sábado, 23 de maio de 2009

Frase do “cara”

"[...] se tem uma coisa que nenhum empresário brasileiro pode se queixar nos meus seis anos de mandato é que nunca se ganhou tanto dinheiro quanto no meu governo".

(Lula, O Globo, 22 maio 2009, p. 21.)

O PENSAMENTO DO DIA (Gramsci)

“Na literatura francesa, existem mais estudos sobre o “senso comum” do que em outras literaturas nacionais: isto se deve à natureza mais estritamente “popular-nacional” da literatura francesa, isto é, ao fato de que os intelectuais tendem, mais do que em outras partes, por causa de determinadas condições tradicionais, a aproximar-se do povo para guia-lo ideologicamente e mantê-lo ligado ao grupo dirigente. Por isso, é possível encontrar na literatura francesa muito material sobre o senso comum, que deve ser utilizado e elaborado; a atitude da cultura francesa para com o senso comum, aliás, pode oferecer um modelo de construção ideológica hegemônica . Também as culturas inglesa e americana podem oferecer muitos estímulos, mas não de modo tão completo e orgânico como a francesa.”


(Antonio Gramsci – Cadernos do Cárcere, volume 1, pág. 116 – Civilização Brasileira, 2006.)

Para compreender o mundo

Marco Aurélio Nogueira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Muitos jovens universitários e pré-universitários - assim como muitos não tão jovens profissionais já inseridos no mercado de trabalho - talvez se surpreendam com o presente texto. Ele se dedica a fazer o elogio das Ciências Humanas, esse amplo e controvertido conjunto de conhecimentos com os quais as sociedades têm procurado se conhecer ao longo do tempo.

A surpresa poderá existir, antes de tudo, porque o conceito mesmo de Ciências Humanas é relativamente impreciso, dado não existir consenso estabelecido a respeito de quais ciências devam ser incluídas no conjunto. Tome-se a Economia, por exemplo. Numa visão abertamente econometrista, ela poderia ser vista como sintonizada com as matemáticas. Se o foco for o universo financeiro, ela se associaria unilateralmente aos negócios. Mas a grande economia - a Economia Política - é bem diferente disso. Tem lugar cativo entre as Humanas e somente se realiza como ciência se interagir com os conhecimentos que se interrogam a respeito do homem em sociedade.

Dar-se-ia o mesmo com a Administração, a Psicologia e as Letras, que muitas vezes terminam por ser postas a meia distância daquele conjunto a que pertencem, no mínimo, por exclusão.

O segundo motivo tem que ver com o primeiro. É que vivemos de modo tão pragmático, veloz e utilitarista, numa estrutura em que a luta pela vida é incerta e competitiva ao extremo, que as pessoas passaram a desconfiar das Ciências Humanas. Tendem a achar que elas - a Filosofia, a Ciência Política, a Sociologia, a Antropologia e a História, que formam o esteio de sustentação do bloco - estão incapacitadas para garantir um nicho consistente em termos de emprego ou pavimentar o caminho para o que se considera "sucesso profissional". Teriam pouca utilidade, já que seriam ciências mais "negativas" e reflexivas que "positivas" e aplicadas. O Mercado - esse semideus da modernidade globalizada - tomou o lugar do Homem, da Sociedade e do Estado, a ponto de fazer com que as pessoas percam a vontade de se conhecer a si próprias.

Sabe-se que a modernidade não é somente empenho cego em maximizar a racionalidade e a produtividade. É também disseminação de espírito crítico, incremento comunicativo e esforço para que se viva de maneira mais justa e sábia. Hoje, porém, o lado mais instrumental e perverso do moderno prevalece. Vivemos sobrecarregados por ele e acabamos por deixá-lo modelar muitos de nossos cálculos, expectativas e projetos.

Tal prevalência está na base da má vontade que se tem com as Humanas. Pensa-se que elas atrapalhariam porque convidariam as pessoas a um exercício intelectual supérfluo, meio romântico e "subversivo". Acredita-se, além do mais, que todos seriam naturalmente capazes de entender a sociedade e a época em que vivem, mas nem todos conseguiriam atingir as esferas mais elevadas do pensamento técnico-científico. Acha-se que para dominar os fundamentos das Exatas ou das Biológicas é necessário muito estudo e inteligência, ao passo que a assimilação das Humanas seria tarefa fácil, quase uma extensão da alfabetização.

A partir daí se cria uma muralha separando as Humanas das demais ciências. Os estratégicos conhecimentos produzidos pelas primeiras ficam assim fechados em si, em vez de serem incorporados pelas outras, que se especializam cada vez mais. As próprias universidades ignoram a relevância e as vantagens da integração disciplinar. São poucas, se é que existem, as faculdades de Exatas ou Biológicas que incluem matérias de Humanas em seus currículos. A recíproca, claro, é igualmente verdadeira.

Mas a questão vai além do universo acadêmico. Tanto que se tornou usual, entre pais e alunos, distinguir as escolas do ensino médio em "fortes" - que reforçam os conteúdos, dão destaque às Exatas e se dedicam a fazer os alunos chegarem à universidade - e "fracas", quase sempre identificadas com orientações de tipo humanista e voltadas para a formação de um aluno mais crítico e criativo. Dada a competição entre elas, aos poucos todas se vão convencendo de que precisam ser "fortes". Vão assim se deixando seduzir pela preocupação de funcionarem como preparatórios para o vestibular, em vez de se dedicarem à formação integral dos estudantes.

Acontece que o mundo é complicado demais para ser vivido e especialmente para ser compreendido. Ele não se revela de imediato, desafia-nos e nos confunde, chega mesmo a atemorizar. Precisa ser pensado, analisado em seus ritmos e determinações para poder ser concebido como um todo, e não apenas como um amontoado de fragmentos desconexos.

Isso não é possível sem as Humanas. Sempre foi assim, aliás. Não é por outro motivo que a ideia moderna de universidade tem no seu coração uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, entendida como espaço onde os saberes e as especialidades encontram condições para superar suas estreitezas. Sem esse coração a universidade não se completa.

Precisamente porque vivemos em ambientes complexos, dinâmicos e fragmentados, as Ciências Humanas tornaram-se estratégicas. A razão crítica por elas cultivada deveria ser amplamente disseminada, de modo a ajudar que cidadãos e profissionais sejam mais do que meros receptores ou aplicadores de conhecimentos e adquiram recursos intelectuais abrangentes.

Fazer a defesa das Humanas não é somente defender os cursos e faculdades de Humanas, que certamente necessitam de maior valorização. É também defender a perspectiva de que bons profissionais - sejam eles quais forem - se caracterizam pela posse de uma visão coerente do mundo e por saberem articular saberes. São intelectuais, pessoas capazes de compreender o mundo em que vivem, traduzi-lo em termos compreensíveis para todos e organizá-lo tendo em vista uma ideia de comunidade política democrática.

Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp, é autor dos livros Em Defesa da Política (Senac, 2001) e Um Estado para a Sociedade Civil (Cortez, 2004)

Confusão à esquerda

Caetano Araújo*
DEU NO SITE DEBATER


Desde a falência repentina do socialismo real um estado de profunda epersistente confusão espalhou-se pelo campo da esquerda. As velhas receitasmorreram e as novas ainda não surgiram. A maior parte das reações a essasituação apóia-se em avaliações tímidas do processo, que se recusam a chegaràs últimas conseqüências dos fatos e resultam, normalmente, no uso obstinadode palavras de ordem obsoletas como escudo contra as evidências da novarealidade. Tudo isso mantém e amplia a confusão.

Vejo um exemplo ilustrativo dessa situação no artigo recente de José Dirceu,publicado na Folha de São Paulo em 17 de abril, em polêmica com artigoanterior de Alberto Goldman.

Que diz Dirceu? Em síntese, que o PT nunca defendeu o modelo político departido único, típico do socialismo real; que, pelo contrário, sempredefendeu a democracia; e, finalmente, que se mantém no horizonte dosocialismo. O PSDB, por sua vez, seria um partido neo-liberal, comprometidocom a manutenção do capitalismo, que teria deixado um legado de pobreza,privataria e supressão de direitos dos trabalhadores.

Vou deixar de lado, no momento, os pontos em que as declarações de Dirceuentram em guerra com os fatos, como o alegado empobrecimento da populaçãobrasileira no governo tucano, para discutir seu argumento central: apermanência do PT no horizonte do socialismo.

O argumento poderia ter algum sentido se o conceito de socialismo comoprojeto político, social e econômico fosse claro e inequívoco. Na verdade,ocorre o oposto: o conceito de socialismo hoje é ambíguo, incerto e abrigapropostas e estratégias amplamente diferenciadas.

Enquanto existiu fora dos livros o socialismo foi definido por duascaracterísticas, relacionadas de muitas maneiras entre si: o sistemapolítico de partido único e o controle estatal sobre os meios de produção,com a substituição do mercado pelo planejamento centralizado.

Pois bem, o sistema de partido único persiste em alguns países egressos dosocialismo real, como China, Vietnam, Coréia e Cuba. O controle estatalsobre os meios de produção teve sorte ainda pior. Desapareceu da China, doVietnam e encontra-se hoje em franca derrocada em Cuba.

Nesse caso, que significa o horizonte do socialismo afirmado no texto doDirceu? Operação do mercado sem freios sob a gerência do partido único? Não.

Dirceu reitera, como vimos, a rejeição do PT á experiência política da UniãoSoviética e demais países socialistas. A alternativa, por exclusão, pareceser: democracia política mais controle estatal dos meios de produção. Emoutras palavras, a expansão lenta, gradual e segura do Estado na esferaeconômica.

Se socialismo é isso, novos problemas aparecem. Em primeiro lugar, essesocialismo está na contramão de toda a história recente e sequer a criseeconômica atual permite perceber alguma pista para o retorno ao mundonão-globalizado. Em segundo lugar, embora essa leitura do texto de Dirceuseja coerente com o discurso da campanha petista de 2006, está longe derefletir as opções políticas do governo nos dois mandatos do PresidenteLula.

Admitamos, por hipótese: tucanos são privatistas e petistas são estatistas.Houve alguma re-estatização no governo Lula? Não, pelo contrário, o governoLula beneficiou-se claramente das privatizações feitas no período FernandoHenrique.

Como entender essa dissonância entre o dito e o feito? Na tradição daesquerda é comum o recurso ao argumento etapista. Nessa linha, as condiçõesobjetivas impediriam a execução de objetivos programáticos mais ambiciosos eseria preciso, por um tempo, permanecer restrito a metas mais modestas. Nolimite, o governo Lula seria visto como uma necessária etapa neo-liberal darevolução brasileira. É possível que alguns dos partidários do governo assimpensem.

