terça-feira, 10 de agosto de 2010

Reflexão do dia – Luiz Werneck Vianna


Não se perde por esperar porque, lá longe, já sopra um vento sudoeste, e isso, como sempre se soube, é sinal de chuva grossa. A bonança dessa sucessão é de mau agouro, pois mantém a atenção descuidada do que vem por aí, uma vez que ela não corresponde a um estado de coisas realmente existente, e sim à crença que ultimamente se alastrou entre nós, de que atingimos, nestes 16 anos de PSDB e de PT, o ponto ótimo, e final, da história do Brasil.


(Luiz Werneck Vianna, no artigo, ‘Ventos Sudoeste’, no Valor Econômico, ontem, 9/8/2010)

A vida de Gramsci* :: Otto Maria Carpeaux**

DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

“Lembro-me de que, quando li o artigo, pensei: o meu valente amigo católico, finalmente, encontrou o seu marxista”. (Leandro Konder, no artigo 'Oto Maria Carpeaux', em 23/2/1990)

Antonio Gramsci é o fundador do Partido Comunista da Itália. A história das suas lutas, do seu martírio no cárcere e das vitórias póstumas do seu espírito é leitura edificante para os adeptos do credo político que foi o seu. Mas suas atividades de altiva independência em parte só agora reveladas, também o tornam caro a todos os que apreciam a heresia, the right to dissent, em suma: a liberdade. A recordação de Gramsci deve ser igualmente cara a todos os que reivindicam a verdadeira democracia, contra as hipocrisias do elitismo. Sua obra de grande intelectual — um dos maiores do século XX — inspira respeito até aos adversários do seu credo: inspirou respeito também ao intransigente Benedetto Croce que “só com reverência e com afeto” se permitiu falar desse morto, desse símbolo vivo de uma resistência inquebrantável nos cárceres mais escuros da tirania. Antonio Gramsci foi um mártir e quase um santo. Sua história é um exemplum vitae humanae.

A vida de Gramsci! Seria um livro para todos. Mas não pretendo escrevê-lo. Em parte porque minha intenção é outra; em parte porque os fatos já são bem conhecidos, de modo que basta recordá-los.

1. Antonio Gramsci nasceu em 23 de janeiro de 1891 em Ales, província de Cagliari, na Ilha de Sardegna, na parte mais pobre e mais atrasada da Itália, filho de gente humilde ao qual só duras privações permitiram o estudo na Universidade de Turim, onde em 1915 aderiu ao socialismo, no mesmo ano em que Benito Mussolini saiu das fileiras do partido socialista para entrar nas do nacionalismo reacionário e belicoso, que seria depois o berço do fascismo. Enquanto o renegado sonhava, nas trincheiras, sua futura ditadura, o jovem Gramsci organizou em 1917 a greve dos operários de Turim contra a continuação da guerra. Restabelecida, precariamente, a paz européia, e entrando a Itália numa fase de graves perturbações sociais, Gramsci fundou o semanário Ordine Nuovo que reuniu em breve os mais avançados intelectuais da península.

Organizou os consigli di fabbrica que, em momentos de greve, ocuparam fábricas e usinas, preparando-se para administrá-los. Em abril de 1920 dirigiu a greve geral. No Congresso do Partido Socialista Italiano em Livorno, em janeiro de 1921, foi Gramsci o líder da ala radical que saiu, constituindo-se como Partido Comunista Italiano. Foi o primeiro secretário-geral desse partido, que o elegeu deputado e do qual fundou o órgão jornalístico, o diário L´Unità. Enquanto isso, fortaleceu-se cada vez mais a ditadura fascista, que ainda tolerava a existência do Parlamento para oferecer ao estrangeiro o espetáculo de uma democracia simulada. Mussolini conseguiu vencer a crise mais grave do seu regime, a indignação moral do país inteiro depois do assassinato de Matteoti. Só então, o terrorismo iniciou, sem freios, a opressão totalitária. Os mandatos dos deputados oposicionistas foram cassados. Perdida a imunidade parlamentar, Gramsci foi preso em 8 de novembro de 1926 e confinado na ilha de Ustica, perto de Palermo. Alguns meses depois, transportaram-no de volta, algemado, para Roma. Processo perante o Tribunal especial. O Promotor falou com franqueza: “Devemos”, dizia aos juízes, “inutilizar por 20 anos esse cérebro perigoso”: a 20 anos de reclusão na Penitenciária de Turi, perto de Bari, foi Gramsci condenado. Submeteram-no a um regime severo, embora permitindo-lhe escrever cartas e notas, permissão da qual nasceu a imponente obra desse espírito encarcerado. Mas em 1933 os sintomas da tuberculose dos ossos tornaram-se evidentes. A doença fez progressos rápidos. Enfim, as autoridades fascistas não quiseram que o preso morresse como mártir dentro dos muros do cárcere. Gramsci foi solto três dias antes do desenlace. Morreu em 27 de abril de 1937 numa clínica particular em Roma. Foi sepultado no Cemitério dos Ingleses, à sombra da Pirâmide de Cestio, perto do túmulo de Keats. Uma coroa de verdes permanentes, com fita vermelha, indica o lugar em que dormem seus pobres restos mortais.

2. Seria esta a vida de Antonio Gramsci: de um homem morto há 29 anos e que não acreditava na ressurreição dos corpos. Acreditamos, por nossa vez, no preceito evangélico que manda deixar aos mortos o mister de enterrar os mortos. Importam os vivos. No túmulo de Keats, perto daquele de Gramsci, o poeta infeliz mandara gravar as palavras: “Eis um cujo nome foi escrito na água”. Mas na verdade tinha escrito os versos imortais em língua inglesa. Quando Antonio Gramsci foi, em 1937, enterrado, o que ele tinha feito e pensado também parecia “escrito na água”. E hoje sua personalidade está mais viva que jamais e o poeta Pier Paolo Pasolini, no colóquio com o sepultado do Cemitério dos Ingleses que abre o volume Le ceneri di Gramsci, pode acrescentar “às fadigas, contradições, pensamentos, atos, lutas e vitórias” a homenagem de una luce poetica. A personalidade de Gramsci continua uma força viva.

Tratando-se de um discípulo de Croce — à filosofia do pensador napolitano dedicou Gramsci um volume, escrito na prisão —, temos o direito de empregar a distinção crociana entre a personalidade empírica e a personalidade “poética”, isto é, que se exprime através de versos ou de pensamentos ou mesmo de ação. A personalidade “atual” de Gramsci desapareceu. Mas sua personalidade “poética”, de escritor, pensador e homem de ação, continua atual e é — veremos — uma atualidade para nós e conosco. Eis por que importa a Vida de Gramsci.

Muitos estrangeiros, fora da Itália, já se admiravam do alto nível intelectual do Partido fundado por Gramsci. Intelectuais de estatura, os líderes Palmiro Togliatti e Umberto Terracini. Ao PCI pertencem ou pertenceram grandes professores universitários como Luigi Russo, Eugenio Garin e Natalino Sapegno, escritores como Cesare Pavese, Elio Vittorini, Alberto Moravia, Salvatore Quasimodo, Vasco Pratolini, Pier Paolo Pasolini, os cineastas Vittorio De Sica, Cesare Zavattini, Lucchino Visconti, o pintor Guttuso, o compositor Nono. A fascinação exercida pela personalidade já desaparecida, pela recordação de Gramsci tem contribuído para essa atração intelectual do Partido. Decisivo, porém, é um fato do qual o fundador do Partido apenas participa. Durante mais de 30 anos, a filosofia de Benedetto Croce dominava espiritualmente a Itália, inclusive os anticrocianos que nunca conseguiram livrar-se totalmente da influência do filósofo. Toda a vida italiana da primeira metade do século XX, a literatura, as disciplinas históricas e científicas, o pensamento político e econômico estavam e estão imbuídos de espírito filosófico. Um antimarxista italiano não é ou não precisa ser um propagandista vulgar, mas é ou pode ser um crociano. Um marxista italiano é, em regra, um ex-crociano. Antonio Gramsci também foi ex-crociano e essa sua formação filosófica abriu-lhe os olhos para interpretações erradas, porque pouco filosóficas, do marxismo.

Como secretário-geral do Partido fundado por ele, Gramsci teve de combater radicalismos (“a doença infantil do radicalismo”) e a tentação contrária de acomodação reformista. Enfim, a vitória total da ditadura fascista acabou com os adversários de Gramsci dentro do Partido: tornando impossível a revolta armada exigida pelos radicais e recusando a adesão dos reformistas. Gramsci já estava na Penitenciária de Turi — e esse contraste, entre o ditador vitorioso e soberbo e o preso reduzido à impotência e o silêncio — é a primeira vez que a atualidade de Gramsci, hic et nunc, aqui e agora, nos toca vivamente.

Pois qual tinha sido o “crime” que levara Gramsci para o cárcere? Não penso em pintar-lhe o retrato como de um anjo inocente, condenado sem culpa nenhuma. Foi ele homem de ação revolucionária, disposto a subverter pela força e pela violência a ordem estabelecida. Mas apenas estava disposto para tanto, sem chegar a realizar seus projetos, ao passo que o ditador fascista tinha realizado a subversão, colocando-se a si próprio acima de todas as leis humanas e divinas e atribuindo-se o direito de punir com requintes de crueldade, e inapelavelmente, o crime político que ele próprio perpetrou. Alega-se salvar a democracia ou a civilização ocidental, destruindo-se a democracia e violando-se a civilização. Compreendemos, hic et nunc, aqui e agora, a situação de Mussolini na ditadura e a de Gramsci na prisão. É uma atualidade que continua e percebemos que Gramsci, embora postumamente, venceu.

3. Mas não vamos antecipar nada. Ainda estamos em 1926: Gramsci na prisão, e os democratas italianos de todas as nuanças perseguidos e no ostracismo. Como se comportar, nessa situação aparentemente sem saída? Comportavam-se como se todos estivessem, com Gramsci, na prisão. Esperavam um milagre: pela marcha inexorável dos acontecimentos históricos. O preso, dentro dos muros da Penitenciária de Turi, sabia disso; e discordou. Reconheceu, sim, naquele fatalismo passivo uma fonte de fortalecimento moral em tempos de opressão. Definiu a fé em certa razionalità della storia como sucedâneo da fé dos cristãos na Providência divina. Mas rejeitou a analogia, exigindo a permanente tomada de consciência, única fonte possível — naquelas circunstâncias — do futuro ativismo revolucionário.

Esse ativismo é bem marxista. Ou então, para defini-lo mais exatamente: é marxista-leninista. Mas Gramsci não encontrara os argumentos para refutar o fatalismo nem em Marx nem em Lenin. Sua doutrina da consciência como fonte de ação — que lembra, de longe, pensamentos de Lukács e Ernst Bloch — é herança do seu mestre ou ex-mestre Croce. Como discípulo do filósofo de Nápoles, exigiu Gramsci um marxismo humanista, base etica del nuovo Stato. Como discípulo de Croce, Gramsci não podia imaginar a revolução política e social sem a consideração devida dos fatores culturais. Mas esses pensamentos e raciocínios todos não seriam tipicamente revisionistas?

