“Há alguma coisa no ar e não são os aviões de carreira”
(Barão de Itararé)
O tema já ocupava o centro das minhas preocupações. Mas, só resolvi abordá-lo quando li o artigo de José Genoino (PT/SP), publicado no jornal O Globo de 25/12/2009, sob o titulo: “Congresso revisor”. Nele o deputado faz uma série de afirmações, no mínimo, polêmicas. Começo pelo primeiro período: “A crise política tem que ser resolvida pela política”, diz. Para mim, já é um tese controvertida. O que é crise política? Há conflito institucional entre os poderes da república? Óbvio que não existe esse conflito que ponha em risco a democracia conquistada com a Constituição de 1988. Claro, pode haver e há contradições, face o gigantismo do executivo em relação ao legislativo. Não o suficiente para proporcionar, no horizonte próximo, uma crise política.
Na seqüência, o parlamentar elabora outra sentença. Nela, reduz a afirmação anterior a simples “sucessivas crises em nosso sistema político-eleitoral”. Argumento, também, de caráter duvidoso. E, a partir dessa argumentação chega à conclusão de que há um “risco de enfraquecimento da democracia”. Na mesma linha de pensamento sentencia que, também, corre perigo o principio de “que todo o poder emana do povo”. Ainda, segundo ele exercido por “meio de representantes eleitos ou diretamente”. Então, aparece, outra controvérsia. A nossa Constituição pauta todo seu espírito na divisão dos poderes e na democracia representativa. Essa é a democracia dos modernos. Agora, como o povo exerce seu poder diretamente? Faltou explicar. Como os antigos? Esses últimos pensavam a democracia em uma praça pública ou então em assembléias nas quais os cidadãos eram chamados a tomar eles mesmos as decisões que lhes diziam respeito. Isso era Atenas, Platão, Aristóteles.
Com esse arsenal teórico, propõe transformar o “Parlamento eleito em 2010 em Congresso revisor”. Categoria essa, que, não existe mais em nossa Constituição. O que ele defende, na prática, é uma “constituinte exclusiva” para realizar as reformas políticas. Mas, não anda só nessa missão. O seu partido já aprovou essa idéia. O presidente Lula já se manifestou varias vezes na mesma direção. No campo das oposições se escutam vozes no mesmo sentido. O PPS, que tem um compromisso com a radical idade democrática, em seu último Congresso Nacional, agosto de 2009, também, apontou no mesmo rumo. Na carta do Rio de Janeiro, declarou: “O PPS defende a convocação de um plebiscito para deliberar sobre a convocação de uma constituinte exclusiva”. O deputado Raul Jungmann (PPS/PE) apresentou uma proposta com um viés mais sutil. O Congresso Nacional convocaria um plebiscito, para a mesma data do primeiro turno das eleições de 2010, nele o eleitor responderia a seguinte pergunta: “O Congresso Nacional deve aprovar uma reforma política que promova maior transparência, controle social e o combate efetivo à corrupção?” Ora, o impasse continuaria. Qual reforma? Não seria melhor propor uma consulta mais concreta? Cito um exemplo: O Congresso Nacional deve aprovar a mudança do sistema de voto proporcional, como é hoje, para o voto distrital? Pela proposta de Jungmann, me parece que deixa o campo aberto para uma genérica reforma política, perigosa para a democracia representativa.
Mas, voltemos ao deputado Genoino. Tem algo de mais grave na sua idéia. Propõe “a revisão constitucional centrada nos artigos da Constituição restritos à organização dos poderes e ao sistema político e eleitoral”. Ora, os artigos “restritos” dizem respeito a todo o Titulo IV – Da organização dos Poderes - com seus capítulos, seções, subseções. Estaria, na verdade, no foco principal, portanto, todos os artigos, cerca de 90, do capitulo constitucional. Como se vê não é tão “restrito”, assim. Pior, é preocupante e muito grave. Nada tem nesses artigos que façam referência ao sistema eleitoral. Eles dizem respeito a outros assuntos, tais como a clássica independência e divisão entre os poderes da República e suas funções. Será esse na realidade, o objetivo da constituinte ou congresso revisor?
