domingo, 5 de julho de 2015

Opinião do dia – Aécio Neves

Talvez uma das maiores tarefas, nestes dois anos, seja preservar a unidade do partido. E esse discurso é discurso de quem teme muito o PSDB e fica desde já estimulando a nossa divisão. E para isso eu tenho que, infelizmente, dar uma má notícia: nós estaremos unidos e prontos para vencer as eleições para o bem do Brasil.

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Aécio Neves é senador(MG) e presidente nacional do PSDB, O Globo, 5 de julho de 2015.

Os arquivos do delator

• As anotações e as planilhas que revelam como funcionava o esquema de corrupção que unia governo, políticos e empreiteiros no saque ao caixa da Petrobras

Robson Bonin – Veja

O engenheiro Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, é famoso por sua grande capacidade de organização – característica imprescindível para alguém que exercia uma função vital no chamado "clube do bilhão".

Ele foi apontado pelos investigadores como o chefe do grupo que durante a última década operou o maior esquema de desvio de dinheiro público da história do país. O empreiteiro entregou à Justiça dezenas de planilhas com movimentações financeiras, manuscritos de reuniões e agendas que fazem do seu acordo de delação um dos mais contundentes e importantes da Operação Lava-Jato. O material constitui um verdadeiro inventário da corrupção. Em uma série de depoimentos aos investigadores do Ministério Público, Pessoa detalhou o que fez, viu e ouviu como personagem central do escândalo da Petrobras. Na seqüência, apresentou os documentos que, segundo ele, provam tudo o que disse.

VEJA teve acesso ao arquivo do empreiteiro. Um dos alvos é a campanha de Dilma de 2014 e seu tesoureiro, Edinho Silva, o atual ministro da Comunicação Social. Segundo o delator, ele doou 7,5 milhões de reais à campanha depois de ser convencido por Edinho Silva. "O senhor tem obras no governo e na Petrobras, então o senhor tem que contribuir. O senhor quer continuar tendo?", disse o tesoureiro em uma reunião. O empreiteiro contou que não interpretou como ameaça, mas como uma "persuasão bastante elegante". Na dúvida, "para evitar entraves" nos seus negócios com a Petrobras, decidiu colaborar para que o "sistema vigente" continuasse funcionando — um achaque educado. Mas há outro complicador para Edinho: quem apareceu em nome dele para fechar os detalhes da "doação", segundo Pessoa, foi Manoel de Araújo Sobrinho, o atual chefe de gabinete do ministro. Em plena atividade eleitoral, Manoel se apresentava aos empresários como funcionário da Presidência da República. Era outro recado elegante para que o alvo da "persuasão" soubesse com quem realmente estava falando.

Lula e a conta secreta no exterior
O documento reproduz a movimentação de uma conta secreta na Suíça aberta pelos empreiteiros para pagar propina. Segundo Ricardo Pessoa, foi dela que saíram 2,4 milhões de reais que reforçaram o caixa da campanha do ex-presidente Lula em 2006 — dinheiro desviado dos cofres da Petrobras que chegou ao Brasil em uma operação financeira totalmente clandestina e ilegal. O delator contou que a UTC, a lesa, a Queiroz Galvão e a Camargo Corrêa formavam o consórcio que venceu a licitação para construir três plataformas de petróleo. Como era regra na estatal, um porcentual do contrato era obrigatoriamente reservado para subornos. A conta foi criada para o "pagamento de comissionamentos devidos a agentes públicos em razão das obras da Petrobras, ou seja, o pagamento de propinas", disse Pessoa. Ela também ajuda a dificultar o rastreamento de corruptos e corruptores. Foi dessa fonte clandestina que saiu o dinheiro que ajudou Lula a se reeleger.

Para comprovar a existência da conta secreta, o empreiteiro apresentou ao Ministério Público extratos com as movimentações. Batizada de "Controle RJ 53 — US$", a planilha registra operações envolvendo 5 milhões de dólares em pagamentos de propina. Além de financiar o caixa dois de Lula, a conta suíça foi utilizada para pagar os operadores do PT na Petrobras. Entre as movimentações listadas pelo empreiteiro estão pagamentos ao ex-gerente de Serviços da Petrobras Pedro Barusco, um dos responsáveis pela coleta das propinas destinadas ao PT. Os repasses à campanha de Lula foram acertados entre Ricardo Pessoa e o então tesoureiro petista, José de Filippi. Era o próprio empreiteiro que levava os pacotes de dinheiro ao comitê da campanha em São Paulo. A entrega, como VEJA revelou em sua edição passada, era cercada de medidas de segurança típicas de organizações criminosas. Ao chegar à porta do comitê, o empreiteiro dizia a senha "tulipa". Se ele ouvia como resposta a palavra "caneco", seguia direto para a tesouraria. Se confirmados pela Justiça, os pagamentos via caixa dois são a primeira prova de que o ex-presidente Lula também foi beneficiado diretamente pelo petrolão.

A planilha do caixa dois
Em sua delação, Ricardo Pessoa disse que distribuir dinheiro para campanhas políticas fazia parte da estratégia de suas empresas para permitir "que a engrenagem andasse perfeitamente, tirando as pedras do caminho e abrindo portas no Congresso, na Câmara e em todos os órgãos públicos". Em 2010, segundo a planilha de doações apresentada ao Ministério Público pelo empreiteiro, algumas dessas pedras foram removidas com dinheiro do chamado caixa dois. Na lista aparece o nome de quinze candidatos que receberam recursos "por fora", sem registro oficial. O documento é dividido em três colunas: as doações "realizadas pela UTC", as doações "realizadas pela Constran" e "pedido". É justamente nessa última coluna que o delator anotou os repasses ilegais. Nela, constam como beneficiados o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o senador do PSDB, Aloysio Nunes. O ministro, segundo o empreiteiro, recebeu 500 000 reais em doações oficiais (250000 da UTC e 250 000 da Constran) mais 250 000 reais em dinheiro vivo para a sua campanha ao governo de São Paulo. Já o senador recebeu 300 000 reais da UTC e 200000 reais em dinheiro vivo.

Tanto o senador quanto o ministro refutaram as acusações. Mercadante admite apenas ter recebido as doações legais. Aloysio Nunes também. Além do senador e do ministro da Casa Civil, destacam-se na relação do caixa dois da UTC o ex-ministro do PMDB Hélio Costa (250000 reais), que concorria ao governo de Minas Gerais, o ex-tesoureiro petista e atual secretário de Saúde da prefeitura de São Paulo, José de Filippi Júnior (150 000 reais), o ex-deputado do PR e mensaleiro Valdemar Costa Neto (200 000 reais), o líder do PP na Câmara Eduardo da Fonte (100 000 reais) e o deputado do DEM Jorge Tadeu Mudalen (200000 reais).

A "compra" da CPI e os partidos-laranja
Quando viajou a Brasília, no ano passado, para se reunir com o então líder do PTB no Senado, Gim Argello, Ricardo Pessoa estava assustado com a possibilidade de ser convocado para depor na CPI da Petrobras. Encarar os parlamentares no meio das investigações da Lava-Jato não era uma opção. Antes de aceitar pagar a Gim Argello alguns milhões de reais para impedir a sua convocação, Ricardo Pessoa quis ter a certeza de que o senador, como vice-presidente da comissão, teria mesmo condições de entregar o prometido. Deu-se o seguinte diálogo:

— Você garante que não vou ser convocado? — perguntou Pessoa.

— Garanto! — respondeu Gim.

— 100%? — insistiu Pessoa.

— 100% ninguém pode ser. É 90%! — prometeu Gim.

O acordo foi fechado em 5 milhões de reais. Para camuflar o suborno, o dinheiro foi repassado na forma de doações eleitorais aos diretórios de quatro partidos controlados pelo senador governista no Distrito Federal — PR, DEM, PRTB e PMN. O empreiteiro entregou aos investigadores uma planilha listando as operações. A CPI terminou sem apurar nada e sem importunar Ricardo Pessoa. O delator contou que também doou 150 000 reais à campanha do deputado Júlio Delgado com o mesmo objetivo. O pagamento, segundo ele, foi realizado por intermédio do presidente do PSB de Belo Horizonte. Júlio Delgado nega o acordo e garante que não recebeu nada.

A "conta-corrente" JVN
O dono da UTC entregou muito dinheiro em espécie nas mãos de João Vaccari Neto. Precisamente 3,9 milhões de "pixulecos" — como o ex-tesoureiro do PT chamava as propinas que recebia. Os detalhes estão na planilha identificada como "JVN-PT", na qual o empreiteiro registrou as datas e os valores de onze repasses feitos ao tesoureiro entre 2008 e 2013. Ricardo Pessoa contou aos investigadores que começou a pagar propina a Vaccari depois que a Petrobras iniciou uma série de grandes investimentos no setor de óleo e gás. "A partir daí (2007), todas as obras licitadas na Petrobras passaram a representar "motivo" para novas e grandes contribuições políticas ao PT e ao PP, partidos diretamente ligados às nomeações das diretorias", informou Pessoa. O delator fez ainda uma anotação de próprio punho que não deixa dúvida sobre a natureza do documento: "caixa 2". Ou seja, Vaccari mantinha um caixa dois dentro do caixa dois do PT.

A JVN-PT era a conta que o tesoureiro tinha na UTC para bancar suas despesas de varejo. Preso há quase três meses em Curitiba, João Vaccari, o Moch, referência à sua inseparável mochila preta, mantinha negócios escusos com vários empresários, mas com Ricardo Pessoa as relações beiravam a camaradagem. O empreiteiro contou que repassou 15 milhões de reais ao tesoureiro. O pagamento foi condição para que a UTC ingressasse no consórcio escolhido pela Petrobras para construir o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Pessoa narrou aos investigadores que pagava propina ao PT "de modo contínuo", por meio de doações oficiais e também de repasses clandestinos. Era tanto dinheiro que o delator mantinha em seu computador uma planilha exclusiva para registrar o fluxo dos recursos. Dessa conta-propina também saíam os "pixulecos" para manter o luxo de alguns dirigentes do partido, como se verá a seguir.

Propina disfarçada de consultoria
O petista José Dirceu ganhou muito dinheiro. Desde que deixou a Casa Civil abatido pelo escândalo do mensalão, em 2005, o ex-ministro recebeu cerca de 39 milhões de reais oficialmente fazendo consultorias para o setor privado. As investigações da Operação Lava-Jato, no entanto, desvendaram a verdadeira natureza dos serviços do mensaleiro. Em sua delação premiada, o empreiteiro Ricardo Pessoa apresenta documentos que mostram que as consultorias nada mais eram do que fachada para o recebimento de dinheiro desviado da Petrobras. O dono da UTC contou aos investigadores que foi procurado pelo ex-ministro em meados de 2012. Dirceu, que exercia forte influência sobre os diretores da Petrobras, ofereceu ao empreiteiro os seus serviços de consultor. Assim como no caso do pedido de Edinho Silva, negar dinheiro a Dirceu poderia ser sinônimo de problemas. Melhor não arriscar. Afinal de contas, os negócios iam muito bem. O empreiteiro fechou um acordo para pagar 1,4 milhão de reais ao mensaleiro. O objeto do contrato: prospectar negócios no exterior.

