sexta-feira, 15 de julho de 2022

Vera Magalhães - O vexame das Forças Armadas

O Globo

O script em que o capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro enredou as Forças Armadas vai adquirindo ares de vexame histórico à medida que generais embarcam sem pudor na narrativa da suscetibilidade do sistema eleitoral a fraudes, algo já refutado por dados, fatos e auditorias de diferentes órgãos.

O capítulo desta quinta-feira foi um dos mais gritantes desse papelão. E em nome de quê? De dar razão à conspiração desejada por um ex-militar expulso da corporação justamente por… conspirar contra ela!

O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, usou uma audiência pública do Senado Federal para defender uma tese capenga do ponto de vista técnico, segundo a qual um teste de “integridade” em papel, feito no dia da eleição, com eleitores pinçados em algumas seções, poderia ser mais eficiente e preciso que as exaustivas etapas a que a Justiça Eleitoral submete as urnas e todo o sistema de apuração há quase três décadas!

Munido de um constrangedor gráfico em que o passo a passo do teste tabajara era mostrado, no qual se pespegou sem dó o brasão da República e a marca d’água do Ministério da Defesa, o general se enrolou todo ao falar ora em votação paralela em papel, ora em teste.

Bernardo Mello Franco - Discurso de Bolsonaro é senha para produzir extremistas

O Globo

Um bolsonarista invadiu uma festa, sacou o revólver e matou um petista que comemorava o aniversário em família. O crime de Foz do Iguaçu chocou o país a menos de três meses da eleição. É mais um fruto do extremismo político que chegou ao poder em 2018.

Jorge Guaranho, o assassino, é uma caricatura dos seguidores do Mito. Nas redes sociais, apresenta-se como “conservador e cristão”. Na vida real, xinga quem não pensa como ele e se julga autorizado a resolver as diferenças na bala.

A solução pelas armas sempre esteve na base do discurso do capitão. Em 1999, ele disse que não era possível mudar o país “através do voto”. “Só vai mudar quando partirmos para uma guerra civil aqui dentro, matando 30 mil”, afirmou.

Na campanha ao Planalto, ele manteve a mesma retórica agressiva. Falou em “fuzilar a petralhada” e chamou os adversários de “marginais vermelhos”. “Serão banidos da nossa pátria”, prometeu.

Jair não está sozinho. Horas antes do assassinato no Paraná, Eduardo Bolsonaro participou de uma marcha pró-armas em Brasília. Aos palavrões, atacou entidades pacifistas como Sou da Paz e Viva Rio. “A gente não tem que respeitar esses caras não”, conclamou.

Flávia Oliveira - Eleitor poderá sacar dinheiro, mas não depositar voto

O Globo

Benefícios sociais são estelionato eleitoral evidente

O governo Jair Bolsonaro corre contra o tempo para (tentar) transformar em votos o conjunto de benefícios sociais temporários que aprovou no Congresso Nacional, com a cumplicidade dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e com o aval da oposição. Aliados do presidente violaram Constituição, lei eleitoral, regras fiscais e regimentos do Legislativo de olho no cálice meio cheio da reeleição. Contam que os R$ 41,25 bilhões a ser distribuídos na forma de Auxílio Brasil e do vale-gás, bônus a caminhoneiros e taxistas, gratuidade a idosos em transporte coletivo produzirão o milagre da urna eletrônica, aquela que o presidente da República costuma pôr em dúvida. Não vislumbram o copo meio vazio do oportunismo frustrado.

Hélio Schwartsman - Um Parlamento Kamikaze

Folha de S. Paulo

No Senado, um solitário José Serra teve a coragem de opor-se à PEC

Foi aprovada a PEC Kamikaze, que deverá dar a Jair Bolsonaro os votos de que ele precisa para não ser derrotado no primeiro turno e que faz regredir em três décadas as normas de responsabilidade fiscal do país.