A crítica de Gramsci contra as falsas interpretações do marxismo, unilateralmente economicistas e mecanicistas, também se baseia em pensamentos de Croce. Enquanto o Partido Comunista Italiano sempre, desde 1945, defendeu a ortodoxia, no sentido de Moscou, como doutrina de Gramsci, os adversários do Partido nunca deixaram de focalizar aquelas diferenças: o santo do comunismo italiano também é venerado como santo nos altares do revisionismo internacional, ao lado de Trotski, Bogdanov, Deborin, Lukács, Bloch e Lefebvre. A verdade é que nos escritos e manifestações de Gramsci se encontram trechos e frases capazes de justificar esta e aquela interpretação. Seriam as “contradições” às quais Pasolini, em Le ceneri di Gramsci, prestou a homenagem de sua luce poetica. Estou convencido que essas contradições se revelarão, futuramente, como elos do seu pensamento dialético. Limito-me, agora, a focalizá-las sem tentativa nenhuma de escondê-las.

Bem ortodoxamente exigiu Gramsci, antes de tudo, a unidade doutrinária. Mas para justificá-la apelou, mais uma vez, para Croce: como este, citou o exemplo da unidade doutrinária do catolicismo. Anticlerical, como sempre foram os intelectuais italianos, Gramsci não é, no entanto, anticatólico. Venera, de longe, a Igreja à qual não pertence. Pretende aproveitar a milenar experiência moral da instituição de Roma. Exige que os comunistas preservem a disciplina intelectual e moral de um clero. É assim que ele entende o Partido.

O escrito básico de Gramsci, a esse respeito, é sua interpretação originalíssima de Maquiavel. O fascismo vitorioso tinha proclamado o “Duce” como reencarnação do “Príncipe”; e todo mundo, dentro e fora da Itália, tinha concordado, acostumado como se estava a ver no secretário florentino o pai do amoralismo político. Gramsci, devolvendo a Maquiavel o papel de fundador do pensamento político moderno, tinha, antes de tudo, de destruir aquela identificação. Embora reconhecendo, com Croce, o papel dos grandes espíritos individuais na História, nega a possibilidade e a necessidade de um Príncipe individual nos tempos modernos. O Príncipe de hoje é um coletivo: é o partido de vanguarda política, é o partido comunista, liderando e dirigindo o povo.

Nessa altura, Gramsci parece leninista dos mais ortodoxos. Mas leninista, sim, e não stalinista. Citando trechos menos citados do pensador-revolucionário russo, Gramsci rejeita ou parece rejeitar a ditadura do proletariado, admitindo apenas a hegemonia do proletariado numa fase de transição (ver Fabrizio Onofri, ex-membro do Comitê Central do PCI, em seu artigo “La via sovietica alla conquista del potere e la via italiana aperta da Gramsci”, Nuovi Argomenti, 23/24, 1957). Este Gramsci é o pai do comunismo libertario e da democracia operaia, o fundador dos consigli di fabbrica, que estavam destinados a ocupar, explorar e administrar as empresas industriais. A esse respeito é Gramsci o precursor da organização industrial hoje em vigor na Iugoslávia, começo de uma evolução que ainda não terminou. É bem possível que esse “revisionismo” de Gramsci se transforme mesmo em “ortodoxia”. E o mesmo vale quanto às atitudes democráticas de Gramsci dentro do seu partido e dentro da III Internacional de então.

A publicação dos respectivos documentos é de data recente. Só em 1964 permitiu Togliatti a publicação (L´Unità, 30/05/64) da carta de Gramsci, datada de 15 de outrubro de 1926, dirigida “aos camaradas russos”, na qual advertiu contra a supressão da oposição trabalhista dentro do partido russo. Mas os iniciados sabiam, há anos, dessa atitude de Gramsci. Já em 15 de março de 1956 tinha Togliatti veladamente aludido a ela, acrescentando: “A procura de um caminho italiano para o socialismo foi nossa preocupação permanente. Creio poder afirmar que essa preocupação também foi a de Gramsci, que em seus atos políticos e essencialmente no pensamento da última parte de sua vida estava ocupado em tirar dos ensinamentos da revolução russa as conclusões de uma versão italiana dela”. Caminho italiano para o socialismo, caminho francês para o socialismo, etc., etc., essas atitudes também foram ontem “revisionistas” e passam hoje por “ortodoxas”. O pensamento de Gramsci está hoje mais vivo que no momento da morte do seu corpo. A vida de Gramsci continua.

Gramsci como mentor do “caminho italiano para o socialismo” parece confirmar aquilo que poderíamos chamar de “italianismo essencial de Gramsci”. Sua vida e seu pensamento só são compreensíveis como parte de determinada fase da evolução política, social e cultural da Itália; suas idéias continuam idéias de Croce, embora invertendo-as; italianos são todos os seus pontos de referência, a começar com Maquiavel. O italianismo de Gramsci culmina em sua crítica dos intelectuais italianos, da intelligentsia italiana, pois são fenômenos, estes, diferentes em qualquer uma das nações modernas, dependentes da história, da evolução social, da evolução literária e até da formação da língua. Não seria possível aplicar à intelligentsia francesa ou russa ou espanhola as lições tiradas das experiências históricas, muito diferentes, da intelligentsia italiana. No entanto, justamente através do italianismo fundamental de Gramsci revela-se seu universalismo.
O respectivo livro de Gramsci, Gli intellettuali e l´organizzazione della cultura, censura nos intelectuais italianos o cosmopolitismo e a falta de relações com o povo. Lembra o fato de que toda a maravilhosa literatura italiana, Dante, Petrarca, Boccaccio, os humanistas, Ariosto, Tasso, Parini, Goldoni, Alfieri, Foscolo, Leopardi, Manzoni, Carducci, foi feita por uma pequena classe de letrados para ser lida por pequena classe de amadores; ainda por volta de 1880, 20 anos depois da unificação política da Itália pelo Risorgimento, que passava por movimento democrático, 80% da nação italiana eram de analfabetos, excluídos da política e da cultura do país; e essa “desnacionalização” agravou-se no século XIX pelo afrancesamento das classes cultas da península.

A propósito das críticas de Gramsci à interpretação fatalista-passiva do marxismo em tempos de opressão e perseguição e a propósito da resistência inquebrantável de preso contra a tirania armada, tocou-nos a atualidade surpreendente e dolorosa, hic et nunc, dessa vida exemplar. Não é menor a atualidade, aqui e agora, da sua crítica a uma intelligentsia cosmopolita (antes afrancesada e agora, muitas vezes, americanizada), sem relações com a maioria analfabeta de nação. Um dos pensamentos mais italianos de Gramsci revela sua validade universal.

O próprio Gramsci indica as causas desse universalismo: pois o caráter cosmopolita da intelligentsia italiana é herança do universalismo católico medieval — Roma como Capital supranacional da Europa, do mundo de então — e do caráter supranacional do humanismo italiano. O catolicismo de rotina e o humanismo formalista das nações da América Latina participam da mesma herança; e por isso o pensamento especificamente italiano de Gramsci também vale aqui e agora, assim como seu exemplo de resistência.

Na solidão do cárcere descobriu Gramsci a índole ilusória da muito exaltada “independência do intelectual” de tipo tradicionalista. Exigiu a formação de um novo tipo de intelectual, técnico e científico, capaz de organizar o trabalho e a classe que trabalha; mas, advertindo seriamente contra o especialismo e o especialista que é bárbaro em tudo fora de sua especialidade e incapaz de desempenhar verdadeira atividade dirigente, revela Gramsci novamente o humanismo crociano no fundo do seu pensamento marxista.

Enfim, a variedade das interpretações do marxismo de Gramsci baseia-se na evolução dialética do pensamento do próprio Gramsci, no qual descobrimos várias camadas: o comunismo “libertário”-democrático dos consigli di fabbrica, o ortodoxo “comunismo de Partido” do escrito sobre Maquiavel; e, enfim, a idéia revolucionária de uma aliança libertadora dos operários industriais do Norte da Itália com as massas rurais do Sul subdesenvolvido da península. Essa última idéia parece, mais uma vez, especificamente italiana, nascida de circunstâncias históricas. No entanto, mais uma vez, o italianismo de Gramsci se revela como de validade universal.

La questione meridionale, a “questão do Sul”, é o permanente problema político-social da Itália. Do país da mais antiga civilização na Europa toda, agora também economicamente bem desenvolvido, desse país a parte mais populosa, o Sul, continua entregue aos males do latifúndio feudal, do pauperismo, da miséria, do analfabetismo, das superstições populares, da mortalidade infantil. Não é exagero afirmar que as melhores cabeças políticas dos últimos cem anos — e a Itália é a terra de promissão da ciência política — se têm dedicado ao trabalho de estudar as causas do problema e de propor remédio da doença. Gramsci escreveu sua Questione meridionale em 1926, às vésperas de ser preso pelos fascistas, completando o trabalho na prisão.
Só não foi possível a publicação na Itália. Em 1930, uma revista de exilados políticos em Paris publicou o escrito que, tratando de problema especificamente italiano, não encontrou repercussão na Europa e ficou praticamente despercebido, enterrado como seu autor. Mas a roda da História deu uma volta: e depois da queda do fascismo, em fevereiro de 1945, a pequena obra-prima foi republicada na revista Rinascita: desde então, continua sendo guia de todos os que pretendem resolver radicalmente e para sempre a “questão do Sul”. Qual é a solução? Muitos já têm denunciado as condições climáticas e a aridez da terra. Também denunciaram o pecado capital da democracia italiana, de ter abusado das massas humanas do Sul para, por meio de eleições fraudulentas, conseguir Parlamentos dóceis em Roma, que votaram tudo menos a modificação das condições de vida no Sul. Mas a destruição do regime parlamentar pelo fascismo tampouco modificou coisa alguma. E Gramsci previu bem que o restabelecimento da democracia formal (acontecido, depois, em 1945) tampouco modificaria as coisas. A chamada reforma agrária, desde então empreendida, limita-se a melhorar as condições físicas, a irrigação, o adubamento, etc., desmentindo pelo menos o fatalismo daqueles que acreditavam na inevitabilidade da miséria produzida pela aridez da terra e pelo desfavorável regime de chuvas. Gramsci, porém, responsabilizou pela questione meridionale o formalismo da democracia do Risorgimento, que deu aos sulinos o voto sem dar-lhes a terra, isto é, a independência econômica do voto. E propõe a democratização do Sul pela radical reforma agrária, que as populações rurais conseguiriam pela aliança com o operariado industrial nortista.

Pela terceira vez atinge-nos a atualidade do pensamento gramsciano; e seu universalismo, válido para toda a gente fora da Itália. A primeira vez foi o exemplo da resistência contra a ditadura terrorista. A segunda vez: a alienação da intelligentsia e a necessidade de sua reconstrução em bases nacionais. Agora, na terceira vez, pensamos no latifúndio, na miséria, na democracia formal e na necessidade de uma radical reforma agrária, reconhecendo: aquilo que na Itália é o Sul, isto é, exatamente, no Brasil o Nordeste.