Para aqueles que não aceitam esse argumento a alternativa é exigir, do PT edo governo, um ajuste de coerência. Há aqueles, que reivindicam o ajustepela prática: façam o que dizem! Há que estatizar, então estatizemos.

Outros, aqueles que, na minha opinião, extraíram todas as lições dodesmoronamento do socialismo real, justamente porque o acompanharam até atentativa final de auto-reforma, demandam o ajuste pelo discurso: Digam oque fazem! Assumam que estão no campo da democracia e do mercado; quesocialismo, nesse campo, só pode significar distribuição de propriedade erenda, como antes, mas também e cada vez mais de conhecimento, poder,deveres e responsabilidades; e que o instrumento para tal é o Estado, mas umEstado reformado, de novo tipo.

A partir dessas premissas podemos discutir a continuidade e a mudança entreo atual governo e o anterior; onde houve avanço e onde retrocesso; aconstrução do consenso sobre uma nova agenda da esquerda e a redução daconfusão. O resto são projetos de eleição e de poder, com os conhecidostemperos do salvacionismo e da demonização do adversário.

Caetano Araújo, professor do Departamento de Sociologia da UNB, Presidente da Fundação Astrojildo Pereira e Editor da revista Política Democrática.

Desânimo d'alma

Alfredo Sirkis
DEU EM O GLOBO


Dificilmente haverá mudança do sistema eleitoral do voto proporcional personalizado que está na raiz da cultura política vigente no Brasil e que, por sua vez, engendra esses hábitos e costumes que recorrentemente escandalizam a imprensa e a opinião pública bem pensante produzindo medidas "corretivas", essencialmente inócuas, e expondo à execração popular o vilão de turno.

É como a dança das cadeiras. A música para, alguém fica com as nádegas em riste e, logo, a música recomeça... Ah, o desânimo d"alma profundo que sinto quando vejo comentaristas políticos condenando, com indignação, a adoção completa ou parcial do voto proporcional por lista tal qual é praticado nesses países, certamente menos democráticos que nós, onde o eleitor é "tungado" pelos burocratas partidários... Pobres nações politicamente atrasadas como Espanha, Alemanha, Portugal...

Fala sério! - diria o imortal Bussunda. Surge na mídia um movimento conservacionista dessa espécie rara que é o voto proporcional à brasileira - qual a jabuticaba. Torna-se "politicamente correto" considerar uma ameaça à democracia representativa modalidades praticadas por países com costumes políticos e serviços públicos significativamente mais saudáveis.

Isso apesar dos recentes escândalos imobiliários do PP espanhol - o PSOE já teve os seus - e daquele famoso de financiamento eleitoral que expôs Helmut Kholl, um estadista, nos anos 90. Nenhum sistema eleitoral é isento de críticas e sempre haverá reclamações justas contra todos. No distrital puro, anglo-saxão, a tendência ao bipartidarismo e ao esmagamento das minorias, no proporcional por lista, la partidocracia que criticam os argentinos. A Itália parece ter experimentado vários com críticas a tuti quanti.

Penso, no entanto, que o nosso é pior. O sistema proporcional-jabuticaba faz da carreira individual do político a entidade soberana à qual tudo é devido. Torna afins todos os partidos a partir de certas dimensões porque condiciona sua performance eleitoral à capacidade de recrutar em massa, sem critério, o maior número possível de candidatos com algum tipo de clientela ou audiência preexistente. Obriga cada candidato a correr desesperadamente atrás de seu próprio financiamento de campanha. Faz do companheiro de partido seu principal rival a abater. Engendra políticos obcecados com a própria reeleição e, consequentemente, vorazes usuários de cargos comissionados, passagens, "espaços fisiológicos" em governos e, em muitos casos, caixinhas. Nossos governos ficam frágeis e necessitam barganhar com dezenas ou centenas de parlamentares, fisiológica e individualmente, para poder governar.

Esse sistema é caldo de cultura fértil à grande corrupção e, a médio prazo, uma ameaça à democracia. A cada eleição compram-se mais votos, mais candidatos elegem-se via centros assistenciais. Já o voto de opinião encolhe, regularmente, pelo desgosto da classe média com "os políticos", todos no mesmo saco. O voto proporcional por lista ou o voto distrital misto não liquidariam a corrupção nem seriam panaceia, mas tornariam as campanhas infinitamente mais baratas e simples de fiscalizar, dariam mais consistência programática aos partidos, tornariam inócuos os currais, centros assistenciais e outras formas de clientelismo, hoje generalizadas, tornariam os partidos responsáveis pelos atos do conjunto de seus quadros - quem vender lugar na lista ou lá escalar seus parentes verá o partido, como um todo, punido pelo eleitor. Abririam espaço no Legislativo a quadros parlamentares mais preparados tecnicamente que hoje não participam de eleições por carecerem de recursos, esquemas assistencialistas ou do poder de comunicação (quase sempre demagógico) que o púlpito do pastor, o microfone do radialista ou as chuteiras do craque propiciam. Permitiriam uma redução drástica dos cargos comissionados no Executivo e nas casas legislativas, viabilizariam governos mais estáveis e programáticos.

Mas nada disso deve acontecer. Os eleitos pelo voto proporcional-jabuticaba não irão serrar o galho sobre o qual estão sentados, e respeitáveis formadores de opinião vão ajudá-los: já decidiram que o voto proporcional por lista ou o distrital misto não passa de uma "tungada" no nosso direito de votar individualmente na figura, nobre ou abjeta, do "nosso" candidato erigido, bizarramente, em microcosmo da democracia.

Alfredo Sirkis é vereador (PV-Rio).

Ministérios de compromissos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


De 1985 aos dias de hoje, desde a implantação da Nova República com a eleição de Tancredo Neves, os dois partidos que mais ocuparam cargos de ministros foram PMDB (66) e PT (52), por razões distintas. O PMDB por estar permanentemente no poder, seja qual for o governo, e o PT por ter quebrado uma regra do nosso "presidencialismo de coalizão", que pressupõe o compartilhamento do poder com os aliados, e ocupar, principalmente devido ao primeiro governo Lula, uma média de 60% das pastas ministeriais.

Outra mudança de paradigma do governo Lula deu-se no movimento sindical. Ao longo da Nova República, apenas 11,5% dos ministros tinham algum vínculo com sindicatos de trabalhadores, e apenas 5,8% participaram de centrais de trabalhadores. No governo Lula, 27% de seus ministros eram vinculados a sindicatos de trabalhadores.

Em todo o período, a participação de não brancos no Ministério passou de 4,6% para 31,6%. Com as mulheres, os números também são positivos: passamos de 1,9% no governo Sarney para 13,2% no de Lula.

Esses dados fazem parte do trabalho "Os ministros da Nova República - Notas para entender a democratização do Poder Executivo", da professora Maria Celina D"Araujo, cientista política do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas (CPDoc/FGV), que destrincha o perfil dos ministros e secretários de Estado com status de ministro desde 1985.

É uma espécie de continuação da pesquisa sobre o perfil dos ocupantes dos cargos de Direção e Assessoramento (DAS 5 e 6) e de Natureza Especial (NES), no governo federal, na administração pública direta, que já revelara a tendência petista de controlar a máquina do Estado: 20% dos cargos mais altos do governo são ocupados por petistas, e 45% dos indicados são ligados à vida sindical.

Além da forte presença de sindicalistas no Ministério, o governo Lula se diferencia dos demais da Nova República pela participação de membros de centrais sindicais: chegaram a ser 21% do ministério do primeiro governo. O estudo destaca que, antes dele, apenas Collor havia nomeado um dirigente de central para o Ministério, Rogério Magri, da Central Geral dos Trabalhadores (CGT), na pasta do Trabalho.

A participação de representantes de organizações patronais no Ministério, no entanto, variou no período: os governos de Collor e de FH foram os únicos a ter mais de 20% dos ministros com essa extração associativa.

Inversamente, os governos Itamar e Lula foram os que menos representantes desse tipo tiveram. O trabalho, contudo, não assume a inferência de que esses números indicariam um caráter classista dos ministérios de cada governo, "uns mais vinculados ao patronato (Collor e FH) e o de Lula mais identificado com os trabalhadores, o que para muitos seria um indicador de conexão deste governo com políticas e ideologia de esquerda".

Maria Celina afirma apenas que "nossos dados apontam para a novidade da presença desse setor no governo, e não nos fornecem indicações para medir desempenho ou impacto ideológico".

E faz a ressalva de que, "mesmo prestigiando menos os empresários em postos de mando, os governos Lula não se colocaram em confronto com os empresários. Pelo contrário". Por exemplo, é no governo Lula que se registra uma maior presença de representantes do setor privado, no caso diretores de empresas, um total de 26%, enquanto FH ocupa o segundo lugar, com 17,8%.

Os dados da pesquisa apontam, certamente, "para um diferenciador, ou seja, um compromisso político inédito com os setores organizados dos trabalhadores" pelo governo Lula.

O estudo da FGV examinou quantos dos ministros haviam tido experiências políticas consideradas ilegais pelos governos militares, "um indicador importante para avaliar o grau de pacificação na política brasileira e sua capacidade de lidar com antigos oponentes perseguidos judicial e militarmente".

Os governos Sarney e Lula 1 foram os que mais reuniram esse tipo de militante, ao todo 10 e 18 ministros, respectivamente, e o trabalho considera perfeitamente normal que seja assim: "Com Sarney, chegava ao poder um partido, o PMDB, que sofrera perseguições graves em torno do qual se reuniu a esquerda no momento da transição. O PMDB era, nesse período, o mais expressivo canal da oposição, pois os demais partidos de esquerda, entre eles o PT, ainda eram emergentes".

Já com Lula, chega ao poder um grupo político de esquerda que, "a exemplo de toda a sociedade, beneficiou-se do regime democrático e conseguiu reunir e consolidar em torno de si pessoas mais identificadas com ideais socialistas e de outras tantas que no passado tiveram atuação expressiva em organizações clandestinas".

A pesquisa mostra ainda que a presença de antigos presos ou perseguidos políticos também é alta entre os DAS/NES, ao todo 64 de um total de 484, pouco mais de 13%. Para os ministros, esse percentual chega a 17%, sendo que a maior parte concentra-se nos governos Lula - 27 de um total de 55.