Que governos tentem gestos desesperados para não perder eleições é da natureza do mundo. Que parlamentares da oposição votem em massa a favor de uma medida que eles próprios veem como estelionato eleitoral é uma anomalia.

No Senado, um solitário José Serra teve a coragem de opor-se à PEC. Na Câmara, foram 469 votos a favor e 17 contrários (segundo turno). O único partido que orientou seus deputados a votar contra o mostrengo foi o Novo. Os parlamentares oposicionistas que apoiaram a PEC recorrem à retórica dos dilemas para justificar sua posição. O pacote de medidas é ruim, dizem, mas é a forma de ajudar a população mais pobre, que passa fome.

O problema com esse raciocínio é que ele é demonstravelmente falso. A minoria não conseguiu nem suprimir as piores exorbitâncias jurídicas da PEC, de onde se conclui que a aprovação estava garantida. Os mais pobres receberiam o dinheiro independentemente de como votasse a oposição. Ficar contra uma manobra demagógica tão escancarada resguardaria a dignidade do Parlamento e reduziria marginalmente o prejuízo institucional de implodir numa única votação todo o sistema de controle das contas públicas.

Bruno Boghossian - Um olho na urna, outro em 2023

Folha de S. Paulo

Petista acena a PSD, MDB e União para barrar ruptura, mas planta semente de coalizão de governo

A caneta do presidente da República é o segundo ativo mais valioso do mundo político. O primeiro é a expectativa de ter o poder nas mãos.

Lula explorou essa possibilidade ao fazer um aceno a partidos que gostaria de ter a seu lado na eleição. À frente nas pesquisas, o petista tenta atrair PSD, MDB e União Brasil para sua aliança. Ele argumenta que é preciso somar forças para enterrar ameaças feitas por Jair Bolsonaro, mas também quer plantar a semente de uma futura coalizão de governo.

O ex-presidente tem um olho na urna e outro em 2023. Petistas insistem em ampliar a aliança de Lula para enfrentar o que eles veem como um desafio em quatro etapas: vencer a eleição, barrar o risco de ruptura, tomar posse e governar.

O ponto inicial das investidas é a matemática do primeiro turno. Petistas trabalham para liquidar a fatura da eleição no dia 2 de outubro, mas entendem que a margem deve ficar apertada com uma provável subida de Bolsonaro e a manutenção de nomes menos competitivos na disputa. Uma saída dos nanicos Simone Tebet (MDB) e Luciano Bivar (União) da corrida pode ser a diferença entre terminar com 49% dos votos válidos ou 50% mais um.

Ruy Castro - Platitudes planejadas

Folha de S. Paulo

Para Mourão, o Brasil em guerra civil será apenas uma grande briga de bêbados

O comentário mais ousado feito até agora sobre o assassinato do petista Marcelo de Arruda pelo bolsonarista Jorge Guaranho no sábado último (9), em Foz do Iguaçu, foi o de que não passou de uma briga de bêbados, típica dos fins de semana. Partiu do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, que não parece, mas desempenha importante papel no governo Bolsonaro. Sempre que uma ignomínia de Bolsonaro ou de um aliado ameaça gerar uma crise, Mourão surge nos telejornais descendo de um carro, abotoando o paletó e dizendo uma platitude que reduza a ignomínia a uma trivialidade.

Eliane Cantanhêde - As Forças Armadas e a história

O Estado de S. Paulo

E se os resultados oficiais do TSE não baterem com os números ‘paralelos’ dos militares?

Há muitos tons de cinza entre golpes à antiga, com tanques nas ruas, e contemporâneos, com descrédito das instituições, e no Brasil as Forças Armadas (FA) estão sendo usadas para desacreditar a Justiça Eleitoral, as urnas eletrônicas e, portanto, o resultado das eleições. Sem um tiro, mas com igual poder deletério para a democracia.