O aparente foco de alterações na legislação político-eleitoral, pode e devem ser realizadas com outros instrumentos mais adequados, como reformas constitucionais ou a legislação ordinária. Sou favorável ao voto distrital. Ele representa o mecanismo que mais põe em xeque o sistema atual. No voto distrital cada partido só pode apresentar um candidato. O eleitor escolhe entre poucos. O atual sistema proporcional que temos é paroquial. Pior, uma mistura entre paroquialismo e lobbismo, pois boa parte de parlamentares se elegem em função de máquinas – partidárias, prefeituras, igrejas, sindicatos, empresas, coronéis urbanos, etc. Essa demanda exige reforma constitucional.
Mas, parece-me não ser este o objetivo. Qual é então? O próprio autor se encarrega de explicitar: (...) “passa da hora de se redesenhar o sistema político institucional brasileiro”, (...) E, mais adiante, para não deixar dúvidas das reais intenções da “constituinte exclusiva”, afirma: “temos de aprofundar a relação e o funcionamento dos três poderes e aumentar a participação popular em iniciativas de leis”.
Essas observações me fazem lembrar um ensaio que li recentemente. Fala sobre um grupo de professores da Universidade de Stanford, encabeçados pelo decano Larry Kramer, autor do conceito “constitucionalismo popular”. Levou-me de imediato a associá-lo ao discurso da presidenta do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), da Venezuela, Luisa Estella Morales, no dia 6 de dezembro último, na abertura do I Congresso Internacional, comemorando 10 anos da Constituição venezuelana. Ela chamou os presentes a contribuir para um “novo constitucionalismo latino-americano”. O que falou a Juíza? Simplesmente, e com todas as letras, que “O novo constitucionalismo na Venezuela põe por terra a clássica divisão rígida dos poderes” (...) “e agora o sistema do Estado aposta na coordenação, inter-relação e colaboração entre os poderes públicos, Legislativo, Justiça e Executivo”. O que a magistrada propõe aos convidados internacionais, em outras palavras, é o fim da separação e independência dos poderes e a sua coordenação pelo executivo.
A nossa situação é bastante diferente. Aqui o texto constitucional tem cláusulas pétreas que impede qualquer reforma tendente a abolir, a forma federativa; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Os especialista e estudiosos da política afirmam que as instituições brasileiras são mais fortes que em outros países da América Latina. Bom, isso é verdade. Mas, não é bom brincar de constituinte exclusiva.
Para concluir com esse tema seria bom lembrar duas coisas. Primeiro lugar, o nosso passado. Ele ajuda a derrotar as vozes desse novo “constitucionalismo popular” ou o “constitucionalismo latino-americano”. Na nossa história, as Assembléias Constituintes são convocadas em momentos específicos, para estabelecer uma nova ordem institucional. A primeira delas foi à fundação do Estado brasileiro, logo após a independência de sete de setembro de 1822. Logo em seguida foi dissolvida pelo Imperador. A Constituição Imperial terminou sendo outorgada em 24 de março de 1824. A segunda, com o fim do Império, em 1889 e a proclamação da primeira Constituição republicana, em 24 de fevereiro 1891. A terceira, após o movimento de 1930,a Constituinte promulgou a Constituição em 14 de julho de 1934, a qual teve vida curta, com o golpe de Vargas, em 1937. A quarta, com o fim da 2ª Guerra Mundial, do Estado Novo e da redemocratização, a Assembléia Constituinte elaborou nova carta, promulgada em 18 de setembro de 1946, extinta com o golpe de 1964. E, finalmente, com o fim do período militar foi convocada a assembléia que elaborou a atual Constituição, promulgada em cinco de outubro de 1988.
Em segundo lugar, a experiência histórica mundial e em nosso país, demonstra que toda vez que se tentou mexer nos princípios da democracia representativa, em nome de utopias, tanto pela direita como pela esquerda, a democracia como valor fundamental e universal, perdeu. Seria bom levar em conta esses dois momentos da história, mesmo em nome dos valores éticos e morais.
(Barão de Itararé)
O tema já ocupava o centro das minhas preocupações. Mas, só resolvi abordá-lo quando li o artigo de José Genoino (PT/SP), publicado no jornal O Globo de 25/12/2009, sob o titulo: “Congresso revisor”. Nele o deputado faz uma série de afirmações, no mínimo, polêmicas. Começo pelo primeiro período: “A crise política tem que ser resolvida pela política”, diz. Para mim, já é um tese controvertida. O que é crise política? Há conflito institucional entre os poderes da república? Óbvio que não existe esse conflito que ponha em risco a democracia conquistada com a Constituição de 1988. Claro, pode haver e há contradições, face o gigantismo do executivo em relação ao legislativo. Não o suficiente para proporcionar, no horizonte próximo, uma crise política.