A única coisa que José Dirceu prospectou foram aditivos ao contrato. Sem nenhum tipo de serviço prestado, o consultor conseguiu mais 906000 reais da UTC no ano seguinte. Quando a última parcela desse segundo contrato venceu, Dirceu já fazia parte da população carcerária do presídio da Papuda, em Brasília. Mas nem a prisão foi capaz de atrapalhar os negócios do ex-ministro. Ricardo Pessoa contou aos investigadores que, a pedido do próprio Dirceu, assinou um segundo aditivo, de 840000 reais. O contrato foi firmado quando o mensaleiro já estava no terceiro mês de prisão. "Apenas e tão somente em razão de se tratar de José Dirceu e da sua grande influência no PT é que, mesmo sabendo da impossibilidade de ele trabalhar no contrato firmado, porque estava preso, o aditamento foi feito e as parcelas continuaram a ser pagas", disse o dono da UTC aos procuradores. O mais impressionante: como a tabela acima comprova, metade do dinheiro pago pela UTC a Dirceu foi debitada com autorização de Vaccari da conta-corrente que a empreiteira administrava para o PT. Ou seja, o ex-ministro foi pago com propina da Petrobras.

O homem que fabricava dinheiro
Para não deixarem rastros, os criminosos evitam usar o sistema financeiro e recorrem a doleiros e operadores para produzir o combustível da corrupção: dinheiro vivo. Ricardo Pessoa tinha o seu fornecedor de dinheiro, o empresário Adir Assad, que está preso há quatro meses. A Polícia Federal já sabe que Assad utilizava suas empresas para "esfriar" dinheiro. Funcionava assim: a UTC simulava a contratação de Assad para justificar a saída de recursos do seu caixa. O empresário, por sua vez, emitia uma nota fiscal e recebia uma comissão pelo serviço que não existia. Pronto, o dinheiro podia ser entregue aos corruptos sem deixar pistas de sua origem. Ricardo Pessoa entregou uma planilha de quatro páginas que demonstra o volume de recursos envolvidos no petrolão. Entre 2007 e 2013, o "fabricante de dinheiro" entregou ao dono da UTC nada menos que 76,6 milhões de reais em dinheiro vivo. A bolada serviu para fazer doações clandestinas, pagar propinas e outras finalidades nada nobres. Apenas em 2008, ano de eleições municipais, Adir Assad "fabricou" 9,1 milhões de reais para a UTC. As notas fiscais fajutas foram emitidas em nome das empresas SM Terraplenagem e Rock Star. Em 2010, durante as eleições presidenciais, Assad entregou 15 milhões de reais ao empreiteiro. Nessa época, ainda não havia pagamento de propina disfarçado de doações oficiais.

Os achacadores (Fernando Collor, Edison Lobão e...)
Empreiteiro que depende do governo, Ricardo Pessoa era um alvo preferencial de políticos e partidos que criam dificuldades para vender facilidades. Como é uma pessoa metódica, os achaques estão detalhadamente descritos em suas agendas e os pagamentos, anotados em planilhas. É desse arquivo que sai a tabela "Controle de compromissos RJ/Norte", o documento que registra os 20 milhões de reais pagos ao senador Fernando Collor (PTB-AL) e a seu operador, o empresário Pedro Paulo Leoni Ramos. Acertada depois que Collor e seu grupo ajudaram o dono da UTC a fraudar uma licitação de 650 milhões de reais na BR Distribuidora, a propina começa a cair na "conta-corrente" de Collor e "PP", como Pedro Paulo é identificado no documento, em dezembro de 2010. A tabela mostra que os pagamentos mensais se estenderam até julho de 2012. "É bom esclarecer que o valor solicitado para que a UTC garantisse a vitória no contrato só foi aceito neste patamar levando-se em consideração quem estava por trás de Pedro Paulo", diz o documento em poder do Ministério Público.

Ricardo Pessoa descreve em detalhes outras situações de achaques oriundos de dois importantes quadros do governo da presidente Dilma Rousseff. Ele contou que, no ano passado, o então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, recebeu 1 milhão de reais apenas para não criar obstáculos à UTC na obra de Angra 3. O mesmo procedimento foi adotado com Sergio Machado, então presidente da Transpetro, que recebeu 1 milhão de reais para manter-se sensível aos pleitos da empresa na Petrobras. A lista de aproveitadores é extensa.

As valiosas informações do TCU
Pagar por informações privilegiadas e influência em órgãos estratégicos era um dos estratagemas do empreiteiro para evitar "pedras no caminho" da UTC. Filho do atual presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz, o advogado Tiago Cedraz foi pago para atuar nessa área. "Tiago foi contratado para buscar, de forma antecipada, informações no TCU sobre questões e temas em debate que interessassem à empresa", explicou Ricardo Pessoa. Ele contou que, graças ao prestígio do pai no TCU, Tiago transitava pelos gabinetes do tribunal com rara desenvoltura. Tinha condições, portanto, de antecipar resultados de processos e até sensibilizar colegas do pai sobre os interesses da UTC. Por um serviço tão especial, Tiago Cedraz foi muito bem remunerado, como mostra a relação de pagamentos entregue por Pessoa aos investigadores. Na tabela "Tiago — BSB" estão listadas nada menos do que 25 operações que, somadas, totalizam 2,2 milhões de reais. Só pelo lobby no TCU em defesa da UTC nos contratos de Angra 3, por exemplo, Tiago recebeu um prêmio de 1 milhão de reais em espécie. A bolada foi paga em 23 de janeiro de 2014 — uma parte entregue em Brasília e a outra retirada diretamente na sede da empresa, segundo Ricardo Pessoa. Sem nenhum contrato formal, Tiago Cedraz recebia mensalmente 50000 reais em dinheiro para obter "informações de inteligência" no TCU. O advogado confirma que trabalhou para a UTC, mas nega que tenha atuado na corte presidida pelo pai.

A conta "particular" do tesoureiro de Lula
O tesoureiro José de Filippi Júnior não usava seus talentos apenas para conseguir dinheiro para a campanha do ex-presidente Lula. Ele também se valia dos empreiteiros para faturar algum para si. Ricardo Pessoa entregou aos investigadores uma planilha de pagamentos realizados a Filippi Júnior. Os valores e as datas dos repasses estão registrados no arquivo "Filipi Diadema". Segundo o empreiteiro, além de 150 000 reais "por fora" dados a sua campanha para deputado federal em 2010, o tesoureiro recebeu 750 000 reais entre 2010 e 2014. Para não chamar atenção, ele mandava um taxista buscar os pacotes de dinheiro na sede da UTC. Os pagamentos eram previamente acertados por e-mail. Pessoa explicou por que a UTC deu dinheiro a Filippi: "José de Filippi Júnior era a conexão direta com João Vaccari, pessoa com alta influência na Petrobras e também junto aos candidatos à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff".

Eles fizeram a casa cair

• O que disseram em comum os dezoito delatores da Lava-Jato e por que é falso o argumento de que eles só decidiram revelar o que sabem para sair da prisão

Mariana Barros e Pieter Zalis - Veja

De cada seis réus da Lava-Jato, um já decidiu abrir a boca. Desde o início das investigações, há dezesseis meses, a operação que investiga os desvios de verba da Petrobras conseguiu fazer com que a Justiça aceitasse denúncias contra 114 acusados, entre empreiteiros, lobistas, doleiros, ex-dirigentes da Petrobras e políticos. Destes, dezoito se transformaram em delatores premiados — ou seja, em acordos assinados com o Ministério Público e homologados pela Justiça, prometeram contar tudo o que sabem em troca de redução da pena pelos crimes que cometeram. O mais recente convertido é o lobista Milton Pascowitch, que atuava em favor da Engevix, uma das empreiteiras favorecidas por obras da Petrobras em troca de propina, conforme apontam as investigações. Pascowitch admitiu ter pago 1,5 milhão de reais ao ex-ministro José Dirceu, entre consultorias e "pixulecos" destinados a garantir a presença da empreiteira no esquema do petrolão.

VEJA cruzou as informações dadas até agora pelos dezoito delatores da Lava-Jato para identificar os pontos coincidentes. Aqui, os principais:

• O esquema do petrolão começou no governo Lula: é o que disseram os delatores Augusto Mendonça, Eduardo Leite, Pedro Barusco, Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e Ricardo Pessoa.

• O esquema continuou no governo Dilma: a afirmação aparece nos depoimentos de Pedro Barusco, Paulo Roberto Costa, Ricardo Pessoa, Alberto Youssef e Eduardo Leite.

• As doações legais ao PT, PMDB e PP eram pagamento de propina: a revelação foi feita por Augusto Mendonça, Ricardo Pessoa, Eduardo Leite, Alberto Youssef e Pedro Barusco.

• João Vaccari era o interlocutor do PT para tratar do pagamento dos subornos: confirmaram a informação os delatores Ricardo Pessoa, Augusto Mendonça, Alberto Youssef, Eduardo Leite e Pedro Barusco.

• José Dirceu manteve consultorias de fachada para tomar dinheiro de empreiteiros: é o que disseram Milton Pascowitch e Ricardo Pessoa.

O levantamento mostrou ainda que, dos dezoito réus que decidiram colaborar com as investigações, apenas seis estavam presos e foram soltos depois de assinar o acordo de delação. Esse resultado contraria o argumento de advogados que acusam os investigadores da Lava-Jato de estar usando as prisões preventivas para pressionar os réus a aderir à delação. E reforça a ideia de que o que move os delatores é "muito mais o medo do processo e da prisão no futuro do que o encarceramento preventivo", como disse o procurador Carlos Fernando Lima, integrante da Lava-Jato.

Nos Estados Unidos, o uso da delação premiada foi fundamental para chegar aos culpados em casos como as fraudes financeiras do gigante de tecnologia Enron e, mais recentemente, para prender acusados no esquema de corrupção da Fifa. No Brasil, a delação só ganhou impulso em 2013, quando alterações legais aumentaram as garantias de concessão de benefícios aos colaboradores, estimulando as adesões. A lei que alterou a regra original foi assinada por Dilma Rousseff. Na semana passada, a presidente, que chegou a elogiar publicamente a legitimidade e a eficiência do instrumento, declarou que não respeita delatores. Infelizmente, para a presidente, a recíproca também é verdadeira — como deixou claro o delator Ricardo Pessoa ao revelar que a contribuição "voluntária" e "legal" que deu à campanha de Dilma em 2014 foi, na verdade, fruto de achaque.