Um dos argumentos ou pseudo-argumentos mais usados pelos adversários de reformas sociais é a alegada necessidade maior de realizar uma reforma moral da sociedade. Em vez da reforma agrária levantam a falsa bandeira da luta contra a corrupção. Depois de extirpada a corrupção, eles realizariam o milagre de reformar tudo sem tocar no regime social vigente. Exigem, antes, a reforma moral porque a sabem inviável ou porque, desprezando as possibilidades do homem, a acreditam inviável. A esse pseudomoralismo opõe Gramsci o exemplo da sua vida. Um exemplo irrespondível de reforma moral e verdadeira.

4. As obras escritas por Gramsci no cárcere só podiam ser publicadas depois de 1945. O primeiro volume que saiu compreende as 218 cartas que o preso escreveu entre 1926 e 1936 a membros de sua família: à mãe; aos filhos que viviam em Moscou com a mulher do preso, física e mentalmente quebrada; e, sobretudo, à cunhada Tatiana, a pessoa lá fora no mundo que melhor o compreendeu. Escritos sob a censura das autoridades da Penitenciária, as Lettere dal carcere falam pouco ou nada de política. Destinam-se, sobretudo, à luta contra a solidão dentro das quatro paredes; à luta contra o progressivo enfraquecimento físico, e, sobretudo, à luta pela sobrevivência espiritual: separado dos seus para sempre, o encarcerado não quer ficar esquecidos por eles. Por isso, se dirige Gramsci, nesse grande documento humano e obra-prima da literatura italiana, com preferência a seus filhos nos quais espera sobreviver. Nessas cartas aos filhos não se percebe o menor traço de sofrimento, de impaciência, mas uma maravilhosa adaptação ao espírito infantil: no entanto, muitas vezes, as palavras têm duplo sentido, escondendo atrás dos conselhos paternais, acessíveis à compreensão das crianças, confissões de auto-introspecção do preso e propósitos dele para seu próprio futuro, tão limitado. Penosamente, o epistológrafo procura reconstruir as caras, as vozes que ele já quase esqueceu. Lembra-se para não ficar esquecido e não esquecer, é seu grande esforço. Atrás da família surgem recordações de sua própria infância na Sardenha, inspiradas pelo profundo amor cristão desse materialista aos pobres da sua terra. O estilo rigorosamente sóbrio das Lettere dal carcere não dissimula a emoção de quem as escreve. Pela emotividade procura Gramsci superar o intelectualismo seco que ele próprio censurara nos seus pares, nos intelectuais; e procura fortalecer-se para o trabalho intelectual em circunstâncias monstruosamente difíceis.

“Eu sei”, diz Gramsci, “que bater com a cabeça contra o muro não destrói o muro, mas a cabeça”. Não desespera. Mas escreve. Escreve furiosamente, cadernos, cadernos e mais cadernos, que foram, depois de 1945, coligidos e ordenados pelos seus testamenteiros e publicados pela Editora Einaudi: O materialismo histórico e a filosofia de Benedetto Croce; o escrito sobre Maquiavel; Os intelectuais e a organização da cultura; Literatura e vida nacional; um comentário sobre o Canto X do Inferno de Dante; um estudo sobre Pirandello; e a versão definitiva da Questione meridionale. É um output admirável. Escrevendo e escrevendo, o mortalmente doente sempre repete em suas cartas: “Sto bene, sto bene”. “Sinto-me muito bem”, porque o tirano não conseguiu realizar a promessa do promotor, de “inutilizar por 20 anos esse cérebro”. A morte prematura foi a coroa do martírio. Mas a cova debaixo da campa fascista ficou vazia. O espírito ressurgiu.

“O espírito está disposto, mas a carne é fraca”, diz São Paulo. Vida, martírio e morte de Antonio Gramsci desmentem vigorosamente esta frase, mas confirmam outras palavras do apóstolo: “A fé, o amor e a esperança, esses três ficam, mas o amor é o maior entre eles”. Grande foi, realmente, o amor de Antonio Gramsci a seu povo sofredor e maltratado. Maior foi, porém, em seu caso, a fé que consegue transferir montanhas e que para Gramsci abriu, espiritualmente, os muros da prisão. Mas a maior das virtudes suas foi a Esperança. Pensamos: em 1926, quando Gramsci escreveu La questione meridionale, o preso já não podia publicá-la; em 1930, quando em Paris se publicou o escrito, só poucos o leram; e em 1937, quando Gramsci morreu, seu pensamento parecia enterrado com ele na terra italiana, dominada talvez para sempre pela tirania fascista, baseada em exército, polícia, hordas inumeráveis de milicianos armados, justiça especial, dinheiro da grande burguesia, apoio do latifúndio, ajuda de potências estrangeiras e apatia do povo exausto. Mas só poucos anos depois caiu como um castelo de cartas todo esse edifício da tirania e o sintoma externo dessa queda foi, em 1945, a segunda publicação da Questione meridionale numa revista editada na Via delle Botteghe Oscure, em pleno coração da Roma libertada.

Mesmo no escuro da prisão que parece perpétua e é efêmera, a esperança não morre e “é a maior das três”. Eis a vida de Antonio Gramsci.


* Artigo publicado originalmente na Revista Civilização Brasileira, 7, maio 1966

** Oto Maria Carpeaux (1900-1978
)

Saltando barreiras:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Os partidos que apoiam a candidatura da ex-ministra Dilma Rousseff respiraram aliviados depois do debate da TV Bandeirantes. Na análise interna, a candidata inventada pelo presidente Lula havia passado por todos os testes na pré-campanha eleitoral: contato com o eleitor nas ruas, negociações políticas com os aliados nos estados, e erros corrigidos nos primeiros momentos da propaganda pela internet.

Faltava saber como se sairia num debate ao vivo com os demais candidatos, mesmo que a audiência fosse pequena.

A avaliação entre eles foi de que Dilma passou também nesse teste, não por ter ido bem no primeiro debate, mas por não ter sido o desastre que alguns temiam. O empate foi bom para ela, avaliou o deputado Henrique Eduardo Alves, um dos principais líderes do PMDB.

Mesmo quando confrontado com a opinião generalizada de que o candidato da oposição, José Serra, vencera o debate na verdade, Henrique Eduardo Alves comentou: Mas não foi uma derrota por nocaute, longe disso.

A mesma coisa pode-se dizer da participação da candidata oficial na bancada do Jornal Nacional ontem à noite, abrindo a série de entrevistas com os principais candidatos à Presidência da República.

Ao contrário do debate da Bandeirantes, Dilma Rousseff não gaguejou e foi bastante assertiva nas suas respostas, e só errou uma vez, quando colocou a Baixada Santista no Rio de Janeiro.

O problema é que disse uma série de inverdades, que passaram como fatos para os telespectadores.

Por exemplo, quando afirmou que os investimentos em saneamento na favela da Rocinha, dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) representam uma mudança de comportamento do governo federal.

Simplesmente, na Rocinha, não há nenhum investimento do PAC relativo a saneamento.

A candidata oficial também distorceu os fatos quando disse que o presidente Lula, ao assumir o governo, encontrou a inflação descontrolada.

Pura verdade, só que a explosão da inflação deveuse ao efeito Lula, isto é, ao temor dos mercados de que Lula vitorioso aplicasse tudo o que defendia e não mantivesse o rumo da economia.

Como ele fez justamente o contrário do que prometia, tudo voltou aos lugares.

A admissão de que o PT amadureceu no governo é uma maneira de fugir da acusação de incoerência, ao manter hoje alianças políticas com seus antigos adversários políticos.

E a metáfora da mãe cuidando da família ministerial, sendo dura quando é preciso para fazer as coisas andarem, é recorrente na candidata, e embora revele uma pobreza de visão política, pode ser eficiente em termos eleitorais.

As críticas que fiz à participação do candidato do PSOL à Presidência da República, Plínio de Arruda Sampaio, no debate da Bandeirantes, provocaram considerações do deputado Chico Alencar, especialmente ao fato de ter dito que Plínio pareceu estar à esquerda do PSTU.

O deputado federal do PSOL admite que seu partido tem um ethos revolucionário, razão pela qual é considerado um moderado ali.

Chico Alencar diz que há muito o PSOL debate como ressignificar o socialismo, mas garante que o partido assume a questão institucional, democrática, como básica.

Tanto que somos a legenda com maior número de candidato(a)s aos governos estaduais (24) e mobilizamo-nos muito, dentro da nossa evidente debilidade, nas disputas eleitorais.

Para fixar a idéia de que não é correto dizer que o PSOL está mais radical que o PSTU, Chico Alencar diz que o PSTU considera o PSOL reformista, eleitoralista, em marcha batida para a adaptação à ordem.

Segundo ele, se o PSOL não existisse no plano da ordem burguesa que o PSTU não valoriza como nós , Roriz não estaria impugnado, Renan não teria saído da Presidência do Senado e Sarney seria de fato o cidadão acima de qualquer suspeita de Lula.

Nossa vocação, diz ele, na correlação de forças atual, é mesmo ser pedra no sapato, incômodo, látego, acicate. Como Plínio foi no debate.

Em vez de ser um macaco em casa de louças, como define, Chico Alencar viu seu candidato como o que mais polemizou, divergiu, questionou, e isso é da essência do debate e da própria democracia. Não concordar com ideias e até com perguntas não pode levar a qualificá-las como desastradas.

O deputado do PSOL também rebateu minha afirmação de que paradoxalmente, depois do debate Plínio aderiu ao twitter.

Segundo ele, Plínio está no twitter há 5 meses, é um entusiasta do instrumento há tempos e não um moderninho de ocasião.

Chico Alencar ressaltou também que as propostas radicais anacrônicas, criticadas por mim, têm o apoio de diversas instâncias da sociedade: O plebiscito popular pelo limite da propriedade territorial (apoiado, entre outra sentidades, pela CNBB), a redução da jornada de trabalho para 40 horas (apoiada por todas as centrais sindicais) e a manutenção do atual Código Florestal Brasileiro (defendido por todos os ambientalistas e pessoas de bom senso).

Agenda interditada:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Saúde, educação, segurança pública, emprego, tudo isso é da maior importância, assuntos sem sombra de solução à vista e, portanto, com presença garantida nas agendas de todos os candidatos a presidente, governador, deputado ou senador.

Fala-se também do meio ambiente, dos transportes, dos juros, da reforma agrária, fala-se até das forças revolucionárias da Colômbia, de Hugo Chávez e do carinho que nosso presidente da República nutre pelo ensandecido tirano do Irã.

Só não se falou até agora nessa campanha de corrupção, de mau uso de recursos públicos, da insuficiência de decoro no exercício do mandato delegado pelo voto.

É como se fossem dois mundos: no real há desconforto com os desvios de conduta e um rebuliço legal que pode alterar os modos da política por causa de um tema que a sociedade impôs ao Congresso; no ideal dos marqueteiros não existe roubalheira, fichas sujas nem parece que o Ministério Público pediu a impugnação de milhares de candidatos e que parte delas foi aceita pelos tribunais regionais eleitorais.

Outra parte foi rejeitada, há contestações a serem resolvidas no Tribunal Superior Eleitoral e mais adiante o Supremo Tribunal Federal será chamado a se pronunciar a respeito.