Na seqüência, o parlamentar elabora outra sentença. Nela, reduz a afirmação anterior a simples “sucessivas crises em nosso sistema político-eleitoral”. Argumento, também, de caráter duvidoso. E, a partir dessa argumentação chega à conclusão de que há um “risco de enfraquecimento da democracia”. Na mesma linha de pensamento sentencia que, também, corre perigo o principio de “que todo o poder emana do povo”. Ainda, segundo ele exercido por “meio de representantes eleitos ou diretamente”. Então, aparece, outra controvérsia. A nossa Constituição pauta todo seu espírito na divisão dos poderes e na democracia representativa. Essa é a democracia dos modernos. Agora, como o povo exerce seu poder diretamente? Faltou explicar. Como os antigos? Esses últimos pensavam a democracia em uma praça pública ou então em assembléias nas quais os cidadãos eram chamados a tomar eles mesmos as decisões que lhes diziam respeito. Isso era Atenas, Platão, Aristóteles.
Com esse arsenal teórico, propõe transformar o “Parlamento eleito em 2010 em Congresso revisor”. Categoria essa, que, não existe mais em nossa Constituição. O que ele defende, na prática, é uma “constituinte exclusiva” para realizar as reformas políticas. Mas, não anda só nessa missão. O seu partido já aprovou essa idéia. O presidente Lula já se manifestou varias vezes na mesma direção. No campo das oposições se escutam vozes no mesmo sentido. O PPS, que tem um compromisso com a radical idade democrática, em seu último Congresso Nacional, agosto de 2009, também, apontou no mesmo rumo. Na carta do Rio de Janeiro, declarou: “O PPS defende a convocação de um plebiscito para deliberar sobre a convocação de uma constituinte exclusiva”. O deputado Raul Jungmann (PPS/PE) apresentou uma proposta com um viés mais sutil. O Congresso Nacional convocaria um plebiscito, para a mesma data do primeiro turno das eleições de 2010, nele o eleitor responderia a seguinte pergunta: “O Congresso Nacional deve aprovar uma reforma política que promova maior transparência, controle social e o combate efetivo à corrupção?” Ora, o impasse continuaria. Qual reforma? Não seria melhor propor uma consulta mais concreta? Cito um exemplo: O Congresso Nacional deve aprovar a mudança do sistema de voto proporcional, como é hoje, para o voto distrital? Pela proposta de Jungmann, me parece que deixa o campo aberto para uma genérica reforma política, perigosa para a democracia representativa.
Mas, voltemos ao deputado Genoino. Tem algo de mais grave na sua idéia. Propõe “a revisão constitucional centrada nos artigos da Constituição restritos à organização dos poderes e ao sistema político e eleitoral”. Ora, os artigos “restritos” dizem respeito a todo o Titulo IV – Da organização dos Poderes - com seus capítulos, seções, subseções. Estaria, na verdade, no foco principal, portanto, todos os artigos, cerca de 90, do capitulo constitucional. Como se vê não é tão “restrito”, assim. Pior, é preocupante e muito grave. Nada tem nesses artigos que façam referência ao sistema eleitoral. Eles dizem respeito a outros assuntos, tais como a clássica independência e divisão entre os poderes da República e suas funções. Será esse na realidade, o objetivo da constituinte ou congresso revisor?
O aparente foco de alterações na legislação político-eleitoral, pode e devem ser realizadas com outros instrumentos mais adequados, como reformas constitucionais ou a legislação ordinária. Sou favorável ao voto distrital. Ele representa o mecanismo que mais põe em xeque o sistema atual. No voto distrital cada partido só pode apresentar um candidato. O eleitor escolhe entre poucos. O atual sistema proporcional que temos é paroquial. Pior, uma mistura entre paroquialismo e lobbismo, pois boa parte de parlamentares se elegem em função de máquinas – partidárias, prefeituras, igrejas, sindicatos, empresas, coronéis urbanos, etc. Essa demanda exige reforma constitucional.
