segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Opinião do dia – Fernando Gabeira

Independentemente de nuances políticas, governos ilegais não têm outro caminho senão construir uma narrativa de fuga, um cipoal de álibis. Essa incapacidade de nos dar alguma verdade parece incomodar dois quadros importantes do partido: Patrus Ananias e Jaques Wagner.

Nessa virada de ano, como se cumprissem uma promessa de réveillon, disseram: um, que o PT precisava pôr a mão na consciência; o outro, que o PT se lambuzou no poder. É uma reação tardia. Durante tanto tempo, a mão esteve no bolso dos brasileiros, estranho que só agora se desloque para a consciência. Jaques Wagner disse alguma verdade ao afirmar que o PT se lambuzou no poder. Mas o fez de forma tão hábil que parecia atenuar a culpa por ser um réu primário.

O PT teria chegado ao poder e reproduzido as práticas que condenava nos outros. Acontece que isso é apenas um fragmento da realidade. O PT, como nunca antes na História, transformou a corrupção num instrumento de governo e base para se perpetuar no poder. Fundos de pensão, estatais, empreiteiras, teles, tudo passou a ser fonte de recursos. Os aliados foram comprados no Mensalão e ganharam lugares estratégicos para saquear a Petrobras.

O PT montou um esquema que produziu fortunas. Sua passagem pelo governo, além de tornar a prática sistemática e abrangente, fez da corrupção no Brasil um tema internacional com desdobramento em várias cortes. Possivelmente, a tática dos dois quadros políticos, diante das resistências internas, é apenas uma proposta gradativa da verdade. É uma tática que só funciona quando o poder é o único a deter a realidade dos fatos. Mas hoje eles são públicos, através de dados da polícia, delações, reportagens investigativas.

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Fernando Gabeira, jornalista, ‘Alguma verdade’, O Globo, 10.1.2016

Aécio Neves: Penúria

- Folha de S. Paulo

Famosa há décadas, a clássica marchinha "Me Dá Um Dinheiro Aí" parece a trilha ideal para o próximo Carnaval, tal o estado de penúria em que se encontra a nação. O país, Estados e municípios, empresas e brasileiros –estão quase todos de pires na mão.

Fechamos 2015 com uma crise sem precedentes. PIB negativo, inflação de dois dígitos, contas públicas fora de controle, 59 milhões de consumidores inadimplentes e as empresas brasileiras as mais endividadas entre os emergentes. Perdemos o selo de bom pagador de duas agências de risco.

Quem ainda confia na solvência do governo?

Estados e municípios estão à míngua, sem recursos para honrar seus principais compromissos. Uma parte considerável do problema está na centralização excessiva da União, que fica com grande parte do que se arrecada no país. O pouco que resta é disputado pelos entes federados, penalizados pelo crescente acréscimo de despesas sem a respectiva contrapartida financeira, como nas áreas de saúde e segurança. No momento em que a arrecadação federal cai, a sobrevivência de grande parcela das cidades, muito dependentes das transferências da União, fica ameaçada.

A situação se agrava com a péssima gestão das contas públicas. Em Estados como Minas, onde vigora hoje o mesmo modelo de gestão petista, o resultado é ruinoso: pela primeira vez em 12 anos estão em atraso os pagamentos dos servidores. Sem conseguir promover reformas que reduzam seus gastos, os governos estão acuados –e a ética contábil aplicada pelo governo federal não pode ser referência como solução para cobrir os rombos fiscais. Em 2015, muitos Estados tiveram ajuda de depósitos judiciais para "equilibrar" as contas. E agora?

O fato é que o fracasso da administração pública atinge diretamente a sociedade. A população mais vulnerável é duramente atingida pela deterioração dos serviços públicos, como mostra o caos da saúde em todo o país. Com a economia em declínio, o colapso do serviço público tende a se agravar. No cardápio de soluções do governo aposta-se na recriação da CPMF como um bote salva-vidas, o que revela uma espantosa incapacidade de se apontar novos caminhos.

Temos a obrigação de fazer mais do que isso. De um lado, a sociedade precisa continuar exigindo mais transparência e responsabilidade por parte daqueles a quem ela delegou a missão de governar. Por outro, é preciso perseverar na luta por um pacto federativo capaz de promover a justa redistribuição dos recursos tributários, a maior autonomia de Estados e municípios e uma participação maior de todos os entes da Federação na definição das políticas públicas.

É bom começarmos o ano lembrando que o Brasil é muito mais que Brasília.

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Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB

José Roberto de Toledo: O black bloc em você

- O Estado de S. Paulo

Aumento de tarifa, protestos, bombas, bagunça. 2016 revive 2013. Esperar resultados diferentes de ações recorrentemente iguais e infrutíferas não define insanidade. Tampouco denota perseverança. É burrice mesmo. A falta de inteligência vem da incapacidade de a sociedade aprender com os próprios erros. Se é difícil identificar onde a espiral de equívocos começa, torna-se previsível o seu desfecho: recessão e desemprego.

A culpa é da tropa de choque, que reprime protestos com violência desmesurada? Ou culpados são os black blocs mascarados que depredam o transporte público que supostamente defendem? Mas quem começou tudo não foram os movimentos pelo passe livre nas catracas, que marcaram as manifestações? Ou seriam os prefeitos que elevaram o preço da passagem de ônibus em 30 ou 40 centavos?

Pode-se continuar regredindo nas perguntas sobre de quem é o engano original até chegarmos à política econômica que desandou em inflação e precipitou reajustes de tarifas públicas. Mas por que parar aí? Será que seus autores teriam sido eleitos sem a ajuda de quem, quando estava no poder, insistiu em uma política que, após início promissor, deu em desemprego e recessão?

E, assim, recomeçamos tudo de novo, rumo ao indefectível final.

Enquanto o círculo vicioso da economia gira, o pêndulo da política oscila de igualitários a libertários, de socialistas a liberais – até virar bate-boca no qual o único argumento é chamar o rival de petralha ou coxinha. Quando muito, cada lado pinça estatísticas que só servem aos seus interesses e – como as melhores lingeries – revelam tudo, menos o que importa.

Variações dessa metáfora são frequentemente atribuídas ao falecido ministro Roberto Campos. Mas, assim como não foi Albert Einstein quem perpetrou a falsa definição de loucura (“fazer sempre a mesma coisa esperando resultados diferentes”), tampouco Bob Fields foi o pioneiro na comparação. Seu autor foi o norte-americano Aaron Levenstein: “Statistics are like bikinis. What they reveal is suggestive, but what they conceal is vital”.

Do mesmo modo que citações equivocadas são copiadas e coladas internet afora, perpetuando mitos, o facciosismo político-partidário desbunda sempre em um frenesi acusatório no qual os acusadores dos dois lados não raramente projetam no rival seus próprios defeitos. Invariavelmente, ambos têm razão.

Nesse ponto, este texto normalmente enveredaria sobre como a política, quando deixa de ser a solução, vira o problema – e como, sem reformá-la, o País condena-se a repetir seu passado meia cura, nunca maturando todo seu potencial. Desta vez, não. Em vez de entrar no mesmo beco sem saída onde políticos profissionais legislam sempre em causa própria, talvez valha a pena olhar para a esplanada de erros de quem os elege. Ou ao menos um deles: a maneira como reforçamos nossos preconceitos.

A informação incorreta se tornou tão difundida nas mídias sociais digitais que o Fórum Econômico Mundial a considera uma das principais ameaças à sociedade humana. No mais recente artigo sobre o tema, publicado na prestigiosa revista da Academia de Ciências dos EUA, pesquisadores italianos e norte-americanos detalham como as balelas se espalham online.

Usuários do Facebook em geral tendem a escolher e compartilhar uma narrativa – a que reforça suas crenças – e ignorar todas as demais. A repetição desse hábito tende a formar agrupamentos socialmente homogêneos e polarizados que funcionam como câmaras de ressonância dos boatos. Quanto mais homogêneo o grupo, menor a resistência, e mais a falsa informação se propaga – como epidemia. Resultado: desconfiança entre diferentes e paranoia.

Cuidado com o que você compartilha. Há um black bloc em cada um, pronto a tocar fogo no circo. Ele se alimenta da segregação. Misture-se.

Denis Lerrer Rosenfield*: Divórcio

- O Globo

Tudo indica que o governo e o PT caminham para o divórcio, embora a forte relação amorosa resista à separação. As mágoas e desavenças se acentuam em ambos os lados, sem que os cônjuges consigam entender-se sobre o caminho a seguir. Ademais, há uma espécie de tertius, um amante, que namora um e outro, quando, na verdade, ama apenas a si mesmo. Nesse jogo de amantes desencontrados se encontra o Brasil, o verdadeiro não amado.