Muita gente notória (no bom e no mau sentido) caiu na malha fina, muita gente ainda pode cair. Ou não. Dependendo da decisão do STF _ que dificilmente ocorrerá antes da eleição _, pode mudar muita coisa na cena política brasileira ou pode haver uma profunda frustração.

Seja como for, a Lei da Ficha Limpa tirada a fórceps de um Congresso reticente mexeu e mexe com pessoas e estruturas. O debate não terminou e sob nenhum aspecto pode ser considerado trivial.

Mesmo assim os candidatos, de um modo geral, por alguma razão resolveram não incluir na agenda eleitoral nem a tão falada corrupção que rendeu tantas CPIs, nem a lei que provocou inesperada e radical mudança na posição do Parlamento e terminou aprovada por unanimidade.

Qual será a razão da hesitação, constrangimento? Os partidos estariam com vergonha de si? Não se sentiriam em condições morais de abrir os debates a respeito? Teriam receio de morrer do mesmo veneno no contra-ataque do adversário?

Pode ser que seja conselho dos marqueteiros. Do mesmo jeito como são fidalgos entre si na combinação das regras mais restritivas possíveis nos debates de televisão para proteger seus contratantes de imprevistos, pasteurizam a pauta de assuntos.

E os candidatos ficam rodando sobre o mesmo eixo com medo de desobedecer às fórmulas engendradas pelos gênios do horário eleitoral.

Ainda que isso atenue suas diferenças naturais, os tornem escravos de um roteiro elaborado a partir de pesquisas para fazer efeito em outras pesquisas. Ainda que permita que qualquer um seja qualquer coisa, pois ninguém sendo de verdade e com recursos todo mundo podendo ser inventado, ao fim e ao cabo os bons e os ruins parecem mais ou menos iguais.

Não contabilizados. Três vezes prefeito do Rio e agora candidato a senador, Cesar Maia tem uma explicação para a resistência dos partidos em declarar o nome dos financiadores no decorrer da campanha.

"A perseguição. Depois de passada a eleição os nervos se acalmam. Quem está no governo e vence esquece. Se perder desaparece o poder de perseguir."

Isso vale para os partidos na oposição, mas, em tese, não deveria valer para os que estão no governo que igualmente se recusam a revelar os nomes dos doadores a não ser no fim do processo, como manda a lei.

"Vai ver que os financiadores não querem ver seus nomes divulgados para não parecer que discriminam a oposição."

Colegas. Fernando Henrique Cardoso e Plínio de Arruda Sampaio foram colegas de curso primário, na década dos 40, em São Paulo. Frequentavam o colégio Perdizes com medalhas no peito: FH por causa das boas notas e Plínio pelo bom comportamento.

Onde está a direita? :: Marco Antonio Villa

DEU EM O GLOBO

O panorama da eleição presidencial chama a atenção.

Não há nenhum candidato identificado com a direita, da mais conservadora até a liberal. E não é de hoje. Desde a eleição de 1994, a direita abandonou o campo de jogo. Uma das explicações pode ter sido o trauma representado pelo governo Collor. Em vez de apostar em um aventureiro, optou, desde então, por apoiar o candidato que tivesse mais chances de vencer. Puro utilitarismo eleitoral. Mas que acaba prejudicando o processo democrático, pois obriga os partidos mais fortes nas eleições presidenciais (PSDB e PT) a darem uma guinada à direita.

E por uma razão óbvia: há um eleitorado conservador, que pode decidir uma eleição.

Uma candidatura no campo da direita teria de buscar apoio político.

Mas onde? O capital financeiro está muito satisfeito com o governo Lula.

A nefasta combinação de altas taxas de juros com um câmbio supervalorizado transformou o capital financeiro em uma espécie de quarto poder da República. Compõe com qualquer governo, desde que mantenha seus privilégios, assim como a burguesia lulista, aquela do capital alheio, que cresce graças aos generosos créditos do BNDES. Apoiando Lula obtiveram a tão almejada paz social.

Nunca na história deste país, desde o restabelecimento da democracia, houve um período presidencial com tão poucas greves. O custo foi baixo. E pago pelo Tesouro Nacional.

Então, para que fazer política ideológica, discutir princípios? Este utilitarismo macunaímico, também é extensivo à política. Paulo Maluf é um bom exemplo. Filhote da ditadura, de acordo com Leonel Brizola, foi candidato na eleição de 1989 ainda com base no prestígio adquirido no início da década e que o levou a disputar a Presidência contra Tancredo Neves no colégio eleitoral, em janeiro de 1985. Desde então ficou restrito à política paulista. Após o fracasso de Celso Pitta, seu afilhado político, abdicou de voos mais altos, inclusive na política regional, e transformou-se em caudatário do PT, apoiando, inicialmente, Marta Suplicy, para a prefeitura, os candidatos petistas quando do segundo turno das eleições para o governo estadual, e Lula para a Presidência. Em cerimônias oficiais chegou a ser citado elogiosamente pelo presidente da República.

O mesmo quadro se repete em diversas regiões. No Nordeste, a velha oligarquia que usufruiu das benesses do regime militar, que aderiu à Nova República e depois de 1990 foi se adaptando aos novos tempos, virou lulista de carteirinha. Eventualmente, manteve suas divergências com o petismo nos seus estados, mas no plano federal que é o que importa para os oligarcas, pois é a fonte dos recursos que permitem manter seus privilégios locais formou uma verdadeira tropa de choque no Congresso Nacional em defesa do governo.

José Sarney foi o precursor. Já em 2002 apoiou Lula. Pressentiu para que direção estava soprando o vento.

Se aboletou no governo, manteve o controle de áreas sensíveis aos seus interesses familiares, como o Ministério das Minas e Energia, e o governo local e, quando perdeu, em 2006, a eleição no Maranhão, recebeu apoio discreto, mas eficaz, de Lula para retomá-lo em um golpe judicial.

O mais novo adepto e não é acidental que também venha de um estado pobre desta corrente é Fernando Collor. Defendeu enfaticamente o governo. Virou lulista.

A direita prefere ser sócia, mesmo que minoritária, do governo, do que disputar a Presidência. Seus interesses se resumem a extrair benefícios nada republicanos. Em uma linguagem mais direta: querem participar do saque organizado do Estado, controlando ministérios e secretarias como uma espécie de extensão da antiga casa-grande. Não há nenhuma ideologia. Quando muito, como fez Renan Calheiros, cita Ruy Barbosa para justificar notas frias emitidas por um açougue o Stop Carnes no interior miserável de Alagoas.

Contudo, no Congresso, a direita está muito bem representada, numericamente falando, claro. Raros são os parlamentares ideológicos, que professam sinceramente sua ideologia, defendem seus princípios. São vistos como ingênuos. A direita propriamente dita sabe que, sem apoio parlamentar, nenhum presidente governa.

A opção por escolher o campo parlamentar em vez de lutar pelo Executivo tem se mostrado muito eficiente.

Evita o desgaste da derrota, valoriza o apoio eleitoral e aumenta o cacife no momento da divisão do bolo do poder. E mais: não se identifica como direita. Direita virou palavrão.

Eles são de centro.

Uma dupla canhota reescreve a história:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Não fez sucesso nem repercutiu nas pesquisas o elogio rasgado de Lula à sucessão presidencial, como se a ausência de candidatos de direita, pela primeira vez na história eleitoral do Brasil, fosse mérito pessoal dele. Também não terá sido para chamuscar de esquerdismo as candidaturas de José Serra e Dilma Rousseff.

Teria sido elogio, ou não passou de provocação para animar o debate chocho? Pode ter sido também para chamar a atenção da própria direita, que não está nem aí. Lula não é de direita e, muito menos, de esquerda: localiza-se entre as duas fronteiras. Ideologicamente falando, é ambidestro sem saber explicar. Ou quis dizer que, depois que ele se retirar, a esquerda pode dispensar cuidados à direita? Por amor ao contraditório, dias depois contou que a direita, a cada 24 horas, tenta dar o golpe neste país.

Denúncia ou enigma? Em compensação, se assim se pode considerar, é a primeira vez que a esquerda comparece com dois candidatos, digamos, para que o eleitor possa escolher sem medo de errar, desde que vote na sua candidata. Nem por isso, nem por José Serra e Dilma Rousseff terem sido de esquerda, a vitória deixará de preferir um dos dois. Pode ser também que a esquerda tenha encurtado a distância que historicamente a separava da direita e se localize, nem tão perto que se confunda com ela nem tão longe que pareça incompatibilidade.

Há, no entanto, uma evolução no elástico conceito de esquerda que Serra e Dilma praticaram, desde a política estudantil, na visão compatível com esse modo de abordar as questões e de resolvêlas. Serra foi presidente da UNE, quando a causa de o petróleo é nosso era prioridade e o nacionalismo, o denominador comum. Uma geração depois, Dilma Rousseff foi à luta armada contra a ditadura que estava demorando a dar sinais de esgotamento, segundo o modo de ver da juventude à época. No tempo de um e de outra, a esquerda era insuspeita de manter relações promíscuas com a direita.

Como o compromisso do presidente Lula é com ele mesmo, poucos dias depois ele disparou de Porto Alegre o torpedo sem direção, ao dizer que a direita brasileira tenta, a cada 24 horas, dar golpes de que ele escapa sem alarde. Provavelmente queria dizer outra coisa. O que mandou na oportunidade, e foi publicado, não pode deixar de ser verdade, de acordo com o axioma de Samuel Wainer, segundo o qual, se saiu em jornal, então é verdade. Ou seja, até boato virtual se torna real quando publicado pelos jornais. Enquanto a terra dá uma volta completa em torno do seu eixo, a direita não cogita de outra coisa senão do que lhe compete por fatalidade histórica: esperar pelos erros e contradições da esquerda. É do que ela tem vivido até hoje.

Mistério do voto:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Alguns cientistas políticos estão dizendo que a eleição já está decidida. A democracia tem um processo mais rico de escolhas que sempre surpreende os especialistas e seus vaticínios precoces; a parte mais importante da disputa começa agora com entrevistas mais decisivas, a propaganda eleitoral eletrônica, e o acirramento dos debates. Os próximos 55 dias serão mais definidores.

A análise econômica erra muito; a análise política, também. Uma das teses é que o governo Lula teria feito uma clivagem entre ricos e pobres após o mensalão.

Pobres teriam ficado como sua base, e os riscos se afastaram. Para acreditar que é simples assim, e que o Brasil é tão dividido em classes, é preciso não ter lido o manifesto dos empresários que faz uma defesa aguerrida e politizada da manutenção de uma das escolhas do atual governo que é a de recriar no BNDES o passado mais que pretérito. É preciso também ignorar a abundância das contribuições dos maiores grupos empresariais brasileiros ao financiamento da campanha da candidata do governo.

A ideia de que há uma divisão entre pobres e ricos, que os pobres passaram a ser parte de uma espécie de curral eleitoral eterno do Lulismo e que os ricos ficaram definitivamente com o PSDB, é uma estultice. Simplesmente há pobres e ricos na base de apoio de todas as candidaturas.

O processo de escolha de cada eleitor passa por caminhos menos automáticos.

As políticas sociais e econômicas dos dois principais partidos do país têm superposições e pontos em que se diferenciam.