Mas, parece-me não ser este o objetivo. Qual é então? O próprio autor se encarrega de explicitar: (...) “passa da hora de se redesenhar o sistema político institucional brasileiro”, (...) E, mais adiante, para não deixar dúvidas das reais intenções da “constituinte exclusiva”, afirma: “temos de aprofundar a relação e o funcionamento dos três poderes e aumentar a participação popular em iniciativas de leis”.
Essas observações me fazem lembrar um ensaio que li recentemente. Fala sobre um grupo de professores da Universidade de Stanford, encabeçados pelo decano Larry Kramer, autor do conceito “constitucionalismo popular”. Levou-me de imediato a associá-lo ao discurso da presidenta do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), da Venezuela, Luisa Estella Morales, no dia 6 de dezembro último, na abertura do I Congresso Internacional, comemorando 10 anos da Constituição venezuelana. Ela chamou os presentes a contribuir para um “novo constitucionalismo latino-americano”. O que falou a Juíza? Simplesmente, e com todas as letras, que “O novo constitucionalismo na Venezuela põe por terra a clássica divisão rígida dos poderes” (...) “e agora o sistema do Estado aposta na coordenação, inter-relação e colaboração entre os poderes públicos, Legislativo, Justiça e Executivo”. O que a magistrada propõe aos convidados internacionais, em outras palavras, é o fim da separação e independência dos poderes e a sua coordenação pelo executivo.
A nossa situação é bastante diferente. Aqui o texto constitucional tem cláusulas pétreas que impede qualquer reforma tendente a abolir, a forma federativa; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Os especialista e estudiosos da política afirmam que as instituições brasileiras são mais fortes que em outros países da América Latina. Bom, isso é verdade. Mas, não é bom brincar de constituinte exclusiva.
Para concluir com esse tema seria bom lembrar duas coisas. Primeiro lugar, o nosso passado. Ele ajuda a derrotar as vozes desse novo “constitucionalismo popular” ou o “constitucionalismo latino-americano”. Na nossa história, as Assembléias Constituintes são convocadas em momentos específicos, para estabelecer uma nova ordem institucional. A primeira delas foi à fundação do Estado brasileiro, logo após a independência de sete de setembro de 1822. Logo em seguida foi dissolvida pelo Imperador. A Constituição Imperial terminou sendo outorgada em 24 de março de 1824. A segunda, com o fim do Império, em 1889 e a proclamação da primeira Constituição republicana, em 24 de fevereiro 1891. A terceira, após o movimento de 1930,a Constituinte promulgou a Constituição em 14 de julho de 1934, a qual teve vida curta, com o golpe de Vargas, em 1937. A quarta, com o fim da 2ª Guerra Mundial, do Estado Novo e da redemocratização, a Assembléia Constituinte elaborou nova carta, promulgada em 18 de setembro de 1946, extinta com o golpe de 1964. E, finalmente, com o fim do período militar foi convocada a assembléia que elaborou a atual Constituição, promulgada em cinco de outubro de 1988.
Em segundo lugar, a experiência histórica mundial e em nosso país, demonstra que toda vez que se tentou mexer nos princípios da democracia representativa, em nome de utopias, tanto pela direita como pela esquerda, a democracia como valor fundamental e universal, perdeu. Seria bom levar em conta esses dois momentos da história, mesmo em nome dos valores éticos e morais.
Tenho a convicção de que constituinte exclusiva não resolve a questão da corrupção.
Espero que as idéias aqui expostas não provoquem ondas de simples rejeição. Mas ao contrário, elas possam ser consideradas um convite e estímulos para novas reflexões. Estou convencido de que a esquerda democrática, não fará uma escolha equivocada. Prevalecerão, sempre, os valores da democracia dos modernos.
*É membro da direção nacional do PPS e editor do Blog “Democracia Política e Novo Reformismo” – http://gilvanmelo.blogspot.com
Espero que as idéias aqui expostas não provoquem ondas de simples rejeição. Mas ao contrário, elas possam ser consideradas um convite e estímulos para novas reflexões. Estou convencido de que a esquerda democrática, não fará uma escolha equivocada. Prevalecerão, sempre, os valores da democracia dos modernos.
*É membro da direção nacional do PPS e editor do Blog “Democracia Política e Novo Reformismo” – http://gilvanmelo.blogspot.com