O governo dá progressivamente mostras de desavença consigo mesmo, sem que consiga escolher uma via de ação que seja minimamente crível. Primeiro, é incapaz de reconhecer os seus erros, que conduziram o País a esta situação calamitosa de PIB negativo, desemprego em alta, inflação de dois dígitos, juros estratosféricos, real cada vez mais desvalorizado, Orçamento federal deficitário. A lista seria longa e, ainda assim, não exaustiva.

Segundo, quando esboça um mínimo de reconhecimento, é só para alegar que todos erram e as verdadeiras causas são externas, incapaz que é de reconhecer suas próprias responsabilidades. Assumir a sua responsabilidade seria o primeiro passo para uma efetiva mudança de rumos.

Terceiro, no primeiro ano do segundo mandato da presidente Dilma, ela ainda procurou modificar algo, chamando o agora ex-ministro Joaquim Levy para assumir a pasta da Fazenda. Mas não lhe foram dadas as condições para cumprir a sua missão, obrigando-o a abandoná-la. Nem amor foi, de tão fugaz.

Quarto, foi então alçado a esse ministério crucial Nelson Barbosa, um dos artífices da dita “nova matriz econômica”, que tem tudo de velha, baseada que está em intervencionismo estatal, gastança pública e crédito farto, além de seu correlato que é o afrouxamento fiscal generalizado. Logo, como se pode esperar uma verdadeira mudança, como podem as empresas e os cidadãos deste país acreditar numa transformação necessária?

O PT, por sua vez, mostrou-se satisfeito com a escolha de um dos seus para a Fazenda, mas logo mostrou que seu amor não é incondicional. Diante das primeiras declarações do ministro de que o País deveria perseguir o ajuste fiscal e fazer a reforma da Previdência, declarou-se traído, sem mesmo averiguar se se tratava de uma verdadeira posição ou de mera encenação. Ressabiado, deixou claro que essa relação pode ser efêmera, sem se traduzir em verdadeiro casamento.

A presidente Dilma, após seu breve interlúdio com Levy, abraçou-se com seu verdadeiro par estatista, seu novo ministro da Fazenda. Aí há uma verdadeira comunhão, que se traduz por ideias e afetos mutuamente compartilhados. O maior temor consiste no ambiente macro dessa relação, que tem como contexto decisivo o processo de impeachment em curso. Nessa perspectiva, o Brasil é um fator completamente secundário, que só entra em consideração como coadjuvante longínquo, que carece de encanto.

Mesmo assim, a presidente e sua equipe econômica já foram postos contra a parede, lembrados de que as manifestações de rua contrárias ao impeachment foram por eles lideradas. O fôlego que ganharam é deles tributário. Cobram, agora, o seu preço. Só manterão a relação se forem satisfeitos em seus pleitos e exigências. O amor tem seus limites.

As condições do casamento foram refeitas, ganhando nova versão a “lista de presentes” que deveria ser entregue. Essa lista é constituída por um conjunto de exigências que nada mais faz do que reiterar as condições que levaram o mesmo governo petista ao divórcio com o Brasil. Embora digam o contrário, pretendem que esse divórcio seja definitivo, caso contrário farão eles mesmos uma nova separação.

Assim, querem a persistência da gastança pública, crédito farto, interesses corporativos satisfeitos, benefícios privados, nada de combate efetivo à corrupção, nem reforma da Previdência e trabalhista, aumento generalizado de impostos, e assim por diante.

Num ponto devemos reconhecer que têm razão. Querem simplesmente o que lhes foi prometido. E o que lhes foi prometido tinha ainda a névoa e a (des)graça ideológica de um encaixe, o de que ambos estariam numa cruzada dos “pobres contra os ricos”, da “esquerda contra a direita”. Se nada mais têm a dizer, voltam-se para a surrada linguagem socialista, como se uma bem-aventurança maior lhes fosse prometida. Se esse amor de múltiplas facetas não lhes for retribuído, ameaçam com o divórcio. Doravante, cada um seguiria o seu caminho, em busca da sobrevivência ou de novos amores.

O tertius, Lula, contudo, não os abandona. Está sempre à espreita, procurando o amor de um e outro. Ou melhor, impondo as condições de seu próprio amor, que em determinado momento foi ilimitado. Fez de Dilma a sua criatura, ungindo-a sua sucessora. Fez do PT um partido de massas, alçando-o ao poder, em que pode usufruir todo tipo de benesses. Agora, porém, esse triângulo amoroso está a perigo, corroído por suas discórdias internas.

A questão é tão grave que esses amantes tudo podem perder. Ainda que a presidente Dilma sobreviva ao impeachment e à eventual cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral, poucas são as suas chances de sucesso. Se as atuais condições econômicas, sociais e políticas persistirem, o País chegará exaurido a 2018. O divórcio maior será inevitável, o do País com a presidente, o PT e Lula. Dentre eles não haverá sobreviventes.

A decisão que têm diante de si é crucial. Uma verdadeira encruzilhada numa viagem sem retorno. O encurtamento do mandato da presidente, seja por impeachment ou cassação pela Justiça Eleitoral, não seria para dois desses amorosos uma má solução. Certamente traumática, mas mesmo assim necessária. O triângulo seria desfeito, Lula e o PT manteriam a relação e partiriam em busca de um reencontro com o País.

O tempo, porém, não lhes é favorável.

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*Professor de Filosofia na UFRGS

Vinicius Mota: Príncipes de toga

- Folha de S. Paulo

O fato político deste início de ano são as saraivadas diárias contra o presidente da Câmara. Com elas a Procuradoria promove ostensivamente o caso pela suspensão do mandato de Eduardo Cunha, a ser decidido no Supremo Tribunal Federal talvez já em fevereiro.

A acusação faz seu jogo, mas aos ministros do STF não cabe assistir à partida com ingenuidade nem aderir ao maniqueísmo. Afastar o chefe do Legislativo sem condenação terá sido, caso ocorra, a ordem da corte mais desafiadora do equilíbrio entre Poderes em 30 anos de democracia.

Não se confundam o volume e a gravidade das acusações que pesam contra Cunha, de um lado, com as motivações alegadas para a suspensão de seu mandato, do outro. Ele precisa ser afastado, segundo a acusação, porque de seu posto tem embaraçado a investigação, coagido testemunhas e persistido no crime.

As provas arroladas são mais frágeis e mediatas que as da trama contra o Supremo, gravada por testemunha, determinantes da inédita prisão preventiva de um senador, Delcídio do Amaral, em novembro –já a detenção cautelar simultânea do banqueiro André Esteves, razão de irreparável derrocada em seus negócios, caminha para figurar entre os erros judiciais da Lava Jato.

No caso da ação contra Cunha, os fatos a sustentá-la não bastam, até por não reclamarem remédio urgente, para justificar uma interferência brutal do STF na esfera legislativa.

Nesta situação de clamor por justiça rápida e de descrença na política, a corte máxima pode transformar-se facilmente em Príncipe togado. Pôr-se a refazer com juízos precários, típicos das medidas cautelares, o que a soberania popular e o Legislativo elegeram é tomar um caminho perigoso, por onde custa retornar.

Eduardo Cunha escarnece do país enquanto permanece na presidência da Câmara, mas são os deputados federais que precisam resolver esse assunto. Não é o Supremo redentor.

Marcos Nobre: A política como vontade e representação

• Os diários de FHC parecem posts que vêm do passado

- Valor Econômico

O teatro está repleto de momentos em que uma personagem (ou o coro) se dirige diretamente à plateia. Para explicar o que está acontecendo, para contar algo que a audiência não viu, para externalizar sentimentos inacessíveis a quem assiste à peça. A dificuldade de manejar esses momentos está em conseguir o efeito desejado sem quebrar aquela parede imaginária e transparente por meio da qual se assiste à encenação. É essa "quarta parede" que sustenta a vontade de quem vê ou lê de suspender sua descrença, de aceitar a proposta de se identificar com quem narra.