Ao bater continência para as ameaças do capitão insubordinado Jair Bolsonaro, confrontando o TSE e criando um monitoramento paralelo – ilegítimo e inconstitucional –, a atual cúpula das FA se mete onde não deve e se presta a enfraquecer a democracia e a própria imagem.

Se as FA se colocam acima dos demais Poderes, donas do bem, da razão e da lisura das eleições, elas abrem espaço para o TSE, as instituições e a Nação questionarem suas intenções. Assim como desconfiam das urnas eletrônicas, a sociedade civil pode desconfiar de um “sistema paralelo” militar, que pode dar pretexto para aventuras de Bolsonaro contra o resultado eleitoral.

Reinaldo Azevedo – Hora de a rua cobrar a voz do capital

Folha de S. Paulo

Os uniformes querem se impor às togas, e as Armas, à Constituição; isso tem de parar

O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, falou nesta quinta (14) sobre o sistema de votação na Comissão de Fiscalização do Senado. Levou a tiracolo o coronel Marcelo Nogueira de Souza, que disse haver a possibilidade de que um "código malicioso" seja inserido na urna dentro do TSE.

Ele está se referindo ao "código fonte", que pode ser inspecionado por todas as entidades fiscalizadoras desde outubro do ano passado.

Ninguém mais vê esse risco. Só os que não se conformam com a vontade dos eleitores até agora expressa em pesquisas. Comissão especializada do TCU, por exemplo, atesta a higidez e inviolabilidade do modelo.

Os fardados estão como o garotinho de "O Sexto Sentido". Só que veem golpistas mortos. E pretendem ressuscitá-los.

Já fui brasileiro como alguns de vocês, para citar um poeta, e acreditei que um golpe de estado era hipótese fantasiosa. De tal sorte me parecia insano que militares decidissem ameaçar o seu próprio povo com as armas que lhes foram dadas para protegê-lo que me negava até a especular a respeito. Mudei de ideia.

Como se vê, os tanques da estupidez retórica e das ameaças já estão em movimento. É o estágio anterior à intervenção. Se acontecesse, não duraria. Mas a que custo?

Endosso a opinião de Marcelo Coelho em artigo escrito neste jornal na terça (12). Sem que ainda o tivesse lido, fiz, naquele mesmo dia, igual defesa no programa "O É da Coisa", que ancoro na BandNdews FM: é preciso ir às ruas para defender a democracia. Ou a irracionalidade truculenta vai se impor sobre a ordem democrática.

Vinicius Torres Freire: Governos apodrecem pelo mundo

Folha de S. Paulo

Premiês renunciam, ganham de pouco de extremistas ou caem pelas tabelas, como Biden

No alto da página do "New York Times" na internet, do lado esquerdo estavam as notícias do pânico no Partido Democrata com o risco de derrota feia na eleição de novembro. Do lado direito, uma reportagem dava 19 receitas para comer bem gastando menos. Estava assim o NYT no início da noite de quinta-feira (14).

Receitas de comida boa e barata não são lá coisa incomum em jornais. Mas pareceu estranho. O leitor do NYT não é exatamente pobre, para abusar do eufemismo ou da lítotes.

Joe Biden vem sendo quase chamado de gagá ou mentalmente incapaz nos textos de opinião de jornais da direita, mesmo de qualidade, como o "Wall Street Journal". Mas é de fato penoso ou constrangedor assistir a discursos ou a entrevistas de Biden. Ainda assim, isso é problema menor, dado o enrosco.

Celso Ming: O vale-tudo no Congresso

O Estado de S. Paulo

Não dá para sair por aí com a alegação de que essa “PEC Kamikaze” é coisa exclusiva do presidente Bolsonaro, destinada a comprar votos dos eleitores. A oposição em peso votou a seu favor.