Mas nem é essa análise comparada das políticas que dará a resposta sobre quem vencerá as eleições de outubro no Brasil. Os caminhos da escolha de cada um tem a ver com uma teia mais complexa de emoções, sensações, interpretações, conversas de amigos, êxitos e fracassos de cada campanha de passar seus principais recados.

Há mudanças de última hora, há fatos surpreendentes, há oscilações fortes. Tudo isso vimos em eleições para diversos níveis nos últimos tempos.

Em resumo: o eleitor não vota como um resultado automático de uma equação.

A complexidade da escolha é que encerra a beleza do processo.

Há uma lista grande de óbvios políticos que não se confirmaram e uma sucessão de inesperados. O exuberante carisma de Lula e o uso da máquina, em 2006, não foram suficientes para ele derrotar Geraldo Alckmin no primeiro turno, um político conhecido por sua falta de carisma. A ampla base municipal do PMDB jamais foi suficiente para levá-lo a ganhar a disputa presidencial e há quatro eleições ele sequer postula o cargo. Na última em que participou, em 1994, com o experiente Orestes Quércia, o PMDB ficou em último lugar. Naquela vez, Quércia, Brizola e Espiridião Amin ficaram atrás de Enéas. A aguda crise econômica e a recessão de 1998 não foram suficientes para tirar de Fernando Henrique a vitória no primeiro turno.

Luiza Erundina estava derrotada em todas as pesquisas até que venceu a eleição para a prefeitura de São Paulo, em 1988. Fernando Collor de Mello, que começou com 1% das intenções de voto e um partido inventado como veículo da candidatura, derrotou políticos experientes ou com máquinas partidárias como Ulysses Guimarães, Mário Covas, Paulo Maluf, Leonel Brizola e Lula da Silva. O PT tinha ainda uma publicidade inovadora e apaixonante que fez a classe média e artistas cantarem o Lula lá. Naquela eleição, Lula e Brizola chegaram empatados no segundo lugar, só um percentual mínimo de votos é que levou Lula para a disputa com Collor. Em 2002, mesmo com o desgaste do governo FHC e a força do Agora é Lula, ele não conseguiu ganhar no primeiro turno. Em 2002, Ciro Gomes, concorrendo pelo PPS, um partido pequeno, teve uma onda favorável em que ultrapassou 20% de intenção de votos e depois, por seus erros de comunicação, murchou e terminou atrás de Garotinho.

Na atual eleição, houve quem dissesse que Dilma era um poste e que não passaria dos 30%, e depois passou-se a se ter como certo que ela já ganhou, apesar de só agora ter começado, de fato, a campanha. A história das eleições livres aqui e no exterior está repleta de inesperados e de viradas de jogo. Por tudo isso, a fase mais interessante da campanha começa agora e não será menos decisiva do que em qualquer outra eleição.

O momento de conforto econômico criado pelo crescimento com baixa inflação e ampliação do crédito, como já disse aqui na coluna, cria um ambiente favorável à candidatura governista. Isso somado à popularidade do presidente Lula e ao uso abusivo da máquina pública na propaganda dão à candidata Dilma Rousseff a força que jamais teria se contasse apenas com seus atributos pessoais nessa campanha.

Mas ter favoritismo é diferente de já estar eleita de véspera.

Mesmo que se confirme a previsão mais repetida, e Dilma Rouseff ganhar a eleição, isso não está garantido agora. Para confirmar o prognóstico, ela terá que atravessar as próximas 8 ou 12 semanas de campanha garantindo o favoritismo e administrando o seu maior risco: ela mesma.

O "day after" da Lei da Ficha Limpa:: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

É pouco provável que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue antes do 3 de outubro se a Lei da Ficha Limpa vale já a partir desta eleição. O tempo é escasso e os juristas acham que há questões complexas em discussão que não aconselham a aceleração dos trâmites. Se a previsão se confirmar, o que é bastante plausível, uma coisa é certa: o "day after" das eleições será um dia de incertezas e até caótico.

Pode ocorrer de o eleitor ser chamado a votar novamente para governador ou senador, por exemplo. O Distrito Federal é apenas o caso mais flagrante, até porque Joaquim Roriz é favorito na disputa. Se o STF decidir que a lei se aplica desde já, Roriz perderá os direitos políticos. Sua ficha suja é conhecida, o que não tem bastado para o eleitor de Brasília trocar de candidato. O risco é o Supremo ficar contra uma decisão popular.

A decisão do STF sairá depois da eleição ou no início de 2011. Não deve levar dois ou mais anos, como ocorreu no TSE em relação a governadores eleitos em 2006 e retirados do cargo já na parte final do mandato.

Mais surreal é a questão da Câmara dos Deputados. É provável que no dia seguinte à eleição não se conheça a composição exata das bancadas. Na atual legislatura, apenas 32 dos 513 deputados (e mais de 5 mil candidatos) conseguiram alcançar ou superar o chamado quociente eleitoral (total de votos válidos divididos pelo total de cargos eletivos em disputa no Estado).

Em 15 Estados e no Distrito Federal nenhum candidato conseguiu essa proeza. É a partir dessa divisão que se calcula o número de deputados que cada partido terá direito de enviar para o Legislativo. Puxadores de votos como Paulo Maluf (ficha suja, 739.827 votos na última eleição) são fundamentais para eleger candidatos menos votados. Se Delfim Netto não tivesse trocado o PP pelo PMDB, certamente teria sido reeleito com a votação que teve em 2006, "puxado" pelo desempenho de Maluf. No Senado, eleição majoritária, uma eventual decisão tardia também pode alterar a composição das bancadas.

O advogado Torquato Jardim, especialista em assuntos da Justiça Eleitoral, acha que na melhor das hipóteses, depois da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o processo levará pelo menos 15 dias para ser protocolado no Supremo. Ou seja, não há como julgar antes da eleição. E nem seria aconselhável, na opinião do juiz federal no Maranhão Marlon Reis, do comitê nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, entidade que reúne 46 organizações representativas da sociedade civil. Reis acredita que o STF precisa de tempo até para assimilar o impacto dos projetos de iniciativa popular, caso do ficha limpa.

Segundo Jardim, são dois os aspectos básicos: a moral pública e o direito objetivo. "Ninguém critica a lei em função do valor moral que ela tem. Mas o argumento moral é totalmente diferente do argumento jurídico", diz.

A Constituição protege outros valores também morais. Há a presunção de inocência, a presunção de suspensão dos direitos políticos somente por sentença penal transitada em julgado, o princípio constitucional da segurança jurídica, o da anualidade da lei eleitoral e o princípio da legitimidade moral para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa dos candidatos.

"A tutela constitucional não protege somente a moralidade para o exercício do mandato. Ela protege direitos individuais fundamentais, dos quais, segundo essa linha de argumento, não se pode abrir mão", diz o advogado. Em termos práticos: alguém perdeu o mandato por abuso do poder econômico, político ou abuso de midia. A lei atual diz que esse político, além de perder o mandato, fica inelegível por três anos. Passado esse período, ele está limpo perante a lei. Então é aprovada uma nova lei e diz que ele em vez de três ficará inelegível por oito anos - ou seja, tem mais cinco a cumprir.

"O que é feito da segurança jurídica, cadê a retroatividade da lei que prejudica? É outro princípio fundamental", diz o advogado. "São circunstâncias em que você quebra pressupostos constitucionais estabelecidos", diz Jardim, que, é bom que se esclareça, se declara "estupefato" com a decisão dos fichas sujas de concorrer. "Por que eles são candidatos de novo, eles não têm vergonha? Isso tudo será ressuscitado durante a campanha eleitoral".

A grande ousadia intelectual do TSE foi dizer que a lei nova tem efeito retroativo irrestrito, em resposta a uma consulta, um mero processo administrativo.

Na verdade, foram duas as decisões do TSE: na primeira, em resposta a uma consulta do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) decidiu que a Lei da Ficha Limpa não trata das regras da eleição, portanto, não está submetida ao princípio da anualidade. Na segunda, em resposta a consulta do deputado Ilderley Cordeiro (PPS-AC), diz que as normas eleitorais não são como as normas penais (nas quais se aplicaria o princípio da retroatividade). No julgamento de um caso concreto, a mudança de entendimento pode ocorrer no próprio TSE, onde dois ministros aprovaram as consultas com ressalvas e um terceiro (Marco Aurélio Mello) votou contra.

No Brasil, a Suprema Corte não pode avocar processos a qualquer momento, em qualquer instância, em razão de sua gravidade, como acontece nos EUA. Para apressar uma decisão os partidos teriam que protocolar no Supremo uma ação direta de inconstitucionalidade. Mas nenhum deles está disposto a pagar o preço político de ir contra uma lei aprovada no Congresso com o apoio de 1,6 milhão de eleitores.

O juiz Marlon Reis defende que o Supremo deve decidir "sem pressa, pois nós estamos tratando de um caso que, segundo a Constituição, é uma forma de democracia direta", e de preferência com o colegiado completo. Com a antecipação da aposentadoria do ministro Eros Grau há dez ministros na corte, a votação pode acabar empatada e decidida por um voto de minerva do presidente. "Isso seria péssimo institucionalmente, porque no final preponderaria algo que no Supremo nem sequer obteve maioria", teme Reis.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Vanessa da Mata - Absurdo

Após 7 anos, Dilma diz que país cresce pouco por culpa de FH

DEU EM O GLOBO

Candidata do PT à Presidência cita Lula oito vezes em doze minutos

Após sete anos e meio de governo Lula, a candidata do PT, Dilma Rousseff, culpou o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) pelo baixo crescimento econômico do país. Em 12 minutos de entrevista ao "Jornal Nacional", confrontada com o crescimento de outros países, como Bolívia e China, disse que a situação foi mais difícil no Brasil, por causa da crise da dívida e do governo do antecessor. Ela citou oito vezes o presidente Lula. Apesar de suar muito, demonstrando seu nervosismo, e de cometer algumas gafes, como localizar a Baixada Santista no Rio de Janeiro, Dilma teve bom desempenho em sua primeira grande entrevista na campanha eleitoral.

Dilma culpa FH por atraso

No "JN", petista responsabiliza antecessor por crescimento inferior ao de outros países

Fábio Brisolla e Paulo Marqueiro

Em entrevista ontem ao Jornal Nacional, da Rede Globo, a candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, acusou o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, antecessor de Luiz Inácio Lula da Silva, pelo baixo crescimento do país quando confrontado com algumas nações da América Latina e com as que integram o chamado Brics (Rússia, Índia e China, além do Brasil): Eu acredito que tivemos um processo muito mais duro no Brasil, com a crise da dívida e com o governo que nos antecedeu afirmou Dilma.

Uruguai e Bolívia são países que, sem nenhum menosprezo, são do tamanho de alguns estados menores que o Brasil. O Brasil é um país de 190 milhões de habitantes. Tivemos um processo muito duro, quando chegamos ao governo, a inflação estava fora de controle, tínhamos uma dívida com o FMI. Tivemos de fazer um esforço muito grande para colocar as finanças no lugar e depois, com estabilidade, crescer. Estamos entre os países que mais crescem no mundo. Sem fazer comparações, criamos quase 1,7 milhão de empregos disse Dilma, que suava muito durante a entrevista, mas, diferentemente do que ocorreu com o debate na Rede Bandeirantes, respondeu as perguntas com fluência, mostrando que estava bem treinada.