Nada vai... Pará-los

• O avanço irrefreável da Lava Jato desloca o centro de poder de Brasília para Curitiba, de onde o juiz Sergio Moro lidera uma revolução no combate à corrupção no Brasil.

Thiago Brozatto, Leandro Loyola e Diego Escostoguy - Época

Nas noites dos últimos dias, o juiz federal Sérgio Fernando Moro, da 13a Vara Federal de Curitiba, após botar os filhos para dormir e checar os últimos e-mails do dia, dedicava-se, quando ainda tinha forças, à leitura de uma coletânea de artigos sobre os 20 anos da Operação Mãos Limpas. A megainvestigação logrou o que parecia impossível: expurgar do Estado italiano organizações mafiosas centenárias. Os acertos - e os erros - dos juízes italianos ajudavam Moro a refletir sobre as melhores estratégias para conduzir a Operação Lava Jato. Como fechar os casos ainda em aberto e, ademais, como avançar naqueles que se avizinham rapidamente? Nas mesmas noites, não muito longe da casa do juiz, mas no frio da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, para onde fora transferido, dividindo cela com o doleiro Alberto Youssef, Nestor Cerveró, o ex-diretor internacional da Petrobras condenado a cinco anos de prisão por Moro, tinha ataques de pânico. Pressionado pela família, especialmente pelo filho, Cerveró cedeu. Resolveu coijtar o que sabe, como apostavam Moro e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato. E Cerveró sabe muito.

Cerveró chamou os procuradores e, à revelia de seu advogado, começou a negociar os termos para se tornar o 20" delator da Lava Jato. Segundo políticos, empresários, investigadores e lobistas da Petrobras, somente duas pessoas podem esclarecer, entre outros contratos inexplicáveis na Área Internacional, a infame operação de compra da Refinaria de Pasadena, há quase dez anos. Nela, a Petrobras perdeu cerca de US$ 800 milhões. Uma é o operador Fernando Baiano, ligado ao PMDB e que atuava em parceria com Cerveró. Baiano está preso, Ele, porém, não exibe nenhum sinal de que pode vir a talar. A outra pessoa é o próprio Cerveró,

De acordo com essas fontes, ouvidas por ÉPOCA nos últimos anos e, também, nos últimos dias, Cerveró, se falar o que sabe, sem esconder nenhum fato, pode causar um estrago político devastador, ainda mais considerando-se o acúmulo incessante de provas da Lava Jato nas semanas recentes. Tanto Baiano quanto Cerveró confidenciaram - e não agora a essas fontes que a operação de Pasadena além de outras na Diretoria Internacional beneficiaram o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, parlamentares do PT e até o empresário José Carlos Bumlai, um dos melhores amigos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em miúdos: beneficiaram todos aqueles que o indicaram ao cargo, como já se comprovou que era a prática nas demais diretorias. Bumlai, que freqüentava a intimidade do petista, falava em nome de Lula durante o segundo mandato do petista. E tinha relações estreitas com o grupo Schain, que obteve contratos na Petrobras com a ajuda de Cerveró. Todos os citados sempre negaram qualquer relação imprópria com Cerveró.

Edson Ribeiro, o advogado de Cerveró, chegou a Curitiba na quinta-feira da semana passada, disposto a fazer de tudo para demovê-lo da delação, O advogado disse a Cerveró ter certeza de que os executivos da Odebrecht, também presos na Lava Jato, conseguirão decisões judiciai^ VJ favoráveis no recesso do Judiciário, daqui a alguns dias, seja no Superior Tribunal de Justiça, seja 110 Supremo Tribunal Federal. Se gente como Marcelo Odebrecht sair da cadeia, raciocina o advogado, outros sairão em seguida, como Cerveró. Até a noite da sexta-feira, os argumentos do advogado não foram suficientes para convencer Cerveró. Ele continua negociando os termos da delação com os procuradores. E demonstra uma mágoa especial pela presidente Dilma Rousseff. Sente-se abandonado por ela - que, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, aprovou a compra da refinaria de Pasadena. Em suas defesas entregues às autoridades, Cerveró alega que a responsabilidade pelo investimento em Pasadena é do Conselho de Administração da estatal. Ou seja, de Dilma.

A iminência da delação de Cerveró, decidida nos gabinetes e nas celas de Curitiba, revela como, no Brasil de 2015, o poder sobre os rumos da nação deslocou-se, momentaneamente, para a capital do Paraná. Se levada a cabo, a delação de Cerveró terá impacto em gente do calibre de Lula e Dilma. Por isso, um rastilho silencioso de pólvora - e pânico - acendeu-se até Brasília. Políticos e empresários poderosos ficam à mercê, mais uma vez, como acontece desde outubro, com as delações de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, de fatos sobre os quais eles não têm o menor controle - e, muitas vezes, nem sequer compreendem.

Essa mudança, ainda que temporária, nas regras do jogo, no controle da situação, explica parte das falas e ações destemperadas de políticos experientes, como Lula, ou até aqui cautelosos com o verbo, como Dilma. A combinação de crises pela qual passa o Brasil hoje converge, cotidianamente, para Curitiba. Os rumos das principais decisões políticas neste momento definem-se, mesmo com uma economia malparada e um governo anêmico, pelo que acontece na Operação Lava Jato. A sucessão de provas, de delações, as imagens quase semanais de tesoureiros e executivos sendo presos pela polícia sobrepõem-se a qualquer processo político e econômico em Brasília. Por uma razão simples: as decisões de Curitiba põem em risco a sobrevivência dos principais partidos e políticos do Brasil. O mesmo vale para as principais empreiteiras do país.

Nenhum gabinete, portanto, concentra tanto poder neste momento no Brasil quanto aquele no 2° andar na Avenida Anita Garibaldi, 888. É de lá que despacha Sergio Moro, o cérebro e centro moral da Lava Jato. A Operação, na verdade, envolve dezenas de procuradores da República, delegados e agentes da PF, equipes na Procuradoria-Geral da República, em Brasília, além do ministro do Supremo Teori Zavascki. Todos têm poder para definir, em alguma medida, os rumos das centenas - isso, centenas - de casos de corrupção investigados na Lava Jato. Alguns casos tramitam em Brasília - aqueles que envolvem políticos com foro no Supremo. Mas a maioria fica em Curitiba e de lá não sai. Moro alia virtudes raríssimas para a missão: preparo jurídico, pensamento estratégico, inflexibilidade de princípios, coragem moral e disciplina de trabalho. Entra cedo, sai tarde e prossegue na lida mesmo de casa. Alguns dos procuradores da força-tarefa compartilham, em maior ou menor grau, as mesmas características. Estudaram muito, trabalham sem parar e entendem que estão fazendo história.

Após mais de um ano de Lava Jato, já está claro que esses homens e mulheres - pelo tamanho dos presos, pela força das provas, pelos nomes envolvidos e pelo dinheiro recuperado - estão promovendo uma revolução na luta contra a grande corrupção no Brasil. O método, a estratégia e a disciplina para manter o foco nos alvos certos, como Cerveró ou Marcelo Odebrecht, demonstram que essa revolução, cujo acúmulo intenso de fatos desnorteia até o observador mais atento, irá longe. A partir das delações capitais de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, em outubro do ano passado, surgiu a obtenção de mais provas, como extratos bancários de contas em paraísos fiscais e a confissão dos demais envolvidos. O efeito cascata, irrefreável, parece destinado a parar apenas quando todos os envolvidos no petrolão, esse esquema que envolvia empresas inescrupulosas e políticos corruptos, estejam identificados e devidamente processados. É uma réstia de esperança para um povo que precisa, desesperadamente, acreditar novamente em seu sistema político.

Engana-se, porém, quem pensa que Moro ou os procuradores da Lava Jato tenham ganas de pegar Lula ou Dilma. Na visão deles, e que as provas de fato oferecem (até o momento), Lula e Dilma não eram chefes de uma organização criminosa. Não que ambos não tenham responsabilidade pela sustentação política do petrolão - pelo aval, no mínimo, tácito aos resultados de suas decisões fisiológicas, de distribuição irresponsável de cargos na Petrobras. Mas a decisão de distribuir diretorias da estatal não é crime. O petrolão é, pelo que as evidências apontam até o momento, um esquema horizontal, organizado entre empresários corruptores e funcionários públicos corruptos. Entre as duas partes, havia operadores de partidos políticos e doleiros. Todos ganhavam, especialmente os políticos dos partidos (PT, PMDB e PP, sobretudo) que controlavam os cargos. Não havia chefes. Havia apenas cúmplices na roubalheira.

Há muitas novidades, no entanto, a caminho. Nestor Cerveró, o quase certo 20* delator, trará apenas parte delas. A 164 fase da Lava Jato não tarda. E ela será decidida em Curitiba, para desespero do poder em Brasília.

A perplexidade na república
Na segunda-feira, numa rara noite bastante fria em Brasília, em um centro de convenções afastado de tudo, Lula se reuniu com cerca de 50 parlamentares petistas por mais de três horas. Vinte deles se inscreveram para falar. Depois, Lula também talou. Estava surpreendentemente calmo. Falou um pouco sobre a situação difícil do governo e do PT para, em seguida, assumir a função de animador de auditório, a tentar vender a seus comandados a ideia de que é possível sair do atoleiro no qual o governo e o partido estão graças à crise econômica, à Operação Lava Jato e a diversos erros e ffagilidades. "Não tem o que fazer. O procurador (geral da República, Rodrigo Janot) já disse que vai durar mais uns dois anos", disse Lula aos parlamentares.

O Lula que chegou no dia seguinte â casa do presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, também era só paz e amor. Lá, tomou café da manhã com a cúpula do PMDB, formada por Renan, Eunício Oliveira, Romero Jucá e o ex-presidente José Sarney, além do líder do governo, Delcídio Amaral. De bom humor, Lula disse que "um padre" foi o responsável por vazar seu desabafo sobre o PT e o governo. Ninguém entendeu nada."Parecia o Lula do mensalão: estava humilde", diz um dos participantes - em 2005, acossado pelos estragos do mensalão, Lula se escorou em Sarney e no PMDB, que então adentrou seu governo para não mais sair. Ao contrário dos vários encontros ante-riores com os mesmos personagens, no mesmo lugar, pelo menos dois deles ocorridos neste ano, Lula não falou mal de Dilma, nem mesmo de Mercadante. Retomou a veia conciliadora que ficara para trás, para tentar unir os cacos tia relação do PMDB com Dilma. "Renan, eu sei que você tem mágoa de coisas que podem ter sido feitas. Mas as instituições precisam se unir. O Brasil não pode ficar assim", disse. Renan, todos sabem, atribui ao governo o fato de ter sido incluído no rol dos investigados pela Operação Lava Jato - na verdade, sua mágoa é pelo feto de Dilma não ter segurado seu afilhado Sérgio Machado na presidência da Transpetro.