No estudo do resultado da pesquisa, a cientista política Maria Celina D"Araujo chega à conclusão de que "a esfera do Ministério, embora seja, por definição, o espaço da composição política do presidente com os partidos aliados no Congresso para dar sustentação a seu governo, não se reduz a isso".

Segundo ela, nessas composições "têm que ser levadas em conta outras variáveis igualmente relacionadas com os compromissos políticos do grupo vencedor". O Ministério tem se convertido, no decorrer do tempo, "em um espaço mais complexo de representação de interesses e de expressão da diversidade social". (Continua amanhã)

Pensando alto

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O senador Marco Maciel, sabe-se, não é homem dado a contundências.Trabalha na maciota, escolhendo sempre o gesto mais brando, o termo mais ameno.

Por isso, começa a articular o fim das medidas provisórias sem pronunciar a palavra "revogação" nem partir para uma ação categórica.

Prefere dizer que está "pensando alto" sobre a necessidade de se "repensar" o instituto da medida provisória, um instrumento típico de regimes parlamentaristas que no presidencialismo já deu o que tinha de dar (não fala desse modo assertivo, mas o recurso da tradução facilita a compreensão do argumento).

E deu em quê? Na opinião de Marco Maciel, basicamente na captura dos poderes do Parlamento. De legislar e, em consequência, também de fiscalizar e debater.

Ao funcionar referido no Executivo, o Legislativo, no raciocínio do senador, acaba se distanciando da agenda da sociedade, incorpora o desestímulo, tende à passividade e faz do Palácio do Planalto o protagonista quase absoluto da República.

A situação piorou bem, na opinião do senador Marco Maciel, a partir de 2001, quando da aprovação da Emenda 32, que alterou a sistemática das MPs. Desde então, passaram a trancar a pauta do Legislativo quando não votadas em determinado prazo.

Maciel acompanhou de perto aquela modificação. Era vice-presidente da República. Contrário à ideia, patrocinada pela base governista de Fernando Henrique Cardoso, que tinha, assim, a expectativa de que o Congresso, sob a ameaça da obstrução das votações, seria forçado a examinar as medidas.

Até então, eram editadas e reeditadas indefinidamente, vigorando pela força da inércia, sem que o Congresso deliberasse a respeito. Na prática, onde se pretendeu celeridade obteve-se paralisia e mais submissão.

De um lado o Executivo exacerbou no poder de editar MPs e, de outro, o Legislativo simplesmente abriu mão de vez da prerrogativa de examinar a constitucionalidade das medidas e devolver aquelas sem urgência ou relevância.

"Faltou a percepção correta da realidade."

Um retrato desta, Marco Maciel foi buscar antes de iniciar sua jornada. Pediu à Mesa do Senado um levantamento sobre a relação entre a quantidade de sessões deliberativas realizadas sob o império da pauta trancada e as ocorridas com a agenda livre.

Constatou o seguinte: o trancamento não apenas tem prevalecido, como tende a aumentar. Nos últimos três anos e meio, o porcentual de sessões deliberativas (sem contar as extraordinárias) com a pauta trancada nunca foi inferior a 65%.

Em 2005 o Senado teve 113 sessões, sendo que em 75 nada pôde votar; em 2006, do total de 83 sessões, em 58 a pauta esteve trancada; em 2007, a relação foi de 127 para 83; em 2008, das 115 sessões, 82 foram realizadas sob a preferência de MPs; em 2009, de fevereiro a maio houve 34 sessões deliberativas, 29 com a pauta trancada, o equivalente a 85%.

"A tendência de crescimento do trancamento da pauta é evidente, contribuindo fortemente para a percepção de que o Congresso não decide. Logo, também se fortalece o entendimento de que o Executivo precisa mesmo se valer do uso abusivo de medidas provisórias."

Fica, assim, estabelecida a confusão: o Congresso não decide por causa do abuso nas MPs e a ausência de decisão serve de pretexto para o excesso. E, qualquer modo, o Parlamento é quem paga o pato do desgaste.

Medidas como a adotada pelo presidente da Câmara, Michel Temer, de considerar o trancamento válido apenas para o exame de projetos de leis ordinárias, "amenizam, mas não resolvem".

A solução seria revogar?

"Bem, sim, mas talvez isso não tenha bom acolhimento no Executivo. Quem sabe não podemos pensar no uso da urgência constitucional acrescido de algum outro mecanismo?", pondera naquele jeito totalmente Marco Maciel de ser.

Contracorrente

O requerimento aprovado pela Comissão de Relações Exteriores do Senado, pedindo ao chanceler Celso Amorim que o Brasil retire seu apoio à candidatura do ministro da Cultura do Egito, Farouk Hosni, para a diretoria-geral da Unesco é a face pública de uma movimentação de bastidor envolvendo gente de alta patente.

Há, no governo e na oposição, inconformismo crescente com a decisão de apoiar Hosni - alvo de repúdio internacional por suas posições antissemitas - em detrimento do cientista brasileiro Márcio Barbosa, atual diretor adjunto da Unesco.

O vice-presidente José Alencar, cujo cargo o impede de manifestar-se oficialmente, dias atrás emprestou solidariedade a Márcio Barbosa em caráter pessoal, mas de maneira enfática.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi além: ofereceu-se para conversar a respeito com Bill e Hillary Clinton, ele ex-presidente, ela atual secretária de Estado dos EUA.

Não por coincidência, a Comissão de Relações Exteriores do Senado é presidida por Eduardo Azeredo, do PSDB.

Um susto nos peemedebistas

Edson Luiz e Izabelle Torres
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Atrás de material de propaganda eleitoral fora de época, agentes da Polícia Federal invadiram o Diretório do PMDB em Fortaleza, mas não encontraram nada. A reação do partido foi imediata

O Diretório do PMDB em Fortaleza foi alvo ontem de uma busca da Polícia Federal para apreender supostos materiais de campanha do deputado Eunício Oliveira (PMDB-CE). A ordem foi dada pelo Ministério Público no Ceará. O MP alegou que o parlamentar estava fazendo propaganda eleitoral fora do período permitido por lei. No entanto, não havia nada no diretório, mas o episódio causou um fato político que repercutiu mal entre os peemedebistas durante o dia. O próprio Eunício qualificou o fato como inexplicável. “Em plena democracia, a invasão a um partido político, sem indícios de que haja algo errado, é de deixar qualquer um chocado”, afirmou o parlamentar. A direção nacional do PMDB também reagiu, classificando a ação como descabida e alertou contra o que chamou de “tentativa de criminalizar a política no país”.

A busca foi ordenada pelo Ministério Público Eleitoral, mas a presença da PF no local deixou os peemedebistas descontentes, conforme ficou claro em uma nota, divulgada no fim da tarde pelo presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), o líder da legenda na Casa, Henrique Eduardo Alves (RN) e a presidente do partido, Íris Araújo. “O PMDB, por sua direção nacional, repudia a agressão perpetrada contra o Diretório Estadual do partido no Ceará, alvo de uma ação de busca e apreensão totalmente descabida, seja pela falta de motivos, seja pelo aparato de força utilizado”, diz o comunicado. Assim como Eunício, os deputados taxaram o ato como uma ação antidemocrática. “A imagem da sede de um partido político cercado pela Polícia Federal não se coaduna com a democracia em que vivemos”, acrescenta o comunicado.

Nas manifestações públicas, caciques do PMDB evitam criticar a atuação da Polícia Federal. Falam que a questão foi um caso isolado e regional. Mas, nos bastidores, a conversa foi diferente. Na interpretação de alguns dos integrantes da legenda, o ato pode ser considerado um recado do governo ao partido, que terá um papel decisivo durante a CPI da Petrobras. Esses políticos acreditam que a sede no Ceará foi escolhida porque guardava documentos com informações sobre figuras de visibilidade nacional do partido como o presidente da Câmara, Michel Temer (SP), e o líder da legenda no Senado, Renan Calheiros (AL). Durante todo o dia, lideranças peemedebistas trocaram telefonemas, dialogaram pessoalmente e decidiram por uma nota sem centralizar em um alvo.

Palestra

Apesar de em nenhum momento atacar a PF ou o Ministério Público, a nota do PMDB deixava claro a insatisfação da legenda contra a ação das duas corporações. Em defesa de Eunício, o diretório nacional do partido explicou que o deputado compareceu a uma reunião com vereadores de Fortaleza para fazer uma palestra, o que motivou a suspeita de que estaria antecipando a campanha eleitoral de 2010. Na versão do Ministério Público, o evento aconteceu com direito a camisas e bonés que faziam alusão à candidatura de Eunício ao Senado. Na versão do investigado, no entanto, o encontro aconteceu a portas fechadas e havia 21 vereadores de pequenos partidos, sendo que nenhum era peemedebista.

Sobre a participação na busca feita ao diretório, a Polícia Federal informou que apenas acompanhou o trabalho dos oficiais de justiça. “As buscas realizadas nesta sexta-feira (ontem) foram determinadas pela Justiça Federal do estado a pedido do Ministério Público Eleitoral, e contaram apenas com apoio policial da PF”, diz o comunicado, informando ainda, que não existe inquérito instaurado na superintendência regional do Ceará sobre antecipação de campanha do PMDB. “A Policia Federal esclarece, ainda, que só pode atuar em investigações eleitorais por determinação da Justiça Eleitoral”, ressalta a PF.

A carta do presidente

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Uma aragem que parece feitiçaria no tempo em que milagres por atacado são exibidos em vários canais de televisão passou por esta coluna nas últimas semanas. Para ficar nos dois exemplos mais próximos: o texto impecável de Mauro Santayana brindou os leitores na antológica rememoração da sua infância em Belo Horizonte, com a experiência indelével dos anos como interno em um pensionato para menores.

Pois, agora um novo espanto, no ineditismo da primeira e provavelmente única vez em que recebo por e-mail não um artigo, sem título, mas uma carta da autoria do ex-presidente da República, ex-governador do Maranhão e atual presidente do Senado, que preside as sessões do Congresso, senador José Sarney. E que chegou criando perplexidades. No JB, de que é colaborador semanal na página de Opinião, não se encontrou moldura adequada para acolher o texto do acadêmico. A Redação lavou as mãos enviando-me o texto. E que abaixo transcrevo:

"Constato com alegria que, cada vez mais, você continua inigualável na arte de escrever artigos. Sua atenção aos fatos e a profundidade e elegância de seu espírito crítico brindam-nos com essa mistura ao mesmo tempo saborosa e picante, que traz luz e perspectiva aos temas de interesse público de que trata, como o fez no seu texto de sábado, sobre a reforma política urgente e inviável.