Mesmo assim, Dilma cometeu uma gafe ao responder a uma pergunta sobre saneamento, quando se referiu à Baixada Santista como sendo Rio. Em seguida, emendou: a Baixada Fluminense, no Rio.

Quando foi confrontada com os indicadores ainda modestos sobre o saneamento no país, Dilma argumentou que muitas obras estão em andamento e que os resultados ainda vão aparecer na pesquisa de 2010: O Brasil investia menos de R$ 300 milhões no país inteiro. Hoje, aqui no Rio, numa favela, a Rocinha, nós investimos mais de R$ 270 milhões.

Ex-ministra defende alianças do PT

Ao responder a uma pergunta de William Bonner sobre se o partido tinha errado antes ou agora, em relação à aliança com políticos que o PT sempre criticou, como Jáder Barbalho, Renan Calheiros e Fernando Collor de Mello, ela disse que o PT não tinha errado: O PT acertou quando percebeu que governar um país com a complexidade do Brasil implica necessariamente em construir uma aliança ampla.

O PT não tinha experiência de governo e agora tem. Nós não erramos.

Não é que aderimos ao pensamento de quem quer seja. O governo Lula tinha diretriz: focar na questão social. Primeiro, um país que era considerado dos mais desiguais, diminuir em 24 milhões (de pessoas) a pobreza; um país em que pessoas não subiam na vida, elevar para classe média 31 milhões de brasileiros.

Para fazer isso, quem nos apoia, aceitando nossos princípios, nossas diretrizes, a gente aceita.

Ao ser confrontada pelos apresentadores, William Bonner e Fátima Bernardes, com a falta de experiência política, Dilma argumentou que tinha experiência administrativa: Eu considero que tenho experiência administrativa suficiente. Fui secretária municipal da Fazenda, depois fui sucessivamente secretária de Energia do Rio Grande do Sul, assumi o Ministério das Minas e Energia, também fui coordenadora do governo ao assumir a chefia da Casa Civil.

Eu me considero preparada para governar o país, tenho experiência, conheço o Brasil de ponta a ponta.

Diferentemente do que ocorreu no debate da TV Bandeirantes, quando demorou a citar o presidente Lula, Dilma desta vez fez oito referências ao presidente.

Alguns dizem que tenho tutor.

Quero dizer que participei diretamente, com o presidente Lula, fui o braço direito dele, deste processo de transformar o Brasil num país diferente, que cresce, distribui renda, em que as pessoas têm pela primeira vez, depois de muitos anos, possibilidade de subir na vida, não vejo problema na minha relação com o presidente Lula.

Considero muito positivo.

Ao responder a uma pergunta de Fátima Bernardes sobre o seu temperamento forte, criticado até por alguns aliados, Dilma fez um paralelo com a imagem de uma mãe: Dona de casa, no papel de cuidar do governo, é meio como se fosse mãe, tem uma hora que você tem de cobrar resultado, é preciso que o Brasil se esforce para que as coisas aconteçam, para que estradas sejam pavimentadas, para que ocorra saneamento; tem uma hora que é que nem na sua casa, a gente cobra; tem outra hora que você tem de incentivar.

Sobra a opinião de alguns críticos, que a acusam de não ter diálogo, Dilma disse que ninguém vai ver o governo Lula tratando os movimentos sociais de cassetete: Eu não vacilo. Eu me considero preparada para o diálogo em relação aos movimentos sociais.

Dilma também foi entrevistada pelo Jornal das Dez, na Globonews.

Admitiu atrasos em obras de infra-estrutura e, questionada sobre a política externa do governo Lula, defendeu a ação do Itamaraty, mas disse que não vai compactuar com qualquer ferimento aos direitos humanos.

Não pode ser levado a sério um país que considere diferenças de opinião um crime.

A entrevistada de hoje no Jornal Nacional é a candidata do PV, Marina Silva. Amanhã será a vez de José Serra (PSDB).

Candidatos não são 'iogurte', diz Serra

DEU EM O GLOBO

Tucano defende programas de TV mais simples e afirma que não há terceirização eleitoral, pois "quem ganha é quem governa"

Flávio Freire

SÃO PAULO. Com base em análises internas do comando de sua campanha de que o PT despeja recursos na candidatura da presidenciável Dilma Rousseff para criar uma imagem palatável ao eleitor, o candidato à Presidência pelo PSDB, José Serra, defendeu ontem mudanças na legislação para que políticos não sejam vendidos como iogurte ou pão de centeio.

Num discurso para empreendedores, em São Paulo, o tucano reforçou os ataques ao afirmar que não existe uma terceirização no processo eleitoral, portanto, quem ganha é quem governa, num ataque direto à estratégia da cúpula petista de colar a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à de Dilma.

Em 1993, cheguei a propor que nós transformássemos o horário eleitoral em uma coisa mais simples. O candidato, a câmera e (ele) apresentando sua proposta. É chato? É chato. Mas política é uma coisa chata. Com isso, a gente elimina custo e impede que candidatos sejam vendidos como iogurtes ou como novo pão de centeio. Coisas publicitárias ou não publicitárias, como, inclusive, a ocultação do candidato. Hoje parece uma importância grande ocultar o que o candidato é ou deixa de ser disse Serra, sem citar nomes.

Que sejam cinco minutos, se possível de improviso Para ele, o candidato deveria se apresentar no improviso, sem maquiagem ou grandes produções publicitárias.

Desse jeito, afirma ele, o eleitor teria informações mais concretas sobre as propostas de cada candidato e não sobre o que pensam os marqueteiros das campanhas.

Que sejam cinco minutos falando o que quer, o que pretende, se possível de improviso.

Chegar lá e falar, para não ter nenhum tipo de truque.

Chegar lá e falar. Afinal de contas, o presidente, um governador, um prefeito é insubstituível.

Quem ganha é quem governa.

Não existe terceirização. E as pessoas precisam se mostrar mais disse Serra, que lamentou a ausência de Dilma no evento promovido pela Associação Comercial de São Paulo, ao qual compareceram também os presidenciáveis Marina Silva, do PV, e Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL.

À vontade, diante de uma plateia de empresários, chegando a andar de um lado para o outro do palco para ouvir as perguntas mais de perto de quem as fazia, Serra defendeu o barateamento das campanhas eleitorais.

Horário eleitoral é tudo, menos gratuito disse o tucano, que defendeu ainda a redução da carga tributária.

Em entrevista coletiva, quando advertido sobre a estimativa do PSDB de gastar R$ 180 milhões na campanha presidencial deste ano, saiu pela tangente.

Não vamos gastar isso, é só um orçamento, um teto disse ele, que, no entanto, não defendeu o financiamento público de campanha. Tem que começar diminuindo custos para diminuir pretextos que legitimem o processo todo.

O candidato ainda retomou as críticas em relação ao loteamento de cargos no governo federal. Segundo ele, esse tipo de iniciativa cria brechas para corrupção na máquina pública e atravanca o desenvolvimento do país. Serra lembrou os problemas recentes nos Correios e disse que as agências reguladoras se transformaram em órgãos dos partidos.

Dilma causa polêmica entre as mulheres

DEU EM O GLOBO

Candidata divide artistas

Leila Suwwan

SÃO PAULO. Em defesa de seus candidatos, artistas têm feito declarações polêmicas. Na coluna da jornalista Sonia Racy, ontem no "Estado de S.Paulo", a atriz Maitê Proença, que declara simpatia por Marina Silva (PV) e José Serra (PSDB), declarou que talvez a discriminação contra as mulheres "venha a calhar neste momento de eleições, atiçando os machos selvagens e nos salvando da Dilma" (Rousseff, candidata do PT à Presidência). E Dilma publicou dois depoimentos em seu site. No primeiro, a jornalista Hildegard Angel defende a ação de Dilma, critica a "manipulação" da biografia da petista e a compara a seu irmão, Stuart (assassinado na prisão durante a ditadura), e a sua mãe, Zuzu Angel, morta em acidente de carro em circunstâncias mal esclarecidas. No segundo, a cantora Alcione critica o preconceito contra mulheres e prega a manutenção da "harmonia" entre o governo federal e o Rio de Janeiro.

O feminismo têm sido tema conturbado para Dilma. No site do PT (seção de Mulheres), um artigo critica a temática de "mãe", escolhida pela campanha. "Quando Dilma diz: "Nós, mulheres, nascemos com o sentimento de cuidar, amparar e proteger. Somos imbatíveis na defesa de nossos filhos e de nossa família", valorizando essas funções como grande qualidade das mulheres, ela colabora com os valores do patriarcado e dos fundamentalistas na defesa de que lugar de mulher é na casa, no lar e na família", escreveu a feminista Terezinha Ferreira.

FH: Lula abusa do poder na campanha por Dilma

DEU EM O GLOBO

Ex-presidente diz que sucessor tem de lembrar que há limites legais para o seu engajamento

Silvia Amorim

SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso condenou ontem o comportamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta eleição. O tucano acusou o sucessor de abusar do poder para eleger a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff.

Eu fui presidente na sucessão e não fiz o que ele faz.

O presidente não deve, além de certos limites, se transformar num militante, porque senão, você está abusando do poder para obter resultados.

Eu não acho isso correto afirmou FH, que participou, à noite, em São Paulo, de uma palestra sobre o relançamento livro O Príncipe, de Nicolau Maquiavel.

A todo momento, o presidente é multado O ex-presidente negou que tenha atuado como Lula, na campanha de 2002, para eleger o candidato tucano José Serra (PSDB). Fernando Henrique acrescentou que o limite para a atuação de um chefe de estado numa eleição é a lei.

O limite é a lei. A todo instante, o presidente Lula está sendo multado. Passou da lei alertou Fernando Henrique.

Ausente da linha de frente da atual campanha de Serra, o ex-presidente, que foi uma das estrelas da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), na semana passada, disse que permanecerá acompanhando a corrida eleitoral a distância.

Eu participo, mas de outra maneira. Eu escrevo, eu discuto com ele (José Serra). Há pouco, falei com ele pelo telefone. Agora, não tenho mais nem energia para estar no dia a dia de uma campanha, que é uma coisa penosa admitiu o ex-presidente.

Perguntado se ele não poderia ajudar mais se aparecesse mais na campanha, o tucano respondeu que sua participação não teria este efeito: Ex-presidente não tem esse poder disse.

Entrevista-relâmpago;respostas repetitivas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

João Bosco Rabello

O tempo é curto e, nesse sentido, reproduz o defeito dos debates: o candidato é atropelado por uma segunda pergunta antes de concluir a resposta à primeira. A boa notícia para a candidata Dilma Rousseff é que o critério será igual para os adversários que lhe sucederão a partir de hoje na bancada do Jornal Nacional.

A má notícia é que não conseguiu produzir boas respostas para velhas perguntas.