Todos na casa de Renan estavam incomodados com a Operação Lava Jato. "Não é possível que as instituições estejam tão fracas, a ponto de o Supremo ter uma decisão alterada por um juiz de primeira instância", disse um dos presentes, em referência ao Juiz Sergio Moro. O ex--presidente José Sarney lembrou o exemplo da Suprema Corte americana na eleição de 2000: o então vice-presidente Al Gore venceu a eleição contra George W. Bush na recontagem dos votos, mas, a partir do momento em que a Suprema Corte decidiu em favor de Bush, Gore e seus aliados nada fizeram. O pessoal da reunião acha que Moro e a Lava Jato precisam de um breque desse tipo do Supremo. Lula foi cobrado por isso, dada sua influência de ter nomeado ministros do Supremo. Mas até ele se mostrou surpreso — deu a entender que não espera mais deter a Lava Jato. "O José Rainha (líder de uma parte do Movimento Sem-Terra) foi condenado a 31 anos e não vai para a cadeia", disse Lula. "Como pode os caras que nem foram condenados estarem presos?" Os "caras" que preocupam Lula são os empreiteiros. Em especial, Leo Pinheiro, da OAS, já solto, e Marcelo Odebrecht, ainda na cadeia, seus mais próximos parceiros. Há anos, quem importa no poder e na economia no Brasil sabe que Lula trabalhava para as empreiteiras, em especial para a Odebrecht. Como ÉPOCA demonstrou há um mês, Lula fez lobby pelas empreiteiras em países da América Central e da África, para que obtivessem obras em boa parte financiadas com recursos do BNDES. As mesmas empreiteiras que, hoje, estão no chão devido ao escândalo que sangrou bilhões da Petrobras e distribuiu para o PT, o PP e o PMDB. No momento, Lula está fragilizado. A Lava Jato prendeu seus amigos empreiteiros por causa desse esquema, aqueles amigos que podem fazer revelações incômodas. O executivo Leo Pinheiro não é uma preocupação, mas Marcelo Odebrecht é considerado mais instável. Para piorar, nos últimos meses Lula percebeu que Dilma não se esforça para evitar que os efeitos da Lava Jato atinjam a ele e a seus oito anos de governo. Lula precisa se salvar. A saída é tentar reagrupar o PT a seu redor-exatamente o oposto do que havia feito no desabafo no encontro com os religiosos.

Com água nos calcanhares, Lula enxerga em Dirceu, este com água no nariz, um desfecho possível. Ao longo da semana, o nome do ex-ministro José Dirceu liderava a bolsa de apostas dos novos presos da Lava Jato. O falatório foi decorrente de duas delações que deixaram o petista numa sinuca: a de Ricardo Pessoa, da UTC, e a de Milton Pascowitch, operador da Engevix. Ambos relataram que os pagamentos para Dirceu não tinham uma contraprestação de serviços - e que ele recebeu dinheiro inclusive quando estava preso. A iminente prisão do ex-ministro mensaleiro foi tão grande que seu advogado, Roberto Podval, entrou com um pedido de habeas corpus preventivo, com o objetivo de evitar que Dirceu pudesse voltar ao regime fechado. O pedido foi negado. Além disso, a defesa do ex-ministro começou a se mobilizar para levantar provas no Peru de que suas consultorias de fato existiram - e não foram de fachadas. Segundo pessoas próximas de Dirceu, boa parte do dinheiro recebido por meio de sua empresa JD Assessoria e Consultoria era usada para fretar jatinhos particulares para fazer viagens pelo Brasil, já que ele evitava pegar voos comerciais, pois tem receio de ser vaiado, e para pagar hospedagens em hotéis luxuosos onde costumava passar alguns dias ao lado de sua namorada.

Nesse cenário, Lula percebeu que o discurso de raiva contra seu PT e o governo de Dilma causou-lhe um efeito ruim. Boa parte dos petistas não abaixou a cabeça em obediência, como sempre fazia. No momento em que o governo vai mal, Lula sabe que pode carregar a culpa pelo fracasso do governo Dilma. Para Dilma, que não deve ser candidata a mais nada, o fracasso pode ser apenas uma derrota pessoal Mas, para Lula, pode matar seu projeto de um novo período na Presidência. Ele tem muito mais a perder do que ela. Com seus amigos empreiteiros na cadeia, paira sobre Lula o medo de ver uma mera menção a seu nome em algum depoimento. Lula precisa de apoio. Reatar com o PT para se salvar é uma parte da saída. A outra parte começa com a conversa com o PMDB. Os líderes do PMDB são saudosos de Lula. Sempre lembram que ele lhes prometeu, em dois encontros em 2014, um deles no hotel Blue Tree, em Brasília, e outro no hotel Meliá, em São Paulo, que seria candidato a presidente no lugar de Dilma. Depois voltou atrás.

A intenção de Lula é combater os efeitos negativos da Lava Jato em sua imagem, na do governo e do PT com o que ele sabe fazer melhor: discursos e propaganda. Não por acaso, Lula esteve com o marqueteiro-mor do PT, João Santana, antes da reunião com os parlamentares, em Brasília. À noite, Lula estabeleceu que os petistas devem aproveitar programas do governo para fazer "agendas positivas1". Entre os programas estão o Plano Nacional de Educação, o Plano Safra, o plano de concessões, o plano de assentar famílias da reforma agrária. Lula quer que os parlamentares organizem eventos em seus Estados para discutir principalmente o Plano Nacional de Educação e a renovação do PT, pretextos para ele viajar pelo país e fazer discurso, uma pré-campanha eleitoral Lula também quer que os parlamentares petistas partam para o "enfrentamento" com a oposição. "Com a mesma agressividade que a oposição ataca o governo, afirma o líder do PT na Câmara, José Guimarães. Lula está preocupado com a possibilidade de uma derrota fagorosa do PT na eleição municipal de 2016. É preciso começar a trabalhar para limpar um pouco a barra do PT para, pelo menos, reduzir o prejuízo que hoje os petistas acreditam que será grande. Está muito longe, mas é óbvio que Lula já pensa também em 2018. Apenas quem não entendeu o poder de Curitiba pode pensar em 2018. No gabinete do juiz Moro, só se pensa em 2015. ?

Começam a se desenhar as condições para o impeachment

• Pedaladas fiscais, contribuições ilegais para a campanha e pressões indevidas ao Judiciário podem levar ao processo de afastamento da presidente da República

Sérgio Pardellas, Claudio Dantas Sequeira e Josie Jeronimo - IstoÉ

A luz vermelha de alerta foi acesa no Planalto. Pela primeira vez, desde o início da crise política, o governo admite que a situação da presidente Dilma Rousseff beira o insustentável. Ninguém mais esconde a gravidade do momento. Isolada, registrando o pior índice de popularidade da redemocratização - míseros 9% -, com sua base política e social em frangalhos, e sob o risco de ser abandonada pelo próprio vice-presidente e por ministros estratégicos do governo, Dilma se depara com o caos à sua volta. Percebe-se fragilizada em quase todas as frentes políticas. Nunca, como agora, as condições para um possível impeachment da presidente da República estiveram tão nitidamente postas. No TCU, encerra-se na próxima semana o prazo para a presidente se explicar no episódio conhecido como pedaladas fiscais, artifício usado pelo governo para maquiar as contas públicas e simular um resultado fiscal diferente da realidade. O entendimento no tribunal é que dificilmente as contas de 2014 de Dilma serão aprovadas dado o grau de devastação da contabilidade do governo. Fatalmente a presidente será responsabilizada num processo que pode, se avalizado pelo Congresso, culminar com o seu afastamento por 180 dias para responder por crime de responsabilidade.

No TSE, o cenário é ainda mais sombrio para Dilma, o PT e o Planalto. O tribunal investiga a existência de irregularidades na campanha cujo desfecho pode ser a cassação do diploma de Dilma por abuso de poder político e econômico. Na última semana, os ministros do TSE impuseram uma derrota ao governo por unanimidade numa ação em que o PT tentava barrar a convocação do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, pedida pelo PSDB. Graças a esse infortúnio que expõe a fraqueza do governo num foro decisivo para o destino da presidente da República, no dia 14 de julho, Pessoa irá repetir no TSE o explosivo depoimento dado à Justiça em regime de delação premiada. Aos procuradores da Lava Jato, Pessoa revelou ter doado à campanha de Dilma à reeleição R$ 7,5 milhões em dinheiro desviado de contratos da Petrobras, depois de pressionado pelo então tesoureiro Edinho Silva, hoje ministro da Comunicação Social. O empreiteiro ainda entregou aos procuradores uma planilha com título autoexplicativo: "Pagamentos ao PT por caixa dois", numa referência ao repasse ilegal de R$ 15 milhões ao então tesoureiro petista, João Vaccari Neto, e de R$ 750 mil a José Filippi, responsável pelas contas de campanha da presidente em 2010. Em reuniões internas do PMDB, José Sarney, experiente cacique político e interlocutor de Lula durante seus dois mandatos, avaliou, sem meias palavras: "A possibilidade da queda de Dilma é cada vez mais real". Para Sarney, a escalada de más notícias para o governo não cessa e o cerco se fecha no momento em que a base de sustentação de Dilma no Congresso desaba como um castelo de cartas. O temor no Planalto é reforçado pelo fato de o doleiro Alberto Yousseff ter feito uma revelação tão grave quanto a de Ricardo Pessoa no mesmo processo no TSE, onde o governo demonstra não dispor de apoios sólidos. Yousseff disse ter sido procurado por um emissário da campanha da presidente Dilma no ano passado para repatriar cerca de R$ 20 milhões depositados no exterior. Ele só não executou a operação porque foi preso em março com a eclosão da Operação Lava Jato. "Uma pessoa de nome Felipe me procurou para trazer um dinheiro de fora e depois não me procurou mais. Aí aconteceu a questão de prisão e eu nunca mais o vi. Se não me engano, o pai dele tinha uma empreiteira", disse o doleiro. Questionado se o dinheiro teria como destino a campanha de Dilma, Yousseff foi taxativo: "Sim, mas não aconteceu". A conversa teria ocorrido 60 dias antes de sua prisão.