Enquanto muitos reagiram com fúria descontrolada, você reexaminou com isenção o projeto de reestruturação do Senado, encomendado à Fundação Getúlio Vargas. Até sua ironia foi construtiva, na medida em que conseguiu perceber no projeto ‘um resultado acima das mais pessimistas expectativas’. Estou plenamente de acordo. Trata-se de um começo de conversa, ‘do reconhecimento da necessidade de tentar colocar um mínimo de ordem e funcionalidade na mixórdia do desperdício do dinheiro público’.

O empreguismo, no setor público, é vício que nos aflige desde a República Velha. E dele, infelizmente, ainda não conseguimos nos livrar. Estamos mal na fotografia, mas não estamos sós.

Está aí, como exemplo, o número de funcionários do governo federal. Só os da administração direta passaram de 200 mil para 220 mil, entre 2003 e 2008, sem contar com os das autarquias, das fundações e das empresas públicas. É razoável que a sociedade que se sacrifica para pagar seus impostos não queira continuar a bancar essa festa empregatícia do setor público.

Muita coisa se pode fazer para reduzir despesas. Veja que ao assumir a presidência do Senado, em fevereiro último, determinei um corte de 10% de todos os gastos na Casa e, posso assegurar, ela não funcionou pior por conta disso. É sinal de que devemos fazer ainda mais. E vamos fazer.

Concordo com você quando diz que é preciso estabelecer controles em toda parte, pois sem a existência deles torna-se natural ao longo do tempo, como você observou, que a burocracia imponha os seus cacoetes da multiplicação do pessoal e dos generosos reajustes de vencimentos. Não sei se o número qual será o número adequado de funcionários – entre servidores de carreira e terceirizados – que deve ter o Senado, nem como deverão estar distribuídos, e é exatamente isso o que esperamos da equipe do doutor Bianor Cavalcanti.
Artigos como o seu ajudam a levar o debate a bom termo. Usar a pena para a ofensa e extravasar a fúria e eventuais frustrações é fácil. Difícil é fazer como você, meu caro Villas-Bôas, que sempre soube trazer racionalidade e o bom-senso ao debate sobre a coisa pública".

Retomo a palavra. É pura e descarada hipocrisia a teórica ética de que as relações entre os jornalistas e as fontes não devem passar do formalismo de autômatos. Um dos mais prezados tesouros do repórter é a sua carteira de fontes, não apenas confiáveis mas de fácil acesso nas emergências. Nunca aceitei favores, de emprego às cobiçadas viagens internacionais antes da moda dos saques do dinheiro público pelos parlamentares. Mas cultivei as fontes que garantiam a exclusividade dos furos.

Para a moralização do Congresso basta a simples e inviável providência de convencer os parlamentares de que o Poder Legislativo foi transferido para Brasília, desde 21 de abril de 1960. E que as mordomias e vantagens são generosas, mas corretas: apartamento mobiliado, gabinete privativo com a penca de assessores e os 15 subsídios anuais para as férias, pagando as passagens. Quem quiser mais deve cavar um cargo no governo.

Reforma política!

Cesar Maia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A DIFICULDADE imposta ao eleitor por nosso sistema eleitoral impossibilita pensar em qualidade do voto. Um eleitor britânico vota para deputado em seu distrito e escolhe entre três alternativas (trabalhista, conservador, liberal-democrata). O eleitor norte-americano, entre duas (democratas e republicanos). O espanhol escolhe a lista e opta entre duas (PSOE e PP) e, regionalmente, mais uma. O eleitor alemão, na lista e nos distritos, escolhe entre cinco opções (CDU, SPD, PV, PLD e SDP).

No voto proporcional aberto no Brasil, numa eleição com 15 chapas para deputado, o eleitor escolhe entre 1.500 candidatos. Passam todos na telinha, nos panfletos, nos cartazes, nos carros de som. Dias depois, pouca gente lembra em quem votou. A representatividade nesse tipo de eleição é nenhuma.

Os deputados são "donos" de seus mandatos e podem "se lixar" à vontade. Com quase nula representatividade parlamentar, os partidos não podem ser orgânicos. São antípodas: a gestação do mandato e a integridade dos partidos.

O debate sobre reforma política tem duas preliminares: como facilitar a escolha do eleitor e como fortalecer a integridade política dos partidos. E deve-se garantir equidade aos partidos -governo ou oposição- na comunicação com o eleitor.

Os governos tem publicidade ilimitada, com enormes vantagens sobre à oposição. Com isso, mais de 90% dos candidatos à reeleição chegam ao segundo turno e mais de 85% ganham a eleição. A reforma deve incluir três pilares: facilitar o eleitor, fortalecer os partidos e dar equidade na comunicação entre governo e oposição.

Na experiência das democracias mais avançadas, a terceira questão se resolve com a proibição de os governos fazerem publicidade, exceção a suas empresas que estejam em mercado. Assim, o horário partidário gratuito seria efetivamente paritário e não seria burlado pela publicidade governamental. Quanto aos demais, teríamos dois caminhos: um, o da invenção (Tancredo: invenção aqui ou é jabuticaba ou é besteira) de um sistema novo; outro, o da adaptação dos sistemas existentes e comprovados.

A adaptação do sistema eleitoral seria entre três vetores ou variantes: o anglo-americano, de voto distrital puro; o espanhol, de voto em lista; o alemão, de voto (misto) distrital e de lista. As variantes seriam sobre os distritos: se uninominais, como o anglo-americano, ou plurinominais, como o espanhol em lista. O voto distrital puro encontraria uma resistência política: a desproporcionalidade contra SP, que o voto distrital corrigiria. De forma prática, há que caminhar para um tipo de combinação onde a lista estivesse presente. Ou... seria manter o eleitor confuso e os partidos difusos.

Coelhinhos, pelo Brasil

Mauro Chaves
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Apesar de serem muito bons os prognósticos médicos de recuperação da ministra e pré-candidata do presidente Lula à sua sucessão, o pavor de perder o poder federal na eleição presidencial de 2010, por falta de candidato viável, tem levado muitos aliados governistas ao anseio alucinado de um plano B, que seria a candidatura de Lula a um terceiro mandato, por meio de mudança constitucional estribada em plebiscito ou referendo popular. Os mais recentes defensores da tese são o senador e ex-presidente Fernando Collor e o deputado cassado Roberto Jefferson - cujos notórios perfis dispensam maiores comentários.

Por um simbolismo numerológico típico do "país da piada pronta" - expressão do inspirado macaco Simão -, o número de assinaturas que o deputado Jackson Barreto conseguiu para a proposta de emenda constitucional (PEC) que pretende apresentar na Câmara no fim deste mês, permitindo um terceiro mandato consecutivo para o presidente da República, governadores e prefeitos, é, precisamente, 171 - número do artigo do Código Penal que a bandidagem usa como qualificativo profissional.

A propósito, uma análise do texto desse artigo ilumina toda a circunstância da cena política brasileira contemporânea. Senão, vejamos: Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio... - não é, justamente, o que fazem os participantes da farra das passagens aéreas, em favor de si mesmos, de seus parentes e apaniguados, assim como os que se lambuzam de suas verbas indenizatórias, da mesma forma que os mensaleiros, sanguessugas, vampiros, aloprados e portadores de dólares na cueca se refestelaram de grana pública, em notório prejuízo alheio, que por acaso vem a ser um prejuízo causado a todo o povo brasileiro?

...induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento... - não é, justamente, o método de assegurar votos pela esmola do Bolsa-Família, sem porta de saída para a atividade produtiva, ou pelo sistema de cotas, que faz a implosão do esforço de aprendizagem e da promoção segundo o mérito, ou do aparelhamento (partidário, ideológico), que substitui a competência técnico-administrativa pela capacidade de articular estratagemas políticos de manutenção de postos na administração, a qualquer custo? Não parece que abundam meios fraudulentos - seja em sentido concreto ou figurado - na manutenção de índices recordistas de popularidade, enquanto princípios e valores profundos da sociedade vão sendo destroçados em ritmo galopante, em meio a uma complacência geral, lânguida e acovardada?

É verdade que o presidente Lula já negou, enfaticamente, a hipótese de um terceiro mandato, usando para isso, aliás, uma frase feliz (o que nem sempre lhe é habitual): "Não se brinca com democracia." E lá de Pequim, de novo, mandou recado repudiando especulações em torno de um terceiro mandato. O problema é que em nossa história política recente já houve quem surpreendesse com a brincadeira institucional antes desmentida. O general Castelo Branco, tendo virado presidente da República, repudiava a prorrogação do próprio mandato e dizia, com todas as ênfases: "Aos meus amigos peço, aos meus comandados ordeno: não me falem em prorrogação." Mas depois de muita insistência de seus áulicos, "docemente constrangido" (expressão antológica de Carlos Lacerda), Castelo sucumbiu à "exigência popular" de continuar presidente da República, para que não se interrompessem os "programas essenciais" de governo que apenas sua liderança, naquele momento, teria condições de sustentar.

A ministra Dilma tem razão quando diz que misturar candidatura com doença é de mau gosto. Só que não pode culpar a oposição por uma coisa nem por outra. Maus gostos à parte - e esses são frequentes em nosso cenário político -, toda a ansiedade da base governista, ante as incertezas de um projeto de continuidade no poder assentado na saúde problemática de uma só pessoa (mesmo com bons prognósticos de recuperação), decorre, fundamentalmente, de uma desastrada antecipação de campanha presidencial. Certamente a saúde de quem exerce importante função ministerial é de real interesse público. Incomparavelmente maior, no entanto, será o interesse pelas condições de saúde de quem tenha sido escalada para carregar o pesado fardo das ambições de continuidade no poder dos que nele se encastelaram com sede de desfrute insaciável.

Enquanto a ministra tem procurado dar informações sobre seu processo de tratamento com louvável transparência, seus aliados fazem declarações bombásticas sobre a confiança em sua recuperação e a firmeza de sua candidatura presidencial, mas, na surdina, inebriados de espasmos de insegurança, discutem a necessidade da montagem de um plano B de sucessão presidencial, para a própria sobrevivência político-eleitoral. É nesse clima de incerteza, em que muitos se sentem entrando numa terrível zona de risco de perda do poder, que retorna a ideia do terceiro mandato presidencial - sob o simbolismo numerológico do 171.