Essa PEC é a banalização atirada ao paroxismo. Banalizou a Constituição, que pode ser remendada a qualquer momento, sem levar em conta suas cláusulas pétreas; banalizou a Lei Eleitoral, na medida em que aprovou farta distribuição de benesses às vésperas das eleições; banalizou o teto de gastos, na medida em que autorizou mais despesas, sob a tese de que a inflação aumentou a arrecadação; e banalizou a Lei de Responsabilidade Fiscal, por ter despejado mais benefícios sociais da ordem de R$ 41,2 bilhões. E tem o orçamento secreto, as emendas de relator, outros vazamentos e eventuais pedaladas de natureza e finalidade ainda desconhecidas. Tudo isso graças a cambalachos jurídicos e procedimentos casuísticos aprovados em votação recorde pelo Congresso Nacional.

Para justificar a abundante distribuição, bastou a alegação de que se trata de uma emergência que, no entanto, tem prazo de validade, a vencer no dia 31 de dezembro, como se o calendário fosse o critério para definir o que é ou o que não é urgente. Também foi argumentado que é preciso atacar a pobreza, mas também só até dia 31 de dezembro. Depois disso se verá.

Ou, talvez, não haja mais pobres a atender.

A insegurança maior é a de que os políticos podem aprovar qualquer coisa, atropelar a Constituição e as demais leis, bastando apenas que se mobilizem nessa direção.

Fabio Giambiagi - A política do salário mínimo

O Globo

No Brasil, devido ao mercado de trabalho informal, muitas pessoas ganham menos que o salário mínimo, que tem forte impacto fiscal

Este é o décimo segundo encontro para tratar de propostas para 2023. O tema de hoje é a política do salário mínimo (SM). Para entender a essência do que será discutido aqui, peço ao leitor para levar em conta duas coisas.

A primeira é a importância de uma palavra chave: previsibilidade. Se o país tem uma taxa de investimento baixa, que não permite aspirar a objetivos de crescimento mais ambiciosos, é entre outras coisas porque temos a marca da imprevisibilidade.

Nessas circunstâncias, tomar decisões de investimento de longo prazo é algo que envolve um conjunto de incertezas muito maior que aquele presente em outros países. O resultado é o país que temos.

A segunda questão a levar em consideração é a relação entre o SM e a Previdência. A despesa com a previdência do INSS é da ordem de grandeza de R$ 800 bilhões. E em torno de 40% dessa despesa está indexada ao SM. Isso significa que um aumento real de 1% do SM — compreensivelmente, alguém poderia exclamar: “apenas R$ 12!” — significa um incremento da despesa de mais de R$ 3 bilhões.

Claudia Safatle: A necessária reconstrução fiscal

Valor Econômico

Reconstrução fiscal do Brasil é desafio para um novo governo, mas há pelo menos uma proposta na mesa e um debate internacional em curso

O regime fiscal brasileiro está esfacelado. Para sua reconstrução, o economista José Roberto Afonso, resgata uma ideia que chegou a ser proposta na constituinte de 1988 pelo então deputado José Serra: criar um Código das Finanças Públicas, que reuniria em uma lei complementar toda a legislação e práticas relacionadas às contas do setor publico, inclusive a Lei de Responsabilidade Fiscal, que precisaria ser completada e modernizada.

Deve, também, regular o orçamento público, que é uma tarefa urgente, pois a lei básica é de 1964 e o vazio institucional levou ao extremo da “privatização do orçamento” com a instituição das “emendas secretas”.

Deverá, ainda, definir os papéis do Legislativo e do Executivo. Há muito que resolver institucionalmente, na fronteira entre eles, até para cobrar responsabilidades, hoje diluídas.

César Felício: O desafio de Ciro Gomes em sua própria casa

Valor Econômico

Pela primeira vez pedetista tende a perder no Ceará

Em sua quarta tentativa de chegar à Presidência da República, o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT) flerta com uma derrota inédita: perder em seu próprio Estado. Há algumas semanas, o PDT de Ciro encomendou, a um alto custo, uma pesquisa quantitativa de um instituto de prestígio para aferir as eleições no Ceará, o Quaest. Registrou a pesquisa no TRE, para divulgá-la. O levantamento mediu a sucessão no âmbito estadual e municipal.