No século 20, Bertolt Brecht mostrou que a quarta parede estava nua. Sua proposta de quebrar a identificação com quem tem a palavra - lugar por excelência do poder - acabou por se espalhar por todo lado. Os mecanismos ilusionistas tradicionais fecharam para balanço. Mas voltaram sob novas formas. Em uma série de TV como House of Cards, por exemplo, a ilusão é identificar a ficção como se fosse a política como ela é. Não por acaso, seu guia é um ator brechtiano que transformou o efeito distanciamento em exercício de cinismo. Somente a ficção poderia dizer diretamente a verdade. Apenas a ilusão seria capaz de dizer de cara limpa (mas maquiada e virada para a câmera) a sujeira que é o dia-a-dia da política. House of Cards propõe um novo pacto, algo como uma "confirmação da descrença". Política, desta feita.

É a quarta parede da política que está em jogo nos "Diários da Presidência 1995-1996", de Fernando Henrique Cardoso, publicado há pouco pela Companhia das Letras. FHC diz que foi instado a manter esse diário pela neta de Getulio Vargas, que também manteve um nas cadernetinhas que não abandonava. Getulio escreveu para depois de sua morte. FHC não escreve, grava. E decidiu que seus registros deveriam ser publicados em vida.

Para além da fofoca e do anedotário, o que interessa é a opção de FHC pela forma diário. Ao contrário de um relato de conjunto, de uma narrativa encadeada que pudesse organizar e dar sentido a todo o material gravado, a opção por conservar a forma original como que pereniza o tempo presente, o momento de cada gravação. Com a forma diário, FHC se coloca como que para além das intransparências cotidianas da política. É assim que reconstrói à sua maneira a quarta parede da representação política.

Porque esses diários ganharam um significado inteiramente diverso a partir do momento em que a comunicação cotidiana adquiriu a forma do post. Os diários de FHC surgem sob nova luz, como uma série de posts que vêm do passado. Um passado próximo, mas que parece longínquo exatamente porque acontecido pouco antes de as redes sociais existirem como são conhecidas hoje. Com seus posts, FHC se põe no lugar do sábio desinteressado, que nada mais ambiciona - e que, portanto, está apto a dizer apenas a verdade. Ao escolher essa posição como narrador não faz senão se reposicionar na disputa política do presente.

A ideia de disponibilizar os arquivos sonoros para que se possa conferir a exatidão da transcrição representa a última demão de tinta na nova quarta parede do projeto. É claro que o então presidente já "falava editado" para o gravador, da mesma maneira como um post é já uma edição. Quem tem experiência de décadas de escrita cotidiana e de muita entrevista sabe bem como fazer isso. O que não se disse é se, como acontece com posts, houve registros que foram apagados. Seria interessante saber.

O reposicionamento político de FHC a partir de seus diários olha para frente, olha já para a "nova política". Tem um sentido militante que vai muito além do mero registro histórico. Esses diários são como que uma resposta da geração nascida por volta de 1930 a Junho de 2013. E isso em pelo menos dois sentidos, talvez incompatíveis. O primeiro recado diz que as instituições democráticas representativas são raras e preciosas e pretende convencer de que sua manutenção depende também (ainda que não somente) da política politiqueira, dos acordos de gabinete e das intrigas palacianas. O segundo recado traz o reconhecimento de que não dá mais para fazer política sem mudar o registro tradicional da representação, na forma caduca da quarta parede.

Esse parece ser o sentido de publicar em vida o que outros políticos escreveram para a posteridade. É claro que vinte anos de distância faz com que muitas personagens da política já estejam mortas. Ou sob a ameaça de exclusão do jogo pela Lava-Jato. Mas o interessante é ver nesses diários a tentativa de diagnóstico de toda uma geração que se viu confrontada com a mudança radical da Queda do Muro quando andava pelos 60 anos de idade. Só agora começa a se mostrar algo da estrutura dessa mudança. Os quase vinte anos que vão de 1989 até a crise econômica mundial que eclodiu em 2008 surgem como um período de transição. A política como representação tal como praticada até ali por essas figuras paraestatais em que se transformaram os partidos políticos está agora fincada em areia movediça.

O livro de FHC e sua forma revelam a grande apreensão de que a perda em definitivo da forma caduca da quarta parede da política possa significar a perda da noção mesma de representação e, com ela, a perda da própria democracia. É como se a perda por inteiro do teatro da política ameaçasse a existência da ideia de instituição política democrática. A forma diário parece ser uma maneira de tentar mediar entre dois mundos.

A questão que fica é a de saber em que medida e de que maneira são mundos conciliáveis, quais as possíveis passagens e pontes entre eles. Mesmo que a política tradicional da representação continue a existir ainda por muito tempo como aparência carcomida de um mundo que já passou, a velha forma da quarta parede da representação política se foi. A ponte para o futuro proposta pelo sistema político atual pretende ser construída mediante mero rearranjo dos materiais disponíveis. Do ponto de vista das revoltas que eclodiram mundo afora a partir de 2011, de Junho de 2013 e da Lava-Jato no Brasil, trata-se já de material de demolição.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

Valdo Cruz: Sem refresco

- Folha de S. Paulo

O ano até que começou num ritmo lento, criando a falsa impressão de calmaria, mas os fatos logo chamaram a todos para a realidade. E não falo apenas da Lava Jato e suas novidades, mas também e principalmente da economia.

Encerramos 2015 com uma inflação de 10,67%, a maior desde 2002. Um troféu que ninguém gostaria de carregar, mas Dilma Rousseff teve de levantar. Ops, quer esconder.

A taxa bateu nos dois dígitos num cenário de retração econômica de 4% e desemprego em alta. O pior é que os dados mostram preços ainda elevados, resistentes à ação dos juros nas alturas do Banco Central.

Daí que o BC ameaça subir ainda mais os juros, o que causa desespero no PT e até no governo. Não por outro motivo o presidente do banco, Alexandre Tombini, virou o novo alvo do fogo nada amigo petista.

Assessores bem próximos da presidente querem é queda, não subida, dos juros. Insistem que a demanda está desaquecida, com desemprego crescente, o que não justificaria elevar a taxa Selic.

Pois bem, à Folha, Nelson Barbosa (Fazenda) fez uma avaliação que joga com o BC e não deve agradar nem um pouco sua turma do PT.

Diz ele: "as ações de política monetária são necessárias mesmo que haja uma elevação de inflação causada por fatores não relacionados à demanda". Motivo: evitar que os aumentos se tornem permanentes.

Em busca de conquistar a confiança do mercado, o ministro não só diz isto como reforça o discurso de que o ajuste fiscal é o principal desafio do país e sua prioridade.

Mas não deixa a galera petista no sereno. Promete medidas para estabilizar a economia e fazê-la crescer. Admite que 2016 ainda será de recessão, mas diz ser possível retomar o crescimento no final do ano.

Tarefa nada fácil, cujo sucesso ou fracasso definirá o destino do governo Dilma Rousseff. Ainda mais quando a Operação Lava Jato promete e muito pela frente.

Angela Bittencourt: Para começar, cada um no seu quadrado

• Política monetária é parte de um ajuste macroeconômico

- Valor Econômico

Ministério da Fazenda e Banco Central (BC) iniciam a semana com uma rara definição de papéis a desempenhar no governo. Em maior ou menor sintonia, os dois órgãos deverão trabalhar para colocar a economia brasileira de pé, sob a orientação da presidente da República. Três mensagens emitidas publicamente, nos últimos dias da semana passada, por Dilma Rousseff, Alexandre Tombini e Nelson Barbosa sinalizaram uma demarcação de território na área econômica que sugere estar a presidente determinada a zelar pelo entendimento de seus mais próximos colaboradores a caminho da batalha que travará contra o processo de impeachment. Se vai imperar uma convivência produtiva e harmoniosa entre Fazenda e BC, o tempo vai dizer.

A presidente manifestou explícito apoio ao presidente do BC ao afirmar a jornalistas, na quinta-feira, que à exceção de Alexandre Tombini, ninguém no governo está autorizado a falar sobre a taxa básica de juros. A declaração de Dilma Rousseff não passou despercebida no mercado financeiro, inclusive, porque não foi feita em um dia qualquer, mas na véspera da divulgação da inflação oficial de 2015 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na sexta, o instituto anunciou variação acumulada em 2015 de 10,67% para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - resultado que confirmou um expressivo estouro do teto da meta vigente no país, de 6,5%.

Repercussões das mensagens dos dois ministros -- até pela clareza -- justificam redobrada atenção. E as próximas medidas que serão eventualmente tomadas de lado a lado merecem ter seu potencial avaliado econômica e politicamente. Embora sob o mesmo teto, Fazenda e BC atuam em áreas distintas do governo.