A aposta dos que, da base de apoio do governo, dizem pra fora que "o terceiro mandato é a Dilma", mas pra dentro acham que é Lula mesmo, é a de que o constrangimento presidencial já esteja passando por um processo de adoçamento. O argumento mais forte contra essa ideia, no entanto, é o que disse o presidente Lula quando indagado sobre o que faria ao encerrar seu segundo mandato: "Não vejo a hora de assar meus coelhinhos." Donde se conclui que a democracia brasileira pode ser salva pelos coelhinhos - não os tirados de uma cartola, mas os postos para assar numa patriótica churrasqueira.

Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor.

Para oposição, bônus é eleitoral

Cristiane Jungblut
DEU EM O GLOBO

"Tem de pagar sim, para que o servidor possa se empenhar e se desdobrar", diz diretor do Dnit

Aoposição chamou de "propina oficial" a criação de um bônus anual e especial para servidores do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) como forma de melhorar o desempenho do órgão e agilizar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o principal programa a embalar a pré-campanha da ministra Dilma Rousseff para 2010. O DEM e o PSDB questionaram a justificativa da criação do bônus, que será pago no ano eleitoral. Para o PSDB, o governo premia a má gestão ao anunciar que o benefício está sendo criado para agilizar o cumprimento das metas fixadas para o órgão. Dilma e o diretor-geral do Dnit, Luiz Antônio Pagot, defenderam o bônus, de até R$48,9 mil, e argumentaram que ele foi criado para estimular os funcionários insatisfeitos com a defasagem salarial.

Serão beneficiados 2.947 servidores ativos do quadro do Dnit, com impacto de R$55.960.400 no Orçamento de 2010. O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), disse que vai trabalhar pela rejeição do projeto.

- O governo está premiando a má-gestão, e isso é inacreditável. Vamos dar o bônus para ver se a pessoa trabalha, para ver se a gestão se torna eficiente. É dinheiro público! Na semana passada, uma alta autoridade do governo da área de transporte me disse que o melhor seria acabar com o Dnit. E o presidente os presenteia com um bônus? Talvez seja porque tem sido absolutamente incapaz de fazer o que tem que ser feito em matéria de logística - bombardeou Aníbal.

O presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), condenou a concessão do bônus em ano eleitoral:

- É uma propina oficial, institucionalizada. Qual é a justificativa? Premiar pela função, que é uma coisa estabelecida? E (bônus) estabelecido em ano eleitoral, o que é pior. É premiar a máquina que vai garantir a permanência do PT no poder.

Ao saber das declarações da ministra Dilma em defesa do bônus, afirmando que um engenheiro do Dnit não iria trabalhar por valores baixos, Rodrigo Maia rebateu:

- Aquele que fez concurso público para fiscalizar a obra tem que fiscalizar a obra. É obrigação dele como servidor. O que a ministra está dizendo é que é preciso oficializar um extra ou não tem (a fiscalização).

Servidor receberá até R$48,9 mil

O deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) considerou a concessão do bônus um absurdo:

- A imaginação do governo para criar gastos é uma coisa inacreditável. É uma desfaçatez! Criam bônus para cumprir metas que (já) têm que ser cumpridas. O conceito é o de gastos, e não mais o de eficiência, num governo que já deu aumentos salariais com impacto até 2012.

O artigo 3º do projeto enviado à Câmara mostra a intenção de premiar os responsáveis por agilizar obras, inclusive do PAC, definindo que o "conjunto de metas cujo cumprimento será avaliado para fins de concessão do bônus são as fixadas para o Dnit, para o período compreendido entre 1º de janeiro de 2009 e 30 de abril de 2010". Mas, em seguida, destaca que as metas poderão "abranger, no todo ou em parte, as metas estabelecidas para o Dnit a partir do PAC".

Diretor-geral do Dnit, Pagot defendeu o bônus e disse que os salários do pessoal técnico, principalmente de engenheiros, estão defasados. Ele justificou o valor maior do bônus, de R$48,9 mil, e negou conotação eleitoral.

- Tem que pagar, sim, para que o servidor possa se empenhar e se desdobrar. É uma carga de trabalho ensandecida. Vai acelerar a implantação das obras - disse Pagot.

O bônus anual poderá ter três valores: R$48,9 mil para cargos de nível superior; R$20,8 mil para cargos de nível intermediário; e R$6,4 mil para cargos de nível auxiliar. Segundo integrantes do governo, há dois temores: que os servidores não cumpram as metas e que outras categorias pressionem pelo benefício.

Seis anos depois, a culpa ainda é de FH

DEU EM O GLOBO

Governo Lula culpa antecessor por problemas em diferentes áreas

BRASÍLIA. O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso acabou há quase seis anos e meio, mas o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva insiste em atribuir-lhe, até hoje, qualquer mal que, aos olhos do petista, assole o país. Quando, em seus inúmeros discursos de improviso, Lula enumera as dificuldades pelas quais o país atravessa, seja nas áreas de desenvolvimento econômico, saúde, educação ou qualquer outro assunto, a culpa invariavelmente é repassada para seu antecessor.

Ao mesmo tempo em que é pródigo em críticas ao tucano, o presidente se esmera em elogios aos militares, por exemplo, e até mesmo a deputados que usavam livremente suas cotas de viagens para presentear parentes e eleitores com passeios inclusive para o exterior.

Candidata de Lula a substituí-lo em 2010, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, seguiu o mesmo tom e, ontem, ao falar da Petrobras, contestou a oposição, que afirma que a estatal é uma caixa-preta. De acordo com Dilma, se a empresa já teve esse problema, ele ocorreu entre 1997 e 2000, anos em que Fernando Henrique Cardoso estava na Presidência.

Logo no início do primeiro mandato, em 2003, os petistas cunharam uma expressão para se referir à gestão de FH: herança maldita. E Lula, apesar de não citar com tanta frequência a frase, faz questão de jogar nas costas de seu antecessor qualquer problema vivido pelo Brasil.

Anteontem, na Turquia, Lula disse que a pobreza no país é decorrência da mediocridade de outros governantes:

- A nossa pobreza se deve, muitas vezes, à mediocridade de quem nos governou durante tantos anos e não agiu com a grandeza com que um chefe de uma nação tem que agir - afirmou.

Animados com o exemplo do chefe, outros subordinados também exercitam as críticas a quem deixou o governo há mais de seis anos. Ontem, ao ter de explicar resultados negativos numa pesquisa do IBGE, Eliezer Pacheco, secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação, aproveitou para cutucar os tucanos.

- Os governos anteriores pouco valorizaram a educação profissional. Sempre houve um grande preconceito, temos uma tradição bacharelesca muito forte. O governo Lula eliminou aquela lei insensata que impedia a expansão da rede federal, o que nos levou a perder praticamente dois anos até que alterássemos a legislação, em 2005. Temos um programa de expansão que é muito ambicioso - disse Eliezer.

Expresso desorientado

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

O presidente Lula é um falador intempestivo e descontrolado. Não demonstra ter noção do peso das palavras proferidas por quem, provisoriamente, ocupa o cargo de presidente, não tem apreço pelo comedimento, se entrega a surtos de egolatria. Na Turquia, chamou de trambiqueiras empresas que o BNDES salvou. Acusou de medíocres os ex-governantes e não poupou nem Pedro II.

A viagem do presidente foi um expresso desorientado. Dedicou quase o mesmo tempo a parceiros de pesos diferentes em nossa relação comercial e econômica: com a Turquia, o Brasil teve um comércio de US$70 milhões em abril, com a Arábia Saudita, de US$270 milhões, enquanto que com a China, de US$3,2 bilhões. O volume tornou os chineses nossos maiores parceiros comerciais no mês, superando os americanos.

Publicamos aqui, no dia 25 de abril, que a viagem à China tinha sido encurtada de cinco para dois dias no momento errado, quando o país é cortejado pelo mundo inteiro e as relações com o Brasil estavam se adensando.

Mais um erro do Itamaraty, que não foram poucos, nessa viagem. Pelo relato de Deborah Berlinck, a primeira dama teve que improvisar um véu na Arábia Saudita. Não é dela a culpa, evidentemente. Para isso, existem os especialistas em protocolo. Os sauditas são muito mais radicais na repressão aos direitos da mulher que outros países islâmicos. Por ser a sede das duas cidades sagradas, Meca e Medina, na direção das quais os muçulmanos rezam diariamente e para as quais peregrinam, a Arábia Saudita sempre tentou ser a líder religiosa do mundo árabe. Quando se anda por Riad, é possível ver mulheres de rosto descoberto. Mas não são as sauditas, são as sírias, libanesas, palestinas com hábitos mais flexíveis. Mulheres sauditas não saem às ruas sozinhas, não dirigem carros, são confinadas em casa até serem entregues aos seus maridos, mediante pagamento de dote, são consideradas culpadas e condenadas a prisão e chibatadas caso sejam estupradas. Até recentemente, eram decapitadas caso se recusassem ao casamento arranjado pelo pai. Um horror sobre o qual se fala pouco, dada a dimensão das reservas de petróleo e dos laços estratégicos que a Arábia Saudita tem com os Estados Unidos.

O país é governado pela mesma família, Saud, do Rei Abdul Aziz, desde os anos 30 do século passado. Um dos estratagemas do rei para superar as rivalidades e unir as tribos foi casar-se com uma mulher de cada tribo e, com elas, ter 36 filhos homens que se sucederam no trono. Um pequeno briefing por parte do Itamaraty, obrigação nas viagens, ajudaria o presidente a não perguntar por que algumas mulheres cobrem o rosto e outras não. Também ajudaria Dona Marisa a não ter que improvisar um véu para ir ao palácio presidencial, onde, naturalmente, não se encontrou com homens, mas esteve em sala separada com as mulheres. O risco de não dar informações necessárias à comitiva é o de cometer gafes que podem arruinar uma viagem.

Na China, o resultado tão comemorado era, em parte, notícia velha, como a confirmação do já anunciado empréstimo de US$10 bilhões para a Petrobras. Assunto já líquido e certo há meses. Ao discursar por lá, de novo o presidente Lula mostrou possuir informações vencidas na área climática. Voltou a sustentar a tese de que quem deve ter metas de emissão de gases de efeito estufa são os países que mais emitiram no passado. Era uma forma de agradar ao país anfitrião, hoje o maior emissor. Lula errou na mensagem.

A China já está avançando rapidamente na tentativa de conversão da sua economia para redução das emissões de carbono, porque o crescimento sem preocupação ambiental, dos anos anteriores, provoca frequentes e penosos desastres ambientais. Disputar o direito de poluir podia até fazer sentido quando não se sabia todo o risco que o planeta corria. A teimosia do Itamaraty nessa posição pró-carbono só confirma que queremos chefiar o atraso, quando poderíamos, com todo o nosso patrimônio ambiental, ser parte da liderança das inovações inevitáveis.