O resultado mostrou um cenário perturbador para o pedetista, que será o primeiro a oficializar a candidatura à Presidência, em convenção nacional na quarta-feira: Ciro ficou com cinco vezes menos intenção de voto do que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sete pontos percentuais atrás de Bolsonaro. Teve precisamente 11%. Na espontânea, 3%. Isso no Ceará.

O contraste com o passado é brutal. Em 2018, Ciro teve 41% dos votos cearenses, Fernando Haddad (PT), 33% e o presidente Jair Bolsonaro, 21%. Há 20 anos, Ciro teve 44% e Lula conseguiu 39%. Em 1998, Ciro bateu o petista e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: obteve 34%, ante 33% para Lula e 30% para o tucano. Em 40 anos de vida pública, Ciro tornou-se virtualmente imbatível no Ceará, seja concorrendo diretamente, seja apoiando outras pessoas.

Luiz Carlos Azedo - As duas táticas de Bolsonaro para se manter no poder

Correio Braziliense

O presidente Jair Bolsonaro opera simultaneamente duas táticas para se manter no poder. Ambas podem dar errado, se não conseguir reverter a grande vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições. Ambas se combinam quando à possibilidade cada vez mais evidente de que planeja melar as eleições de outubro próximo, caso seus resultados sejam desfavoráveis. A primeira, operada com extrema competência pelo Centrão, é a PEC da Eleição, promulgada ontem, com medidas para transferir recursos para a população de baixa renda, caminhoneiros e taxistas.

A PEC nasceu no Senado, onde somente não conseguiu a unanimidade porque o senador José Serra (PSDB-SP), solitariamente, votou contra. Na Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), operou um rolo compressor para que a emenda constitucional fosse aprovada em dois turnos e promulgada nesta semana, após 72 horas de articulações, sessões relâmpagos e votações. Somente o Novo e alguns parlamentares isolados em seus partidos, votaram contra a PEC.

Fernando Luiz Abrucio*: Bolsonaro quer a rota venezuelana

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Quem acredita que as instituições resolverão por inércia a situação política não entendeu o momento do país.

Qual é o projeto estratégico e de longo prazo do bolsonarismo? Responder a essa pergunta é decisivo para entender o sentido das próximas eleições. O caminho almejado por Bolsonaro é muito similar ao traçado na Venezuela chavista. É uma rota de destruição paulatina das instituições democráticas, substituindo-as por um modelo concomitantemente autocrático e populista, que reduz o controle independente sobre os governantes e mobiliza constantemente setores populares, inclusive por meio da violência, em apoio ao líder máximo. Não é possível saber se essa ideia vai vingar no Brasil, mas o atual presidente tentará, com todas as suas forças, alcançar esse objetivo.

À primeira vista, trata-se de uma grande ironia da história. Nas eleições de 2018 o bolsonarismo não cansou de dizer que o PT queria que o Brasil se transformasse na Venezuela. Aproveitava-se do fato de que os governos petistas tinham se imiscuído demais na política interna venezuelana, o que foi um erro enorme de política externa. Mas, observando mais atentamente a trajetória de Bolsonaro, desde aquela época já se percebia que ele tinha mais similaridades com Chávez do que qualquer outra liderança política.

Ambos têm origem militar e praticamente foram expulsos da instituição por seu personalismo golpista. Ideologicamente seguem um populismo autoritário no qual não há espaço para partidos nem para uma sociedade civil independente. Quando chegou ao governo, Bolsonaro aumentou ainda mais as similaridades em sua luta contra a Justiça e a imprensa, na campanha pelo armamento de seus aliados na sociedade e na política externa maniqueísta e isolacionista. Por fim, e mais importante: os dois optaram não pelo golpe clássico de Estado, mas sim por usar a democracia para jogar o povo contra as instituições - Chávez por meio de plebiscitos e Bolsonaro usando as redes sociais para insuflar uma revolta contra o sistema.

