sexta-feira, 15 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

PEC das Drogas traz retrocesso para segurança

O Globo

Texto do Senado incentiva o encarceramento, que fornece mão de obra para facções nos presídios

Prepara-se no Congresso um enorme retrocesso para enfrentar um problema que merece ser tratado com maturidade, não com preconceito e demagogia. A Proposta de Emenda à Constituição conhecida como PEC das Drogas, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, é um equívoco. Para a saúde e para a segurança pública. Primeiro, porque vai contra todo o conhecimento acumulado sobre como tratar dependentes. Segundo, porque é um incentivo ao encarceramento em massa, problema que a Lei Antidrogas de 2006 tentou resolver, embora tenha ficado no meio do caminho.

A PEC piora uma legislação já ruim e pretende gravar o erro no artigo 5º da Constituição. A proposta considera crime a posse e o porte de qualquer quantidade de droga, “observada a distinção entre o traficante e o usuário pelas circunstâncias fáticas do caso concreto”. Ora, a legislação atual também foi aprovada com o objetivo de não prender usuários, mas fracassou ao não estabelecer critérios para isso, gerando um vácuo jurídico hoje em debate no Supremo Tribunal Federal (STF).

Sem parâmetros objetivos, as “circunstâncias fáticas” sempre dependerão da interpretação de cada policial ou juiz. Pelo que a realidade mostra, jovens, negros e pobres costumam ser tratados como traficantes e presos, mesmo que flagrados com pequenas quantidades — ao contrário daqueles noutra condição socioeconômica.

O resultado são as cadeias abarrotadas com gente que não deveria estar lá. Dos 650 mil presos no Brasil, 28% foram encarcerados com base na Lei Antidrogas, a maior parte portando pequenas quantidades. Uma pesquisa do Ipea mostrou que, se houvesse limite de 25 gramas para consumo pessoal, 27% dos condenados por porte de maconha poderiam sair da cadeia. Se o limite fosse de 150 gramas, seriam 59%.

Fernando Gabeira - O enigma das pesquisas

O Estado de S. Paulo

Impressão do governo será dominantemente construída nas redes, e, como há supremacia de oposição, transformar o quadro depende muito também da luta no mundo virtual

As recentes pesquisas que indicam uma queda de prestígio do governo são de difícil interpretação. Evidentemente, cada um tem uma série de motivos para indicar como suspeitos. Mas não há nada em que se possa apoiar de forma conclusiva.

Os indicadores da economia são considerados positivos. Pessoalmente, suspeito de que o preço dos alimentos tenha um pequeno papel, sobretudo na população de baixa renda. Há alguns meses que chamo a atenção para o enlace de dois fenômenos: o El Niño e o aquecimento global. Eles devem ter sido responsáveis pelo aumento do preço de hortigranjeiros e de frutas. Posso constatar isso na feira semanal: a compra que me custava R$ 90 no ano passado custa, agora, R$ 140. Ouço muitas vezes reclamações sobre os preços, sobretudo o da banana.

Apesar dessa constatação empírica, os números não autorizam supervalorizar o aumento do preço dos alimentos. Com tudo o que aconteceu este ano, a inflação de fevereiro, de 0,83%, é praticamente igual à de fevereiro do ano passado (0,84%).

Vera Magalhães - Faltam novas marcas ao governo Lula 3

O Globo

PAC, Minha Casa, Minha Vida, Prouni e Mais Médicos soam como sânscrito para boa parte do eleitorado

Um dos pontos cruciais para a DR — sigla para a “discussão da relação” comum ao léxico dos casais em crise — em que forçosamente se transformará a reunião ministerial da próxima segunda-feira deverá ser a completa ausência de marcas fortes do governo Lula 3. Não é por falta de temas que possam se transformar nessas pautas, mas pela desconexão entre as maiores preocupações do presidente e de boa parte do primeiro escalão e essas possíveis bandeiras.