Mas foi na Turquia que se ouviu o surto de impropriedades do presidente Lula. Para ele, todas as empresas que perderam com a alta do dólar são trambiqueiras e estavam especulando. Faltou explicar por que o BNDES as socorreu tão prontamente, virando sócio e emprestando dinheiro subsidiado para o resgate da Aracruz e da Votorantim Celulose e Papel; por que o Banco do Brasil emprestou para a Sadia logo no primeiro rombo; por que o Banco Central liberou reservas para que os bancos emprestassem para as empresas com dívidas no exterior. Trambique é golpe sujo. As empresas erraram, reconheceram o erro, anunciaram seus prejuízos e estão se reorganizando. Ou são trambiqueiras ou são empresas nas quais o governo pode pôr o dinheiro do contribuinte. O presidente precisa sanar essa contradição.

Na falação turca, Lula mandou os jornalistas viajarem mais. Os que cobrem a Presidência não fazem outra coisa nos últimos anos. O presidente está convencido de que é o único governante que tem grandeza. Até Pedro II, hoje com suas virtudes reconhecidas pelos republicanos, foi tratado com desprezo e atingido pelas farpas de Lula, o Grande. Seus impulsos, cada vez mais incontidos, mostram que qualquer minuto de seu mandato, além dos oito anos previstos em lei, seria excessivo.

Serra nega ter feito acordo com Aécio sobre 2010

De Buenos Aires
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), negou acordo com o colega de Minas Gerais, Aécio Neves, para que o mineiro seja seu vice na disputa pela Presidência em 2010.

"Não houve nada, nunca conversamos sobre esse assunto", afirmou Serra ao deixar ontem a Casa Rosada (sede do governo argentino), em Buenos Aires, onde se reuniu por uma hora e meia com a presidente Cristina Kirchner.

O tucano voltou a criticar a antecipação do calendário eleitoral. Disse estar "concentrado" em sua gestão e que a antecipação "não ajuda" a enfrentar a crise econômica. "Minha vontade política agora é governar bem São Paulo. No ano que vem nós vemos", disse Serra.

O governador afirmou que passará o final de semana em Buenos Aires para visitar amigos, como o economista Roberto Frenkel. Sobre o encontro com Cristina, disse que retribuía visita que a presidente argentina lhe fizera em março, em São Paulo.

"Foi uma conversa muito amena, reforçando a importância da união Brasil-Argentina. Temos uma relação muito boa."

O governo de Cristina enfrenta em 28 de junho uma eleição crucial, que vai renovar metade dos deputados e um terço do Senado. Com a popularidade em baixa desde o conflito com o setor rural, o governo joga suas cartas na votação, que foi adiantada em quatro meses.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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CASA NO CAMPO

Tavito e Zé Rodrix
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Arnaldo Jabor começa a rodar o seu Amarcord

Ubiratan Brasil
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Em A Suprema Felicidade, articulista retoma carreira de cineasta depois de 23 anos e relembra da fase poética do Rio

O burburinho toma conta do local, uma antiga sala de aula do colégio Sagrado Coração de Jesus, no Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro, adaptado como set de filmagem - técnicos preparam a câmera, cenógrafos limpam o cenário, microfones se espalham pelo local, mas Arnaldo Jabor parece indiferente à pequena confusão que o rodeia. "Cada cena tem um valor superlativo para mim, é como se um curta-metragem que se fechasse em si mesmo", comenta ele que, despido da condição de colunista, aquela que o tornou conhecido em todo o País, volta a seu ofício original: o de cineasta.

Desde a semana passada, Jabor comanda uma grande equipe para rodar A Suprema Felicidade, filme que marca seu retorno ao cinema depois de 23 anos, quando dirigiu Eu Sei que Vou Te Amar, em 1986, que valeu o prêmio de melhor atuação para Fernanda Torres. "Em 1991, fiz um trabalho de 45 minutos para a tevê francesa, Amor à Primeira Vista, e, em seguida, apenas dirigi comerciais."

A volta, portanto, é cercada de grande expectativa, preparada há dois anos, quando Jabor começou a rascunhar o roteiro. Acompanha a formação de um garoto, Paulinho, dos 8 aos 20 anos, dividido entre a família deprimida e a cidade alegre e florida. Trata-se do Rio de Janeiro do final dos anos 1950, um local ainda delicado e poético.

"A Suprema Felicidade tem um leve tom irônico", observa. "Os personagens buscam alegria e o filme nasceu de alguns artigos que escrevi para jornais como o Estado. São histórias da minha infância, mas não é totalmente biográfica - como dizia Fellini, a única objetividade que conheço é a subjetividade. Por isso, decidi falar sobre coisas que conheci. Aliás, esse será uma espécie Amarcord brasileiro. Penso como Proust: um detalhe irrelevante pode inspirar um épico. E a saga do irrelevante da classe média é muito forte."

Jabor é um entrevistado natural, absorvente. Pungentemente engraçado, mordaz e sagaz, discorre sobre tudo, desde jornalismo (adora), teatro (inspirador) e política (odeia), assuntos que habitualmente dominam suas colunas jornalísticas. "Como cronista, saí do ambiente corporativista do cinema para me transformar em alguém mais informado, treinado."

O meio, porém, ameaçava contaminá-lo ao dar um basta. "Quando resolvi filmar, há dois anos, estava cansado de lidar com política", explica. "Estava envenenado por figuras como Sarney, Collor, Renan Calheiros. Daí, aumentou minha vontade de voltar ao cinema, de retomar a ilusão de criar vidas e comandar destinos."

Mesmo longe de sua rotina (ele tirou férias de suas aparições na tevê e cancelou comentários no rádio, mantendo apenas a coluna semanal que publica no Caderno 2), Jabor não consegue fugir desse ambiente. Afinal, A Suprema Felicidade busca resgatar um tempo perdido, que parece longínquo diante de uma realidade apodrecida. "Será um filme colorido, mas com alma de preto e branco, um filme falado mas recheado das hesitações do cinema mudo."

Assim, Paulinho (que será vivido tanto por Michel Joelsas, astro mirim de O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, como por Jayme Matarazzo Neto) acompanha as alegrias e angústias dos pais , Sofia (Mariana Lima) e Marcos (Dan Stulbach), e sempre consolado pelos avós, vividos por Marco Nanini e Elke Maravilha. "Sofia é uma mulher apaixonada pelo marido, mas também reprimida", conta Mariana. "Com o tempo, ela é obrigada a sufocar seu desejo de liberdade, o que a torna uma mulher obcecada pela suspeita de traição de Marcos."

O tema instantaneamente faz lembrar das peças de Nelson Rodrigues, uma de suas predileções artísticas. "Não se trata de uma influência decisiva, mas, no roteiro, não resisti a colocar frases típicas do Nelson, como a minha casa era bela, tinha até lustre de cristal. Ou ainda: Papai. Era o ciúme em pessoa!. Adoro isso."

A falsa moral e castidade, tão criticadas pelo dramaturgo, também inspiram cenas de A Felicidade Suprema, especialmente nos divertidos momentos que reproduzem as aulas de Paulinho no colégio religioso. A figura castradora do padre, que impedia qualquer manifestação de desejo sexual dos alunos, recebe o formato de uma caricatura na interpretação de Jorge Loredo, comediante que tornou famoso o personagem Zé Bonitinho.

Jabor diverte-se com os atores no set. Detalhista, participa de todas as encenações, construindo com cada um o avançar da trama. "Meu papel nasceu do diálogo direto com ele", comenta Mariana Lima. "Observei muito seu temperamento, que serviu como melhor indicação do melhor caminho a seguir."

O grau de intimidade é importante, acredita o cineasta que, no set, evita elevar o tom da voz - trata a equipe por diminutivos, como Marianinha, Danzinho e Laurinho, quando se refere ao diretor de fotografia Lauro Escorel. A cumplicidade entre ambos, aliás, é antiga, remonta os anos 1970, quando criaram Toda Nudez Será Castigada. "Jabor é passional, mas busca controlar essas emoções", conta. "Nossa convivência é tão antiga que sei quando ele está feliz ou não com uma cena: basta um olhar, um balançar de cabeça."

Os momentos de espera entre as cenas, por exemplo, exasperam o diretor, que caminha sem parar pelo set, ruminando para si os minutos em que é privado de criar. "Eu me concentro em cada cena", conta. "Se pensar no conjunto, tenho arrepios de pavor. Sigo o conselho de um amigo, Miguel Faria Jr.: o filme tem de ser mais João Gilberto que Glauber Rocha, ou seja, não pode ser ostensivo, histérico, e sim minimalista, pois o conjunto é muito forte."

Com isso, ele retoma o clima levemente onírico de Tudo Bem, que considera seu melhor filme. Mas muito mais trabalhoso: durante as 11 semanas de filmagem, Jabor vai rodar em diversas locações do Rio ("Foi difícil encontrar locais preservados", conta o produtor João Ramalho Jr.) com um elenco de mais de 30 atores, entre principais e figurantes. Uma produção avaliada em mais de R$ 10 milhões, aliviada pela chegada do empresário Eike Batista como produtor. "Não terá meio-termo", anuncia Jabor. "Ou será um filme muito bom, ou uma merda."

Benedetti, o poeta suave e indignado

Mario Benedetti
Eric Nepomuceno
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Escritor uruguaio, autor de mais de 80 livros, deixa órfã uma legião de leitores

O domingo 17 de maio foi um dia de céu encapotado e rajadas de chuva e ventania em Montevidéu, que ele chamava de ?cidade de todos os ventos?. Se tivesse olhado pelas amplas janelas de seu apartamento na Avenida 18 de Julho, Mario Benedetti constataria uma vez mais que nesta época do ano Montevidéu é um mundo de terna melancolia.

Mas ele não saiu da cama. Passou o dia todo alternando o sono sossegado com períodos de um despertar calado, distante. Pelo fim da tarde sua respiração tranqüila foi se fazendo mais suave, mais suave, até que, quando faltavam cinco para as 6, parou de vez. Assim, dormitando na penumbra e sem nenhum olhar de despedida, foi-se embora esse poeta cálido e bondoso, tímido e cordial como corresponde aos uruguaios de velha estirpe. Um homem de resistência e compromisso permanente, num tempo em que isso já não significa quase nada. Continuou sendo o militante de sempre, contra ventos e marés. "As causas nas quais creio me dão impulso, e por defendê-las durmo tranquilo. Não me sinto derrotado em minhas crenças ideológicas e vou continuar lutando por elas. Sem êxito, já sei", dizia.