Alexandre Tombini publicou, na sexta-feira à noite, a carta dirigida ao ministro da Fazenda em que explica as razões do descumprimento da meta de inflação no ano passado e as providências a serem tomadas para assegurar o seu retorno aos limites estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). No documento, em que o presidente do BC cumpre uma determinação legal, ele reiterou sua mensagem mais conservadora, que vem gerando polêmica e com poder de induzir o mercado financeiro a fazer novas apostas - ainda nesta manhã - no aumento da taxa Selic pelo Comitê de Política Monetária (Copom) no dia 20.

Tombini não parou aí, reiterando o sinal de mais aperto monetário quando credenciados economistas veem a economia brasileira em frangalhos, mas discorreu longamente sobre os efeitos de discussões e mudanças na política fiscal na formação das expectativas de inflação e de preços dos ativos financeiros.

Em julho do ano passado, esses efeitos foram sentidos. No fim de agosto teve replay, dada a perspectiva de nova mudança de trajetória para a meta fiscal implicita na proposta do Orçamento da União para 2016. O presidente do BC também não deixou de mencionar entre as razões que levaram ao descumprimento da meta de inflação, o rebaixamento da nota de crédito soberano pelas agências Standard & Poor's e Fitch Ratings que resultou na perda do dois selos "de bom pagador".

Minutos após a publicação da carta aberta de Tombini, o ministro Nelson Barbosa divulgou uma nota em que não mencionou a carta do colega. Dividiu responsabilidades. "O controle da inflação é uma prioridade do governo", afirmou Barbosa, que cresceu no enxuto discurso ao descrever que o BC está empenhado em adotar as medidas necessárias para alcançar o centro da meta estabelecida pelo CMN até o fim de 2017. E chamou para o Ministério da Fazenda, no combate à inflação, "a adoção de ações para o reequilíbrio fiscal e para o aumento da produtividade da economia."

Em conversa com a coluna, em condição de anonimato, um respeitado profissional do sistema bancário brasileiro reconheceu que o Banco Central não deve ficar silencioso quando a inflação ultrapassa tão ruidosamente o teto estabelecido pelo regime de metas vigente no Brasil, mas classificou de "heroica" a carta endereçada ao ministro da Fazenda. "O BC citou tudo o que não funcionou, mas a culpa sempre foi do outro. E não foi exatamente isso", diz o executivo, que considerou desmedido o presidente do BC tratar um ajuste macroeconômico como uma questão de política monetária. "Não é. Em um ajuste macroeconômico, a política monetária é uma parte."

Essa fonte leu os 53 parágrafos da carta de Tombini a Nelson Barbosa "mais como um discurso de condições que faltaram ao BC do que um apropriado reconhecimento de que o país atravessa um momento difícil em que se deve convocar os pares para vencer os obstáculos e cumprir metas."

Por ter sustentado um duro discurso mais acusatório do que explicativo, pondera o interlocutor da coluna, o Copom muito provavelmente será obrigado a "fazer o absurdo de aumentar a taxa Selic neste mês". Na sua avaliação, o cenário pode justificar um ajuste máximo de Selic de 100 pontos-base, nada mais. "A inflação calculada em 12 meses começará a cair em março e só esse movimento dispensa mais juro."

Esse profissional compartilha a opinião do mercado e também defende que o BC faça um esforço para mudar sua comunicação de maneira franca e com qualidade. "Neste ano, o PIB terá nova queda, a taxa de desemprego subirá a 10% ou 11%, a inflação certamente cederá até por efeito de cálculo, o BC ainda estará refém de um modelo", afirma a fonte, que lembra o fato de o regime de metas para a inflação brasileiro ser o único do mundo que acompanha um calendário anual, gregoriano.

"O Brasil é o único país do Planeta Terra que segue esse regime e tenta cumprir metas no ano-calendário. O Banco Central do Brasil também é o único BC do mundo que tenta recuperar credibilidade no ano-calendário. Tanto o cumprimento da meta quanto a credibilidade de um BC deve ser medida intertemporalmente."

A MP da impunidade – Editorial / O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff não deixa dúvidas quanto à rota que deseja impor ao País. Ela quer a manutenção da impunidade. A Medida Provisória (MP) 703, de 18 de dezembro de 2015, altera importantes regras relativas ao acordo de leniência, com o declarado intuito de permitir que as empresas investigadas por atos de corrupção continuem a negociar com o poder público como se nada de errado tivesse acontecido. Sem qualquer pudor, a presidente empenha-se em reduzir os efeitos positivos da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) e oferece uma generosa oportunidade às empresas que transitam no ilícito.

A questão é simples. A presidente Dilma Rousseff não concorda com a principal novidade trazida pela Lei Anticorrupção – a responsabilização objetiva das empresas – e usa o poder de editar medidas provisórias para abrandar suas consequências. A manobra encontrada para realizar esse espúrio desejo foi desvirtuar o acordo de leniência, transformando-o num simples meio para livrar as empresas das sanções pelos atos de corrupção.

Com a MP 703, será possível uma empresa celebrar acordo de leniência – e assim se livrar das penalidades pelos eventuais ilícitos praticados – sem revelar às autoridades qualquer fato novo. Bastaria uma promessa genérica de não delinquir no futuro para obter o bloqueio das investigações e processos em curso. Assim, o acordo de leniência perde um de seus propósitos originais, de ser um meio para obter novas informações sobre irregularidades.

A MP 703 ainda exclui a regra de que o acordo de leniência poderá ser feito apenas com a primeira empresa a se manifestar sobre o ato ilícito (art. 16, § 1º, I) – importante condição para obter informações com celeridade.

Não sem razão, o Ministério Público Federal mostrou-se preocupado com o teor da MP 703. “É um retrocesso evidente. Infelizmente, o governo federal, com a edição dessa medida provisória, introduziu um risco moral, pois, além de desincentivar o cumprimento da legislação com a mitigação da ameaça de aplicação imediata de sanções de inidoneidade, também deixou claro que não é do interesse do governo que o combate à corrupção avance sobre o sistema de poder econômico que sustenta a atividade político-partidária”, afirmou o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, em entrevista ao jornal Valor. Segundo Lima, a mensagem aos agentes econômicos é clara: “Caso necessário, ao invés de cumprir a lei, o governo federal fará tantas mudanças legislativas quanto necessárias para manter tudo como dantes”.

Também receoso quanto aos efeitos da MP 703, o Ministério Público de Contas apresentou uma recomendação ao Tribunal de Contas da União (TCU), com pedido de medida cautelar, em relação à medida presidencial. Segundo o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, com a MP 703, há risco de interferência indevida do Poder Executivo no controle externo realizado pelo TCU.

Diante dessas reações, o governo federal esquivou-se, negando a realidade. “Essa MP não é um produto do governo federal”, afirmou o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. É, no mínimo, cínica tal resposta, partindo de quem assinou juntamente com a presidente a medida. A defesa jurídica da MP por parte de Adams consistiu em dizer: “Acho que existem profetas do caos que criticam essa medida”.

“O propósito maior (da MP 703) é diminuir a incerteza e preservar empregos”, afirmou Dilma Rousseff na edição da medida. Tem razão, em parte, a presidente. A MP 703 recupera em boa medida a infeliz certeza da impunidade das empresas que há muito se acostumaram a operar de forma ilícita com o poder público. Tudo ficará como sempre foi – é o recado que a presidente se esforça em transmitir.

Quanto ao argumento da preservação de empregos à custa de não punir ilícitos, trata-se de retumbante hipocrisia. Não é desenvolvimento econômico tendo por base a corrupção e a bandalheira que o Brasil deseja e espera. Cabe ao Congresso preservar a Lei Anticorrupção e rejeitar a MP da impunidade.

IPCA de 10,7% em 2015 mostra grave descontrole da inflação – Editorial / Valor Econômico

A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 10,67% em 2015, segundo dados oficiais divulgados na sexta. A alta de preços da economia em dezembro, de 0,96%, ficou abaixo do 1,04% previsto pelos analistas, segundo o Valor Data. Embora positiva, essa pequena surpresa não muda o quadro geral de descontrole inflacionário.

Há 13 anos a inflação não chegava aos dois dígitos, um patamar que, depois do Plano Real, havia sido atingido apenas uma outra vez - em 2002, na eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que então era visto com desconfiança pelo mercado financeiro.

A retórica do governo e do Banco Central tem atribuído a aceleração da inflação a dois choques de oferta, o reajuste das tarifas de energia elétrica e a desvalorização da taxa de câmbio. Na verdade, ela é resultado de escolhas de política econômica, como o uso excessivo de impulsos fiscais para estimular a atividade, o represamento de reajustes de tarifas, excesso de intervenção do mercado de câmbio para segurar a cotação do dólar e a falta de pulso da política monetária.

