos e vagabundávamos pelo centro do Rio, frequentando o Vermelhinho e os botecos da Lapa, em companhia de Oliveira Bastos, Carlinhos de Oliveira e Amelinha, que era pintora e minha namorada. Publicou uma plaqueta de 34 páginas e distribuiu a reduzidíssima edição entre escritores indicados por mim. Um dos poemas dizia:

"Tapei a flor na noite
e os dias se esconderam.
Descabida metade das partes
relâmpago das cores".

Mas eis que ele, dias depois, aparece no Vermelhinho com um exemplar de seu livro, abre-o, estica com a unha da mão a linha que prendia as páginas, e afirma: "Isto vai arrebentar e misturar os poemas, quebrando a ordem em que estão. Vou recolher todos os exemplares e queimá-los. O teu está aí contigo?". Respondi: "O meu você não vai queimar coisa nenhuma". E o tenho guardado até hoje.

Pouco depois, decidiu gravar os poemas num disco. Usou um gravador do Centro Psiquiátrico e, de manhã bem cedo, fez a gravação. Sucedeu que, ao passá-la para o disco, verificou ter o gravador captado o trinado de um passarinho e, então, decidiu destruí-lo. Tentei dissuadi-lo, mas, para minha surpresa, no dia seguinte, ele me procurou para me informar que o trinado do passarinho enriquecera a gravação.

Editou então um álbum com o disco e me deu um exemplar que guardei até que meus filhos, brincando, o inutilizassem. Sobrou o álbum vazio.

Ele tem hoje 84 anos e, de vez em quando, aparece em minha casa. Outro dia, surgiu sem me avisar, sentou-se diante de mim e me perguntou se ainda tinha o disco com o trinado do passarinho. Respondi que tinha apenas o álbum vazio, onde estão impressos os poemas do disco. Ele, então, me informou que viera com o propósito de destruir o disco, mas, como este já não existia, destruiria o álbum. Tomei-o de suas mãos e disse-lhe que não ia destruir álbum nenhum.
Ele empalideceu, me olhou nos olhos e afirmou: "Você não tem o direito de me impedir. Os poemas são meus, o álbum é obra minha. Esses poemas não correspondem mais ao que considero minha poesia".

Tentei explicar-lhe que a nova edição que fizera dos poemas, em 1990, já deixava claro que sua visão sobre seus poemas mudara, uma vez que excluíra dela aqueles que não considerava perfeitos, à altura de sua exigência. De nada adiantou. Acusou-me de adotar uma atitude autoritária em vez de agir como amigo e foi embora muito zangado. Essa zanga passa, pensei comigo, sorrindo. Abri o álbum e li:

"O indivíduo estava no chão
e a pose passeava na forma".


FONTE: FOLHA DE S. PAULO/ ILUSTRADA

Elis Regina - "Ladeira da preguiça"

Canção amiga : Carlos Drumonnd de Andrade

Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não se vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem anda ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.