Se tivesse ficado por aqui até o dia 14 de setembro, cumpriria 89 anos. Não quis esperar. Na verdade, Mario começou a ir embora em abril de 2006, quando morreu Luz López, com quem foi casado durante 60 anos. Continuou escrevendo, mas a vida já não tinha graça. Dizia ele, nesses últimos tempos: Acontece a noite e estou sozinho/ a duras penas carrego meu próprio peso/ a morte levou o bom amor/ e já não sei para quem continuar vivendo.

Deixou desolada uma multidão de leitores, e, nos amigos, um vazio sem fim. "Que será de nós sem sua bondade inexplicável?", escreveu Eduardo Galeano. "Mario foi, sobretudo, um homem bom", assegura o poeta argentino Juan Gelman, outro companheiro de longas jornadas. Ao saber de sua morte, o espanhol Fran Sevilla disse: "Há dias que não deveriam amanhecer." A lista de amigos que amargam essa dor é enorme, se espalha pelos mapas, vai de pintores a músicos, de escritores a poetas, de jovens esperançosos a velhos lutadores das causas perdidas, ou quase, nesta América Latina. Em silêncio, abrumados pela própria dor, ficam milhões de leitores em todo o mundo. De certa forma, saber dessa amplidão de gente que se deixou embalar e acalentar pela sua poesia serve de consolo aos amigos. "Mario ocupava um lugar muito maior do que ele mesmo achava", diz um deles, o escritor português José Saramago.

Foram mais de 80 livros publicados ao longo de 63 anos. Alguns, como os romances La Tregua e Gracias por el Fuego, tiveram mais de cem edições. Escreveu contos, romances, ensaios, crítica literária e obras de teatro. Mas foi sua poesia que fez dele um dos latino-americanos mais lidos nos últimos muitos anos. Seus versos estão em camisetas, bolsas, cartões-postais, xícaras, cartazes, e foram transformados em canções cantadas por gerações. Muitos desses versos, copiados por milhares de jovens que fingiam uma autoria imaginada, venceram amores esquivos. Cada vez que alguém dizia a Mario que tinha conquistado o grande amor graças aos seus poemas roubados, ele sorria feliz.

Seu livro de estréia, La Víspera Indeleble, vendeu exatamente nove exemplares. Foi seu presente de casamento para Luz, em março de 1946. Dez anos e cinco livros mais tarde, publicou Poemas de la Oficina. E com esses poemas de escritório ganhou prestígio. Não foi nenhum êxito de vendas, mesmo porque a tiragem era de 500 exemplares. Mas ele se tornou conhecido. Naquela altura, fazia parte do mítico semanário Marcha, dirigido por Carlos Quijano, e integrava a mais importante geração literária de seu país, a de 1945, ao lado da poeta Idea Villariño e de um mestre absoluto, Juan Carlos Onetti.

Filho de um farmacêutico e de uma dona de casa, foi batizado seguindo a estranha tradição italiana de nomes longuíssimos: Mario Orlando Hamlet Hardy Brenno Benedetti. Tinha 4 anos quando a família saiu de Paso de Los Toros e foi para Montevidéu viver uma infância de privações, que se estenderam adolescência afora. Trabalhou como vendedor de peças de automóvel, depois foi taquígrafo, mensageiro, contador, gerente de imobiliária, jornalista e funcionário público, entre muitas outras atividades.

Em seus contos e romances, estendeu sempre um olhar solidário e compreensivo para a pequena classe média uruguaia - a aridez da vida dos burocratas, a rotina amarga de um cotidiano de pouco horizonte e sonhos restritos. Traçou as distâncias entre esperança e realidade, e seus personagens eram gente comum, encontrados nos mergulhos na alma humana que Mario soube fazer tão bem. Com o romance La Tregua, de 1960, chegou ao grande público. O livro teve 150 edições em 24 países. Cinco anos depois, com Gracias por el Fuego, veio a consagração definitiva entre os escritores latino-americanos da segunda metade do século 20.

Sua poesia assegurou a ele a legião de leitores que desde o domingo, 17 de maio, ficaram órfãos. Foram 36 livros, sem contar antologias e compilações, de poemas em linguagem simples, espontânea, coloquial, ele que foi o poeta dos sentimentos, das emoções e das idéias, versos vivos que eram como conversas numa varanda entardecida.

Sua vida foi a de um homem de esquerda, de compromisso com seu tempo e sua gente - um compromisso que custou perseguições e ameaças, exílio, desterro, as dores das separações e das perdas. Acreditava num outro mundo possível. Foi um suave indignado, um doce iracundo. Aliou sempre o rigor da palavra escrita - "como escritor, meu primeiro compromisso é com a literatura" - com sua visão de mundo: "Como cidadão, tudo que afeta o homem me diz respeito, e se o cidadão é escritor é natural que a preocupação política apareça em sua obra", dizia.

Galeano nos apresentou na Buenos Aires de 1973, onde eu morava e ele chegou exilado. Ao longo desses anos todos o mundo rodou e nós também, e nos encontramos em Lima e Madri, no México e em Havana, em Paris e em Manágua, e dele guardo a memória de um humor ingênuo e tímido, uma esperança tranqüila e permanente, um olhar límpido, guardo a certeza de ter sido amigo de um homem bom, generoso e solidário. O tempo e as distâncias diminuíram nosso convívio mas não nos afastaram jamais. E o que mais me dói agora é nunca ter dito a Mario quanto eu gostava dele.

Um de seus poemas dos últimos tempos pede: quando me enterrem/ por favor não se esqueçam/ da minha caneta. Na manhã da terça-feira, dia 19, Mario Benedetti foi enterrado em Montevidéu. Milhares de pessoas o acompanharam ao longo de 30 quarteirões, seu derradeiro passeio pela cidade. Nenhuma delas jamais esquecerá sua caneta, nem as palavras que escreveu.

''Todo esse assédio não é normal''

Luiz Carlos Merten
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Popular em Cannes, Vicent Cassel, de À Deriva, ainda estranha tanta euforia

Duas relativas decepções brasileiras aqui no 62º festival. Na quarta-feira à noite passou o filme de Eduardo Valente, No Meu Lugar, que ele, como diretor vitorioso na Cinéfondation, tinha direito de exibir no maior evento de cinema do mundo. A sala do 60ème, criada há dois anos para abrigar a programação especial do evento, estava quase completamente lotada para ver o filme.
A Claude Debussy lotou até o teto para ver À Deriva, de Heitor Dhalia, anteontem. O filme integra a programação da mostra Um Certain Regard. No final, foi um dos mais aplaudidos, até agora.

Vincent Cassel interpreta o pai, um escritor de origem francesa, que tem uma relação incestuosa com a filha no filme de Dhalia. Cassel subiu ao palco, disse que se chamava ?Vicente? e se definiu como ator franco-brasileiro. Ontem, não apenas ele, mas Débora Bloch, que faz sua mulher, Laura Neiva (a filha) e Cauã Raymond, mais o diretor Heitor Dhalia, conversaram com o repórter do Estado na praia do Hotel Carlton (a Orange). Estavam eufóricos com a recepção.

Débora faz sua estreia em Cannes, Cassel é figura carimbada no tapete vermelho, sozinho ou com a mulher, a top star Monica Bellucci. Mas ele sempre estranha esse circo. "Não é normal, esse assédio", Cassel diz e é verdade. Débora cita um diretor de teatro (Domingos Oliveira) - "O ator sempre agrega alguma coisa ao personagem." Após um casamento de 15 anos, ela se sente habilitada a interpretar essa mulher madura que enfrenta uma crise na relação. Cassel diz a mesma coisa de seu personagem, mas ela, para resumir tudo em poucas palavras, é de longe a melhor coisa que À Deriva tem para oferecer.

O filme é inspirado em episódios da vida do diretor - sua juventude na praia, a dissolução do casamento dos pais. Mas Dhalia faz a ressalva - "É um filme pessoal, não autobiográfico." É curioso que ele se sinta assim, porque o filme, embora visualmente belo, é menos intrigante, ou parece, como projeto de autor, menos ?pessoal? do que Nina e O Cheiro do Ralo, que eram muito diferentes. Muito? A violência que permeia as relações, a capacidade que os personagens têm de se agredir uns aos outros, não é tão diferente assim. Dhalia troca interiores pela natureza, a noite pelo dia, muda a embalagem, em suma, mas a essência...

O filme começa e termina com a imagem de Cassel e Laura Neiva (a filha) boiando no mar, com certeza para representar essas vidas à deriva. Pode-se fazer um paralelo com o filme de Valente.
No dele, as vidas estão em suspenso nessa casa que foi cenário de uma ação violenta. A casa é uma metáfora do País? "Nunca pensei nela dessa maneira, talvez uma metáfora do Rio, onde há uma proximidade muito grande, às vezes uma promiscuidade, entre a classe média e a favela."
Da sala da casa pode-se ver a favela e os personagens trafegam entre um espaço e outro numa trama que percorre vários tempos e multiplots. Esses últimos parecem um território do cineasta mexicano Alejandro González-Iñárritu, que Valente, como crítico, não parecia aprovar. Iñárritu usa o multiplot geralmente concluindo numa cena de impacto que atira o filme para cima e, em Babel, leva o público a uma reação entusiasmada, quase sempre aplaudindo. Valente tem a coragem de subverter esse final ?explosivo?.

Ele talvez pague um preço por isso. A reação um pouco desconcertada que No Meu Lugar provoca - vários tempos, mudanças fortes no comportamento dos personagens - pode ser decorrência de momentos que deixam a desejar, mas também puro estranhamento de um filme que não se oferece facilmente para o espectador. Valente sabe disso. "Desde que mostrei o filme no Festival de Tiradentes, algumas pessoas me dizem que só vendo de novo conseguiram entrar no tempo, no clima." O que o leva a concluir, como crítico, mais até do como autor: "Cannes é uma grande vitrine para mostrar o filme, mas o clima de correria não favorece a absorção."

Longa de Heitor Dhalia agrada à plateia em Cannes

Silvana Arantes
Enviada Especial a Cannes
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

Diretor do festival definiu filme brasileiro como "original"

O longa-metragem brasileiro "À Deriva", de Heitor Dhalia, foi intensamente aplaudido após sua exibição, anteontem, na mostra "Um Certo Olhar", no Festival de Cannes.