Além de Yousseff, foi ouvido pelo ministro-relator João Otávio Noronha do TSE o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e um personagem pouco conhecido do grande público, mas com potencial para levar ainda mais complicações a presidente. Segundo apurou ISTOÉ, em depoimento sigiloso à Justiça Eleitoral, o ex-diretor de estudos e políticas sociais do IPEA Herton Ellery Araújo contou que foi pressionado pelo governo para não divulgar, durante a campanha, dados que pudessem prejudicar a reeleição da petista. Um desses dados dizia que o número de miseráveis no Brasil havia aumentado entre 2012 e 2013, contrastando com o discurso entoado por Dilma em peças publicitárias na TV e no rádio, e em comícios País afora. Araújo não suportou a interferência e pediu exoneração do cargo. "Nós não pudemos divulgar os dados da extrema pobreza da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios", confirmou o ex-diretor em entrevista à ISTOÉ. Para ele, o "governo errou a mão, fez besteira". "A pessoa não pode fazer o que quer para ganhar eleição", disse. Além de abuso de poder político, ao impedir a divulgação de dados oficiais negativos, Dilma pode responder por falsidade ideológica. O depoimento de Araújo levou o TSE a convocar Marcelo Neri, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, a prestar esclarecimentos. O ex-ministro terá de dizer de quem partiu a ordem no Palácio do Planalto para impedir a divulgação da pesquisa.

De acordo com assessores palacianos, Dilma reage mal ao isolamento imposto por antigos parceiros e aliados e às pressões as quais está submetida. Em vez de ampliar a interlocução, fecha-se em copas. Isso explica a escalada de declarações estapafúrdias dos últimos dias.

Na semana passada, somou-se à trapalhada das citações de termos como "mulher sapiens" e à "saudação da mandioca", a inacreditável tentativa de desqualificar o depoimento de Ricardo Pessoa, comparando o papel do colaborador da Justiça ao de delatores torturados pelo regime militar e ao do traidor da Inconfidência, Silvério dos Reis. "Eu não respeito delator", disse Dilma (leia mais em box à pág. 33). Em conversas reservadas, a presidente chegou ao despautério de dizer que poderia anular os benefícios concedidos ao empreiteiro. A atitude desastrosa da presidente gerou reações inflamadas no meio jurídico. O ex-presidente do Supremo, Joaquim Barbosa acusou Dilma de incorrer em crime de responsabilidade. "A Constituição não autoriza o presidente a investir politicamente contra as leis vigentes, minando-lhes as bases. Atentar contra o bom funcionamento do Poder Judiciário é crime de responsabilidade. Colaboração ou delação premiada é um instituto penal-processual previsto em lei no Brasil", criticou Barbosa. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tentou defender a chefe, atribuindo sua fala a um arroubo de "honestidade intrínseca". A emenda ficou pior que o soneto. Os elementos trazidos por Ricardo Pessoa também motivaram uma nova representação da oposição, liderada pelo senador Aécio Neves (PSDB), na Procuradoria- Geral da República (PGR), pedindo a abertura de investigação contra Dilma por crime de extorsão. Para juristas, a delação reforçou a tese do impeachment. O o episódio relatado pelo dono da UTC ajudaria a explicar a omissão de Dilma diante do Petrolão. Para o advogado Eduardo Nobre, especialista em direito eleitoral, as novas denúncias reforçam os indícios contra Dilma e o PT. "É preciso levantar o quanto o valor arrecadado ilicitamente para a campanha interferiu no resultado das eleições. Se as investigações puderem mostrar isso, reforça o pedido de afastamento"

Em 2005, auge do escândalo do mensalão, o governo petista contava com a liderança e o carisma de Lula, sua capacidade de mobilização e, principalmente, com a sustentação do Congresso. É tudo o que o atual governo não dispõe hoje. O retrato do esfacelamento da base governista no Congresso foi a aprovação, na semana passada, do aumento de 78% para os servidores do Judiciário – medida inviável economicamente para País às voltas com um necessário ajuste fiscal para disciplinar as contas públicas. Se no Congresso, uma das principais arenas de batalha de um presidente ameaçado de afastamento, o governo demonstra estar anêmico, no próprio Palácio do Planalto a situação não é muito diferente. A interlocutores, o vice-presidente Michel Temer ameaçou abandonar o barco da articulação política com o Legislativo. A atribuição coube a Temer no início do ano, quando a presidente percebeu que o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, havia perdido as rédeas da negociação com os partidos aliados. A saída de Temer da articulação, neste momento, representaria o abandono da presidente pelo seu próprio vice-presidente. Além dos significado político do gesto, Dilma perderia o principal elo entre o PMDB, maior partido da base, e o Planalto. Assim sendo, a fagulha detonadora do processo de afastamento da presidente ficaria muito próxima de ser acesa. Na semana passada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tornou público o desejo de ver Temer fora da negociação com o Congresso, jogando mais combustível na crise.

Em 1992, quando o ex-presidente Fernando Collor foi apeado do poder, o estopim foram as revelações do motorista da Presidência, Eriberto França, publicadas por ISTOÉ. Em reportagem exclusiva, depois reafirmada na CPI, Eriberto revelou que PC bancava as despesas da família do presidente, como a compra de um Fiat Elba e a famosa reforma na Casa da Dinda, um imóvel particular transformado em residência oficial. Hoje setores do PT classificam a movimentação pelo impeachment da presidente de golpe. Em 1992, Collor repetia a mesma ladainha: "Uma minoria quer realizar o terceiro turno das eleições. Vou defender a Constituição, doa a quem doer. Os que conspiram contra mim são golpistas e formam o sindicato do golpe". Então na oposição, os petistas, os mesmos que hoje bradam contra o que chamam de forças golpistas, atestavam a constitucionalidade do processo. "Não há mais condições éticas e políticas para governar. O impeachment é uma solução constitucional", disse José Dirceu, deputado do PT, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em junho daquele ano.

Remontar àquela época ajuda a desnudar a maleável ética do petismo, com a sua retórica que oscila ao sabor de sua conveniência. Mas expõe, principalmente, a surpreendente similaridade entre os dois momentos decisivos para a história do Brasil. Como há 23 anos, com Collor, o índice de rejeição do governo Dilma beira os 70%. A presidente da República não consegue mais ir à rua sem se defrontar com um cartaz pedindo a sua saída. Seus ministros não têm paz sequer para comer fora de casa. Dona Leda Collor, mãe do ex-presidente, também enfrentou a ira dos manifestantes no auge do processo de impeachment contra o filho, quando foi internada num hospital em Botafogo, no Rio. A mais importante das correspondências entre os dois episódios, porém, é que, também a exemplo de julho de 1992, neste julho de 2015 começam a se desenhar as condições para o afastamento da presidente da República.

O impeachment à brasileira pode ter vícios de origem. É mais político do que jurídico. Desde sempre. Afastado pelo Congresso, Collor foi absolvido no STF. Mas o impeachment é constitucional. Está disciplinado em lei. No artigo 85 e na Lei 1.079, de abril de 1950. Não se pode reduzir a discussão, como fazem cabeças coroadas do PT, ao questionamento da índole e dos reais propósitos de alguns dos defensores da saída da presidente. Até porque os petistas, hoje associados a toda sorte de desvios e práticas de corrupção, não reúnem mais condições de fazê-lo. Dizer que os adversários cometem exatamente os mesmos malfeitos que lhe estão sendo atribuídos não anula a questão central: quem está no poder é Dilma, o esquema em investigação ocorreu no seio da maior estatal brasileira, a Petrobras, durante a gestão petista e é isso que está em julgamento agora. Ademais, todos sabiam que, entre os que defensores do impeachment de Collor, havia políticos oportunistas. O que não se sabia, na ocasião, é que os maiores oportunistas eram os que estavam na linha de frente daquele processo e seriam os que mais se beneficiariam dele anos depois – os petistas.

Ataque à Justiça

• Investigações se aproximam do gabinete presidencial e levam o governo a confrontar o Judiciário. Dilma e Lula assumem a linha de frente da batalha

Josie Jeronimo - IstoÉ

Acuado pelas denúncias do esquema do Petrolão, que chegam cada vez mais perto do gabinete presidencial, o governo resolveu entrar numa perigosa zona de batalha. Nos últimos dias, numa ação articulada com o PT e o ex-presidente Lula, o Planalto passou a investir contra o Poder Judiciário, num jogo que pode virar contra o próprio governo. Os alvos são as investigações da Lava Jato, o juiz Sérgio Moro e o Ministério Público Federal. Em encontros reservados, Dilma, que no ano passado defendeu publicamente o instituto da delação premiada, cogitou anular o que não está em suas atribuições constitucionais: os benefícios de redução de pena e liberdade recebidos pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC. Após decidir colaborar com as investigações, Pessoa revelou à Justiça ter sido achacado para contribuir para a campanha à reeleição da presidente no ano passado. "Eu não aceito e jamais aceitarei que insinuem sobre mim ou a minha campanha. Primeiro porque não houve. Segundo, se insinuam, alguns têm interesses políticos", disse a presidente em viagem aos EUA, sem atentar para a gravidade de suas declarações e ações que podem, segundo o ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa, enquadrá-la por crime de responsabilidade (leia reportagem na pág. 30). Enquanto Dilma criticava fora do País o dispositivo legal da delação, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva organizava a tropa petista no Congresso. Em reunião com integrantes da bancada do PT, em Brasília, definiu a estratégia de ataque às instituições da República que apontam malfeitos do governo e do PT. "É preciso fazer o enfrentamento político da Lava Jato", admitiu sem meias palavras.

Sob forte pressão do PT, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo dirigiu-se ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria-Geral da República cobrar explicações sobre o vazamento do depoimento de Pessoa. Na manhã de segunda-feira 29, o ministro da Justiça esteve com o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, e transmitiu a irritação do governo com a divulgação da delação do presidente da UTC. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também foi procurado. Ao contrário de Lewandowski e Janot, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, não esteve com Cardozo, mas emissários do governo conversaram com servidores de sua confiança. A eles, segundo apurou ISTOÉ, enviados do Planalto manifestaram sua indignação com a maneira como foi homologada a delação de Pessoa. O Planalto reclama do que chama de "tratamento especial" dado ao presidente da UTC, que acertou sua delação premiada com a PGR e não com a 13ª Vara Federal de Curitiba, como fizeram outros empreiteiros e quadros da Petrobras.

