quinta-feira, 23 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Inchaço do fundo eleitoral significa apenas desperdício

O Globo

Emendas parlamentares infladas também resultam em má alocação dos recursos do Orçamento

O Congresso Nacional tem consistentemente determinado gastos muito acima do razoável em campanhas eleitorais. Nas eleições do ano passado, a quantia disponível por eleitor era R$ 31, o triplo do estipulado no México, país com legislação de financiamento de campanha não muito diferente da brasileira. Para as eleições do ano que vem, o governo propôs gastos de R$ 940 milhões no Orçamento, um número sensato. A reação do deputado Danilo Forte (União-CE), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), é promover o inchaço do fundo eleitoral.

Em suas declarações, ele tem defendido no mínimo R$ 2 bilhões, ou R$ 13 por eleitor (corrigido, o valor destinado à última eleição municipal equivaleria a R$ 2,5 bilhões). Mas poderá seguir o aprovado na Comissão Mista de Orçamento, repetindo os R$ 4,9 bilhões do ano passado. Seria um disparate, pois não dá para comparar eleições municipais às nacionais. Num momento em que a tecnologia digital reduz os custos de difusão, as campanhas deveriam ser mais baratas. Sobretudo num pleito em que o público é local. Outro risco sempre presente é a corrupção. Apesar de a Justiça Eleitoral fazer o possível para coibir irregularidades e condenar os infratores, e de não haver razão para generalização, há denúncias de desvios.

Míriam Leitão - Duplo ataque institucional

O Globo

Aprovação da PEC que pretende regular o STF e LDO mostram que a democracia continua vulnerável

O Executivo, no governo passado, disparava contra os outros poderes da República. O alvo era principalmente o Judiciário. Agora quem está alvejando as instituições é o Congresso. A PEC aprovada no Senado era parte da agenda de Bolsonaro de ataque ao Supremo Tribunal Federal (STF). Foi apoiada ontem pelos bolsonaristas, claro, mas também por parlamentares da base. O mais vistoso exemplo foi o senador Jaques Wagner, líder do governo. Muitos senadores da base nem compareceram. Por outro lado, o Executivo é atacado em projetos como o da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

O Congresso está tomando cada vez mais para si uma prerrogativa que é exclusiva do Poder Executivo: a execução orçamentária. Se a LDO sair como quer o relator, não apenas aumentará o valor das emendas parlamentares impositivas, como o cronograma de liberação será decidido pelo Congresso. Isso é uma aberração. Mais uma. Outra é exigir que o governo dê verbas de investimento para engordar o Fundo Eleitoral, já excessivamente alto.

Luiz Carlos Azedo - Morte na Papuda deu um “herói” aos “patriotas”

Correio Braziliense

Prisões por tempo indeterminado, sem condenação transitada em julgado, continuarão sendo arroz de festa nos presídios. De 900 mil presos, 44% são provisórios, não foram condenados 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liberdade provisória a quatro presos pelos ataques golpistas. Relator das investigações sobre o 8 de janeiro, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas, ele vem sendo acusado pela oposição de adotar métodos autoritários nas investigações sobre os extremistas de direita. Os presos liberados terão que cumprir medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica.

Jaime Junkes, Tiago dos Santos Ferreira, Wellington Luiz Firmino e Jairo de Oliveira Costa estavam na mesma situação do bolsonarista Cleriston Pereira da Cunha, de 46 anos, que morreu na segunda-feira, no Centro de Detenção Provisória II, do Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Todos estavam em prisão preventiva por envolvimento nos atos golpistas.

Malu Gaspar – Não vale a pena ver de novo

O Globo

Você também tem a sensação de que a política nacional parece uma grande sessão da tarde em que os vilões do passado reaparecem, tentando se repaginar como mocinhos? E não só os personagens, mas também os enredos se repetem? Não é só sensação.

Uma das principais notícias da semana é a tentativa do governo Lula de tutelar a Petrobras para que controle os preços dos combustíveis de forma a não deixar a inflação subir demais, além de investir em plataformas e navios construídos no Brasil, apostando na volta da cota de conteúdo nacional que contribua para a geração de empregos.

Quem já viu esse filme sabe o final. Jean Paul Prates pode até resistir por um tempo, mas terá de ceder quando Lula acionar o trator do Palácio do Planalto. Não é difícil prever o final da história, assim como não é difícil saber como termina o enredo batido da ressurreição da indústria naval.

Merval Pereira - Livros e cidadania

O Globo

A preocupação com a funcionalidade das bibliotecas dos conjuntos habitacionais é tamanha que o Ministério da Educação e a própria ABL serão chamados a opinar até nos modelos de biblioteca, para estimular a leitura

Durante a campanha presidencial do ano passado, houve um momento em que Bolsonaro, candidato à reeleição, deu um tiro no pé ao fazer uma ameaça que, se serviu para reforçar os que já o apoiavam, deu força contrária àqueles que estavam em dúvida. Disse ele:

— Não esqueça que o outro cara, o de nove dedos, já falou que vai acabar com o armamento no Brasil. Vai recolher as armas, clube de tiro vai virar biblioteca, como se ele fosse algum exemplo.

