- O Estado de S. Paulo
Na cidade, Clarice Lispector fixou-se em definitivo no Leme, que chamava de “minha terra”
Oito anos atrás, num ciclo de palestras organizado pelo Instituto Moreira Salles com o título geral de Cidade por Escrito, o português Carlos Mendes de Souza discorreu sobre a apaixonada relação de Clarice Lispector com o Rio de Janeiro. Agora nos chega por escrito, impresso e com lombada, um deleitante tour pela cidade igualmente a partir da biografia e da ficção de Clarice, conduzido pela pesquisadora Teresa Montero, que há quase três décadas se dedica a perpetuar a memória da escritora.
O Rio de Clarice – Passeio Afetivo pela Cidade (Autêntica, 188 págs.) pertence a um híbrido subgênero de não ficção rotulável de turístico-literário ou topobiográfico: guias de viagem consagrados à redescoberta de uma cidade através da vida e da obra de escritores que a vivenciaram e retrataram em prosa ou verso. Clarice nasceu na Ucrânia, morou em Maceió, Recife, Belém, Nápoles, Berna, Torquay (Inglaterra), Washington – casada com o diplomata Maury Gurgel Valente, só no exterior viveu 16 anos – mas fez do Rio a sua Pasárgada, o pano de fundo de quase todas as suas narrativas ficcionais, de suas crônicas e reportagens, mesmo daqueles contos transcorridos no interior de um apartamento ou de sua alma.
Ela residiu cinco anos na Tijuca, circulou intensamente pelo centro, como estudante (de Direito), funcionária da Agência Nacional (de que foi tradutora, redatora e repórter) e colaboradora de revistas e jornais (Senhor, Jornal do Brasil, Manchete); viveu no Flamengo e em Botafogo, até fixar-se em definitivo no Leme, que chamava de “minha terra”. Lá morou de 1959 até morrer, em 1977, e escreveu 12 dos 17 livros que publicou ao longo de quatro décadas.
Ainda é possível visitar alguns dos locais por ela habitados, menos os dois primeiros, nas ruas Lúcio de Mendonça e Mariz e Barros, na Tijuca, há muito substituídos por outras edificações. As geminadas casas de dois andares da pitoresca Vila Saavedra, no n.º 76 da Rua Silveira Martins, no Catete, seu endereço entre 1940 e 1943, permanecem de pé porque preservadas pelo Patrimônio Histórico.