Cardozo foi para o front do embate contra o Judiciário depois de ser fortemente cobrado por Lula e pelo presidente do PT, Rui Falcão. Enquanto publicamente Dilma Rousseff não cansa de repetir que, em seu governo, a Polícia Federal possui autonomia de atuação, o ministro da Justiça é acusado pelos petistas nos bastidores de perder as rédeas da PF, instituição vinculada à pasta que comanda. Os petistas cobram de Cardozo um maior controle das ações da polícia, para evitar constrangimento a cabeças coroadas do PT, como tem ocorrido desde o ano passado. Os colegas de partido do ministro atribuem a ampla divulgação dos resultados da Operação Lava Jato a falhas no trabalho de Cardozo. O sigilo dos documentos, alegam, resguardaria o governo e o PT. "Todo vazamento é contra o PT. O que eles querem é ver Dilma e o PT sangrarem até lá", criticou Lula, que depois de fazer críticas públicas ao PT e a Dilma, há duas semanas, resolveu baixar o tom aconselhado por interlocutores que acharam que as declarações jogaram contra ele e deram munição à oposição.

Apesar de Cardozo ter feito um périplo pelo Judiciário, na última semana, as cobranças não foram bem digeridas pelo titular da Justiça. "Não tenho que prestar informações só ao PT, mas a qualquer força política que desejar. Se acharem que não contribuo mais para o projeto, sairei", disse Cardozo na quinta-feira 2. A interlocutores, o ministro tem manifestado a intenção de realmente deixar o governo. Contribuiu para ampliar seu desgaste a reunião da Executiva do partido no dia 28 de junho, quando os próprios petistas o chamaram de "egoísta", "omisso" e "inoperante." Cardozo assumiu o Ministério da Justiça no primeiro mandato de Dilma. Ainda no gabinete de transição, ele foi um dos primeiros escolhidos para a Esplanada dos Ministérios. Na sexta-feira 3, depois de uma reunião com Dilma, o ministro continuaria no governo.

Mas as relações de Cardozo com a cúpula do PT nunca foram boas e com a operação Lava Jato a situação ficou ainda mais desconfortável. Um dos que mais pressionam para que ele seja substituído é o ex-presidente Lula, que sempre foi um crítico mordaz de sua atuação nos bastidores.

Ao mesmo tempo em que tenta minar Cardozo, Lula trabalha para evitar com que uma eventual rejeição a Janot, que trabalha para ser reconduzido ao cargo, seja debitada na conta do Planalto. A estratégia foi acertada em conversa com o marqueteiro do PT, João Santana, na segunda-feira 29. No dia seguinte, Lula promoveu um encontro com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Na conversa, Lula e Renan trataram da nova indicação do procurador-geral da República. O cargo ficará em aberto a partir de setembro. Lula ponderou a Renan que, se a presidente escolher outro nome que não o de Janot para encaminhar ao Senado, o governo será acusado de usar mecanismo institucional para ir à desforra. "Politicamente será um desastre", disse Lula. Para o ex-presidente, só o Senado poderia rejeitar um novo mandato de Janot. Na PGR, a ação do petista foi considerada dúbia. "Ninguém entendeu se ele defendeu ou não um novo mandato para Janot". Para subprocuradores ligados ao procurador-geral, o petista pode ter acertado com Renan o veto a Janot, quando sua recondução tiver que ser aprovada pelo Congresso. Assim, Dilma não assumiria o desgaste pelo veto.

Coro afinado
• O presidente do PT, Rui Falcão, que segue defendendo o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, preso na Lava Jato, alinha-se a Lula na tentativa de acuar o Judiciário

No Congresso, o maior opositor a uma nova indicação de Janot é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Cunha é alvo de inquérito da Lava Jato e passou pelo constrangimento de ter integrantes do Ministério Público dentro de seu gabinete na Câmara recolhendo provas para a investigação. Assim como Cunha, Renan está no rol de investigados em inquéritos da Lava Jato. Até o final deste mês, o procurador-geral da República deve se pronunciar sobre o resultado das oitivas e diligências que a Polícia Federal realizou e decidir se manda arquivar ou oferece denúncia contra os parlamentares envolvidos, incluindo os presidentes da Câmara e do Senado.

Crise se agrava e reduz margem de manobra que Dilma tem para reagir

• Oposição e aliados discutem o que fazer no caso de a presidente deixar o cargo ou ser afastada antes da conclusão de seu mandato

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - A crise que a presidente Dilma Rousseff enfrenta desde sua reeleição no ano passado se aprofundou nos últimos dias, reduzindo sua margem de manobra e abrindo espaço para as principais forças políticas discutirem o que fazer na hipótese de ela deixar o cargo ou ser afastada sem concluir o mandato.

Revelações do empreiteiro Ricardo Pessoa, que disse ter distribuído propina e feito doações eleitorais em troca de vantagens na Petrobras, lançaram suspeitas sobre o financiamento da campanha de Dilma e animaram a oposição a voltar a falar em impeachment.

O Tribunal Superior Eleitoral, que conduz uma investigação sobre a campanha da reeleição, chamou o empreiteiro para depor. Paralelamente, o Tribunal de Contas da União se prepara para retomar em breve o julgamento das contas do governo Dilma do ano passado --a rejeição do balanço abriria caminho para a presidente ser afastada do cargo e processada.

Controlado pelo PMDB, o Congresso impôs uma derrota humilhante ao Planalto na semana passada, com a aprovação de um reajuste salarial para funcionários do Judiciário que põe em risco as finanças do governo. O vice-presidente Michel Temer ameaçou deixar a articulação política do Planalto no dia seguinte.

O pessimismo sobre os rumos da economia cresceu, e analistas e investidores não vêem perspectiva de recuperação tão cedo. Segundo eles, o ajuste promovido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é insuficiente para restabelecer o equilíbrio do Orçamento.

Maior sigla da oposição, o PSDB programou uma exibição de força para este domingo (5), quando fará uma convenção para reconduzir à presidência do partido o senador Aécio Neves (MG), o rival derrotado por Dilma na eleição do ano passado. Do lado do governo, os petistas buscam com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma estratégia para reagir.

Empresários temem ambiguidade do PMDB

• Pesos pesados apostam em Michel Temer como contraponto a ações de Eduardo Cunha e Renan Calheiros no Congresso

• Investigados pela Lava Jato, presidentes da Câmara e do Senado agem para ampliar o desgaste do governo

Andréia Sadi, Valdo Cruz - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Enquanto alguns dos líderes do PMDB trabalham para ampliar o desgaste do Palácio do Planalto, empresários têm procurado o partido para discutir saídas para a crise política e econômica.

Em encontros reservados, pesos pesados da economia têm exposto aos peemedebistas a avaliação de que, se a economia afundar ainda mais, o setor privado irá junto e o país corre o risco de enfrentar graves tensões sociais.

Segundo um empresário ouvido pela Folha, o vice-presidente Michel Temer, que é do PMDB e ameaçou deixar a articulação política do governo na semana passada, virou figura central do processo.

O empresariado não quer nem ouvir falar em sua saída da nova função, porque acham que isso representaria um agravamento da crise, com desfecho imprevisível.

O problema é que Temer hoje rema para um lado, enquanto dois peemedebistas tão ou mais fortes do que ele, os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), e do Senado, Renan Calheiros (AL), navegam na direção oposta.

A poucos metros da residência oficial de Cunha, quatro senadores têm se reunido há meses para discutir a crise. Além de Renan, participam do grupo Romero Jucá (RR), Eunício Oliveira (CE) e o ex- presidente José Sarney (MA).

O diagnóstico feito reservadamente é que o governo está no chão, sem capacidade de se levantar, e eles não têm condições de ajudar o Palácio do Planalto a superar a crise.

Na última quarta (1º), Renan deu uma demonstração pública do que é tratado nos bastidores: horas após ouvir um apelo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ajudar a presidente Dilma Rousseff no Congresso, o Senado aprovou o reajuste dos salários do Judiciário, que ameaça as contas do governo.

Renan sabia que Dilma vetaria o projeto, mas não quis perder a oportunidade de provocar desgaste do governo. Renan e Eduardo Cunha são chamados no Palácio do Planalto de "maestros do caos". Desde março, jogam ora juntos, ora separados. Mas sempre contra o governo.

Em uma coisa, pelo menos, o Planalto e os dois concordam: a relação se rompeu depois que os peemedebistas foram incluídos na lista de políticos investigados pela Operação Lava Jato sob suspeita de envolvimento com a corrupção na Petrobras. Os dois acreditam que o governo estimulou o procurador-geral Rodrigo Janot a incluí-los na lista, hipótese que o governo e o procurador refutam.

Nas últimas semanas, Temer, Cunha, Jucá e outros peemedebistas passaram a ser procurados por empresários que querem saber a possibilidade de um impeachment. Outros querem discutir saídas para a crise, do parlamentarismo à posse de Michel Temer.

Os peemedebistas dizem que não apoiam o impeachment da presidente. Mas reconhecem que a rejeição ao governo contamina o ambiente político e econômico.

"O governo precisa tomar cuidado para não entrar no cheque especial de popularidade'', ironiza Cunha, que tem poder para dar andamento a qualquer pedido de impeachment que venha a ser levado à Câmara.

As chances de o PT e o PMDB voltarem a trabalhar na mesma frequência são praticamente nulas. A avaliação da cúpula do PMDB é que atender ao pedido de Lula para ajudar Dilma politicamente serviria, no fundo, para que os petistas recuperassem o seu poder. O que figura como último item na lista de prioridades do PMDB

Crise eleva chances de intervenção de Lula no governo

• PT incentiva movimento, mas enfrenta resistência de Dilma, que afirma não depender mais de seu mentor

• João Santana, que estava afastado da sigla, voltará da Argentina para fazer programa de TV que será exibido em agosto

Marina Dias, Andréia Sadi – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A crise aguda do governo Dilma Rousseff elevou a possibilidade de uma intervenção branca comandada pelo seu antecessor no cargo, Luiz Inácio Lula da Silva.

Tal pressão, estimulada pelo PT, enfrenta resistência da presidente. A dinâmica da relação, que sofre grande inconstância desde a reeleição de Dilma em 2014, tende a ficar mais tensionada.

Um indicador da gravidade inédita da crise atual e da relação criador-criatura foi atestado em Brasília na segunda passada (29).

Enquanto Dilma, nos Estados Unidos, tentava se livrar, sem sucesso, da agenda negativa decorrente das novas revelações do delator Ricardo Pessoa na Operação Lava Jato, Lula chegava à capital.

Em vez de alívio pela presença do político mais experiente do PT, o clima no Planalto foi de tensão sobre o que o ex-presidente iria falar aos congressistas do partido.
Isso porque dias antes ele havia feito críticas públicas ao governo, algo incomum, dizendo que ele e Dilma estavam no "volume morto".

O petista pediu "união em defesa do governo" a dirigentes do PT e em reunião com as bancadas. Ainda assim, horas depois interlocutores de Dilma o chamavam de "confuso", com atitude "descompensada".

Lula está irritado com o rumo do governo, que parece incapaz de responder à crise política e econômica que corroeu a popularidade de Dilma e tornou o Planalto refém de um Congresso hostil.