A dicotomia armas versus livros foi um prato cheio para a campanha de Lula, que se colocou como candidato humanista contra um predador. “Mais livros, menos armas” foi um bom slogan político. Ao contrário de promessas eleitorais que não saem do papel, o presidente Lula ontem deu um passo importante na valorização dos livros, mesmo que não tenha transformado clubes de tiros em bibliotecas.

Maria Cristina Fernandes - O precoce desgaste do governo Lula

Valor Econômico

Planalto hesita e fica a reboque do bolsonarismo sem Bolsonaro

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou o verbo no futuro, mas os problemas políticos decorrentes do fôlego renovado do populismo de direita já começaram. Já vinham de antes, mas a vitória de Javier Milei lhes deu eco. O prognóstico de seu governo é duvidoso, mas sua vitória mostrou que o apelo liberal fantasiado de extrema direita preserva seu espaço neste canto do mundo.

Na esteira da eleição argentina, a oposição brasileira ganhou fôlego no Congresso e encontrou terreno fértil nos erros deste governo para prosperar. O exemplo mais patente foi a aprovação da carteira verde e amarela. Nem o governo Jair Bolsonaro tinha sido capaz de fazer tramitar no Congresso a proposta do ex-ministro Paulo Guedes que flexibiliza direitos trabalhistas de jovens e idosos.

Agora o projeto passou na Câmara contra a oposição de apenas 91 deputados, número inferior à base do governo na Casa. Ainda precisa ser confirmado pelo Senado e pela sanção presidencial, mas virou troféu do bolsonarismo sem Bolsonaro.

Lu Aiko Otta - Tática pode virar combo indigesto para ala do governo contra contenção de despesas

Valor Econômico

Manutenção da meta de déficit zero em 2024 e limite de R$ 23 bilhões para contingenciamento podem resultar em aperto mais forte nas contas em 2025 e 2026

Muita água ainda vai rolar sob a ponte, mas o “combo” formado pela manutenção da meta de déficit zero em 2024 e, ao mesmo tempo, uma limitação de R$ 23 bilhões para contingenciar despesas pode ser bem indigesto para a ala do governo que luta contra a contenção das despesas. A resultante pode ser um aperto mais forte nas contas de 2025 e em 2026.

É o que se pode depreender da resposta dada pelo secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, ao ser questionado se a promessa de contingenciar no máximo R$ 23 bilhões não resultaria numa limitação de despesas menor do que a necessária para atingir a meta.

Assis Moreira* - O Brics com 11 tem seu primeiro racha

Valor Econômico

Grupo de países emergentes já tem uma dinâmica diferente com a expansão

A “cúpula extraordinária” virtual de líderes do Brics, realizada na terça-feira, 21, para discutir a “situação no Oriente Médio, com particular referência a Gaza”, foi o primeiro teste do grupo dos grandes emergentes com a nova configuração com 11 países. E o resultado foi o primeiro racha, que impediu uma declaração conjunta, ilustrando como a convergência de interesses será ainda mais difícil.

Em agosto deste ano, os líderes dos países fundadores - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul -, reunidos em Joanesburgo, anunciaram a expansão do grupo. Entre mais de 20 candidatos, seis novos países foram convidados a se tornar membros a partir de janeiro de 2024: Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Egito e Etiópia.

Bruno Boghossian - Senado tenta piorar arquitetura que já estava desfigurada

Folha de S. Paulo

Atropelos do STF exigem mudanças, mas congressistas só querem evitar contrapeso incômodo a seu poder

Quando um país desenha sua estrutura política, está criada a arquitetura institucional que deve equilibrar as relações de poder. Um presidente pode vetar um projeto de lei, o Congresso pode derrubar esse veto, e um ministro do STF, indicado pelo presidente e aprovado pelo Senado, pode restabelecer tudo como estava.

A ideia é que cada lado tenha ferramentas que sirvam como contrapesos aos demais para impedir abusos e produzir estabilidade. Vez ou outra, alguma autoridade se sentiria prejudicada. Haveria choro e ranger de dentes, mas, ao final, os objetivos estariam garantidos no agregado.

Vinicius Torres Freire - Com imprudência maior, Lula 3 tem déficit maior

Folha de S. Paulo

Governo superestimou receita, aumentou o gasto e ignorou mudança de cenário econômico

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu que vai ter um baita déficit primário neste ano —receitas menos despesas, desconsiderados gastos com juros da dívida pública.

O déficit deve ficar entre 1,32% e 1,65% do PIB —talvez fique no limite inferior caso o governo não consiga gastar o que está programado no Orçamento, o que em quase qualquer governo ocorre por inépcias, burocracias e outros atrasos de vida.

Quando se dizia que o déficit seria grande, o pessoal do ministério da Fazenda dizia ter um plano "B, C e D" para aumentar receita. Não rolou.