O reajuste de preços administrados liderou a alta do IPCA de 2015, com um avanço de 18,08%. As contas de luz subiram, em média, 51%; os ônibus urbanos, 15,09%; taxas de água e esgoto, 14,75%; a gasolina, 20,1%; e o etanol, 29,63%. Os preços administrados, porém, só aumentaram tanto em 2015 porque o governo segurou os reajustes nos anos anteriores. Em 2014, por exemplo, as tarifas aumentaram 5,32%; em 2013, só 1,54%.

Além disso, os preços administrados são apenas uma parte do problema. O reajuste das contas de luz, por exemplo, respondeu por 1,5 ponto percentual da inflação de 2015, e os combustíveis, por 1,04 ponto. Ou seja, mesmo que o preços desses itens permanecessem estáveis, o IPCA teria ficado em 8,13%, superando o teto de 6,5% admitido pelo regime de metas de inflação.

A alta de preços na economia foi bastante generalizada, em linha com um quadro de descontrole inflacionário. Segundo o IBGE, 42,9% dos itens que compõem o IPCA tiveram aumento de dois dígitos em 2015. O chamado índice de difusão, que mostra o percentual de preços que tiveram aumento a cada mês, segue acima de 70%.

Preços que pouco têm a ver com as tarifas públicas e com a desvalorização do dólar aumentaram muito. A inflação de serviços, por exemplo, ficou em 8,09% no ano passado. Houve um leve recuo em relação aos 8,28% observados em 2014, mas ainda assim o percentual supera bastante o teto da meta de inflação.
O avanço dos preços de serviços é resultado de políticas públicas, como reajustes do salário mínimo acima dos ganhos de produtividade, que pressionam os custos de mão de obra do setor e aumentam a demanda por produtos não comercializáveis. Em 2015, a economia ainda absorvia os efeitos defasados da política fiscal expansionista do ano eleitoral.

A inflação de 2015 também foi determinada, em boa medida, pela política monetária do ano anterior. Durante a campanha presidencial, o Banco Central suspendeu o ciclo de alta de juros, que foi retomado poucos dias depois do segundo turno das eleições. Não é de hoje que a autoridade monetária tem deixado a desejar na sua missão de manter o poder de compra da moeda. Em 2014, a inflação foi de 6,41%, perto do teto da meta; nos três anos anteriores, ficou mais perto do teto da meta do que do que da meta em si, de 4,5%.

O Brasil não está condenado a viver com a inflação de dois dígitos. Em 2002 e nos anos seguintes, isso foi feito, com sucesso, até levar o IPCA a 3,14% em 2006. É necessário, no entanto, fazer o diagnóstico adequado sobre o problema inflacionário, que hoje decorre de fragilidades fiscais, e não monetárias.

Durante a primeira metade de 2015, o BC recuperou o tempo perdido, apertando de forma severa as condições monetárias, pagando inclusive um sobrepreço para recuperar a credibilidade perdida. Em meados do ano passado, as perspectivas para 2016 eram muito favoráveis. Analistas econômicos do mercado financeiro acreditavam que a inflação pudesse cair a 5,5% neste ano.

Esse cenário dissipou-se depois que cresceram as dúvidas sobre o compromisso do governo com o ajuste fiscal. O risco país aumentou, pressionando o câmbio e a inflação. Não haverá estabilidade monetária sem atacar a origem fiscal do problema.

Mudança inevitável - Editorial / O Globo

• Dilma parece enfim ter acordado para a extensão do problema, ao propor a revisão do atual modelo

Somente na última década do século XX, a expectativa de vida do brasileiro teve um aumento de 2,6 anos, pulando de 66 anos em 1991 para 68,6 anos no ano 2000. A tendência de aumentar a longevidade da população do país incrementou-se ainda mais a partir daí, e, hoje, também de acordo com o IBGE, a esperança de vida no Brasil está em torno de 75,2 anos (segundo o último levantamento do instituto, divulgado no início de dezembro de 2015, relativo aos dados recolhidos ao longo de 2014). Na década de 50, o brasileiro vivia, em média, 50 anos.

Aumento da longevidade é um fenômeno mundial. Segundo a Organização Mundial de Saúde, no último meio século, a expectativa de vida da população mundial cresceu cerca de 20 anos. São dados que impactam de alguma forma a formulação de políticas sociais: estatísticas demográficas de 50 anos atrás eram apropriadas para a época, mas de modo algum podem servir de base para programas atuais.

A expectativa de vida se aplica, principalmente, na definição da política previdenciária de qualquer país. No Brasil, onde o sistema do INSS é financiado pela contribuição dos assalariados mais jovens, a população está envelhecendo num ritmo em que o percentual de idosos já supera a proporção de jovens no mercado de trabalho. Tem-se, então, uma conta que não fecha: cada vez há, proporcionalmente, menos contribuintes para o caixa da Previdência, ao passo que aumenta exponencialmente o número de aposentados.

Todos os países se defrontaram com essa questão. O Brasil ainda está com essa agenda em aberto, principalmente porque o tema, carregado de emoção, costuma ser abordado pelos seus aspectos políticos, subjetivos, ideológicos — quando deveria ser tratado pelo viés técnico. É da essência de uma demanda em que não se pode fugir dos números. O tamanho do buraco é assustador: em 1988, a conta da Previdência correspondia a 2,5% do PIB, já em 2015 fechou a aproximadamente 7,5%. E a relação tende a piorar. Mas a presidente Dilma Rousseff parece ter, finalmente, entendido a extensão do problema, ao se mostrar disposta a propor uma reforma efetiva — e espera-se que, desta vez, para valer — da Previdência Social. A fixação de um limite mínimo na faixa de 65 anos a ser exigido na concessão de aposentadoria, razoável num país com crescente taxa de longevidade, é um positivo ponto de partida. A experiência em curso, de adotar a fórmula 85/95 (resultado da soma do tempo de contribuição com a idade para homens e mulheres se aposentar), por paliativa, não consegue conter o déficit — este ano, 124,9 bilhões, mais que os R$ 88,9 bilhões no ano passado.

A simples manifestação da presidente de encaminhar a reforma já provocou reações contrárias do PT e das organizações ditas sociais que orbitam o governo. Era esperado. Mas Dilma não tem escolha: ou enfrenta o desafio ou o buraco da Previdência engolirá qualquer esforço de equilíbrio fiscal, uma ameaça muito maior à governabilidade que os estribilhos de setores cegos à inevitabilidade da reforma.

Um projeto para o Brasil – Editorial / O Tempo (MG)

Sem condições de falar à nação pela televisão, a presidente da República convidou a imprensa para um café da manhã, pretendendo injetar um pouco de confiança na população, neste início de 2016.

Deve-se elogiar a intenção da presidente em tentar recuperar seu capital político, transmitindo à população sua obstinação de trabalhar para superar os problemas do país, agravados em seu segundo mandato.

O Brasil enfrenta uma das piores crises de sua história. A situação econômica está abatendo o ânimo da sociedade, que não vê uma perspectiva, num círculo vicioso que se reflete diretamente na economia.

O cenário interno é desfavorável, com inflação de dois dígitos, desvalorização do real, recessão e desemprego crescentes. Por causa da desaceleração da China, pouco pode-se esperar do ambiente internacional.

Nessas circunstâncias, seria preciso que a presidente apresentasse projetos consistentes e factíveis à nação. Na sua primeira entrevista, ela apresentou várias propostas, mas todas são mais ou menos duvidosas.

O governo não tem convicção sobre como sair da crise. Não existe consenso dentro do próprio governo e do seu partido e aliados. Uma luta ideológica interna contamina qualquer esforço para enfrentar o impasse.

Neste momento, seria preciso reconhecer que só boas causas não são suficientes para levar para a frente uma nação, porque é preciso que os benefícios de sua implementação se espraie por toda a sociedade.

O modelo que se instalou no país não suportou a quantidade de encargos que o governo lhe atribuiu, sem ter os meios para tanto. Os sinais do esgotamento são evidentes, mas as resistências também são enormes.

O crescimento econômico, com a recuperação das finanças públicas, não virá sem o restabelecimento da confiança no governo. Enquanto isso não ocorrer, os trabalhadores continuarão a ser sacrificados.

A sociedade reclama um novo projeto para o Brasil que lhe assegure o cumprimento de regras confiáveis e não dê margem para a execução de experiências ditadas simplesmente pela vontade dos governantes.