Mas, segundo interlocutores, o petista resolveu amainar as críticas porque percebeu que sangrar publicamente Dilma terá reflexos na sua provável candidatura presidencial em 2018.

De forma algo paradoxal, o PT incentiva a intervenção branca. O primeiro passo foi chamar de volta o marqueteiro João Santana, que, afastado desde a eleição, participou dos encontros na segunda.

Lula vinha reclamando da ausência de Santana, responsável pelas campanhas do PT ao Planalto desde 2006. Ele está na Argentina, onde atua na pré-campanha de José Manuel de la Sota, hoje azarão na disputa pela Casa Rosada.

Santana topou voltar. Fará o programa de TV petista que vai ao ar em 6 de agosto. Tem o desafio de evitar mais um "panelaço" contra o partido e ainda angariar simpatias.

As perspectivas de Lula e Dilma são diferentes. O ex-presidente já confidenciou a amigos que tem medo de perder as eleições e o capital político de alguém que encerrou o mandato com aprovação acima de 80%. Só sai candidato se a situação melhorar.

Já Dilma demonstra incômodo com a situação. Aos próximos, diz que não depende mais de Lula e que suas ambições políticas acabam com seu mandato --que, ao contrário de muitos no meio político, ela diz ter certeza de que encerrará integralmente.

Cada vez mais, cita que as denúncias de corrupção envolvendo o PT e até sua campanha à reeleição, alvo da Lava Jato, não a atingem pessoalmente. Repete que está "com a biografia mantida".

A situação do Planalto agravou-se com os depoimento de Pessoa, dono da UTC, que disse ter doado R$ 7,5 milhões à campanha de Dilma no ano passado para resguardar negócios com a Petrobras.

Brasília é campo neutro para ‘festa da unidade’

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

• Escolha é estratégica após o 'lançamento' das candidaturas de Aécio Neves e Geraldo Alckmin à presidência em 2018

Depois que o senador Aécio Neves e o governador Geraldo Alckmin foram “lançados” como pré-candidatos presidenciais por seus correligionários em Minas e São Paulo, o PSDB escolheu Brasília como campo neutro para a convenção nacional.

A previsão inicial dos organizadores era de que 500 pessoas estariam no evento, mas na contabilidade final esse número saltou para 2 mil tucanos na “festa da unidade”, entre eles todos os governadores, deputados, senadores e dirigentes da sigla.

Para garantir uma reeleição tranquila, Aécio aceitou todas as exigências feitas pelos emissários de Alckmin. Os paulistas emplacaram três nomes diretamente ligados ao governador em cargos estratégicos na máquina partidária: o deputado federal Eduardo Cury, que atuará na montagem dos palanques municipais do PSDB em 2016; o deputado Silvio Torres, que será secretário-geral; e o suplente de senador José Aníbal, que presidirá o Instituto Teotônio Vilela.

O ex-governador paulista Alberto Goldman foi escolhido para permanecer em uma das vice-presidências do PSDB.

O Estado governado por Alckmin conta com a maior “bancada” da convenção. São 100 delegados dos 500 presentes. Aécio ficará no cargo até maio de 2017, quando terminará o armistício tucano. O sucessor do senador mineiro controlará a máquina partidária e comandará a montagem dos palanques regionais para a disputa presidencial de 2018.

Relógio. O cerimonial do partido fez um roteiro sob medida para contemplar seus maiores caciques. Os governadores terão entre 2 e 5 minutos para falar. O ciclo será fechado por Alckmin, que não precisará olhar o cronômetro.

O governador, aliás, chegará a Brasília com o senador José Serra para sinalizar a “unidade paulista”. Depois de Alckmin, será a vez de o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso usar a palavra. Ele ficará estrategicamente postado entre Alckmin, Aécio e Serra. O mineiro fechará o evento com um discurso duro contra a presidente Dilma Rousseff, pontuado por recados e sinalizações.

Aécio anunciará a carta de princípios do partido como um aceno para a “velha guarda”, mas deixará uma porta aberta para radicalizar o discurso contra o PT. Com o mote “oposição a favor do Brasil”, ele deve finalizar sua fala exaltando a unidade partidária, que será simbolizada pela formação do palanque.

Aécio fica no comando tucano com 2018 incerto

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

• Líder com melhor desempenho em disputas presidenciais, senador já não é consenso

Oito meses depois de receber 51.041.010 no 2.º turno da eleição presidencial do ano passado e sair consagrado como o tucano que teve o melhor desempenho eleitoral desde a eleição de Fernando Henrique Cardoso para o Palácio do Planalto, o senador Aécio Neves (MG), de 55 anos, será reconduzido hoje a mais um mandato à frente do PSDB com o desafio de se manter como principal líder da oposição ao governo Dilma Rousseff num País cada vez mais insatisfeito com a gestão da presidente.

No entanto, ao contrário do que ocorreu em 2013, quando assumiu pela primeira vez o comando do partido já em clima de pré-campanha presidencial, Aécio não é mais um nome de consenso para a disputa de 2018. Os ritual preparado pelo cerimonial tucano para a convenção nacional do partido, que será realizado em um hotel de Brasília, deixa isso claro.

Conforme o combinado, o senador mineiro e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, chegarão juntos ao evento. Os dois subirão ao palco ladeados pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e farão discursos pregando a unidade partidária. “A nossa unidade é o principal combustível para vencer as eleições. O candidato do PSDB a presidente surgirá no momento certo, que não é agora, e será aquele que tiver as melhores condições”, diz Aécio.

Apesar da ode à unidade, os tucanos já vivem o clima de disputa interna pela vaga de candidato presidencial. Ambos foram “lançados” sem cerimônia nas convenções do PSDB em Minas e São Paulo. “A candidatura do Geraldo é a mais viável. Ele sai em vantagem em relação a quem não está no governo”, disse ao Estado o deputado estadual Pedro Tobias, presidente do PSDB paulista. “É miopia política colocar no centro a disputa interna”, pontua o deputado Marcus Pestana, ex-presidente dos tucanos em Minas e braço direito de Aécio no Estado.

Sem caneta. A fala de Tobias toca em um ponto nevrálgico sobre o longo caminho que Aécio terá de percorrer para conseguir uma nova chance em 2018. Se conseguir a vaga, ele será o primeiro tucano desde a eleição de 1989 a entrar em campo sem a retaguarda de um governo estadual aliado. Pior: terá de se dividir entre o tabuleiro nacional e a difícil missão de retomar o governo de Minas, que hoje está com o PT. E, se perder, ficará sem mandato a partir de 2019.

“Alckmin fez Aécio se movimentar e isso é bom. Feliz do partido que tem dois nomes de peso”, diz o deputado Bruno Araújo (PE), líder da oposição na Câmara.

A reportagem fez uma sondagem informal entre os deputados e senadores do PSDB sobre 2018. Enquanto a ala “jovem” do partido defende que Aécio tenha uma nova chance, os “veteranos” tratam do assunto com mais cautela. “As pesquisas de hoje não têm valor algum. É só recall. Não há possibilidade de perdurar essa situação”, pontua o senador Álvaro Dias (PR). Ele se refere a simulação de eleição para presidente da República feita pelo Datafolha, na qual Aécio alcançou 35% das intenções de voto, o que lhe garante a liderança da disputa com dez pontos de vantagem sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A estratégia de Aécio não podia ser outra: fazer o recall render. Para isso, ele vai fazer já em 2015 um tour por vários Estados brasileiros. A série de viagens foi batizada de “Caravana da Gratidão”. Depois de visitar em junho Manaus e Parintins, no Amazonas, em agosto o senador vai passar por cidades do Nordeste.

Carta de princípios. Em seu segundo mandato à frente do PSDB, Aécio terá de administrar uma divisão interna que vai além da escolha do presidenciável tucano. Enquanto deputados e novas lideranças defendem a radicalização do discurso e pregam o impeachment de Dilma, a “velha guarda”, com FHC à frente, tenta evitar que a sigla abandone seu programa original e se volte contra o legado do partido no poder.

Um deputado tucano que integra a direção nacional da legenda ressalta que, dos 54 deputados da bancada tucana na Câmara, 29 estão em primeiro em mandato. “O saudosismo de 1994 e 1998 é legal, mas a bancada está mesmo é sintonizada com 2014. Pergunte lá quem se lembra do Arnaldo Madeira”, diz o parlamentar, referindo-se as críticas feitas pelo ex-deputado e ex-líder do governo FHC, que acusou o partido de renegar suas bandeiras ao votar a favor de temas como a mudança do fator previdenciário.

O deputado Carlos Sampaio (SP), líder do PSDB na Câmara, é mais cauteloso com as palavras, mas segue a mesma linha. “Há um choque de geração, e isso é saudável”, afirma.

Na semana passada, as diferenças ganharam contorno de polêmica depois que o partido votou quase integralmente pela redução da maioridade penal. Inconformados, tucanos da velha guarda resgataram trechos de entrevistas nas quais o ex-governador Mário Covas criticava veementemente a redução e as divulgaram nas redes sociais.

Para acalmar os ânimos, Aécio anunciará na convenção uma carta de princípios do partido. (Colaboraram Valmar Hupsel Filho, Eric Decat e Daniel Vivacqua, especial para o Estado).

Pró-Aécio, PSDB articula para evitar racha em 2018

• Dirigentes dão como certo o nome do senador para concorrer à Presidência; apenas SP estaria com Alckmin

Isabel Braga e Maria Lima – O Globo

BRASÍLIA- Se houvesse uma prévia hoje entre os novos dirigentes dos diretórios estaduais do PSDB para a escolha do candidato do partido a presidente, o senador Aécio Neves ( MG), que será reeleito hoje para comandar o partido por mais dois anos, teria uma maioria esmagadora. Em conversas reservadas, tucanos próAécio fazem um paralelo com 2010, quando defenderam as prévias entre o senador José Serra (SP) e Aécio: se tivessem sido feitas, teria dado 26 a 1 para Serra. Aécio só tinha Minas Gerais. Hoje, diz um tucano, se houvesse prévias, daria o contrário: 26 pró-Aécio e apenas São Paulo com o governador Geraldo Alckmin.

Apesar das manifestações pró-Aécio como o candidato natural, todos, entretanto, têm uma preocupação comum: para os tucanos, a maior armadilha para o partido, que tem chances reais de voltar ao Planalto daqui a 3 anos, é estar rachado para enfrentar o PT. Presidente do partido, Aécio, no entanto, procura minimizar a questão.

— Talvez uma das maiores tarefas, nestes dois anos, seja preservar a unidade do partido. E esse discurso é discurso de quem teme muito o PSDB e fica desde já estimulando a nossa divisão. E para isso eu tenho que, infelizmente, dar uma má notícia: nós estaremos unidos e prontos para vencer as eleições para o bem do Brasil — ironiza Aécio.