Confrontada com reclamações ao seu estilo no governo - onde era acusada de maltratar subalternos - atribuiu-o à necessidade de cobrar metas e resultados. Rejeitou o presidente Lula como seu tutor, mas adotou suas respostas ao justificar as más companhias do partido nas alianças eleitorais: o poder amadureceu o PT. Donde se conclui que aliados como José Sarney, Fernando Collor, Jader Barbalho, entre os citados pelo apresentador William Bonner, representam evolução política.

E culpou o governo FHC pelo Brasil não crescer no governo Lula a taxas maiores que os vizinhos Uruguai e Bolívia, mais Índia e China.

'Ninguém está seguro', diz ex-gerente da Previ

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Santiago afirma apostar na continuidade de suposto esquema de espionagem petista, do qual teria sido um dos operadores de 2000 a 2007

Gabriela Moreira / RIO

Ex-gerente de planejamento do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (Previ), entre 2000 e 2007, o advogado Gerardo Xavier Santiago afirmou ontem apostar na continuidade do suposto esquema de espionagem petista, do qual teria sido um dos operadores.

Em entrevista à revista Veja, Santiago afirmou que a Previ é uma "fábrica de dossiês" e um "braço partidário" a serviço de um grupo do PT. Disse que, "cumprindo ordens superiores", elaborou dossiês contra deputados e senadores da oposição.

O advogado apontou "aparelhamento do Estado" por parte do PT e disse que o método de espionagem teria se alastrado por diversos setores do governo. "Depois que se toma gosto, que se aprende a fazer, ninguém mais está seguro", ressaltou. Ele contou ter feito pelo menos quatro dossiês encomendados pelo que ele chama de núcleo bancário do partido.

"O PT é uma federação de grupos. O serviço que eu prestava era para um determinado grupo, que era liderado por Ricardo Berzoini, Luiz Gushiken e João Vaccari Neto, entre outros", acusou Santiago, que decidiu processar o Banco do Brasil por assédio moral, na Justiça do Trabalho.

O elo do grupo bancário com o fundo de pensão, segundo ele, era feito pelo então presidente Sérgio Rosa, que hoje preside o conselho de administração da Vale. "Por isso, eu digo que esse grupo não pode ser dado como descartado. O código de governança corporativa da Previ prevê rodízio da vaga de presidente do conselho com o presidente da Previ, que não é mais ele. Quem ele representa lá? O PT? A campanha da Dilma? É estranho isso."

Aposta. Santiago contou que decidiu revelar o que sabe porque começou a ficar "inquieto" ao perceber que estava se tornando "um funcionário de um determinado grupo político".

Segundo ele, isso se deu em 2005, durante a CPI dos Correios, quando a maioria dos dossiês teria sido produzida. "Esse episódio significa a frustração de uma parte da minha vida. Foi a aposta que eu fiz desde a minha juventude numa proposta política, num projeto político que se degenerou", afirmou Santiago, que admitiu ganhar cerca de R$ 13 mil por mês pelo serviço, "além do cargo no conselho da Vale".

Para o advogado, produzir dossiês não é crime. "Eu chamo isso de serviço de inteligência. Mas queria deixar claro que eu entendo que não cometi nenhuma ilegalidade nem estou acusando ninguém de ter cometido ilegalidades. A discussão que eu coloco é do ponto de vista político, moral e ético."

O ex-gerente da Previ rechaça, também, as acusações de que estaria fazendo as revelações para atingir a campanha da petista Dilma Rousseff. "Eu dei a entrevista (à revista Veja, publicada nesta semana), há dois anos, quando nem havia candidatos definidos. Não poderia desestabilizar candidatura de ninguém. Até porque, no que se diz respeito à candidatura presidencial, se interessa a alguém saber eu vou votar no Plínio (de Arruda Sampaio, do PSOL).

Previ sustenta que presença de Rosa na Vale é legal

A assessoria de imprensa da Previ negou que o ex-presidente Sérgio Rosa esteja ferindo o código de governança corporativa do fundo, uma vez que não há normas que o impeçam de continuar no Conselho da Vale após deixarem o cargo. De acordo com a assessoria, Sérgio Rosa ficará no conselho até abril de 2011, mesmo tendo deixado de ser presidente da Previ em maio passado.

Serra diz ser vítima de 'dossiê fajuto'

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidenciável tucano classifica cenário descrito por ex-diretor da Previ como "mais uma baixaria" contra ele e cita o caso dos aloprados, de 2006

André Mascarenhas e Carolina Freitas

O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, voltou a colocar-se como vítima de suposta espionagem feita pelo PT. "O que não falta em cima de mim é dossiê fajuto e o que falta é achar alguma coisa que eu tenha feito errado", disse. "Minha vida pública é limpa do começo ao fim, apesar de todas essas tentativas de baixaria."

Os comentários foram feitos ontem ao ser questionado sobre a afirmação de um ex-diretor da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) à revista Veja desta semana. Segundo Gerardo Xavier Santiago, a Previ funcionaria como uma "fábrica de dossiês" contra a oposição do governo Lula.

Serra classificou o cenário apresentado por Santiago como "mais uma baixaria" que tentaram fazer contra ele e citou o caso do dossiê dos aloprados, de 2006. O tucano foi o segundo a debater com jornalistas e empresários no evento Candidatos à Presidência falam aos empreendedores do Brasil, organizado pela Associação Comercial de São Paulo. Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) e Marina Silva (PV) também participaram do encontro.

Serra criticou o formato do horário eleitoral gratuito e enviou recado indireto à sua principal adversária, a petista Dilma Rousseff, ao afirmar que uma mudança no formato - com os candidatos se apresentando de improviso para uma câmera, sem "marquetagem" - poderia facilitar o conhecimento pela população e evitaria "a venda de candidato como iogurte" ou a "ocultação do candidato".

Numa referência à ideia de que o presidente Lula poderia estar por trás de um eventual governo Dilma, o tucano disse: "Quem governa é o candidato, não existe isso de terceirização."

Favorável ao "voto distrital puro", Serra admitiu ser difícil convencer o Congresso a rever essa regra, mas afirmou que a mudança será proposta no início de seu governo. Ao falar sobre a ausência da candidata petista no evento, Serra classificou de "lamentável, mas normal". "A candidata Dilma tem evitado ao máximo debater e se expor. Não estão aqui fazendo nada diferente."

Discussão. Na saída, Serra discutiu com a presidente de um sindicato de cooperativas, que reclamou de um decreto estadual que estaria tirando empregos da categoria. "Vocês se reúnem para xingar o governo", reagiu Serra. "Não queremos xingar o governo, queremos trabalhar", disse a sindicalista Sandra Campos. O tucano prometeu um encontro do grupo com o governador Alberto Goldman.

Dilma Rousseff (PT)
Em Belo Horizonte (MG), a candidata visita o Café Nice e caminha na Praça Sete, às 15h30. Às 19 horas, ela participa de ato político na Praça da Estação

Marina Silva (PV)
Às 13 horas, a candidata concede entrevista à rádio Sulamérica Trânsito, em São Paulo. Depois segue para o Rio de Janeiro, onde dará entrevista ao vivo para o Jornal Nacional, da TV Globo

José Serra (PSDB)
O candidato não divulgou a agenda até o fechamento desta edição

A espionagem político-sindical:: Editorial / O Globo


Sucessão de casos sem consequências cria estado de letargia moral

Grupos do PT, desde quando eram oposição, sempre demonstraram traquejo na busca de informações sigilosas sobre adversários, para utilizá-las como munição na luta pelo poder.

Provavelmente devido à cultura forjada em duros embates travados no mundo sindical origem dessas frações , turbinada pela visão dos fins que justificam os meios, própria de certa militância esquerdista, essas falanges se especializaram em arapongagens e montagem de dossiês a serem vazados na imprensa, no Congresso, onde interessar.

Conquistado o poder nas eleições de 2002, a primeira ação de maior repercussão desses aloprados, termo cunhado por Lula, foi a desastrada operação de compra de um dossiê fajuto, no final da campanha de 2006, para alvejar o tucano José Serra, então candidato ao governo de São Paulo. Pilhado pela PF nesta manobra estava o responsável pela campanha do adversário de Serra, senador petista Aloizio Mercadante, que não se cansa de jurar inocência e apresentar como prova de sinceridade o fato de não ter sido acusado na Justiça.

No segundo mandato de Lula, aloprados petistas patrocinaram outras histórias de atuação subterrânea, ilegal.

Em sua última edição, Veja traz importante entrevista de um ex-diretor da Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, Gerardo Xavier Santiago, com passagem pela função de assessor direto de Sérgio Rosa, petista que presidiu o maior fundo previdenciário do país. Dizendo-se arrependido e decepcionado com o PT, Gerardo denuncia a Previ de Sérgio Rosa como ativa usina de produção de dossiês difamatórios.

Do esquema também participa, diz ele, Ricardo Berzoini, ex-presidente do PT, ex-ministro, também de longa carreira sindical no setor bancário, com origem no BB. Ele afirma, ainda, ter participado da produção de alguns desses petardos, sob encomenda do chefe Rosa. O cenário traçado pelo ex-diretor da Previ ajuda a se dimensionar o enorme perigo que garantias constitucionais e o próprio regime democrático correm, depois de todo esse tempo em que esquemas sindicais petistas atuam em áreas vitais do Estado, como a Receita Federal e no braço financeiro público (Banco do Brasil e Caixa Econômica, por exemplo), com acesso a arquivos de dados sigilosos da população protegidos por lei.

Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB, é a mais recente vítima deste aparato de vigilância incrustado no Estado por meio do aparelhamento ideológico da máquina pública patrocinado na Era Lula. O sigilo fiscal de Eduardo Jorge foi ilegalmente quebrado, e, segundo ele, o de uma conta no Banco do Brasil também. Não por acaso.

O vazamento de informações do imposto de renda do tucano num bunker da campanha de Dilma Rousseff e uma carta anônima contra o ministro Guido Mantega redigida num subaparelho sindical montado no BB são elementos sólidos que apontam para a existência de um esquema paralelo de espionagem montado no governo e em estatais. Uma de suas missões primordiais: invadir a privacidade de qualquer um, como se estivéssemos num estado soviético.

(Ou estamos, neste aspecto?) Uma daninha decorrência de todos esses casos que se sucedem no governo Lula é a cristalização de uma letargia moral no país: os casos escandalizam cada vez menos, os mecanismos públicos de correção de desmandos se tornam lerdos, enquanto paira a distorcida e deplorável percepção de que um governo com alta popularidade tudo pode.

A 'fábrica de dossiês' do PT :: Editorial / O Estado de S. Paulo

Em editorial, nesta página, sobre a revelação de que servidores da Receita violaram o sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, presumivelmente para a montagem de um dossiê que poderia ser usado por setores da campanha da candidata Dilma Rousseff contra o opositor tucano José Serra, falou-se do "exército secreto" arregimentado pelo PT na administração federal para fazer o trabalho sujo na disputa pelo Planalto. É mais do que isso. As campanhas eleitorais são apenas uma entre tantas frentes onde atuam essas tropas da treva - e assim também os seus alvos.