José Serra* - Compromisso com o saneamento

O Estado de S. Paulo

Câmara pode impedir uma brutal elevação de carga tributária no setor e recuperar a coerência no trato das políticas que o próprio Congresso promoveu

Desde sempre em minha atividade política olhei o saneamento como uma das mais importantes políticas públicas. Seja pelo aspecto ambiental, seja pelas questões relacionadas à saúde, seja pelo “direito” ao acesso a um copo de água de boa qualidade.

No Ministério da Saúde, a minha visão sobre o saneamento ficou ainda mais concreta. Em que pese seja muito bom ter indicadores, a interferência deste segmento na saúde da população é tão evidente que não precisamos nos alongar sobre algo tão óbvio.

Por tudo isso, mais de uma vez, mobilizei esforços para encerrar a cobrança de tributos e contribuições sobre a oferta de serviços de água e esgoto. Embora as empresas do setor não sejam contribuintes do ICMS e do ISS e, portanto, não estejam sujeitas ao seu pagamento, o PIS e a Cofins incidem sobre o setor.

Felipe Salto * - Não chores, Argentina!

O Estado de S. Paulo

O problema econômico do nosso vizinho vai requerer um bom caldeirão de feijão e uma panela generosa de arroz. Voltar ao básico

Os vícios e as virtudes do peronismo não explicam plenamente a crise econômica da Argentina. Não custa lembrar que o ex-presidente Maurício Macri, um não peronista, fracassou no desafio de restabelecer as bases econômico-fiscais e as condições de solvência no balanço das contas externas. O problema está nos pecados originais dos anos 1990 e 2000. Milei precisará dar um cavalo de pau nas suas convicções se quiser ter sucesso.

O corralito, espécie de sequestro das contas correntes e das poupanças, similar ao que se fez no Plano Collor, por aqui, e a Lei da Conversibilidade não foram acompanhados de uma política fiscal sólida. No Plano Real, fizemos o dever de casa completo, mesmo demorando a adotar as metas de resultado primário. Assim, escapamos da sina de erodir a confiança na moeda.

William Waack - Milei como oportunidade

O Estado de S. Paulo

O novo presidente argentino depende tanto do Brasil como o Brasil da Argentina

Sim, a América do Sul está passando por “confusões e dificuldades políticas”, reconhece Lula. De fato, em 17 eleições na América Latina realizadas desde 2021 só não houve alternância de poder naqueles países com regimes ditatoriais como Venezuela e Nicarágua. Nesses não teve “confusão”.

As “dificuldades políticas” às quais o presidente brasileiro se refere são provavelmente encontrar algum tipo de “eixo” de alinhamento especialmente dos países sul-americanos. Era, de fato, mais fácil nos idos do primeiro mandato de Lula, quando o grito popularizado por Chávez – “Alca al carajo” – simbolizava um desses “eixos de alinhamento”: oporse aos Estados Unidos.

Maria Hermínia Tavares* - A meia vitória de Javier Milei

Folha de S. Paulo

Eleito dependerá dos dez governadores, 93 deputados e 24 senadores macristas para governar

É sempre motivo para arregalar os olhos quando populistas grotescos como Javier Milei, Jair Bolsonaro e Donald Trump, com propostas tão radicais como irrealizáveis, se impõem nas urnas a adversários mais comedidos, venham eles da direita, da esquerda —ou de algum lugar do centro.

Ainda assim, para o cientista político Daniel Zovatto, diretor-regional da International Idea (Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral), o resultado da eleição na Argentina confirmou uma tendência espraiada pela América Latina: a derrota dos candidatos situacionistas.

De fato, das 33 eleições nacionais realizadas na região entre 2015 e 2023, nada menos de 25 consagraram candidaturas contrárias ao governo de turno. Segundo Zovatto, em cada caso o "voto-castigo" —a disposição dos eleitores de punir os governantes— explica melhor os resultados do que a ideologia. Na raiz dessa desforra periódica estaria um mal-estar social que não parece encontrar resposta satisfatória.

Renato Pereira* - A vitória de Milei

O Globo

Por que votar em quem prega a diminuição do Estado, a eliminação de direitos e o laissez-faire liberal?

Do que você tem mais medo: daquilo que vê ou daquilo que não vê? Transporte-se por um momento para Buenos Aires. Você é Fernando Olmos, um cara perturbado pelas incertezas da vida trafegando num trem urbano por Palermo. Na sua frente, um cego vende coisas aos passageiros. Você não está ali por acaso: está ali por causa dele. Na verdade, você o persegue há tempos. Mas ele, ao menos aparentemente, não sabe disso.

O trem para, o cego desce, você também. Agora ele se movimenta com surpreendente precisão pelas ruas de Buenos Aires. Não importa, dessa vez você está decidido a ir até o fim. Chegou a hora de provar que a sua teoria está certa: tudo o que há de errado no mundo é obra de uma maléfica sociedade secreta de cegos.

Lembrei de Informe sobre Cegos, de Ernesto Sábato, ao presenciar a vitória de Milei. Cego é aquele desprovido da visão, mas consciente do mundo ao seu redor, ou aquele que vê, mas é escravo de suas preconcepções?

Poesia | Quero - Carlos Drummond de Andrade com narração de Mundo dos Poemas

 

Música | Caetano Veloso - Magrelinha