Thierry Frémaux, diretor-geral da 62ª edição do festival, anunciou "À Deriva" como "um belo filme de um jovem cineasta; extraordinariamente pessoal e original" e ressaltou a procedência "do Brasil, nação plena de energia e vitalidade".Os atores Débora Bloch e Vincent Cassel, que interpretam um casal em crise no longa, também saudaram o público. Em francês, Débora disse esperar que o filme tocasse a plateia assim como emocionou o elenco durante as filmagens.

Cassel se apresentou em português: "Sou Vicente Cassel, um ator franco-brasileiro". Depois, o ator afirmou em francês: "Falamos do renascimento do cinema brasileiro. Algo está acontecendo lá". Ele enfatizou seu prazer em ter feito "À Deriva", disse querer rodar mais filmes no Brasil e brincou: "Quero deixar a França de vez. Lá [no Brasil] é melhor".

Dhalia agradeceu aos presentes e aos produtores, incluindo a O2, de Fernando Meirelles. Dedicou a sessão à estreante Laura Neiva, que vive a protagonista. "À Deriva" segue as descobertas de Filipa, 14, diante de seu crescimento e das mudanças nas relações da família numa temporada na praia.

A premiação da mostra "Um Certo Olhar", cujo júri é presidido pelo cineasta italiano Paolo Sorrentino, ocorre hoje.

Morre, aos 61, o músico Zé Rodrix

Carlos Calado
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

Cantor e multi-instrumentista, compositor da clássica "Casa no Campo", sofreu um infarto na madrugada de ontem

Consagrado nos anos 70, com gravação de Elis e com o trio Sá, Rodrix e Guarabyra, carioca foi associado ao rock rural, mas tinha viés urbano

Compositor e cantor, Zé Rodrix, 61, morreu ontem, à 0h45, após ser internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo.

Segundo o Instituto Médico Legal, ele sofreu um infarto. Rodrix passou mal em casa e foi levado ao hospital.

Autor de canções como "Casa no Campo" (com Tavito) e "Soy Latino-Americano", o cantor e multi-instrumentista carioca foi ainda produtor, escritor, jornalista e publicitário.

No fim de 2008, Rodrix lançou, com os antigos parceiros Luiz Carlos Sá e Gutemberg Guarabyra, o CD "Amanhã". O reencontro do trio Sá, Rodrix e Guarabyra, dos anos 70, se deu no início desta década, quando eles lançaram o CD ao vivo "Outra Vez na Estrada" (2002) e voltaram a fazer shows.

Sempre associado ao rock rural (corrente que se confundia com o folk rock e tinha como expoente o trio Crosby, Stills & Nash), Rodrix era, na verdade, o músico mais urbano e roqueiro do trio com Sá e Guarabyra.

Após partir para a carreira-solo, Rodrix chegou a fazer shows e a gravar dois discos com a banda de rock Joelho de Porco, nos anos 80. Dela também fazia parte Tico Terpins, seu sócio no estúdio de gravação A Voz do Brasil, em São Paulo, onde se estabeleceu como requisitado autor de jingles e trilhas para publicidade.

Filho de um baiano mestre-de-banda, José Rodrigues Trindade (seu nome verdadeiro) nasceu no Rio. Em 1967, passou a integrar o grupo vocal Momento Quatro, que acompanhou a cantora Marília Medalha e Edu Lobo na apresentação de "Ponteio" (de Lobo e Capinan), canção vencedora do 3º Festival de MPB da TV Record.
Sua consagração como compositor veio com outro festival, em Juiz de Fora (MG), em 1971.

Vencedora da competição, sua canção "Casa no Campo" foi gravada por Elis Regina e se tornou sucesso em todo o país.

Em 1999, estreou como escritor com "Johaben: Diário de um Construtor do Templo" (Record), que revelou sua ligação com a maçonaria.

Um gigantesco quebra-cabeças, com Cervantes, Defoe, Sterne e Laclos, para compreender o processo ficcional

Luiz Costa Lima
Flávio Braga*
DEU NO JORNAL DO BRASIL / IDEIAS & LIVROS

O romance – gênero que conheceu o ápice no final do século 19, mas resiste à morte anunciada há, pelo menos, um século – completou 406 anos de existência, se consideramos a impressão de Dom Quixote como sua gênese. O controle do imaginário & a afirmação do romance, de Luiz Costa Lima, analisa as dificuldades para o gênero se firmar. Historiador da literatura, o autor acrescenta, com este ensaio, mais uma peça na montagem do gigantesco quebra-cabeças que é a compreensão do processo ficcional.

O livro se divide em dois blocos e é a reunião de ensaios escritos no correr de muitos anos sobre temas correlatos. O primeiro bloco, "Ambiência teórico-contextual do romance", dividido em cinco partes, retorna à épica renascentista e à contrarreforma, quando a luta pelo poder se acirrava entre religiosos de diversos matizes. Devemos lembrar que, na Idade Média, a Igreja chegou a proibir a leitura da Bíblia, por entrar em choque com seus interesses políticos. Costa Lima descreve, nessa linha de ação, o expurgo que o Decameron, de Boccaccio, sofreu, de todas as referências picantes a frades e papas.

Os paradigmáticos

A segunda parte do livro, "Alguns romances paradigmáticos", analisa quatro obras máximas da literatura. A primeira delas é aquela que acima anotamos como inaugural do gênero: o Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Interessante observar que muitos críticos resistem a considerar as aventuras do Cavaleiro da Triste Figura como um romance. Julgam-no uma paródia ou uma fábula, sem ser uma novela, porque o próprio Cervantes publicou volume desse gênero com outro resultado. Mas Costa Lima afirma: "O Quijote é o primeiro romance moderno, sendo os produtos franceses e ingleses posteriores menos seus descendentes literais do que o produto da interação da narrativa cervantina com as problemáticas sócio-históricas específicas daqueles países".

A análise segue apresentando aspectos da obra, que surge como uma crítica burlesca aos romances de cavalaria, formato literário em decadência quando do lançamento do Dom Quixote. Então, por que Cervantes escolheu um herói (ou anti-herói) dessa natureza? Citando Bakhtin, Costa Lima argumenta que a picaresca espanhola e dois personagens, o cavalheiro Quixote, um monomaníaco, e Sancho Pança, um pobre lavrador oportunista, deram ao autor os elementos certos para circular pela vida espanhola de então, "com suas estalagens, muleteiros, quadrilheiros e até com sua elite faustosa de duques, que se deliciavam em ludibriar o Quixote".

As opções ficcionais de Cervantes, por sua postura de paródia, também se tornam uma defesa contra o controle e a censura, a tal ponto que a própria crítica literária é enfocada no discurso de um cônego. Este tenta ajudar o Quixote a escapar de sua monomania. É densa a dissertação de Costa Lima sobre o incrível e "milagroso" (na expressão de José Saramago) Dom Quixote.

As revelações contidas em outro dos romances nos fazem pensar na variedade do impulso ficcional e em suas relações com a realidade. O escolhido é Moll Flanders, de Daniel Dafoe, inglês do século 17 que compunha romances sem o admitir.

Se o espanhol de Saavedra intencionalmente deformava seus tipos, Defoe os definia como autênticos, e não personagens inventados. Costa Lima nos informa que as primeiras edições de Robinson Crusoé, sobre o mais famoso náufrago de todas as literaturas, eram publicadas como relato verdadeiro. A razão seria a recepção melhor do que fosse considerado experiência real e também pela inclinação calvinista do autor.
Exercício lúdico

Costa Lima traça uma acurada trajetória literária de Defoe, antes de chegar ao Moll Flanders. Acentua que é um romance que, finalmente, rompe, dentro da obra do autor, com o vínculo religioso e se entrega a um exercício lúdico, como o fizeram Villon, Rabeslais e, num mergulho inverso no tempo, Petrônio, com o Satyricon.

As relações perigosas, terceiro livro escolhido para análise por Costa Lima, é mais conhecido por suas adaptações cinematográficas, e é a única obra de Chordelos de Laclos, espécie de novo aristocrata do período. O romance é epistolar, narrado por cartas que descrevem os costumes libertinos da elite do período. Costa Lima identifica influências de Rousseau na forma como Laclos descreve o comportamento das mulheres, entendendo a submissão feminina como a dos escravos ao senhor. Durante a restauração, o romance é proibido, "demonstrando que o mecanismo de controle não havia mudado de face".

Laurence Sterne, autor de Tristram Shandy, último romance analisado, é, frequentemente, apontado como grande influência ao nosso maior romancista, Machado de Assis. Sua dimensão é aclamada por Costa Lima citando Gorham Davis, que se referiu assim acerca de Sterne: "No romance inglês dos próximos 150 anos, suas descobertas desapareceram da consciência de seus sucessores". Costa Lima ressalta o "narrador intrometido" do romance, e aqui lembramos Machado de Assis imediatamente, para acentuar que ao "se intrometer nos assuntos de seus personagens, o narrador o faz de tal maneira que incrementa a presença da paródia, seja dos pressupostos da ação, seja da própria narrativa". No correr da crítica, Costa Lima analisa o frequente paralelo que se estabelece entre as ideias do pensador Locke e a prosa de Sterne: Tristram Shandy visto como um ilustrador cômico das ideias do filósofo inglês, idealizador do liberalismo e do empirismo.

No Prosa: os frutos renovados de Lygia Fagundes Telles

DEU EM O GLOBO / PROSA & VERSO

A capa do Prosa & Verso deste sábado é sobre Lygia Fagundes Telles que, aos 86 anos, mudou-se para uma nova casa editorial - transferiu-se no ano passado da Rocco para a Companhia das Letras - e tem toda a sua obra reeditada, como se fossem "frutos renovados", como disse em entrevista a Márcia Abos, em São Paulo. Os três primeiros livros recém-lançados do conjunto são: "As meninas", "Antes do baile verde" e "Invenção e memória". O colunista José Castello escreve sobre a força da prosa de Lygia, que comenta, na entrevista, como se sente tendo sua obra com nova roupagem, acréscimos e posfácios inéditos. As capas são ilustradas pela artista plástica Beatriz Milhazes.

Ainda na edição, Élvia Bezerra resenha "Nise da Silveira - Coleção Encontros" (Azougue); Mariana Ianelli escreve a respeito de "Passageira em trânsito" (Record), de Marina Colasanti; Flávia Lins e Silva sobre "O menino de Burma" (Record, tradução de Heloisa Mourão), do nigeriano Biyi Bandele; e José Marcelo Zacchi sobre "Futuros imaginados" (Peirópolis, tradução colaborativa), de Richard Barbrook. Na contracapa, a correspondente em Moscou, Vivian Oswald, faz matéria sobre a celebração, em toda a Rússia, dos 200 anos de Nikolai Gogol.