Crise atual pode ser a pior desde redemocratização, diz Aécio

• Em entrevista a revista de Harvard, tucano vê programas sociais afetados

• Presidente do PSDB critica ainda política externa de Dilma e defende mudanças nas regras do Mercosul

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Para o senador e presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), a atual crise política e econômica do país pode ser considerada a pior desde a redemocratização, em 1985.

Em entrevista à revista americana "Harvard International Review", da Universidade Harvard, o líder tucano critica políticas econômicas adotadas desde 2011, durante o governo Dilma Rousseff, e defende outra estratégia para as relações internacionais do país.

"O Brasil tem um problema político momentâneo causado pelo desmantelamento provocado pelo PT devido à corrupção e a escolhas políticas e econômicas irresponsáveis. Nesse sentido, pode-se dizer que o Brasil está vivendo seu pior momento político, e o descontentamento está por todo o país", afirma.

Como exemplos de crises, o senador menciona ainda a hiperinflação de 1989 e o impeachment de Fernando Collor, em 1992, sem citar, contudo, a petição pelo afastamento de Dilma que tramita na Câmara.

Sobre o Bolsa Família, Aécio diz que os benefícios dos programas de transferência de renda do governo estão sendo anulados pelo crescimento lento da economia e a alta do desemprego.

"Como o governo atual adotou políticas econômicas equivocadas, os programas sociais se tornaram menos efetivos em diminuir a pobreza", afirma. "É necessário restabelecer a estabilidade econômica e a credibilidade política para recuperar a capacidade do governo em implementar as políticas certas que promovam crescimento econômico, desenvolvimento e justiça social", completa.

Política externa
Questionado sobre a diplomacia brasileira nos últimos anos, Aécio defende uma "reorientação estratégica dos eixos principais da política externa".

"Não podemos esperar que a política externa do Brasil continue a perseguir uma estratégia 'Sul-Sul' na América Latina ou em qualquer outra região baseada exclusivamente em orientação e alinhamento ideológicos, em vez de valores democráticos e mercado livre", diz o senador.

"Apoiar um regime autoritário como o de Nicolás Maduro na Venezuela ou deixar de condenar as atrocidades do Estado Islâmico, por exemplo, minam a capacidade do Brasil de ser um líder real regional e globalmente", completa Aécio.

O líder do PSDB sugere ainda que o Mercosul passe a permitir que seus membros negociem acordos bilaterais de comércio e que a parceria Brasil e Estados Unidos pode trazer mais benefícios ao continente americano.

Crise atual já rebaixou 3,7 milhões da classe C

Por Camilla Veras Mota – Valor Econômico

SÃO PAULO - O aumento do desemprego e a queda de renda dos brasileiros já mostra impacto na mobilidade social no país. Pelo menos 3,7 milhões de pessoas deixaram a classe C e voltaram para as classes D e E entre janeiro e novembro do ano passado. Estudo da economista Ana Maria Barufi, do Bradesco, com base nos dados de renda da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, indica que a participação da classe C na pirâmide social brasileira caiu dois pontos percentuais nesse período, passando de 56,6% para 54,6%.

Apesar disso, essa camada ainda tem o maior contingente de brasileiros, com 103,6 milhões de pessoas. Compõem esse grupo indivíduos de famílias com renda mensal entre R$ 1.646 e R$ 6.585. Na classe D estão famílias com renda de R$ 995 a R$ 1.646 e na E, de até R$ 995.

Diante do cenário de aprofundamento do desemprego, a economista não vê perspectiva de reversão da tendência. As recessões afetam mais as classes mais baixas, já que as vagas que demandam menor qualificação são as primeiras a serem cortadas. Assim, é provável que a classe C volte a ter menos de 50% do total da população, patamar de 2010.

"O nível de consumo atrofiado sinaliza que a mobilidade para baixo está em curso", afirma o economista Altamiro Carvalho, da FecomercioSP. Pesquisa feita em setembro pela entidade mostrou que 1,2 milhão de famílias caíram de classe social na primeira metade de 2015. "De lá para cá, o ritmo de queda da renda só aumentou e os preços subiram ainda mais".

Mauricio Prado, do instituto Plano CDE, afirma, porém, que as conquistas sociais dos últimos dez anos forjaram uma classe C "menos vulnerável", que deve reagir a esta crise de uma forma diferente. Parte dos bens de consumo adquiridos nos últimos anos, por exemplo, serão usados para gerar renda extra. Pesquisa feita pela consultoria no ano passado com 120 famílias apontou que 40% delas usavam os eletrodomésticos com essa finalidade.

Crise devolve quase 4 milhões às classes D e E
O aumento do desemprego e a queda nos rendimentos dos brasileiros já mostram efeito sobre o processo de mobilidade social em curso no país de meados de 2004 até 2014. A economista do Bradesco Ana Maria Barufi, com base nos dados de renda da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), calcula que, entre janeiro e novembro do ano passado, a participação da classe C na pirâmide social brasileira caiu dois pontos percentuais, passando de 56,6% para 54,6%. Com 3,7 milhões de pessoas a menos, o grupo passou a somar 103,6 milhões.

Uma parcela dessa queda alimentou as classes D e E, cuja participação avançou de 16,1% para 18,9% e de 15,5% para 16,1% no período. Com o agravamento e o alongamento da crise, não está descartada a possibilidade de a classe C voltar a responder por menos de 50% do total da população do país - nível semelhante ao registrado em 2010.

O levantamento tem como base os cortes de renda estabelecidos pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), atualizados para valores de 2015. Assim, a classe C compreende as famílias com renda mensal entre R$ 1.646 e R$ 6.585, a classe D, de R$ 995 a R$ 1.646 e a classe E, até R$ 995. A distribuição percentual das faixas, por sua vez, é feita sobre a média móvel em 12 meses do contingente populacional.

"O problema é que não se vê reversão dessa tendência [no curto prazo]", afirma Ana Maria, ressaltando o cenário de aprofundamento do desemprego esperado para 2016. As recessões afetam mais rapidamente e de forma mais intensa as classes mais baixas, ela pondera, já que as vagas que demandam menor qualificação são as primeiras a serem cortadas em períodos de ajuste.

No caso do Brasil, a inflação mais alta, superior a 10% no acumulado em 12 meses, é um agravante nesse sentido, pois penaliza mais essa fatia da população, que tem parte expressiva do orçamento doméstico comprometida com gastos básicos - alimentação, energia e transporte. Dentro desse panorama, avalia a economista, é bastante provável que a desigualdade de renda aumente no país nos próximos anos - movimento que ainda não aparece nos dados oficiais mais recentes, da Pnad de 2014.

"O nível de consumo atrofiado sinaliza que essa mobilidade 'para baixo' está em curso", concorda o assessor econômico da FecomercioSP, Altamiro Carvalho. Pesquisa feita em setembro pela entidade com base nos dados de inflação e da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) mostrou que 1,2 milhão de famílias caíram de classe social na primeira metade de 2015. "De lá para cá, o ritmo de queda da renda só aumentou e os preços subiram ainda mais".

Para Mauricio Prado, sócio-diretor do instituto Plano CDE, dedicado a pesquisas relacionadas à base da pirâmide, a classe C não deve sofrer grande variação numérica até o fim deste período recessivo. Seu perfil, entretanto, tende a mudar nos próximos anos, ele diz, diante da expectativa de que parte das famílias volte às classes D e E e que uma fatia das faixas de mais alta renda compensem parte dessa migração, passando à classe C.

As conquistas sociais dos últimos dez anos, ele defende, forjaram uma classe C "menos vulnerável", que deve reagir a esta crise de uma forma diferente às anteriores. Parte dos bens de consumo adquiridos nos últimos anos, por exemplo, devem ser usados como geradores de renda extra. Um pesquisa feita pela consultoria no ano passado com 120 famílias apontou que 40% delas usavam os eletrodomésticos com esse fim.

O maior acesso à internet, por sua vez, pode virar um instrumento mais eficiente para fazer pesquisas de preço ou para se comunicar com os clientes. "A classe C também está mais escolarizada", completa.

Os cortes que essa população fará no orçamento, por sua vez, serão baseados em uma "decisão de 'trade off' mais sofisticada". As pesquisas mais recentes da Plano CDE mostram, por exemplo, que muitas famílias preferiram abrir mão de itens do supermercado a cancelar o plano de internet. "Os serviços passam a competir com os bens de consumo", acrescenta.