A mais evidente é a economia verde, com todo o seu enorme potencial de gerar investimentos bilionários e a visibilidade global que parece ser tão almejada por Lula. Passou da hora de o governo eleito com a promessa de mudar o desmonte e a destruição promovidos e defendidos por Jair Bolsonaro na área ambiental apresentar um projeto grande, ambicioso e transversal para as diversas áreas abrangidas pela agenda da sustentabilidade, a começar das muitas oportunidades de geração de recursos de fato volumosos na área de energia.

César Felício - Economia não garante Lula nas pesquisas

Valor Econômico

Cenário internacional sugere que há muito vento soprando as brasas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é o principal culpado da evidente queda de popularidade sua e do governo, atestada por todas as pesquisas de opinião realizadas nas últimas três semanas. Esta conta não é dele, o que agrava a sua situação, porque talvez não esteja em suas mãos mudar o curso dos acontecimentos.

As pesquisas Genial/Quaest, Ipec e Datafolha foram realizadas depois de 25 de fevereiro, data da manifestação que teve o ex-presidente Jair Bolsonaro no palanque da avenida Paulista. O bolsonarismo mostrou-se eficiente em reengajar a sua base, em especial e acima de tudo entre os evangélicos. Frases infelizes de Lula contribuíram com o resultado, mas que não se tire o mérito da oposição em produzi-lo.

Luiz Carlos Azedo - Radicalização e guerra de posições nas eleições municipais

Correio Braziliense

Desde o restabelecimento das eleições diretas para a Prefeitura de São Paulo, repete-se um padrão de disputa entre forças de centro-direita e centro-esquerda do tipo Nunes e Boulos

A professora aposentada da USP e pesquisadora do Cebrap Maria Hermínia Tavares, em seu artigo na Folha de S. Paulo, nesta quinta-feira, confrontou a tese de que o realinhamento político das forças de centro-direita em torno da liderança do ex-presidente Jair Bolsonaro, apontado pelas pesquisas de opinião, deve ser encarado “pelas embaçadas lentes da polarização política”. Segundo ela, essa ideia serve antes para confundir do que para esclarecer.

Maria Hermínia afirma que a tese falha quando avalia que a ampla coalizão que sustenta o governo Lula e a radical oposição “aprisionaram os brasileiros em dois polos irredutíveis”. Além de argumentar que a presença de políticos de centro, como José Múcio Monteiro (PRD-PE) e André Fufuca (PP-AM), dá um caráter moderado ao governo Lula, cita o exemplo das eleições para a Prefeitura de São Paulo para fugir aos esquemas de análise que crava a chamada “calcificação” da polarização política.

Eliane Cantanhede - De culpas e culpados

O Estado de S. Paulo

Lula quer intervir em preços de alimentos, como na Petrobras e na Vale?

Depois do mergulho nas pesquisas da semana passada, o Planalto enfim pescou a culpada pela queda da popularidade do presidente Lula: a inflação, particularmente dos alimentos. Assim, Lula se reuniu ontem com ministros e assessores ligados à questão, já preparando o script para as desculpas, broncas e anúncios da reunião ministerial da próxima segunda-feira. Mas será que é só isso? A inflação?

Ninguém gosta de comida mais cara e os segmentos que tiveram mais peso nos resultados preocupantes para Lula e o governo foram o Nordeste, sempre solidamente simpático ao PT, e as mulheres, que apoiaram majoritariamente Lula na eleição de 2022. O curioso é que, de acordo com o Instituto Fome Zero, os brasileiros com fome caíram de 33 milhões para 20 milhões. A comida está mais cara, mas os mais pobres estão comendo mais por causa dos programas sociais?

Maria Cristina Fernandes - A década do investimento empoçado

Valor Econômico

Dez anos depois de deflagrada a operação Lava Jato, os investimentos em infraestrutura custam a deslanchar e o aperto fiscal volta a pressionar o plano estratégico da Petrobras

O PAC, maior programa de investimentos do governo federal, está estimado em R$ 61 bilhões em 2024, enquanto as emendas parlamentares somarão R$ 53 bilhões. Esta “paridade de armas” não é o único, mas é um balanço possível da Lava Jato.

As sucessivas crises políticas nesses dez anos desde o início da operação permitiram ao Legislativo emparedar o presidente de plantão e dele arrancar a impositividade, primeiro para as emendas individuais (2015) e depois para as de bancada (2020).