José de Souza Martins*: A vitória do industrialismo

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

São Paulo perdeu militarmente a Revolução de 1932, mas ganhou os rumos transformadores e modernizadores que sua situação econômica e social continha

Na Revolução Constitucionalista de 9 de julho de 1932, combatida pelo Exército, São Paulo acabou derrotado militarmente. Mas os fatos a ela paralelos mostraram que São Paulo perdeu a revolução, mas ganhou os rumos transformadores, modernizadores e industrialistas que sua situação econômica e social continha, a indústria desbloqueada como fundamento de um novo Brasil. Aquilo que Roberto Simonsen preconizava: o passo definitivo da história brasileira que a libertasse da sucessão de ciclos: o da cana-de-açúcar, o do ouro, o do café, para ser o da economia abrangente e superadora de ciclos, o da indústria.

É uma pena que os industriais brasileiros tenham uma consciência superficial do seu protagonismo e de sua responsabilidade históricos e da importância criativa da diferenciação social própria da sociedade de classes, que nasce da industrialização.

Aqui, começara ela a emergir politicamente na greve geral de 1917. Ganhara sua expressão cultural na Semana de Arte Moderna, de 1922, porque o modernismo teve precedência na fábrica. Começara a ganhar sua expressão política na Revolução de Outubro de 1930, cuja essência bloqueada foi revelada na Revolução Constitucionalista de 1932.

Fernando Henrique Cardoso, num ensaio sociológico de 1977, chamou a atenção para a anomalia de que, diversamente do que ocorrera em outros países latino-americanos, a sociedade brasileira não fez uma revolução política em 1822. Foi o próprio Estado, na pessoa do príncipe regente, que fez a Independência e se tornou criador de uma sociedade civil que, podemos dizer, do Estado depende.

Não é estranho que, desde a República, os militares, sobretudo do Exército, presumam-se senhores de um mandato messiânico, como neste atual período governamental, para enquadrar a sociedade na ideologia de quartel própria do que o sociólogo canadense Erving Goffman define como instituições totais. O que é expressão do crônico vazio de protagonismo civil do Estado brasileiro, o da precariedade da sociedade civil.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

A boiada passa, e deixa um rastro de destruição

O Estado de S. Paulo

Câmara e Senado compactuam com a sanha destruidora do governo Bolsonaro ao dar aval a propostas que rasgam regras fiscais, leis orçamentárias, legislação eleitoral e a Constituição

Enquanto o País assistia estarrecido ao desmonte da legislação eleitoral, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da regra de ouro, do teto de gastos e até da Constituição em nome da reeleição do presidente Jair Bolsonaro, o Congresso provou a máxima segundo a qual onde passa um boi também passa uma boiada. Na mesma semana em que a Câmara deu aval à Proposta de Emenda à Constituição apelidada de “PEC do Desespero”, deputados e senadores terminaram de rasgar os princípios mínimos que ainda regem o Orçamento-Geral da União. 

A mais nova pedalada, revelada pelo Estadão, foi referendada por meio de um projeto que dá ao Executivo permissão para alterar o fornecedor de uma obra que já contava com recursos garantidos em situações excepcionais, como desistência do credor original e rescisão contratual. Essas condicionantes, evidentemente, não convenceram os técnicos das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado. Afinal, a contabilidade pública é cristalina: não é possível realizar despesa sem a emissão prévia de nota de empenho correspondente, e é obrigatório que o nome do fornecedor conste de tal documento. Se o direito do credor deixar de existir por qualquer razão, a única alternativa é cancelar o recurso. Não é capricho: é o que diz a Constituição.

Poesia | Carlos Pena Filho - Elegia para a adolescência

 

Música | Marisa Monte - Dança da Solidão (Paulinho da Viola)