Perda de 'colchão social' deve piorar quadro
Parte do "colchão" fornecido pelo sistema de proteção social, que retarda os impactos da retração da economia sobre a população, deve minguar neste ano com a continuidade do processo de perda de vagas com carteira assinada iniciado em 2015. Depois de cortar quase 2 milhões de postos no ano passado, o mercado formal deve promover mais de 1 milhão de demissões em 2016, conforme as estimativas mais recentes.

"Uma parcela importante das melhorias sociais observadas depois dos anos 2000 decorreu do aumento da formalização", destaca a economista Ana Maria Barufi, do Bradesco. Conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), esse processo já foi interrompido em 2014, quando a proporção de trabalhadores formais - com acesso, portanto, desde a instrumentos como seguro-desemprego, abono salarial e FGTS a benefícios indiretos como crédito consignado - passou de 58% para 57,7%.

Apesar da piora expressiva observada no mercado de trabalho, no entanto, a economista afirma que o aumento do desemprego não deve ser severo o suficiente para levar o nível de formalização a patamares anteriores ao registrado em 2004, quando 45,7% dos trabalhadores empregados no país tinham carteira assinada.

Ainda assim, diante da redução do alcance do sistema de proteção social, ressalta, a proposta de corte no programa Bolsa Família aventada pelo relator do Orçamento deste ano é "absurda". "O corte seria inócuo em termos fiscais e o impacto social é enorme", emenda.

A renda das aposentadorias deve continuar tendo peso importante para amortecer as perdas salariais, acrescenta Bruno Campos, da LCA Consultores. No ano passado, ela conseguiu compensar a queda, mantendo a renda per capita positiva em 0,1%, conforme as estimativas da instituição para a Pnad Contínua.

"Em 2016, contudo, o cenário deve se reverter", ele avalia. A combinação da contração de 0,7% dos salários e queda de 1,8% da ocupação terá forte impacto na massa de renda total, que não deverá ser completamente absorvida pelo crescimento da renda previdenciária - levando a massa a encolher 0,9%. Ainda com base na Pnad Contínua, o desemprego médio deve saltar de 8,6% para 11,7%, estima a LCA.

O Bradesco calcula que as aposentadorias e pensões respondem por 34,2% e 37,9% da massa de rendimentos das classes D e E, nessa ordem, contra 19,9% na classe C e 15,6% na classe A.


CPI dos Fundos de Pensão quer convocar Wagner

Diante da informação de que o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) teria atuado em favor da OAS junto ao Funcef, a CPI dos Fundos de Pensão da Câmara vai tentar convocá-lo a depor.

• Possível ligação de ministro com OAS deve ser alvo de investigação

Leticia Fernandes, Gabriela Valente - O Globo

-BRASÍLIA- A CPI dos Fundos de Pensão da Câmara quer convocar o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, para esclarecer sua ligação com o Funcef, fundo dos funcionários da Caixa Econômica Federal. Mensagens obtidas no celular do presidente da OAS, Léo Pinheiro, divulgadas pelo “O Estado de S.Paulo”, mostram que Wagner intercedeu em favor da empreiteira em negócios com o fundo. O presidente da CPI, deputado Efraim Filho (DEM-PB), garantiu que vai pautar no início de fevereiro os requerimentos apresentados na semana passada. A primeira reunião da Comissão será no dia 2.

— Começaremos fevereiro com o pé no acelerador. A gente espera contar com a aprovação do requerimento, já que esses desvios nos fundos de pensão são a face mais cruel desse escândalo de corrupção — disse Efraim Filho.

O deputado afirmou que a CPI trabalha em três frentes: aparelhamento das instituições, tráfico de influência e direcionamento de negócios para interesses político-partidários. Uma das descobertas da Comissão foi que, dos quatro fundos investigados, três são presididos por filiados ao PT — o Postalis, fundo dos funcionários dos Correios; a Petros, fundo dos funcionários da Petrobras; e o Funcef. Só o Previ, do Banco do Brasil, não é controlado diretamente pelo partido, segundo o parlamentar.

— Os fundos de pensão apresentam o mesmo modus operandi do petrolão na Petrobras. Já descobrimos que atualmente três dos quatro diretores de fundos de pensão são filiados ao PT.

O presidente da CPI disse ainda que, com as revelações sobre Jaques Wagner e outras atuações suspeitas, começa-se a provar a tese do tráfico de influência.

Líderes se dividem
A relação do ministro da Casa Civil com a OAS foi criticada por líderes da oposição, que apontaram a pasta como a “sede” do tráfico de influência exercido pelo governo. Ao mesmo tempo, parlamentares ponderaram que interceder em favor de empresas não é condenável nem ilegal, contanto que feito de forma transparente. Líderes da base aliada no Congresso acreditam, no entanto, que as revelações tornam tensa a volta dos trabalhos legislativos, em fevereiro.

— Não vejo a ação dele de uma forma isolada, é o quinto ministro-chefe da Casa Civil com o mesmo tipo de acusação. Começou com o José Dirceu, teve (Antonio) Palocci, Erenice (Guerra), Aloizio Mercadante, todos envolvidos em tráfico de influência claro, usando os instrumentos do governo para favorecimento do partido — criticou o senador José Agripino Maia (DEM-RN).

Interlocutores do Palácio do Planalto avaliam que o ministro tornou-se um alvo político e que o impacto no curto prazo é inevitável. No entanto, as denúncias divulgadas até agora são consideradas frágeis.

— É uma crise que não tende a perdurar — avaliou um interlocutor.
Assessores palacianos avaliam que a divulgação das denúncias pouco a pouco prejudica a imagem do petista, considerado o grande articulador político do governo e alternativa para as próximas eleições caso o ex-presidente Lula não concorra.

Para o senador Paulo Rocha, líder interino do PT no Senado, faz parte do papel do governante administrar interesses de empresas. Na época das denúncias, Wagner era governador da Bahia:

— Vivemos numa sociedade de interesses. Então, uma empresa que tem interesse de se instalar num estado procura o governador, ou o político mais próximo dele. Essa “troca de telefone” é um processo normal da democracia, mas tem que ser feito com transparência. Todo mundo procura alguém para atender a seus interesses — disse o petista, criticando o vazamento seletivo de informações.

Com Wagner no alvo, governo acelera medidas para a economia

• Planalto tenta apressar estímulos a setores como construção civil a fim de amenizar onda negativa contra ministro

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo tenta apressar o lançamento de medidas de estímulo à economia para tirar o foco das denúncias contra o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, e dos desdobramentos da Operação Lava Jato. Embora o Palácio do Planalto não considere as acusações “comprometedoras”, a avaliação do núcleo próximo à presidente Dilma Rousseff é a de que Wagner virou alvo justamente por seu papel na estratégia de evitar o impeachment e também pela ausência de uma “agenda positiva” para se contrapor à crise política.

A preocupação do Planalto é que as medidas para a economia, previstas para fevereiro, também têm potencial para provocar divergências. A ideia de Dilma é ouvir sindicalistas, empresários e líderes da base antes de divulgá-las. Além da concessão de crédito para impulsionar setores como a construção civil, Dilma disse que pretende “perseguir” ações de maior fôlego, como as reformas da Previdência e tributária.

Wagner aparece em mensagens interceptadasAntes da nova leva de denúncias da Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já havia aconselhado Dilma a aproveitar o recesso parlamentar para se reaproximar do vice Michel Temer, que comanda o PMDB, e de deputados e senadores da base. O governo avaliava que a crise daria uma trégua em janeiro, mas foi “atropelado” pelas acusações contra Wagner.

A apreensão no Planalto e no PT tem motivo: capitão do time e um dos principais encarregados de fazer o segundo mandato de Dilma “funcionar”, o chefe da Casa Civil é o nome mais cotado do PT para a sucessão da presidente, em 2018, caso Lula não queira ou não possa ser candidato.

“A falta de perspectiva econômica ocorre por causa dessa crise política, que só se agrava”, disse o senador Jorge Viana (PT-AC).

A divulgação de mensagens interceptadas por investigadores da Lava Jato, reveladas pelo Estado, indicaram a proximidade de Wagner com o ex-presidente da empreiteira OAS José Adelmário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, um dos condenados por participação no esquema de corrupção da Petrobrás. Há desde negociação de apoio financeiro ao candidato do PT à Prefeitura de Salvador em 2012, Nelson Pellegrino, a pedidos de intermediação de Wagner, então governador da Bahia, com o Planalto para favorecer empresários.