Saem as grandes empreiteiras e entram empresas menores que oferecem seu CNPJ para o repasse dos recursos das emendas, sem transparência e sem constrangimentos licitatórios. Trata-se de um novo “modelo de negócios” que a procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo Élida Graziane vê como a principal consequência da pulverização dos investimentos públicos nas emendas parlamentares.

José de Souza Martins* - Universidade entre a cor e o saber

Valor Econômico

O uso do retrato fotográfico como prova de identidade, primeira referência para confirmar a cor na matrícula, tem origem suspeitíssima

Terminados os vestibulares, especialmente nas universidades públicas, e conhecidos os resultados, os que alegaram diferença racial ou social para lograr preferência na ocupação das vagas a eles reservadas foram às matrículas. Chegara o momento de apresentar a prova da diferença.

Quem se declarou preto e o é à luz da mera verificação visual não teve dificuldade para ter sua declaração confirmada. Não surgiram problemas com os brancos. Se originários de escola pública também têm sua cota de favorecimento, no pressuposto falso de que preto é pobre e branco é rico, de que escola pública é de pobre e escola particular é de rico. Um jogo de suposições sem fundamento objetivo.

Bernardo Mello Franco – Com a palavra, as famílias

O Globo

Victoria Grabois é filha, irmã e viúva de desaparecidos políticos. Teve a família dizimada pela ditadura na repressão à Guerrilha do Araguaia. Depois da Anistia, embrenhou-se na selva para tentar localizar o paradeiro dos corpos. Não conseguiu, mas ajudou a fundar o Grupo Tortura Nunca Mais, referência na defesa dos direitos humanos.

No início da semana, a professora se indignou ao saber que o presidente vetou um ato que lembraria os 60 anos do golpe de 1964. “Lula tem medo dos militares. Sua declaração de que não quer ‘remoer o passado’ foi um acinte com os parentes das vítimas”, protesta.

Ivo Herzog é filho do jornalista Vladimir Herzog, morto na tortura. Depois de assassinar seu pai, o regime mentiu que ele teria cometido suicídio. O caso virou símbolo dos crimes da ditadura. Mesmo assim, a família teve que esperar 38 anos até receber um atestado de óbito corrigido.

Hélio Schwartsman - Dilemas lógicos

Folha de S. Paulo

Se STF agisse com coerência na discussão das drogas, entraria em rota de colisão com o Legislativo

Num mundo em que a lógica fosse a marca do STF, uma crise entre Poderes já estaria contratada.

O Supremo está a um voto de formar maioria para declarar inconstitucional o artigo 28 da Lei Antidrogas.

O referido artigo determina as penas para a posse de entorpecentes para uso próprio. Espera-se também que a corte estabeleça marcos objetivos para distinguir usuários de traficantes.

Marcos Augusto Gonçalves - Lula barra divisionismo após Paulista e pesquisas

Folha de S. Paulo

Com mal-estar político, presidente veta ato anti-64, não quer cassação de Moro e critica pauta de costumes do STF

Nos últimos dias, o presidente Lula movimentou-se para conter a onda pró-cassação de Sergio Moro e evitar um ato planejado pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, para marcar os 60 anos do golpe de 1964. Também criticou a pauta de "costumes" do STF... Por que será?

Uma das evidências das recentes pesquisas do Quaest Ipec é que, com queda de aprovação e alta de reprovação do governo, a divisão política voltou a se aproximar do padrão polarizado do passado recente. O país tem, de fato, assistido a uma elevação geral do tom na cena pública.

Além das apostas na divisão, do próprio Lula, no caso do Holocausto, e da cruzada revanchista contra Moro e a Lava Jato, as novas revelações sobre a trama golpista de 8/1 provocaram certa histeria nas duas pontas do espectro ideológico. Debates sobre aborto e drogas no STF também colaboram para acender a base da direita, com reflexos no Congresso —não fui eu quem o disse.