Disso não deixa dúvida a confissão de um ex-diretor e ex-assessor da Previ, o colossal fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, Geraldo Xavier Santiago. Em entrevista publicada na edição desta semana da revista Veja, Santiago disse que a entidade é "uma fábrica de dossiês" que funciona como um "bunker" e "braço partidário" a serviço de uma ala petista - comandada pelos poderosos chefões do sindicalismo aboletados na estrutura do poder nacional. Ele citou nominalmente os ex-ministros Ricardo Berzoini e Luiz Gushiken e o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, todos do setor bancário.

O gerente da fábrica, de acordo com a denúncia, era o presidente da Previ até junho, Sérgio Rosa. Santiago era próximo dele até romperem em 2007. No embalo, o então diretor deixou o fundo e saiu do PT. Ele não é um pecador arrependido. Levado a falar do dossiê contra Marina Mantega, filha do ministro da Fazenda, cuja compilação o entrevistado atribui a uma "disputa interna", fez uma especiosa distinção entre o certo e o errado nessas operações: "Uma coisa é fazer com o adversário. É uma involução do PT?"

O sindicalismo selvagem que Lula levou para dentro do governo transpôs para a política a violência característica dos embates entre as máfias sindicais. Parte da premissa de que todo adversário deve ser tratado como inimigo - e, nessa condição, deve ser aniquilado. Santiago, que começou no sindicato dos bancários do Rio, contou que sua estreia na linha de montagem de falsas acusações a terceiros data de 2002, quando as milícias petistas foram incumbidas de investir contra os então gestores da Previ e provar a interferência do governo na instituição.

A cultura da destruição se afirmou em seguida. "Dossiês com conteúdo ofensivo, para atingir e desmoralizar adversários políticos", precisa Santiago, "só no governo Lula mesmo, na gestão do Sérgio Rosa". Foi também quando a cúpula da Previ armou uma teia de conselheiros ligados ao PT em empresas de cujo capital o fundo participava para canalizar em favor da sigla as suas doações partidárias. A central de dossiês trabalhou a todo vapor durante a CPI dos Correios, em 2005, cujo foco incidiu sobre o mensalão, antes que o esquema de compra de votos fosse objeto de um inquérito específico.

A Previ, à época, era a fonte das acusações com que a senadora petista Ideli Salvatti tentava acuar parlamentares oposicionistas. Segundo revelou Santiago, que agora diz que cumpria "ordens superiores", entre os políticos visados estavam os senadores Jorge Bornhausen e Heráclito Fortes e o deputado ACM Neto, todos do DEM. O tucano José Serra também faria parte da lista. Rosa teria ordenado que se juntassem dados sigilosos com " informações sobre investimentos problemáticos da Previ que estivessem ligados a políticos da oposição".

Sintomaticamente, a primeira reação do PT à entrevista foi silenciar. Já o fundo de pensão, hoje dirigido por um ex-vice-presidente do Banco do Brasil, Ricardo Flores, informou que "a atual cúpula desconhece essa prática e está muito tranquila em relação a suas recentes práticas de governança". De notar os termos "atual" e "recentes" - indicando uma dissociação com o que se tenha feito na entidade até há bem pouco tempo. De seu lado, além de assegurar que a sua campanha não tem nenhuma vinculação com a Previ, a candidata Dilma Rousseff instou a imprensa a revolver o caso dos grampos na privatização da Telebrás no governo Fernando Henrique. Como se isso eximisse de culpa os papeleiros da Previ e limpasse a ficha do PT.

Freire defende mobilização de trabalhadores para passar fundos de pensão a limpo

DEU NO PORTAL DO PPS

Diógenes Botelho

Freire teme pela segurança de advogado que denunciou esquema do PT na Previ.

Para presidente do PPS, aparelhamento político dos fundos de pensão de bancos oficiais e empresas estatais por parte do governo Lula coloca em risco o patrimônio de milhões de famílias de trabalhadores brasileiros. Freire também teme pela segurança do advogado Gerardo Xavier Santiago, ex-gerente executivo da Previ, que denunciou que o PT usou a estrutura do fundo para montar dossiês contra a oposição e abastecer seu caixa de campanha

O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, defendeu nesta segunda-feira (09/08) uma grande mobilização dos trabalhadores para "tirar a limpo" a série de denúncias que envolvem o desvio de recursos e o aparelhamento político dos fundos de pensão de bancos oficiais e empresas estatais. Para ele, o governo Lula está usando essas instituições para fins espúrios e ilícitos.

A última denúncia envolvendo os fundos de pensão veio à tona no último final de semana, quando a revista Veja divulgou reportagem em que o advogado Gerardo Xavier Santiago, ex-gerente executivo da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), denuncia que o PT usou a estrutura do fundo para montar dossiês contra a oposição na época do escândalo do mensalão. Segundo a revista, a Previ também teria sido usada para abastecer o caixa de campanha do PT e de aliados.

"Onde anda o Ministério Público? Esse crime (denunciado pelo ex-diretor da Previ) ainda não prescreveu. Todos os trabalhadores dessas empresas estatais deveriam se mobilizar e, ao invés de ficar pedindo CPI, devem cobrar esclarecimentos das instituições e uma atuação firme do Ministério Público", sugere o presidente do PPS.

Freire ressalta ainda que a má gestão dos fundos coloca em risco o futuro das famílias dos trabalhadores. "Esses fundos não podem ser enxovalhados como estão sendo. Isso é um patrimônio da família dos trabalhadores e não pode ficar sendo usado pelo governo, ou por um partido, para fins espúrios e ilícitos. Um governo irresponsável utiliza um patrimônio, que é dos trabalhadores, para fazer o quê? Para praticar crime, elaborar dossiês? Isso é muito grave!", afirma Freire.

O presidente do PPS lembra que os fundos de pensão estão no centro de grande parte dos últimos grandes escândalos da República. Foi assim no mensalão, na denúncia de desvio de dinheiro de Furnas e na obscura fusão entre as empresas de telefonia Oi e a Brasil Telecom. No Congresso Nacional, foram inúmeras as tentativas de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigá-los. Até hoje nenhuma iniciativa foi para frente. "Não adianta esperar que esse Congresso vá fazer alguma coisa. E por que? Porque o governo Lula o mantém sob controle, não vai permitir nenhuma investigação".

Arquivo vivo

O presidente do PPS também está preocupado com a segurança do advogado Gerardo Santiago. "Temos que ter uma preocupação também com o Gerardo (autor da denúncia contra a Previ e o PT) porque ele é um arquivo vivo. Ele não era um funcionário qualquer da Previ. Era grauduado, passou muito tempo lá, era homem de confiança do governo, petista de carteirinha, e está fazendo denúncias gravíssimas", manifestou Freire, que cobra uma atitude do Ministério Público com relação ao caso.

Leia mais: Fundos ajudaram governo no mensalão

FHC critica uso político da Previ pelos petistas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Breno Costa

DE SÃO PAULO - O suposto uso da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) para a fabricação de dossiês pelo PT, com acesso a dados sigilosos, é "grave" e cria um "bloco de poder que não é aberto", disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

"A vinculação entre fundo de pensão, poder de Estado, poder econômico e burocracia de partido cria um bloco de poder que não é aberto. Se, além disso, há uma fabricação de dados comprometedores, é mais grave ainda", disse FHC, após palestra sobre o livro "O Príncipe", de Nicolau Maquiavel, em São Paulo.

A revista "Veja" publicou, no fim de semana, uma entrevista com o ex-diretor e assessor da presidência da Previ Gerardo Xavier Santiago. Segundo ele, o fundo virou uma "fábrica de dossiês" e uma máquina de arrecadação para o partido.

Em Brasília, o deputado ACM Neto (DEM-BA) disse que vai interpelar judicialmente Santiago para obter cópia de documentos com dados de membros da oposição e que pedirá nesta semana que a Polícia Federal investigue os dossiês.

O DEM também quer entrar com representação no Conselho de Ética do Senado contra a senadora Ideli Salvatti (PT-SC). Ela é acusada de usar um dossiê criado ilegalmente na Previ contra ACM Neto durante a CPI dos Correios, em 2005.

A senadora não quis comentar as denúncias. Por assessores, Ideli disse que vai analisar a representação antes de se manifestar.

LULA

Em São Paulo, Fernando Henrique -que apoia o tucano José Serra- criticou ainda a participação do presidente Lula na campanha de Dilma Rousseff (PT).

Segundo FHC, apesar de não ferir a lei, a ida de Lula a comícios ao lado de Dilma significa jogar o "poder de Estado a favor de uma candidatura": "Acho que um presidente não pode ir além de certos limites. Ao se transformar num militante sendo um presidente, você está abusando do poder".

Colaborou a Sucursal de Brasília

Frase de Dilma sobre redução de jornada gera críticas de centrais

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

DE SÃO PAULO - Com apoio quase irrestrito no meio sindical, a candidata à Presidência Dilma Rousseff (PT) desagradou às centrais sindicais ao tergiversar no debate da Band sobre a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais.

A declaração da petista foi debatida pelas principais centrais no final de semana. A conclusão foi que Dilma será pressionada nas próximas agendas com trabalhadores a se manifestar sobre o tema.

A primeira chance será dia 17, em ato com mulheres sindicalistas. O evento é organizado pela CTB (Central dos Trabalhadores do Brasil), em parceria com CGTB (Central Geral dos Trabalhadores do Brasil), CUT (Central Única dos Trabalhadores), Força Sindical, Nova Central e UGT (União Geral dos Trabalhadores).

A diminuição da jornada é a maior bandeira da classe.

Provocada por Plínio Sampaio (PSOL) na TV, ela evitou se posicionar: "Não é papel do governo substituir o movimento social e determinar qual jornada de trabalho que esse ou aquele setor deve ter".

Até agora, Dilma não atendeu ao pedido para receber a "Agenda da Classe Trabalhadora", documento formulado em evento de 1º de junho.

Cineasta diz que Dilma tenta ocultar seu passado

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Para Meirelles, petista teria de omitir em eventual biografia atuação em guerilha Cineasta colabora com campanha de Marina no PV, que tem integrantes que participaram da luta armada na ditadura

Bernardo Mello Franco

DE SÃO PAULO - Alvo de críticas na biografia oficial de Marina Silva (PV), a presidenciável Dilma Rousseff (PT) voltou a ser atacada pelos verdes no lançamento do livro em São Paulo.

Autor do prefácio, o cineasta Fernando Meirelles afirmou que a petista não faz uma obra semelhante porque teria que esconder sua atuação na luta armada contra a ditadura militar.

"Não sei se existe uma biografia da Dilma, mas como ela tem esse passado de guerrilha, que 90% da população não sabe, no caso dela não seria oportuno. Ela iria omitir uma parte."

Enquanto Marina autografava exemplares do livro, Meirelles acusou Dilma de tentar esconder a trajetória e as ideias na campanha.

"Talvez fosse melhor para ela ficar mais quietinha. Não fazer biografia, não ir aos debates. Quanto menos exposição, melhor", disse o cineasta, que colabora no programa de TV de Marina.

Dois integrantes do PV que foram ao lançamento atuaram na luta armada: Fernando Gabeira, candidato ao governo do Rio, e Alfredo Sirkis, candidato a deputado.

Escrito pela jornalista Marília de Camargo César, "Marina - A vida por uma causa" cita Dilma oito vezes e José Serra (PSDB), cinco.