Além disso, o ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, um dos delatores da Lava Jato, disse que Wagner recebeu recursos desviados da estatal na campanha de 2006. O ministro afirmou que não foi divulgada até agora qualquer prova contra ele e chamou as denúncias de “ilações”, de gente que “ouviu dizer”.

Interlocutores de Dilma atribuíram os “vazamentos ilegais e seletivos” ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que nega a acusação. “Todo dia há vazamentos de órgão do governo contra mim e ninguém fala nada”, afirmou. Cunha aparece nas mensagens de Léo Pinheiro, assim como os ministros Edinho Silva (Comunicação Social) e Henrique Alves (Turismo)

Contra o impeachment: Guerra declarada

Pelas redes sociais, entre petistas e a base aliada, começa a circular documento com dez itens para defender a presidente Dilma Rousseff do impeachment. O primeiro ponto sustenta que há um “pecado original” no processo: o fato de ter sido acolhido por “ato de vingança pessoal” do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

• Com orientação do Planalto, documento nas redes propaga que impeachment é insustentável

Júnia Gama - O Globo

-BRASÍLIA- Sob orientação do Palácio do Planalto, começa a circular nas redes sociais, entre a militância petista e a base aliada, um documento com dez pontos para defender a presidente Dilma Rousseff do impeachment, que será analisado pelo Congresso a partir de fevereiro. Baseado nas defesas feitas nas frentes jurídica, técnica, política e econômica, o texto compila argumentos utilizados para propagar a tese de que o impeachment é “insustentável”. Os pontos são trechos resumidos e sistematizados de defesas do coordenador jurídico da campanha à reeleição de Dilma, o advogado Flávio Caetano; da nota técnica do Ministério do Planejamento sobre os decretos não numerados; e de ideias já defendidas pela AGU, entre outros.

A previsão é que partidos da base, líderes aliados, movimentos sociais, sindicatos e cidadãos recebam o compilado para poder fazer uma defesa mais sólida contra o afastamento de Dilma. O texto, já no primeiro ponto, polariza com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), afirmando que há um “pecado original” na tramitação do pedido de impeachment, por ter sido acolhido por um “ato de vingança pessoal” do peemedebista, conforme tem defendido Flávio Caetano. Cunha acatou o pedido de impeachment elaborado pelos juristas Miguel Reale Junior, Hélio Bicudo e Janaína Paschoal, no início de dezembro, no mesmo dia em que os deputados do PT que integram o Conselho de Ética anunciaram que votariam pela admissibilidade do processo de cassação do seu mandato.

No segundo ponto, prossegue o ataque contra Cunha. Segundo o texto, o pedido foi acolhido “por uma autoridade submetida a processo de investigação, no país e fora dele, por quebra de decoro parlamentar e diversos crimes comuns, entre os quais corrupção e lavagem de dinheiro”, e a abertura do processo tornou-se a “oportunidade para desviar a atenção da opinião pública e da própria investigação criminal”.

Estratégias casadas contra o impeachment
Apesar de considerar que o clima pró-impeachment arrefeceu durante o recesso, o governo quer se armar para a volta dos trabalhos legislativos, quando a oposição — tendo Eduardo Cunha à frente — voltará a pressionar pelo afastamento de Dilma Rousseff.

O Palácio do Planalto pretende atuar com estratégias casadas para vencer a batalha do impeachment. Além da argumentação contrária e de ações na área econômica para recuperar a credibilidade, interlocutores do governo defendem um endurecimento nas cobranças sobre a base aliada para que assegure os votos necessários a uma vitória confortável no Congresso. Para isto, a articulação política do governo tem em mãos um mapeamento dos cargos e demais benefícios entregues aos parlamentares a fim de pressioná-los por um apoio mais efetivo.

O próprio Eduardo Cunha será alvo da ofensiva. As indicações do presidente da Câmara para cargos nos segundo e terceiro escalões, mesmo que em parceria com outros parlamentares, estão sendo devidamente escrutinadas pelo governo e, segundo assessores palacianos, serão revertidas.

— Quem está com o governo tem que mostrar que está de fato. A base aliada precisa mostrar seu apoio a fim de termos uma margem confortável de votos para vencer o impeachment — afirma um interlocutor do Planalto.

O terceiro argumento do documento, mais genérico, diz que as situações postas no pedido de impeachment não configuram crime de responsabilidade que possa ser imputado à presidente da República. Para o Palácio do Planalto, não há entendimento de que, com os atos alegados, a presidente atentou contra a Constituição.

Argumentos rebatem tese das pedaladas
Em seguida, há uma investida para minimizar a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que reprovou, em outubro do ano passado, as contas do governo federal de 2014, alegando a existência de irregularidades, como as “pedaladas fiscais”. Segundo o texto, a deliberação do TCU tem caráter “meramente opinativo” e depende da avaliação do Congresso. O relator do caso na Comissão Mista de Orçamento, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), da base aliada, contrariou o TCU e apresentou, no último dia antes do recesso, parecer favorável à aprovação das contas presidenciais. Seu relatório será votado na volta do recesso.

Outro ponto rebate a tese de que o governo continuou a realizar as “pedaladas fiscais” em 2015. Em outubro, a oposição fez um aditamento ao pedido de impeachment para incluir informações sobre atrasos em repasses a bancos públicos para cumprir a meta orçamentária em 2015 e, assim, superar o argumento de que atos cometidos no mandato anterior não podem implicar responsabilizações sobre o atual mandato. O Planalto defende que é “ainda mais prematuro” acolher pedido de impeachment baseado na análise das contas de 2015, por não terem sido sequer objeto de manifestação prévia do TCU.

O texto destaca que, sem manifestação do Congresso, seria “impossível” afirmar que houve formal rejeição das contas do governo e que o parecer do TCU pode ser rejeitado.

O sétimo ponto diz respeito à avaliação do TCU de que o governo Dilma incorreu em crime de responsabilidade ao usar recursos de bancos públicos para melhorar o resultado das contas da União. O texto afirma que “falta qualquer ato de ofício da Presidência da República” que determine ou operacionalize a concessão de subsídios econômicos a bancos públicos ou privados.

O documento nega que as pedaladas resultantes dos subsídios econômicos concedidos ao Banco do Brasil em 2015 configurem operações de crédito que contradizem a Lei de Responsabilidade Fiscal. Destaca ainda que “não há culpa formada”, porque o TCU ainda não decidiu sobre a responsabilidade dos agentes públicos que praticaram esses atos e que o resultado também depende de manifestação do Congresso.

O texto diz também que os decretos não numerados que são objeto da acusação estariam “amparados” na lei Orçamentária Anual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2015. O décimo ponto alega que esses decretos não aumentaram o total das despesas da União que podiam ser executadas no Orçamento e que teriam apenas possibilitado que os órgãos remanejassem recursos internamente.

O decálogo anti-impeachment


·  O governo preparou um documento para defender a presidente Dilma Rousseff. Os pontos serão entregues a
lideranças da base aliada e para a militância petista

1.    “Pecado original”: o pedido foi acolhido sem justa causa, movido por um ato de vingança pessoal do presidente da Câmara dos Deputados.

2.    O acolhimento foi feito por autoridade submetida a processo de investigação, no país e fora dele, por quebra de decoro parlamentar e diversos crimes comuns, entre os quais corrupção e lavagem de dinheiro. A abertura do processo de impeachment é oportunidade para desviar a atenção da opinião pública e da investigação criminal.

3.    As situações postas não configuram crime de responsabilidade que possa ser imputado à presidente da República.

4.    A decisão de “não aprovação” das contas do governo de 2014 pelo Tribunal de Contas da União tem caráter meramente opinativo e depende da avaliação do Congresso.

5.    As contas de 2015 ainda não foram objeto de manifestação prévia do TCU.

6.    Sem manifestação do Congresso, é impossível afirmar que houve efetiva e formal rejeição das contas do governo.

7.    Não há ato de ofício da Presidência da República que determine ou operacionalize a concessão de subsídios econômicos a bancos públicos ou privados.

8.    As pedaladas fiscais não configuram operações de crédito na forma da Lei de Responsabilidade Fiscal, e o TCU e o Congresso ainda não examinaram a responsabilidade dos agentes públicos envolvidos.

9.    Os decretos não numerados que são objeto da acusação autorizam somente despesas discriminadas na LOA e na LDO e com orçamento aprovado pelo Congresso.

   10.  Os decretos não aumentaram o total das despesas da União que podiam ser executadas no Orçamento, apenas possibilitaram que os órgãos remanejassem recursos internamente.