Vinicius Torres Freire - Lula e o preço da comida

Folha de S. Paulo

Governo estuda medidas para baratear alimentos, mas problema pode estar em outro lugar

O presidente da República e ministros fizeram questão de dizer nesta quinta-feira (14) que vão tomar providências a fim de diminuir o preço da comida. Tudo bem. Vai ser bom se aparecerem com medidas inteligentes e práticas.

É política básica, quando não necessária, demonstrar que o governo se ocupa de um assunto obviamente importante e que, talvez, seja um motivo da queda de popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo que menor.

Difícil é cravar que as altas de preços do final do ano até agora sejam o motivo da piora do prestígio de Lula. Difícil também fazer algo prestante no curto prazo.

André Roncaglia* - A mão pesada do Estado é do que a Petrobras precisa agora

Folha de S. Paulo

Priorização do acionista minoritário não é cláusula pétrea da governança corporativa

Petrobras está sob nova gestão e o mercado financeiro luta para manter sua "vaca leiteira". A decisão do Conselho de Administração da empresa de reter lucros excedentes à regra de distribuição de dividendos não tem nada de voluntarista; ao contrário, busca resgatar a capacidade de planejamento da maior empresa do Brasil.

São constrangedoras, portanto, as piruetas retóricas de comentaristas na imprensa defendendo a primazia do acionista minoritário, como se fosse uma cláusula pétrea da governança corporativa. A banda não toca mais assim... no mundo!

A governança corporativa focada no extrativismo de curto prazo (resultados trimestrais) fragilizou as economias de mercado ao encurtar o horizonte de planejamento das empresas.

Segundo William Lazonick (University of Massachusetts Lowell), tal modelo produziu concentração de riqueza, desvirtuação da gestão corporativa, aumento da insegurança operacional –como o pavoroso caso da Boeing–, atrofia do ímpeto inovativo e esmagamento da classe média, a qual perdeu os bons empregos de colarinho azul para a insaciável cultura de corte de custos.

Flávia Oliveira - Promessa de vida

O Globo

Foi a educação que nos puxou para baixo no ranking do indicador global que mistura renda, longevidade e escolaridade

O Relatório do Desenvolvimento Humano, divulgado nesta semana pelo Pnud, agência da ONU, ratificou a tragédia que o Brasil já conhecia. Foi a educação que nos puxou para baixo no ranking do indicador global que mistura renda, longevidade e escolaridade. Após quatro anos de vaivém de ministros, ataques a educadores, demolição de políticas públicas, aprendizagem diminuiu, evasão aumentou. O país que, outro dia, festejava a volta ao top ten do PIB mundial entrou em 2023 com a expectativa de anos de estudo das crianças apontando para baixo. De que vale enriquecer sem prosperar?

Na mesma semana em que a ONU lançou o documento sobre condições de vida em 193 países, Fundação Roberto Marinho e Itaú Educação e Trabalho tornaram pública a pesquisa “Juventudes fora da escola”. Realizado ao longo de 2023, o levantamento dá pistas valiosas sobre o que passa pela cabeça de moças e rapazes de 15 a 29 anos que não completaram o ensino básico e estão fora da escola.

Rogério Furquim Werneck - Discurso torto, sinais errados

O Globo

A ingerência política que o Planalto vem tentando fazer na Vale e na Petrobras exacerba incertezas na economia

Há boas razões para festejar o crescimento de 2,9% da economia no ano passado. Mas tal desempenho encerra uma fragilidade preocupante. O investimento agregado — a formação bruta de capital fixo — desabou 3% em 2023. O país investiu só 16,5% do PIB no ano passado.

Mobilizado com as eleições municipais e a cada dia mais fixado no projeto da reeleição, o governo deveria estar empenhado em reverter essa queda do investimento e transformar a formação de capital no motor da expansão da economia.

Não é o que se tem visto. De um lado, o governo optou por uma expansão desmesurada de gastos, que dará lugar a um salto de mais de 10 pontos percentuais na dívida pública como proporção do PIB. E condenará a economia a ter de continuar a conviver com taxas reais de juros muito altas, que comprometerão boa parte das oportunidades de investimento com que conta o país.

Poesia | A palavra mágica, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Teresa Cristina - Com a perna no mundo (Gonzaguinha)