Recall da última eleição
Aécio tem o comando de uma máquina turbinada pelo novo Fundo Partidário e um recall ( taxa de conhecimento pelo eleitorado) da última eleição. Mas Alckmin tem nas mãos o comando de São Paulo e terá no Diretório Nacional homens de confiança: o deputado Silvio Torres como secretário geral; o ex-governador Alberto Goldman, que continua como um dos vice-presidentes ; e o deputado Eduardo Cury (SP), que será o interlocutor do partido junto aos prefeitos de todo o país, o que permite ter capilaridade no Brasil. O suplente do senador José Serra ( SP), o ex- deputado José Aníbal, disputa o comando do Instituto Teotônio Vilela com o deputado José Carlos Hauly (PR).

O fato de, em São Paulo, a última pesquisa ter dado Aécio na frente de Alckmin também é "sugestivo", segundo tucanos. Eles alegam que Aécio fez uma boa campanha e estreitou laços com os políticos nos estados, o que ajudaria bastante. No entanto, Alckmin também tem bom trânsito no partido, mas não foi candidato na última eleição.

O discurso para alertar a todos, entretanto, é que o PSDB não pode cair na armadilha e se lançar numa guerra fratricida, porque, se chegar dividido em 2018, perde a possibilidade de vitória contra um PT em crise.

Tucanos apostam no desgaste de Dilma para voltar ao poder

• Crise alimenta ambições presidenciais de Aécio, Alckmin e Serra e estimula conversas com o PMDB

• Senador mineiro diz a aliados que duvida de recuperação de Dilma; para Serra, presidente não concluirá mandato

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Quando as luzes do painel de votação do Senado se acenderam, Aécio Neves (PSDB-MG) virou-se para o colega de bancada Cassio Cunha Lima (PB). "Pode fazer uma foto", disse cochichando. "Esse é o retrato de um governo que está no fim."

Foi na última terça (30), logo após o Senado aprovar um reajuste salarial de mais de 70% para os servidores do Judiciário, por 62 votos a zero, impondo uma derrota humilhante ao Palácio do Planalto.

O discurso público é mais ameno. "A presidente, a cada dia, vem perdendo as condições de governabilidade", disse Aécio à Folha. "À crise econômica se soma uma crise social, e a cada dia eles vivem o imponderável da Lava Jato."

Segundo pesquisa feita pelo Datafolha em junho, o senador mineiro teria 35% das intenções de voto se uma nova eleição presidencial fosse realizada hoje, e largaria na frente do ex-presidente Lula.

Aécio não é o único tucano que vê Dilma numa situação limite. Numa conversa recente com aliados, o senador José Serra (SP) disse não acreditar numa recuperação do governo e apostou que Dilma não concluirá seu mandato.

"Há uma combinação rara de crises que se auto-alimentam", afirmou. "Na política, a tempestade não se dá apenas no Congresso, mas dentro do PT. É o governo mais fraco de que tenho memória. Perto dele, a gestão Jango parece ter tido uma solidez de granito", concluiu.

Serra tem conversado sobre a situação com o PMDB, o partido do vice-presidente Michel Temer, seu amigo. Líderes peemedebistas também tratam do assunto com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que exerce papel moderador dentro de seu partido. FHC esteve recentemente com o senador Romero Jucá (PMDB-RR).

Paralisia
Um desfecho repentino para a crise, com a renúncia ou o afastamento de Dilma, frustraria as ambições do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que se apresenta ao partido como uma alternativa para a eleição de 2018.

O paulista vem travando com Aécio uma disputa por protagonismo na legenda e sabe que, se o governo Dilma afundar antes do fim de seu mandato, as chances de ser o próximo candidato dos tucanos à Presidência da República no lugar de Aécio seriam praticamente inexistentes.

Alckmin tem conversado com parlamentares, governadores e prefeitos de outras legendas. Os relatos sobre a paralisia do setor público que tem ouvido lhe parecem alarmantes. Ele está preocupado com os efeitos da crise econômica em São Paulo, que ameaça reduzir a arrecadação do Estado em mais de R$ 500 milhões.

Alckmin defende a tese de que seu partido não deve apostar na estratégia de desgastar Dilma e o PT a qualquer custo. A posição mais moderada tem a ver com o cálculo que ele faz sobre seu futuro político. "Se ela cair, o Planalto cai no colo do Aécio", diz um integrante do primeiro escalão do governo estadual.

Depois da derrota de Aécio no ano passado, os tucanos moveram uma ação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para pedir a cassação de Dilma e Temer por abuso de poder econômico e político durante a campanha eleitoral.

O processo pode criar uma situação delicada. Se Dilma for cassada, o TSE poderá convocar novas eleições ou dar posse a Aécio, o segundo colocado na última eleição. O senador se recusa a falar sobre esse cenário publicamente, mas, a aliados, rechaçou a segunda hipótese. Disse que apenas uma nova eleição daria a um novo governo a legitimidade necessária.

Fernando Henrique Cardoso - A responsabilidade das oposições

- O Estado de S. Paulo

Diante da paralisia governamental, da expansão incontrolada da ação legislativa, da recessão econômica e do ativismo da Justiça, vê-se muita cobrança: e as oposições, e o PSDB? Sumiram? Que farão com os mais de 50 milhões de votos que receberam?

Compreende-se a angústia, mas é preciso distinguir os papéis da oposição e os do governo. Como no jogo de xadrez, o governo joga com as pedras brancas, as iniciativas têm de partir dele. Tomou algumas no desespero, para enfrentar as agruras financeiras. Ao tomá-las foi buscar quadros e medidas no arsenal da oposição. Quer isso dizer que a oposição deve ficar paralisada? Não. Política econômica é questão de dosagem e de credibilidade. A dose parece excessiva e todo esforço fiscal pode se esvair na falta de atividade econômica, que encolhe a arrecadação. Segundo, sem um horizonte de esperança, qualquer ajuste pode ser letal. Com este governo não há recuperação de credibilidade à vista, pois o cristal se quebrou. E os escândalos de corrupção revelados diariamente se encarregam de corroer qualquer elo de confiança que o governo queira tecer.

Cabe às oposições mostrar no dia a dia, e não só no Congresso, que o sofrimento do povo é consequência da ação desatinada dos governos de Lula e Dilma - da dupla, e não só da última -, que desdenharam das boas práticas de gestão do Estado. Só na Petrobrás, os prejuízos causados por decisões erradas para atender a pressões políticas chegam a R$ 34 bilhões, fora os R$ 6 bilhões de propinas! E que dizer do desrespeito sistemático à Lei de Responsabilidade Fiscal? É prova de imprudência no uso do dinheiro público.

É preciso reavivar a memória do povo, a cada instante, para mostrar que este ajuste violento não corresponde ao que foi pregado pelo PSDB, não é “o que o Aécio faria”. O ajuste vai cair nos ombros da população. O aumento de impostos pega todos, empresários e consumidores, desemprego e reajustes salariais abaixo da inflação pegam os trabalhadores. A alta das taxas de juros em doses excessivas aumenta a dívida pública e dificulta o próprio ajuste. Essas medidas podem eventualmente controlar a inflação, mas reduzem a massa salarial e diminuem o consumo. Como o governo não corta despesas, a retomada do crescimento - se houver - terá sido conseguida a enorme custo para o povo.

O refrão das oposições deve ser: chegamos a tais medidas e ao descalabro atual porque os governos lulopetistas foram irresponsáveis, não se preocuparam em controlar o gasto público e enganaram o povo, enveredando pela megalomania. Os royalties do pré-sal, diziam, vão resolver os problemas da educação, faremos ao mesmo tempo o trem-bala, a transposição do São Francisco, a Norte-Sul e a Transnordestina, sem falar nos 800 aeroportos! Concessão de serviço público é coisa de vende-pátria neoliberal. Daremos empréstimos no Fies e no Minha Casa, Minha Vida, as bolsas acomodarão os miseráveis e o BNDES dará subsídios em abundância aos empresários. O Tesouro Nacional pagará a farra.

Tanto pior, melhor? Não. Anotada e registrada a responsabilidade política do petismo, as oposições, em particular o PSDB, têm compromissos com a Nação. Nada justifica arruinar ainda mais o futuro, votando pela derrubada do fator previdenciário. Nada explica apoiar aumentos de gasto que no futuro serão pagos com mais impostos, mais inflação e mais ajustes. Em suma, a oposição deve criticar as políticas petistas, e não se confundir com elas. Não deve, porém, votar contra os interesses da Nação.

Espera-se mais das oposições. Espera-se que apresentem sua visão de futuro, apontando um rumo ao País. Espera-se que se comprometam com a construção de uma economia de baixo carbono, impulsionada pela inovação, regida por regras claras e estáveis, com agências regulatórias independentes, melhor e mais integrada ao mundo e às cadeias globais de valor. Espera-se que defendam a reindustrialização do País, sem hesitar na crítica a políticas canhestras de conteúdo nacional que, sob a pretensão enganosa de estimular a produção local, acabam por isolar o Brasil e condená-lo à obsolescência tecnológica. Espera-se que façam da educação não um slogan, mas de fato uma prioridade do Estado e da sociedade; que tenham a coragem de dizer que, embora avançando, o Brasil está ficando para trás em relação a países comparáveis ao nosso; que diante da sombra que esse quadro projeta sobre o futuro do País não receiem enfrentar dogmas e pressões corporativas que dificultam reformas e inovações indispensáveis a um salto de qualidade em matéria de educação.

Espera-se das oposições que sejam progressistas também no campo comportamental: que não defendam a redução da maioridade penal, mas sim a extensão da pena dos menores infratores em dependências que sejam condizentes com a dignidade humana; que apoiem como legítimo e justo o casamento entre pessoas do mesmo sexo; que não fujam ao debate sobre as drogas e não temam proclamar que o encarceramento dos usuários é parte do problema, e não da solução; que sejam assertivas na luta pela igualdade de gênero e contra o preconceito e a discriminação racial, com o uso adequado de cotas e demais medidas compensatórias; e que não aceitem retrocessos legais na questão das terras indígenas.

Espera-se das oposições, sobretudo, que reafirmem seus valores democráticos. Que digam, em alto e bom som, ser possível e necessário atuar contra a deliberada violação de direitos humanos, principalmente em países vizinhos, sem com isso ferir o princípio da não intervenção.
Da mesma maneira, espera-se que reiterem não ter o propósito antidemocrático de derrubar governos, mas tampouco o temor de cumprir seus deveres constitucionais, se os fatos e a lei assim o impuserem.

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Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e foi presidente da República